Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
288/13.7T2AVR-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
EFEITOS
Data do Acordão: 06/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DO COMÉRCIO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 17º-D E 17º-G, Nº7, DO CIRE.
Sumário: 1.O processo especial de revitalização (PER) não se destina a resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos, e a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, logo não constitui caso julgado fora do processo (art. 91 CPC), destinando-se à formação e apreciação do quórum deliberativo.

2. Os credores cujos créditos tenham sido reconhecidos no âmbito do PER ficam dispensados do ónus de reclamar no processo de insolvência.

3. Não fazendo caso julgado o reconhecimento de crédito fora do PER, a dispensa do ónus de reclamação não afasta o direito de impugnação por parte dos demais credores no subsequente processo de insolvência.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO
1.1.- A sociedade C…, Lda requereu, na Comarca do Baixo Vouga, processo especial de revitalização (PER).
O Administrador apresentou lista provisória de créditos, nela incluindo o crédito da credora E…, Inc que não foi objecto de impugnação.
1.2. – Em processo de insolvência, por sentença de 5/7/2013 a sociedade C…, Lda foi declarada insolvente.
1.3. - A credora E…, Inc reclamou no processo de insolvência o crédito de € 7.933.286,94.
1.3. - Em 4/9/2013 realizou-se assembleia de credores.
Nela, o credor Banco I…, SA declarou impugnar o crédito da E...
Foi proferido, em acta, o seguinte despacho:
“ Atento o doutamente requerido, concede-se o prazo de dez dias para pronúncia sobre o requerimento apresentado pelo credor BANCo I...
Notifique ainda a credora A…, SA na qualidade de membro suplente na comissão de credores para, em igual prazo, se pronunciar querendo, sobre o referido requerimento.
Oportunamente será designada data para a continuação da presente diligência”.
O Administrador de Insolvência alegou que relativamente à impugnação do crédito reconhecido à sociedade E…, uma vez que tanto o credor impugnante como o credor cujo crédito é impugnado são credores reconhecidos na lista de créditos apresentada no processo especial de revitalização que precedeu a insolvência, e como não foi objecto de impugnação (art.17 D nº3 CIR), a lista provisória transformou-se em definitiva, pelo que a impugnação agora deduzida é extemporânea.
1.4. - A C… acompanhou a impugnação do BANCo I… ao crédito reclamado pela E…
A Credora E… respondeu.
1.5.- Por despacho de 23/9/2013 decidiu-se:
Designar para a continuação da assembleia de credores, nos termos do art.76 do CIRE, o dia 3 de Outubro, às 14 horas.
“ No que concerne à credora E… entendemos que não é aplicável o disposto no art. 17 G/7 do CIRE , porque a lista provisória de credores no processo especial de revitalização não se converteu em definitiva ( atenta a impugnação ali deduzida, sendo certo que, em nosso entender, a aplicação do referido preceito deverá ser reservada para o caso excepcional de ausência de qualquer impugnação), mas também que não está vedado o direito de voto, porque o pedido da interessada só poderia logicamente ser apresentado após a impugnação do crédito, a qual foi feita no início da assembleia e porque a interessada respondeu no prazo concedido no anterior despacho.
Assim, o número de votos da referida credora será fixado de harmonia com o disposto no art. 73/4 do CIRE, considerando o que for exposto na assembleia”.
(…) “
1.6. - O BANCO I… respondeu aos requerimentos do AI e da credora E…
1.7. - No dia 3 de Outubro de 2013 realizou-se a continuação da assembleia de credores.
Nela, a credora E… requereu não abdicar do direito de voto, sendo estabelecido nos termos do art.73/1 CIRE e que seja fixada voto de acordo com o montante do seu crédito, na medida de um voto por cada euro.
Foi proferido o seguinte despacho:
“ Tendo em conta que o crédito da requerente resulta, como foi referido nesta Assembleia de Credores, de uma cláusula penal inserida num contrato de promoção imobiliária, não tendo ficado esclarecidas quaisquer circunstâncias concretas relativas ao trabalho desenvolvido pela interessada e relativas igualmente aos prejuízos efectivos que terá sentido, na sequência do alegado incumprimento contratual por parte da insolvente, não vislumbra o tribunal fundamento razoável para que o crédito da E… ascenda a valor especialmente elevado, superior a 50% de todos os créditos reconhecidos.
Consideramos provável, por isso, que as impugnações já manifestadas nos sutos tenham fundamento material, podendo determinar, pelo menos, uma diminuição considerável do valor do crédito.
Pelo exposto, nos termos do art. 73 nº4 do CIRE, admite-se o direito de voto da interessada E... e fixa-se a sua quantidade na correspondência ao valor de 3 milhões de euros.”
1.8.- A … Inc recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

Contra-alegou o BANCO I… sustentando, além do mais, a inadmissibilidade do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- O objecto do recurso
Nas contra-alegações o BANCO I… suscita a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, alegando que quanto à arguida omissão de pronúncia já foi objecto de decisão em 23/9/2013, e, por outro lado, a decisão que atribuiu o número de votos é irrecorrível, por imperativo do art. 73 nº5 do CIRE.
A alegada omissão de pronúncia reporta-se ao requerimento feito no início da assembleia dia 3 de Outubro de 2013, pelo sobre ela não podia incidir (como não incidiu) o despacho de 23/9/2013.
No que se refere à impugnação da decisão de 3/10/2013, a recorrente, por entender que o seu crédito está definitivamente reconhecido, diz não ter lugar a atribuição de votos, nos termos do art. 73 nº4 do CIRE, e nesta medida é sindicável, não propriamente a decisão a conferir os votos em concreto, mas sobre a sua legalidade.
Em suma, improcede a questão prévia.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
A Apelante veio requerer a aplicação do efeito suspensivo. Contudo o efeito próprio é o devolutivo, como se justificou no despacho de fls. 67.
As questões submetidas a recurso, delimitado pelas conclusões, são as seguintes:
Nulidade (por omissão de pronúncia) do despacho proferido na acta da assembleia de credores do dia 3/10/2013;
Se o crédito da Apelante reconhecido no processo especial de revitalização pode ser impugnado na insolvência da devedora, entretanto decretada;
Se o tribunal estava legitimado a usar da faculdade prevista no art. 73 nº4 do CIRE.
2.2. – O mérito do recurso
A nulidade do despacho:
A Apelante arguiu a nulidade, por omissão de pronúncia, do despacho proferido na acta da assembleia de credores do dia 3/10/2013, dizendo que o tribunal não conheceu do requerimento apresentado no início.
Conforme consta da acta, a E… requereu, em síntese, que lhe fosse fixado voto de acordo com o montante do seu crédito, na medida de um voto por cada euro ou fracção.
O tribunal emitiu decisão a admitir o direito de voto e a fixar a sua quantidade na correspondência ao valor de 3 milhões de euros.
É por demais evidente que houve pronúncia, logo não se verifica a imputada nulidade.
Se o crédito reconhecido no processo especial de revitalização pode ser impugnado na insolvência, entretanto decretada:
A Apelante considera que tendo sido reconhecido no PER (que precedeu a insolvência) o seu crédito reclamado e transformando-se a lista provisória em definitiva, o mesmo já não pode ser objecto de impugnação no processo de insolvência. É que o prazo de reclamação de créditos previsto no art.36 nº1 j) CIRE destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados, nos termos do nº2 do art. 17 D e a possibilidade de impugnação está limitada a estes.
Contudo, esta posição não é juridicamente aceitável.
O art. 17 G nº7 CIRE reporta-se à reclamação, significando apenas que os credores cujos créditos tenham sido reconhecidos no âmbito do PER ficam dispensados do ónus de reclamar no processo de insolvência.
Ora, apesar de a lei se exprimir em “conversão” ( “ convertido em processo (…)”) do processo especial de revitalização em processo de insolvência, a verdade é que se trata de processos distintos e autónomos. O processo de insolvência é uma novo processo, com uma nova instância, tanto assim que a ele é apensado o PER (art.17 G nº4).
O PER, dada a sua natureza, não se destina a resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos, pois a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, logo não constitui caso julgado fora do processo (art. 91 CPC), visando, no essencial a formação e apreciação do quórum deliberativo (cf., Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª edição, 2013, pág. 159 e segs., Nuno Casanova/David Dinis, PER – O Processo Especial de Revitalização, 2014, pág. 78 e segs.).
Daqui resulta que não fazendo caso julgado o reconhecimento de crédito fora do PER, a dispensa do ónus de reclamação não afasta o direito de impugnação por parte dos demais credores.
Neste sentido, em comentário ao art. 17 G CIRE, escrevem Nuno Casanova/David Dinis – “Por último, esclarece-se que o facto de determinados credores terem sido incluídos na lista definitiva de créditos reclamados no âmbito do PER apenas implica que os mesmos ficam desonerados de reclamar os seus créditos no processo de insolvência. Não impede que os créditos desses credores sejam impugnados no âmbito do processo de insolvência. A lista definitiva de créditos no PER não tem força de caso julgado “ (loc. cit., pág. 172).
Sendo assim, porque impugnado o crédito, estava o tribunal legitimado a conferir os votos, nos termos do art. 73 nº4 do CIRE.
2.3. – Síntese conclusiva
1.O processo especial de revitalização (PER) não se destina a resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos, e a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, logo não constitui caso julgado fora do processo (art. 91 CPC), destinando-se à formação e apreciação do quórum deliberativo.
2. Os credores cujos créditos tenham sido reconhecidos no âmbito do PER ficam dispensados do ónus de reclamar no processo de insolvência.
3. Não fazendo caso julgado o reconhecimento de crédito fora do PER, a dispensa do ónus de reclamação não afasta o direito de impugnação por parte dos demais credores no subsequente processo de insolvência.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
2)
Condenar a Apelante nas custas.
Coimbra, 24 de Junho de 2014.
( Jorge Arcanjo - Relator )
( Teles Pereira )
( Jorge Arcanjo )