Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
42/15.1T8FCR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
ACÇÃO DE DESPEJO
PROCESSO URGENTE
PRAZO
FÉRIAS JUDICIAIS
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - F.C.RODRIGO - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.32, 35 LAR ( DL Nº 294/2009 DE 13/10), 137, 138, 139, 584, 585 CPC
Sumário: 1.- Tem carácter urgente o processo da acção de despejo por falta de pagamento da renda de contrato de arrendamento rural.

2.- Nos processos classificados como “urgentes”, vigora a regra da continuidade dos prazos judiciais, pelo que correm em férias e, também, quanto ao momento em que devem ser praticados os actos que lhes subjazem, devem considerar-se como se não houvesse férias judiciais, ou seja, se for o caso, têm de ser praticados no decurso das férias judiciais, pois a contradição das normas do nº1 e nº2 do art. 137º CPC é meramente aparente.

Decisão Texto Integral:









            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

D (…), intentou, em 03 de Junho de 2015 (cf. fl.s 40 dos autos principais), a acção declarativa de condenação, a que os presentes autos se encontram apensos, com processo comum, contra a “S (…), L.da”, já ambos identificados nos autos, peticionando o seguinte:

- ser decretada a cessação do contrato de arrendamento rural, descrito naqueles autos, celebrado entre as ora partes, por resolução, motivada na falta de pagamento das rendas vencidas desde o ano de 2009;

- ser a ré condenada a despejar e entregar de imediato à autora e chamado, os prédios rústicos objecto de tal contrato;

- a pagar as rendas vencidas e vincendas e correspondentes juros de mora.

Conforme articulado aqui junto de fl.s 5 a 13, que deu entrada em juízo no dia 20 de Julho de 2015 (cf. fl.s 17, do presente apenso), a ré apresentou contestação, invocando a ilegitimidade activa da autora, por desacompanhada do comproprietário dos prédios arrendados; inexistência de mora da sua parte; impugnando o valor da renda e valor da acção; prescrição de algumas rendas, se devidas e deduziu reconvenção, com fundamento em ter plantado árvores e feito obras nos prédios arrendados (ali melhor descritas), tudo, em valor que ascende a mais de 60.000,00 €.

Benfeitorias que qualifica como tratando-se de “benfeitorias úteis e que não podem ser levantadas sem danificar as propriedades, ou seja, não podem ser levantadas” (cf. artigo 32.º da contestação).

A autora foi notificada da contestação apresentada pela ré no dia 24 de Julho de 2015.

Respondendo, a autora, cf. requerimento que apelidou de “réplica”, entrado em juízo no dia 02 de Setembro de 2015 (cf. fl.s 24 dos presente apenso), veio arguir a ineptidão do alegado quanto ao pedido reconvencional, com o fundamento em ser ininteligível a respectiva causa de pedir, por não a ré não indicar claramente quando e onde realizou as referidas obras e plantações, não as concretizando, o que impugna, bem como o valor indicado para as mesmas.

Em consequência do que pugna pela procedência da invocada excepção ou improcedência da reconvenção.

Conforme requerimento aqui junto a fl.s 25 v.º e 26, que deu entrada em juízo em 15 de Setembro de 2015 (cf. fl.s 26 v.º destes autos), a ré vem requerer que seja declarada extemporânea e, por isso, desentranhada, a referida réplica, com o fundamento em que tratando-se de processo urgente, correm em férias os respectivos prazos.

Tendo a autora sido notificada da contestação em 24 de Julho de 2015, dispunha do prazo de 30 dias para responder, que terminou em 24 de Agosto de 2015, pela que tendo sido apresentada em 02 de Setembro de 2015, é extemporânea.

Respondendo, a autora, cf. requerimento de fl.s 30 a 33, dos presentes autos, entrado em juízo no dia 15 de Outubro de 2015 (cf. fl.s 34, dos presentes autos), defende a tempestividade da réplica que apresentou, com o fundamento em que os presentes autos não têm a natureza de processo urgente, por não estarem abrangidos pelo disposto no artigo 35.º da LAR e ainda que assim fosse, o prazo para apresentação da réplica estava suspenso quando lhe foi notificada a contestação apresentada, dado que o foi no decurso das férias judiciais, pelo que tem aplicação o disposto no artigo 137.º, n.º 1, do CPC, de acordo com o qual, não se praticam actos processuais durante o período de férias judiciais, com as excepções previstas no seu n.º 2.

Bem como porque, cf. o artigo 138.º, n.º 1, do CPC, se suspendem os prazos judiciais inferiores a seis meses, como é o caso, pelo que o início do prazo só se iniciou com o 1.º dia útil subsequente ao termo das férias judiciais.

Em sede de audiência prévia, foi proferida a decisão de fl.s 43/44 (aqui recorrida), que se passa a transcrever:

“DA ADMISSIBILIDADE DA RÉPLICA

Nos presentes autos de acção declarativa comum (acção de despejo, contrato de arrendamento rural), foi junta pela Autora D (…), em 02-09-2015, réplica.

Por requerimento de 15-09-2015, vêm os Réus pugnar pela inadmissibilidade daquele articulado processual com fundamento na sua extemporaneidade, alegando que “Nos termos da lei, correm em férias os prazos atinentes ao presente processo”.

*

QUESTÃO A DECIDIR:

▪ A questão que cumpre decidir é saber se o prazo para a Autora apresentar Réplica se suspende ou não durante as férias judiciais, por estar em causa processo que a lei considera urgente.

*

O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes (artigo 138.º, n.º1, do CPC) – sublinhado nosso.

O prazo é dilatório ou peremptório (artigo 139.º, n.º1, do CPC).

O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo e o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto (artigo 139.º, n.s º 2 e 3, do CPC).

A lei permite ainda em algumas situações que se pratique o acto fora do prazo fixado, e que são em caso de justo impedimento ou, independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos termos do artigo 139.º, n.º5, do CPC.

Nos termos do artigo 584.º, n.º1, do CPC, só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção, sendo que o prazo para apresentação daquele articulado é de 30 dias, a contar daquele em que for ou se considerar notificada a apresentação da contestação (artigo 585.º, do CPC).

Por outro lado, uma vez que nos presentes autos se discute a cessação de um contrato de arrendamento rural, o presente processo tem carácter de urgência, não havendo lugar suspensão dos prazos processuais durante as férias judiciais (artigo 138.º, n.º1 do CPC e 35.º, n.º 2, do Novo Regime do Arrendamento Rural, aprovado pelo DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro).

Assim, o prazo de 30 dias a contar da notificação da contestação para a Autora replicar à matéria reconvencional deduzida pela Ré é peremptório, contínuo, não se suspendendo durante as férias judiciais pelo que, a Réplica quando foi apresentada já tinha decorrido o prazo peremptório para a apresentação da mesma, o que extinguiu o direito da Autora a praticar tal acto.

NESTES TERMOS, O TRIBUNAL DECIDE:

▪ Não admitir a réplica apresentada pela Autora;

▪ Determinar o desentranhamento da peça processual apresentada.”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso, a autora, D (…), recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, em separados e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho aqui junto a fl.s 91 e v.º), apresentando as seguintes conclusões:

A)- Por notificação elaborada em 21/07/2015 foi a Autora foi notificada da contestação apresentada pela Ré, articulado este no qual a Ré deduziu reconvenção.

B)- Em 02/09/2015 a Autora deduziu contestação à reconvenção, nos termos que entendeu por convenientes.

C)- Por requerimento de 15/09/2015, nos seus pontos 1, 2, 3, 4, 5 e 6, veio a Ré alegar que, nos termos da lei, correm em férias os prazos atinentes ao presente processo, dado se tratar de um processo urgente, pelo que tendo a Autora apresentado a sua Réplica no dia 02 de Setembro de 2015, tal articulado era extemporâneo.

D)- Por despacho de fls. … de 29/09/2015, com a referência 23413465, a Autora foi notificada para deduzir oposição a este incidente.

E)- Por requerimento de 15/10/2015 com a referência 20820122 a Autora deduziu oposição, impugnando tudo quanto aqui foi alegado pela Ré, e alegando que os presentes autos não representam um processo urgente, mas antes um processo normal, por força do disposto no Artº. 32, nº 1 do DL 294/2009, de 13/10, e porque não vem expressamente previsto no Artº. 35 deste mesmo decreto-lei como processo urgente, concluindo, assim, que a sua Réplica foi tempestiva.

F)- Na audiência prévia realizada no âmbito destes autos em 12/05/2016 a Mª: Juíz “a quo” pronunciou-se quanto a este incidente, julgando improcedente a oposição deduzida pela Autora e, por consequência, julgando extemporânea a réplica apresentada pela Autora em 02/09/2015.

G)- Ora, a questão aqui colocada é a de se definir se os presentes autos – acção de despejo por falta de pagamento de rendas - devem ser qualificados como processo urgente ou como processo normal.

H)- Os Artºs. 32 e 35 do DL 294/2009, de 13/10 (Lei do Arrendamento Rural) determina o seguinte:

(…)

I)- Ou seja, nesta lei o legislador refere expressamente que as acções de despejo seguem a forma de processo comum declarativo (Artº. 32).

J)- Por outro lado, nesta mesma lei o legislador refere expressamente que têm carácter de urgência:

- os processos judiciais referidos no artigo 31 (acções de preferência)

- os processos judiciais referentes a litígios de cessação e transmissão do contrato de arrendamento (…),

L)- Porém, deixa também de fora deste carácter de urgência outros processos se outra for expressamente prevista (Artº. 35).

M)- Ou seja, com este artigo - Artº. 35 - o legislador restringe expressamente o carácter de urgência aos processos judiciais aqui indicados.

N)- Ora, se fosse intenção do legislador conferir o carácter de urgência às acções de despejo rural, tê-lo-ia feito neste mesmo Artº. 35, pois neste fala expressamente no Arº. 31 e não fala no Artº. 32, além de que o nº 2 deste Artº. 35 refere expressamente “salvo se outra for expressamente prevista”, o que significa que também por aqui ficam de fora deste carácter de urgência as acções de despejo, dado que o Artº. 32 diz expressamente que estas seguem a forma de processo comum declarativo.

O)- Aliás, a causa de pedir na acção de despejo objecto dos presentes autos é precisamente a falta de pagamento das rendas devidas, sendo a cessação do contrato de arrendamento um efeito colateral, o qual só surge se efectivamente se se provar a sua falta de pagamento e também desde que a Ré não as deposite no prazo de lei que ainda o pode fazer no âmbito destes autos e, por isso, impedir a cessação do contrato de arrendamento com este fundamento (falta de pagamento de rendas).

PORÉM,

P)- SEM CONCEDER, E PARA O CASO DE ASSIM SE NÃO ENTENDER (o que apenas se admite para efeitos de raciocínio), o certo é que o prazo para a Autora praticar o acto aqui em causa – apresentação da Réplica – estava suspenso na data em que a mesma foi notificada da contestação, dado que a Autora foi notificada da apresentação da contestação em pleno período de férias judiciais - 24/07/2015 -.

Q)- Ora, o nº 1 do Artº. 137 do NCPC, aplicável ex vi Artº. 42 do DL 294/2009, de 13/10 (ex Artº. 143 do CPC) refere que (…) não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias, e o nº 2 diz que se excetuam do disposto no número anterior as citações e notificações, os registos de penhora e os actos que se destinem a evitar dano irreparável.

R)- Por seu lado, o nº 1 do Artº. 138 do NCPC (ex Artº. 144 do CPC) refere que o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior seis a meses ou se se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.

S)- Ou seja, as notificações e as citações podem ser feitas em tempo de férias judiciais e são eficazes, mas o início do prazo para a prática do acto seguinte só ocorre com o primeiro dia útil subsequente ao termo das férias judiciais (Cfr. Ac. TRL de 05/04/2011, Proc. nº 1771/09.4TBBNV).

- Aliás, neste mesmo Ac. Do TRL é referido que, caso não tivesse ocorrido a entrada em vigor do DL 35/2010, de 15/04, o prazo não seria suspenso durante as férias judiciais, por força do Artº. 144, nº 1 do CPC, sendo que no mesmo sentido decidiu o TRC no seu Ac. De 22/06/2004, no Proc. 1786/04, cujo sumário é o seguinte:

(…)

T)- Aliás, estes mesmos princípios ainda se encontram em vigor.

U)- Por outro lado, decorre deste mesmo artigo 138 do NCPC que o prazo não se suspende se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.

V)- Ora, no caso destes autos não temos nem um caso de prazo superior a seis meses, nem um caso de um processo urgente, nem um caso de um acto que se destine a evitar dano reparável.

X)- De facto, no caso destes autos, a Autora apresenta uma autêntica acção de despejo, na qual pede a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas.

Y)- Ou seja, a causa de pedir na acção de despejo objecto dos presentes autos é precisamente a falta de pagamento das rendas devidas, sendo a cessação do contrato de arrendamento um efeito colateral, o qual só surge se efectivamente se provar a sua falta de pagamento e também desde que a Ré não as deposite no prazo de lei que ainda o pode fazer no âmbito destes autos e, por isso, impedir o despejo que está a ser aqui pedido.

Z)- Assim sendo, é intuitivo que a apresentação da Réplica pela Autora não se destina a evitar dano irreparável.

AA)- Posto isto, como a Autora foi notificada da contestação em 24/07/2015, ou seja, em pleno período de férias judiciais, o prazo para a mesma apresentar a Réplica só se iniciou no dia 01 de Setembro de 2015, tendo a Autora apresentado a sua réplica em 02 de Setembro de 2015.

AB)- Consequentemente a sua apresentação foi tempestiva.

AC)- Por último, a estes argumentos ou fundamentos para se considerar como legítima, válida e a única prevista na lei a tese de que as acções de despejo, no que diz respeito aos arrendamentos rurais, não terem carácter urgente tem a ver com o facto de que, por aplicação subsidiária permitida pelo Artº. 42 da Lei do Arrendamento Rural (DL 294/2009, de 13/10), para além das razões ou fundamentos aqui supra indicados, é o facto de as ações de despejo dos arrendamentos urbanos também não terem carácter urgente, mas o carácter de processos comuns.

AD)- De facto, o Artº. 42 da Lei do Arrendamento Rural refere o seguinte:

(…)

AE)- Assim, não poderia o Tribunal “a quo” julgar extemporânea a apresentação do articulado de Réplica pela Autora nestes autos.

AF)- Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou por erro de interpretação e aplicação os Artºs. 32, 35, e 42 do DL 294/2009, DE 13/10, e os Artºs. 137 e 138 do NCPC.

TERMOS EM QUE deve ser dado provimento ao presente RECURSO DE APELAÇÃO, julgando-o procedente e, em consequência, ser a douta Decisão ora recorrida revogada e substituída por outra que determine a aceitação e admissão do Articulado de Réplica apresentado pela Autora em 02/09/2015, mesmo com sujeição ao pagamento de multa pela sua apresentação no 1º dia útil após o fim do prazo (01/09/2015 – último dia), porque tempestivo, com as legais consequências, fazendo-se assim inteira e sã JUSTIÇA!

Contra-alegando, a ré, pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em que se trata de processo com natureza urgente e, por isso, correm em férias os prazos processuais fixados, bem como, em férias, devem ser praticados os actos processuais inerentes.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a tempestividade da réplica apresentada pela autora, designadamente se, dado o carácter de urgência dos presentes autos, o prazo para a sua apresentação, não se suspende em férias, antes correndo de modo contínuo.

 

A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.

Tempestividade da réplica apresentada pela autora, designadamente se, dado o carácter de urgência dos presentes autos, o prazo para a sua apresentação, não se suspende em férias, antes correndo de modo contínuo.

Como resulta do relatório que antecede, a ora recorrente pugna pela tempestividade da apresentação da réplica, com base em duas ordens de razões:

- não estamos em presença de um processo de natureza urgente, porque assim não previsto no artigo 35.º, n.º 2, da LAR e;

- mesmo que assim seja, nos termos do disposto no artigo 138.º, n.os 1 e 2, do CPC, como a notificação da contestação ocorreu em férias judiciais, período em que não se praticam actos judiciais, exceptuando o previsto no seu n.º 2, que entende não ser aqui aplicável, a prática desse acto – in casu, a apresentação da réplica – se transfere para o 1.º dia útil após férias.

Vejamos se tem razão em tal argumentação.

E, desde já, adiantando a solução, ressalvado o devido respeito por tal opinião, não partilhamos do entendimento da recorrente.

No que se refere à natureza urgente dos autos principais, não pode suscitar-se a menor dúvida.

Como acima assinalámos, está em causa a cessação de um contrato de arrendamento rural, por falta de pagamento de rendas.

Como resulta do disposto no artigo 35.º, n.º 2, da LAR, estes processos “têm carácter de urgência e seguem a forma de processo sumário”.

Assim, dúvidas inexistem que estamos em face de processo de carácter/natureza urgente, do que derivam consequências a nível processual, tal como a de correrem em férias os respectivos prazos judiciais, com os que se passa a analisar a segunda das razões apontada pela autora, acima referida.

Efectivamente, como decorre do disposto no artigo 138.º, n.º 1, do CPC, estabelece-se a regra da continuidade dos prazos:

“ O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes”.

Por seu turno, regulando o momento da prática dos actos, dispõe-se no seu artigo 137.º que:

“1. Sem prejuízo de atos realizados de forma automática, não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais.

2. Exceptuam-se do disposto no número anterior as citações e notificações, os registos de penhora e os atos que se destinem a evitar dano irreparável”.

Em face da aparente contradição entre estas normas – já que a 1.ª estabelece a regra da continuidade dos prazos, segundo a qual, os prazos referentes a processos urgentes, correm em férias, ao passo que a ora, por último, citada, dispõe que, quanto ao momento da prática de actos processuais, os mesmos não se praticam em férias, com excepção dos referidos no seu n.º 2 – há quem defenda que, mesmo em processos de natureza urgente, em férias, se suspende a prática de actos processuais, tal como propugna a aqui recorrente.

Como acima já referimos, não aderimos a esta orientação, só existindo uma aparente contradição entre estas normas.

Efectivamente, não se compreenderia que, por força da natureza urgente dos autos, corram, continuamente, em férias, os respectivos prazos processuais e depois, se suspendesse a prática dos actos processuais que lhe estão subjacentes, a não ser que, depois de uma análise casuística, se entendesse que se trata de actos “que se destinem a evitar dano irreparável”, do que decorreria uma aplicação desigual da lei, para processos, todos eles, de natureza urgente.

É indubitável que estamos perante um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto – cf. artigo 139.º, n.os 1 e 3, do CPC, pelo que decorrido o prazo para apresentação da réplica, está precludido/extinto o direito de a apresentar.

Assim, da conjugação das normas do CPC, acima referidas, resulta, para harmonização e razoabilidade do sistema jurídico que, nos casos de processos urgentes, já se supõe que se trata – por opção do legislador – de casos em que, pela sua própria natureza, se previnem situações a fim de evitar danos irreparáveis para as partes envolvidas, o que acarreta que os prazos são contínuos, porque correm em férias e os respectivos actos processuais também têm que ser praticados em férias judiciais, se com estas coincidirem, não se transferindo para o 1.º dia útil após férias.

Como refere Lopes do Rego, in Comentários …, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2004, a pág. 150, em anotação ao artigo 144.º do CPC, na redacção então em vigor (transposto para o actual 138.º):

“Não se suspendem, portanto, durante os dias que, nos termos das leis de organização judiciária, se integram nas férias judiciais todos os prazos processuais que respeitem a actos incluídos na tramitação de processos urgentes (…), independentemente da sua duração.

Da conjugação desta norma com a que consta do n.º 2 do art. 143.º, na parte em que admite a prática de actos processuais “que se destinem a evitar dano irreparável” durante o período de férias judiciais, decorre que os actos inseridos na marcha dos processos legalmente “urgentes”, cujos prazos terminem em férias, deverão ser durante estas praticados – não se transferindo, pois, para o primeiro dia útil subsequente ao termo daquelas.

Na verdade, pensamos que – consagrada explicitamente, para este efeito, a figura dos processos “urgentes” – a expressão “actos que se destinem a evitar acto irreparável” deverá ser interpretada e aplicada como significando acto integrado na tramitação de um processo que a lei explicitamente configura e qualifica como “urgente” – sem que deva ter lugar a concreta alegação e demonstração da virtualidade do acto em questão para produzir um (concreto) “dano irreparável”. Na base da qualificação legal de um processo como urgente está a ideia de que o conjunto das diligências a realizar nele tem com fim ou função última a prevenção de um dano que o legislador presumiu de irreparável para uma das partes”.

Ou seja, nos processos classificados como “urgentes”, vigora a regra da continuidade dos prazos judiciais, pelo que correm em férias e, também, quanto ao momento em que devem ser praticados os actos que lhes subjazem, devem considerar-se como se não houvesse férias judiciais; isto é, igualmente, se for o caso, têm de ser praticados no decurso das férias judiciais.

Neste sentido, pode ver-se o Acórdão desta Relação de 24/01/2012, Processo n.º 74/11.9TBFCR-A.C1, disponível no respectivo sítio do itij (e no qual se faz uma resenha jurisprudencial das posições em confronto) e da Relação de Évora, de 15/12/2009, Processo n.º 11/08.8TBRDD.E1, igualmente, disponível no mesmo sítio.

Face ao exposto e atento a que a autora – aqui recorrente – foi notificada da contestação oferecida pela ré, no dia 24 de Julho de 2015, dispunha do prazo de 30 dias para apresentação da réplica a contar desta data, cf. artigo 585.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 42.º, n.º 2, da LAR.

Tendo a réplica sido apresentada em juízo no dia 02 de Setembro de 2015, é manifesto que o foi já depois de decorrido o prazo de que a autora dispunha para tal, pelo que, consequentemente, é extemporânea, não podendo, por isso, ser mantida nos autos, tal como decidido em 1.ª instância, o que se mantém.

Assim, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, pela apelante.

Coimbra, 10 de Setembro de 2019.

Arlindo Oliveira ( Relator )

Emídio Santos

Catarina Gonçalves