Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
130/16.7T8FVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: SERVIDÃO DE VISTAS
JANELA
USUCAPIÃO
EXTINÇÃO
NÃO USO
RECURSO DE FACTO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
PASSAGEM DA GRAVAÇÃO
REJEIÇÃO
VALOR PROCESSUAL
Data do Acordão: 05/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - F.VINHOS - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.1360, 1361, 1362, 1363, 1364, 1570 CC, 299, 527, 530, 640 CPC
Sumário: I - A não indicação com exatidão das passagens da gravação em que funda o recurso da decisão sobre a matéria de facto, implica a sua rejeição na medida e parte afectadas, e dele apenas se podendo conhecer se outros meios probatórios, só por si, relevarem.

II - Uma abertura apenas pode ser tida por janela - vg. para o efeito de poder acarretar uma servidão de vistas – artº 1362º do CC – se tiver medidas superiores ao da fresta e um parapeito no qual se possa apoiar e debruçar o tronco e a cabeça, assomando-os total, livre e incondicionadamente, para a parte exterior, já espaço do prédio vizinho, e, assim, comodamente, sobre ele fruindo de vistas e o devassando.

III - Não reúne estes requisitos uma abertura com cerca de 1m de lado, mas que é condicionada por uma grade de ferro com uma malha de cerca de 10cm colocada no exterior da parede a 09cm de distância/profundidade desta.

IV - Na servidão de vistas não se exerce a servidão através do disfrute das vistas mas através da manutenção da obra – janela, terraço, etc - em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho.

V - Assim, o prazo para a extinção pelo não uso não se conta e inicia a partir do momento em que deixaram de ser usadas, mas antes apenas a partir da verificação de algum facto que impeça o seu exercício – artº 1570º nº1 do CC.

VI - O valor processual é quid diverso do valor tributário, pelo que, em face de pluralidade de pedidos de autor e reconvinte, cada um deles pelas partes concretamente valorado/quantificado, e de sucumbência parcial destas, a fixação da parte da sua responsabilidade quanto a custas deve dimanar não da fixação de uma percentagem em função do valor processual, mas antes pela fixação de um concreto quantum por consideração daquela valoração e do grau de sucumbência de cada pedido.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

F (…) intentou contra R (…)  e I (…),  acção declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu:

A condenação dos réus a:

1- Declarar-se que se encontra constituída sobre o prédio dos Réus, que identifica,  servidões de vistas, ar e luz relativamente às janelas situadas no 1º andar e às aberturas situadas no piso térreo do mesmo.

2- Condenar-se os RR. a demolir a parede das edificações referidas em 41 a 45 por modo a que deixem entre estas construções e o prédio urbano da A., descrito em 1 alínea a) da petição inicial, intervalo mínimo de um metro e meio.

3- Declarar-se que se encontra constituída sobre o prédio dos RR., onerando-o, e a favor do prédio da A. descrito em 1, alínea a) servidão de estilicídio, relativamente às águas pluviais que tombam e escorrem do telhado e respetiva beira do lado norte do prédio da A. descrito em 1, alínea a).

4- Condenarem-se os RR. a absterem-se da prática de quaisquer atos perturbadores do exercício dos direitos de servidão de vistas, luz, ar e estilicídio que beneficiam o prédio da A., nomeadamente de nele executar obras que prejudiquem ou violem aqueles direitos de servidão.

5- Em caso de procedência do pedido formulado em 1-, condenarem-se os RR. a não edificarem nova chaminé que permita a emissão de fumos e cheiros para o interior do prédio da A. nomeadamente, não a implantando na direção ou defronte das janelas, ou,

6- Em caso de improcedência do pedido formulado em 1- sejam os RR. condenados a demolir ou a deslocar aquela chaminé de modo a evitar a emissão de fumos e cheiros para o interior do prédio da A. descrito em 1 alínea a).

7- Condenar os RR. a procederem à reparação do muro que é parte integrante dos prédios da A. descritos em 1 alíneas a) a c), referido supra em 62 e 63, na parte confinante com o jardim dos RR., suportando os encargos respetivos e ainda executando os trabalhos necessários para evitar que o muro da A. suporte as terras do prédio dos RR..

8- Condenar os RR. a pagar à A. indemnização por danos morais no montante € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal anual para os juros civis, desde a citação até integral pagamento.

Alegou:

É proprietária de um prédio misto, em que por referência à parede norte da respectiva moradia onde se encontram duas janelas e três aberturas, os RR, seus vizinhos, erigiram uma garagem e anexos a apenas 95 cm de distância, em colisão do seu direito de vistas.

No anexo que corresponde a uma churrasqueira, implantaram uma chaminé, que quando utilizada fumega fazendo a evacuação de fumos e cheiros para a zona das janelas.

Também na mesma parede o beirado ultrapassa o alinhamento vertical em cerca de 20 cms, deitando as águas para o prédio dos RR.

Na parte nascente dos prédios, os RR fizeram um jardim com relvado, onde existia e existe um muro feito em alvenaria no qual pela pressão feita pelas terras no prédio dos RR abriram fendas e brechas.

Tal actuação dos RR. causou-lhe desgosto, perdendo entusiasmo de se deslocar à casa que era dos seus Pais.

Os réus contestaram e reconvieram.

Alegaram:

Na data de construção da propriedade, não tinha a moradia da A qualquer abertura na zona norte.

As aberturas constantes ao presente foram feitas unicamente para passagem de luz e ar dado não permitirem que qualquer pessoa, adulto ou criança, se debruce, dado até as aberturas maiores em preenchidas com colunas com dimensões de 10cm por 10cm, não havendo mais de 9cm de abertura livre.

O beirado foi guarnecido com uma caleira aplicada no mesmo, nunca havendo  qualquer gotejar para o prédio dos RR.

A degradação do muro operou pelo decurso do tempo e não por qualquer acção sua.

A chaminé encontra-se colocada a nível superior, não atingindo qualquer abertura.

A Autora não vive local desde os seus 16 ou 17 anos, pretendendo satisfazer o seu capricho.

Eventual servidão  mostra-se extinta pelo não uso, dado a habitação se encontrar desabitada com carácter permanente e continuado.

 A A. alterou as duas aberturas que existiam no primeiro piso da sua moradia, colocando uma grade em metal lixada, que não respeita as dimensões para janelas gradeadas, nem respeita a altura mínima de 1,8m por ambos os lados.

Mais existe um terraço que deita directamente para o prédio dos AA, num comprimento de cerca de 3,80m, assim o devassando, devassa essa que os RR toleraram apenas aos ascendentes da A. mas já não a esta.

Pediram:

A improcedência da acção.

E, em reconvenção, impetraram:

c) A condenação da autora a tapar as aberturas, existentes no primeiro andar, com material de construção sólida, inamovível e opaco, no prazo de 15 dias, ou no que se entender,

d)  A sua condenação a, no prazo de 15 dias, ou no que se entenda razoável, construir no terraço e, na parte que deita directamente para o prédio dos RR, com material de construção sólida e opaca, um muro em redor, com, pelo menos, 1.5 m de altura; tanto lateral, como de frente de tal terraço, a deitar também, para o prédio dos AA, até à altura de 1.5 m e, ao afastamento de 1.5 m da estrema.

A A. apresentou articulado de réplica, ampliando o seu pedido de três para cinco aberturas ao nível do rés-do-chão, impugnando a matéria descrita em sede de reconvenção, alegando que o seu terraço já ali existe há mais de 60 anos.

Conclui agirem os RR com má-fé, sabendo que o direito invocado não lhes assiste, peticionando a fixação de multa e de indemnização.

Responderam às excepções deduzidas de abuso de direito/extinção pelo não uso.

Responderam os RR quanto ampliação do pedido e juntaram documentos.

Foi admitida a ampliação do pedido.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«…julgo a presente acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente e em consequência decide-se:

A) Declarar-se que se encontra constituída, sobre o prédio dos RR. descrito em 12 dos factos provados e a favor do prédio da A. descrito em 1,º dos factos provados Servidão de Estilicídio, relativamente às águas pluviais que tombam e escorrem do telhado e respectiva beira do lado norte do prédio da A., condenando-se os RR. a absterem-se da prática de quaisquer atos perturbadores do exercício dos direitos de servidão que beneficia o seu prédio, nomeadamente de nele executar obras que prejudiquem ou violem aqueles direitos de servidão, absolvendo-se os RR do demais peticionando incluindo a condenação como litigantes de má-fé e absolvendo a Autora de tudo o peticionado contra si.

B) Custas a cargo de Autores e Réus na proporção de 20% e 80% respectivamente.»

3.

Inconformada recorreu a autora.

Rematando as suas alegações com as seguintes, aliás prolixas, conclusões:

(…)

Contra alegaram os recorridos, pugnando pelo indeferimento do recurso da autora e recorrendo subordinadamente, aduzindo as seguintes, outrossim prolixas na 13ª, conclusões:

(…)

Respondeu a autora ao recurso subordinado nos seguintes termos finais:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª -  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª - Procedência da acção e Procedência da reconvenção.

3ª – Quantum da responsabilidade das partes por custas do processo.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Por outro lado urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

É que:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

Nesta senda, estatui o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»

5.1.3.

Finalmente, e como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.1.4.

O caso vertente.

5.1.4.1.

Quanto ao recurso da autora.

5.1.4.1.1.

Percorrido o teor da peça recursiva, verifica-se que nela, nem no seu corpo nem em sede de conclusões, a autora cumpre, com a concretização e suficiência devida, a indicação das passagens da gravação dos depoimentos em que se fundamenta para alicerçar a sua pretensão.

Limitando-se a indicar, genericamente, o início e o fim dos depoimentos.

A transcrição parcelar dos depoimentos não exime ao cumprimento daquele dever.

Efetivamente:

«…A indicação precisa do início e termo das concretas (…) passagens da gravação destina-se a simplificar a tarefa da Relação na reapreciação da prova gravada, não só chamando a atenção para aquela parte do depoimento, como tornando mais fácil e célere a respetiva localização na gravação, sabido como é que, em regra, cada testemunha depõe sobre mais do que um facto. De outra forma bastaria que o recorrente impugnasse a decisão sobre a matéria de facto cumprindo todos os ónus estabelecidos no art. 640º do CPC, com exceção do determinado na al. a) do nº 2, e requeresse a audição e reapreciação integral de todos ou de alguns os depoimentos o que significaria a repetição do julgamento, desiderato que não foi visado pelo legislador”.» - Ac. do STJ de 26.1.2017, p. 599/15.7T8CLD.C1.S1, apud, Ac. do STJ de 18.09.2018, p. 108/13.2TBPNH.C1.S1; cfr, ainda, os Acs. do STJ de 27.10.2016, p. 3176/11.8TBBCL.G1.S1 e de 05.08.2018, p. 15787/15.8T8PRT.P1.S2.

O caso vertente é paradigmático sobre a necessidade do cumprimento deste ónus.

Pois que a autora invoca o depoimento de sete testemunhas, algumas das quais depuseram durante longo lapso temporal de cerca de uma hora.

Como  supra se disse, este tribunal ad quem não está vinculado a uma reapreciação de toda a prova produzida, ou, mesmo, de todo o depoimento de uma testemunha.

Este depoimento, por via de regra, como foi o caso, reporta-se a mais do que um concreto facto. E salvo se todos os factos sobre que depôs – o que não é o caso – forem impugnados pelo recorrente, tem este o ónus de concretizar as passagens da gravação nas quais o depoente se reporte ao(s) facto(s) impugnado(s).

Nesta conformidade, não podendo a prova testemunhal ser apreciada, e porque falharia um elemento probatório considerado pelo tribunal, e, essencialmente, pela recorrente,  determinante, esta pretensão teria de ser liminarmente rejeitada; pois que, sem aquela prova,  e falhando ao tribunal  de recurso este essencial elemento, não se  pode nesta sede aquilatar da necessidade de censura, ou não, da convicção do julgador na parte afetada.

5.1.4.1.2.

Porém, o caso vertente  encerra alguma  especificidade.

Na verdade, o cerne da questão colocada nesta sede  pela autora prende-se com a prova da existência de vistas através das aberturas existentes no seu prédio.

Ora tal como o Sr. Juiz bem referiu, a questão das vistas – rectius da funcionalidade/possibilidade que as aberturas provadas têm/permitem para que tais vistas existam – mais do que da prova testemunhal, tem de ser aferida pela restante prova,  máxime a documental.

Vale aqui o ditado popular de que: «vale/prova mais uma imagem do que mil palavras».

Urge, pois, valorar esta prova a qual, só por si, pode permitir a alteração do factualismo fixado.

A recorrente pretende a não prova dos seguintes factos dados como provados:

61. As colunas e barras horizontais, tinham as dimensões de 10 cm x 10 cm cada; ou seja, 1 decímetro quadrado de secção, digamos e, a altura de 1,10 m por 1,00 m de largura.

62. Não tendo numa das suas dimensões, mais do que 9 cm de abertura livre.

64. Nunca servindo para o exterior com vistas, fosse nas aberturas do piso inferior ou do piso superior nem se vendo das primeiras o céu ou a terra.

65. Ademais, do lado do prédio dos RR, sempre existiram árvores frondosas, como – por exemplo - oliveiras, pereira e garrafeira, árvores de jardim, cujas copas, tapavam – de certo modo - as mesmas aberturas.

72. Nas aberturas do piso superior não se debruçam, apoiam o tronco, introduzem o corpo ou a cabeça, quem quer que fosse.

73. Encontram-se gradeadas com grades em ferro fixadas e sempre tiveram colunas  / frestas, com portadas em madeira.

88. Sucede porém, a A. alterou as frestas existentes nas duas aberturas que, existiam no primeiro piso da construção; que faz menção na p.i. e ali colocou uma grade em metal lixada.

E mais pretende a prova dos seguintes factos dados como não provados:

B) Sempre se assomaram e assomam no respectivo peitoril, com as limitações decorrentes da existência de grades, grades aquelas com uma distancia livre entre si de cerca de 12 cms, ou seja construídas com intervalo de 12cms, com vistas para o confinante prédio dos RR., sem qualquer distância intermédia.

C) E ali desfrutaram e desfrutam das vistas para o lado do prédio dos R.R. a norte, observando daí a paisagem, o ambiente, as pessoas, a rua, tudo o que lhes permitiam as vistas, dado que para aquele lado, designadamente no prédio dos R.R. nenhum obstáculo existia que o impedisse, o que deixou de acontecer recentemente, por força de conduta dos R.R.

D) E desde a construção do edifício, há mais de 40, 50, 60 anos que a A. e antepossuidores vêm por ali olhando e observando o horizonte e redondezas, nomeadamente aquela zona da Vila de (...) .

F) Sucedendo pois que, a A. e antepossuidores daquele imóvel, seus pais, desde há 40, 50, 60 e mais anos, têm exercido o direito de vistas por intermédio daquelas janelas e pelas aberturas, acima descritas, existentes no piso térreo e no primeiro andar, à custa do prédio dos R.R. que naqueles locais de servidão nunca foi vedado ou tapado.

G) O que fizeram os antepossuidores e faz a A., que lhes sucedeu na posse, na convicção de que exercem um direito próprio e legítimo o de vistas, convictos de não lesarem direitos de terceiros;

H) sempre de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os R.R. e os antepossuidores do prédio que os R.R. entretanto adquiriram.

I) De forma contínua e sem interrupção temporal, mantendo-se ao presente, há mais de 60 anos.

O Sr. Juiz fundamentou as respostas dadas em toda a prova produzida, com determinante valorização da prova documental, pericial, e por inspecção ao local, a saber:

«Os factos 16 a 26, e 61 a 63, 66 resultam da perícia de fls. 366 e ss além de se ter verificado tais presenças e características em sede de inspecção, sendo patente tais características das fotos de fl.s 35 e ss, 127 e ss, 223 e ss, sendo o facto 26 interpretado como correspondendo à direcção das mesmas janelas como erigidas em direcção ao terreno dos RR.

Quanto ao uso descrito em 27 a 29, 50, 60, 64 e 65, 72 a 74 é patente o uso de tais aberturas (sem qualquer alteração desde a edificação da moradia excepto a conversão para grades de metal – também o facto provado 88), quer as constantes do primeiro andar quer as das lojas no r/c que as mesmas serviam pelo menos para arejar e iluminar as áreas pois que, tendo em conta a bem ilustrativa representação de fl.s 370, a vista de tal local era manifestamente inexistente, de tal modo o episódio repetidamente descrito de como os engenheiros Ingleses (descrita nomeadamente pelas testemunhas (…)  proprietárias originais do terreno dos RR) que habitaram a moradia aquando da construção da barragem há mais de 50 anos pediram aos proprietários para retirar tais barras de modo a permitir que algo se visse para o exterior, o que foi feito e depois repostas tais barras, tendo a testemunha (…), vizinho do local e que sempre ali viveu, que depôs com total credibilidade, avançado como explicação para a existência de tais barras, que designou como pilarinhos, e apenas no lado virado para a actual propriedade dos RR, como uma questão de privacidade para o prédio vizinho, e mesmo que não existisse nenhuma  construção no terreno – como era o caso – impedir que com a construção dessas aberturas se constituísse servidão de vistas, indicando como sua razão de ciência o conhecimento dos usos e costumes daquela comunidade onde sempre viveu, sendo que resulta da fotografia de fl.s 35 e 36 o arvoredo vasto em extensão e altura que existia ao lado da moradia da A. no passado (facto 65 e também facto não provado u).

Também da mesma origem se retira o facto de ser impossível que alguém se debruçasse ou usasse de algum modo tão pequenas aberturas».

Já a recorrente alcandora-se   na interpretação que faz de toda a prova produzida, a saber: a testemunhal; a documental, máxime as fotografias juntas; a pericial e a inspecção ao local.

Perscrutemos.

Desde logo há que ter presente que o  termo «vistas» se apresenta, na economia do feito introduzido em juízo, das pretensões das partes, e dos normativos atinentes, mais do que um facto concreto, preciso e inciso, uma conclusão  concernente a um conceito ou previsão legal.

Assim, para se atingir tal conclusão, ou seja,  para se saber se a autora tem, ou não, «vistas» para o prédio dos réus através das aberturas, urge, substanciar tal conceito mediante os concretos factos alegados pela autora a quem incumbe o ónus de alegação e prova.

Nesta conformidade, e vista a prova produzida, máxime a pericial e documental, bem como a normalidade das coisas,  tem de concluir-se que, pelo menos das  duas aberturas maiores do primeiro andar, a autora e os antepossuidores da casa, conseguem observar parte do prédio dos réus.

Na verdade, através do interior da sua casa, e levando o seu corpo e cabeça até onde podem, ou seja, até  junto às grades, ela tem e os seus antecessores tiveram, com maior ou menor dificuldade, a possibilidade de ver parte do prédio dos réus.

Outros factos alegados não podem ser dados como provados.

Quer porque prova não foi feita, quer porque a produzida aponta no sentido contrário ao propugnado pela recorrente.

Na verdade, e no que concerne a um ponto fulcral e nuclear, qual seja a possibilidade de a autora «assomar» nas duas aberturas do 1º andar, tal prova não pode ser concedida.

É que este termo tem aqui o significado de a autora poder «mostrar-se, aparecer em (lugar alto), tornar-se visível»cfr. Infopédia- Dicionário Porto Editora -, o que, no caso vertente, significaria expor-se no/para o exterior da parede da sua casa.

Único quid factual que lhe permitiria ter um amplo, cómodo e incondicional perscrutamento do prédio dos réus, o qual, aliás, apenas com esta dimensão poderia juridicamente relevar, como infra se verá.

Ora tal, pela lógica e pela própria natureza das coisas – porque as aberturas estão vedadas por uma malha de ferro com barras de largura/malha, entre elas,  de apenas cerca de 10cm e  com uma saliência/profundidade/distância, em relação à parede, de apenas 09 cm  -, é totalmente impossível.

E  pelas mesmas razões e com o mesmo entendimento, se pode  dar como acertada, ou, ao menos, admitir/aceitar, a matéria do facto provado em 72, pois que o «debruçar», implica uma livre ultrapassagem  para o exterior em relação à prumada da parede da casa da parte superior do corpo e da cabeça, numa distância/profundidade que permita que, ao menos esta, fique totalmente fora da largura da parede e já no espaço do prédio dos réus; o que, com as grades apenas à mencionada medida de 09cm, não é possível.

Versus o entendido pela recorrente, o poder-se meter a mão e o braço por entre as aberturas das barras de ferro não significa que se possa «debruçar»,  entendido este  termo com a abrangência e o alcance supra aludidos, o qual,  máxime, para o efeito  em causa, temos por mais adequados e exigíveis.

 Finalmente inexiste qualquer contradição entre os factos dos pontos  23 e 24 e os factos dos pontos 73 e 88.

O que dimana da prova e está plasmado é que até 1983 a abertura era vedada com uma malha em argamassa de areia, cal e materiais em uso à época, seca em moldes de madeira – 23 e 24 -; vedação que, por  volta do ano de 1983, foi substituída por grades em malha de ferro redondo  - 73;  mantendo-se, ao que parece, na sua essencialidade relevante,  a estrutura e a dimensão da malha.

A alteração aludida no ponto 88 deve apenas assim ser entendida.

Em todo o caso, o que releva decisivamente é o estado da abertura a partir de 1983, pois que o prazo, com  dies a quo a partir desta data, será já suficiente, só por si,  para efeitos de eventual servidão de vistas por usucapião.

Nesta conformidade, e no parcial  atendimento da presente pretensão da autora, há apenas que aditar, no ponto 27 dos factos provados, que a autora e os antepossuidores da casa, através das duas aberturas maiores do primeiro andar «conseguem observar parte do prédio dos réus, indo a bold tal aditamento.

E, porque tal aditamento se apresenta, pelo menos de certo modo e em certa medida ainda atendíveis, contraditório com os factos provados no ponto 64, impõe-se a eliminação deste ponto.

5.1.4.2.

Do recurso dos réus.

5.1.4.2.1.

Impugnam os réus os pontos de facto enunciados sob os nºs 46; 47; 48; 49; 50; 59 da sentença.

Têm eles a seguinte redacção:

45. Sucede ainda que, na empena norte da casa de habitação da A., a cobertura /telhado, em telha de barro / cerâmica, está desde à volta de 1940 construída com a aba lateral norte e o beirado a ultrapassar o alinhamento vertical com a parede inferior em cerca de 20 cms.

46. Desta forma aquele beirado e aba lateral do telhado da casa da A. deitam para o interior do prédio dos RR., para onde tombam e correm livremente as águas pluviais.

47. Sendo certo que a A. e antepossuidores, ali mantêm aquele telhado permitindo que as águas pluviais corram livremente para o prédio dos RR., sem qualquer obstáculo ou desvio, nos termos descritos há mais de 40, 50, 60 e mais anos, na convicção de que exercem um direito próprio e legítimo, em benefício do seu prédio e à custa do prédio dos RR..

48. Sempre o fazendo de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os RR. e antepossuidores do prédio que atualmente lhes pertence.

49. De forma contínua e sem interrupção temporal, mantendo-se ao presente, de boa fé, conscientes a A. e antepossuidores de não lesarem direitos de terceiros.

50. As aberturas do piso superior mantiveram as dimensões pré-existentes, não tendo também sofrido qualquer alteração a utilização que até então e posteriormente, até à presente data, lhes foi e é dada.

59. Existe uma parte do telhado, com uma largura de 40 / 50 cms em toda a extensão da parede norte do prédio da A. que verte e tomba as águas pluviais sobrantes, não colhidas na caleira, para esse mesmo lado norte e para o interior do prédio dos RR.

Pretendendo os réus a seguinte redação:

Ponto 46: Dessa forma aquele beirado na linha lateral do telhado da casa da A. invade o prédio dos RR.

Ponto 47: Sendo certo que, a A. e antepossuidores, ali, mantêm naquele telhado caleira, permitindo que, as águas pluviais corram livremente, para a caleira e para o interior do prédio da A.

Pontos 48 e 49: Não provado.

Ponto 59: Existe uma parte do telhado, com uma largura de 40/50 cms, em toda a extensão da parede norte do prédio da A., que verte e tomba as águas pluviais sobrantes, não colhidas na caleira, para esse mesmo lado norte, onde, existe uma caleira.

O Julgador fundamentou as respostas nos seguintes termos:

«Os factos 45 a 49, 58, 59, 69 e 70 resultam da perícia, da inspecção ao local e das fotografias ilustradoras a caleira interior a fl.s 242 a 244 não representando a de fl.s 245 a do local em causa tanto quanto o que se verificou no local, nem havendo alegação que em data anterior esse beirado alguma vez tivesse tido caleiras, sendo patente que a chuva caída na parte do telhado para além da caleira interior, necessariamente cairá no terreno dos RR.

(sublinhado nosso)

Já os recorrentes fundam a sua posição na prova efectivada, máxime no depoimento da testemunha Luciano Pedro.

A prova invocada pelo julgador, qual seja a pericial e a inspecção ao local, demonstra  inequívocamente inexistir, neste momento, caleira exterior na última fiada de telhas  da parte do telhado que pende para o prédio dos réus.

Mais a inspecção ao local demonstrou, nos dizeres do julgador, o que não foi infirmado, que a caleira da fotografia de fls. 245 não pertence ao telhado em causa.

E, ouvido o depoimento da testemunha referida pelos réus, verifica-se que ela não verbalizou o que estes alegam, ou, ao menos, não o verbalizou de modo convincente; antes pelo contrário.

Em primeiro lugar a testemunha assumiu algumas certezas, quanto a alguns factos, mas, curiosamente, não se lembrava de outros.

Não se lembrava, p. ex. que  havia aberturas nas lojas para norte.

Não sabia se todo o telhado, ou apenas parte dele, desaguava para o terreno dos réus.

E finalmente, «the last but not the least, passe o anglicismo, ou seja, por último mas não de somenos, e referindo  ter subido ao telhado para o limpar,  primeiro começou por dizer que inexistia caleiro interior embutido – como inequivocamente existe -; depois que na altura já não estava lá – quando sempre lá esteve -; e, finalmente, que não sabia se estava ou não.

Depois, só sabia que existia caleira naquele lado;  já nos outros lados não se lembrava.

Há que convir que a memória da testemunha   aparenta ser algo seletiva.

A referência explícita à caleira na fiada terminal e o episódio da queda apenas foram mencionados em sede de instância, quando, pela sua natureza e impressividade, era natural e lógico que o fossem no início do interrogatório.

Decorrentemente, e quando à (in)existência de caleira(s), interior ou exterior,  nesta ou naquela parte do beirado, o depoimento vale o que vale: ou seja, muito pouco ou quase nada.

Não vale, ao menos, para infirmar/contrariar a força da restante prova produzida.

Quando muito, neste ponto restará sempre uma dúvida insanável e para além da margem de álea concedida em direito probatório.

Pelo que, considerando o disposto no artº 414º do CPC, e porque a prova deste facto aos réus aproveitava e, assim, sobre  os mesmos impendendo o ónus da sua prova, ele não pode ser considerado provado.

5.1.5.

Decorrentemente,  e no parcial provimento da pretensão da autora nesta questão,  os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito os alterados:

1. A Autora é dono e legítimo possuidor do prédio urbano, urbano, destinado a habitação, composto por 2 pisos, com 6 divisões, sito em (...) , freguesia e concelho de  (...) , com área total do terreno de 165.00 m2, área de implantação do edifício de 120.00 m2, área bruta de construção de 250.00 m2, área bruta dependente de 130.00 m2 e área bruta privativa de 120.00 m2, a confrontar do norte com herdeiros de (…), sul com própria, nascente com herdeiros de (…)  e poente com Rua (...) , inscrito na matriz predial urbana sob o artº nº 1731; do prédio Urbano, destinado a casa de arrecadação e arrumos, composto por 1 piso, com 1 divisão, sito em (...) , freguesia e concelho de (...) , com área total do terreno de 24.00 m2, área de implantação do edifício de 24.00 m2, área bruta de construção de 24.00 m2, área bruta dependente de 0.00 m2 e área bruta privativa de 24.00 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artº nº 1887; do prédio Rústico, composto por cultura com 4 laranjeiras e 60 oliveiras, sito em (...) , freguesia e concelho de (...) , com área de 1040 m2, a confrontar do norte com casa do próprio, do sul (…)  do nascente com estrada e do poente com (…), inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artº nº 16532.

2. O conjunto destes 3 imóveis compõem o prédio misto que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) com o nº 1 (...) /20150428, onde se encontra inscrita a aquisição a favor da A., (…).

3. Tais prédios advieram à A., primeiramente em comum com (…), por doação à A. de (…) e mulher (…), seus pais, e por sucessão hereditária, por óbito de A (...) .

4. E após por aquisição por parte da A. da quota-parte de metade, por sucessão hereditária por óbito de (…), sua mãe, ficando assim dona e legítima possuidora da totalidade do referido conjunto de imóveis acima descritos.

5. Sendo certo que a A., por si e pelos antepossuidores daqueles prédios, desde há 40, 50, 60 e mais anos, sobre aqueles vem agindo como sua dona e legítima possuidora.

6. Isto é, tendo os seus pais à volta do ano de 1940, procedido à construção dos prédios que compõem as casas de habitação e de arrecadações e arrumos descritas supra em 1 ali tendo fixado a sua residência, tomando as refeições, dormindo, recebendo amigos e  familiares e aceitando a correspondência, neles guardando e depositando todos os seus pertences e haveres pessoais, móveis, roupas, louças e demais utensílios e bens.

7. Fazendo posteriormente obras de ampliação, conservação e melhoramento nos prédios urbanos, pintando paredes, substituindo portas e janelas, aumentando a superfície coberta, reparando o telhado, substituindo canalização de água e instalação elétrica, pagando as contribuições pelo mesmo devidas.

8. Fazendo os pais da A. daquele imóvel a sua habitação permanente, onde a A. cresceu e viveu até ir estudar para fora da região e depois casar.

9. A qual, do mesmo também faz, desde há mais 20, 25 anos a sua habitação secundária pois ali permanece de férias, aos fins de semana e em outras épocas de lazer, onde dorme, confecciona e toma as refeições, recebe amigos e familiares e aceita a correspondência e guarda os bens móveis, utensílios, roupas e louças.

10. Por sua vez, na parte que compõe o prédio rústico descrito em 1 al. c), a A. semeia e planta flores, cultiva hortícolas diversas, poda e trata as oliveiras e árvores de fruto, colhe a azeitona e demais produtos nele gerados e pratica todos os demais atos afetos à utilização de um prédio com a natureza do apontado.

11. Atos todos, os acima referidos, que foram praticados pela A. e pelos antepossuidores daqueles imóveis, desde há mais 40, 50, 60 e mais anos, de forma continuada, mantendo-se ao presente, sem interrupção temporal, à vista de toda gente, sem oposição de quem quer que seja, convictos – a A. e antepossuidores – do exercício de um direito próprio e absoluto, o de propriedade, e de não lesarem direitos de terceiros.

12. Por sua vez, os RR. são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano fiscalmente composto por casa de habitação de rés-do-chão com 5 divisões, cozinha e casa de banho e 1º andar com 6 divisões e garagem com 1 divisão, sito em (...) freguesia e concelho de (...) , com área total do terreno de 748.00 m2, área de implantação do edifício de 154.00 m2, área bruta de construção de 301.40 m2, área bruta dependente de 71.40 m2 e área bruta privativa de 230.00 m2, a confrontar do norte com (…) sul com (…) (agora a A.), nascente com estrada e poente com estrada, inscrito na  matriz predial urbana sob o artº nº 3444.

13. Os prédios da Autora e o dos RR. confrontam entre si dos lados respectivamente norte e sul tendo o prédio urbano dos RR. sido construído de raiz por estes, em parte, à volta dos anos 1996 e 1997 e sofrido alterações nos anos 2010/2011.

14. Atualmente entre a parede norte do prédio que constitui a casa de habitação da A. e uma parede virada a sul de Edifício/Anexo que integra o prédio dos RR. interpõe-se uma parcela de terreno, com cerca de 95 cms de largura, pertencente aos prédios dos RR. e que acompanha toda a extensão da parede norte do prédio da A., desde a rua (...) , até muro que integra e pertence ao prédio da A., muro que daí em direção a nascente delimita os dois prédios e se prolonga à estrada que existe desse lado de ambos os prédios.

15. Sucede que, na empena, ou parede norte do prédio urbano da Autora, sempre existiram desde a construção do mesmo pelos seus pais, à volta de 1940, duas aberturas e outras cinco aberturas, que desde sempre deitaram para o prédio, antes rústico e pertença de terceiros, agora urbano e propriedade dos RR. e para a faixa de terreno que faz parte integrante do prédio dos mesmos que ali confronta com o prédio da A..

16. As cinco aberturas, situam-se no piso térreo do prédio urbano da A., descrito em 1, 1.º nas zonas destinadas as arrumos / lojas, distribuindo-se com intervalos de igual medida na horizontal pela parede norte daquele prédio (de poente a nascente).

17. Cada uma destas aberturas, tem a forma de retângulo, medindo 25cms de largura, por 10,5cms de altura, envoltas em todo o perímetro por cantaria em pedra, estando abertas.

18. As quais fazem parte da estrutura original do prédio urbano da A. situadas na face exterior e interior da parede norte da casa, com as medidas atrás referidas, tendo o vão interior a profundidade correspondente à largura das paredes.

19. Cada abertura dista do solo do lado interior do prédio urbano da A. até ao bordo inicial – inferior - das mesmas, 1 metro e 84 centímetros e do lado exterior da parede do prédio da A. até ao bordo inicial – inferior – das mesmas, 1 metro e 24 centímetros, medidos do solo do prédio dos RR..

20. Por sua vez, na mesma parede norte da casa de habitação da A., ao nível do piso superior, estão desde a construção do imóvel à volta de 1940, rasgadas duas aberturas, uma na sala de estar e jantar e outra num quarto que distam os respetivos peitos do solo cerca de três metros medidos do solo no exterior da parede norte prédio da A. até ao bordo inferior de cada uma delas.

21. Que têm altura de 1,10 m (um metro e dez centímetros) e largura de 1,o2 m (um metro e dois centímetros) com cantaria de pedra a revestir as bordaduras /parapeitos.

22. Em cada uma das aberturas estão colocadas duas portas com aros de madeira, de abrir para interior, envidraçadas, com oito vidros transparentes, quatro em cada porta.

23. Do lado exterior de cada abertura, foram colocadas aquando da construção do imóvel em 1940 grades em malha vertical e com uma barra na horizontal, feitas em argamassa de areia, cal e materiais em uso à época, seca em moldes de madeira e fixas no limite exterior da cantaria das aberturas.

24. As quais, por força do desgaste do material, foram à volta do ano de 1983, aquando de obras levadas a cabo no imóvel pelo pai da A., substituídas por grades em malha de ferro redondo, com trabalho ornamental, com a altura de 1,60m (um metro e sessenta centímetros) e largura de 1,15m (um metro e quinze centímetros).

25. Fixas em quatro pontos do lado exterior da parede norte da casa da A..

26. Aquelas duas aberturas deitam diretamente para o prédio dos RR. e para a faixa de terreno referida que faz parte integrante deste, sem qualquer intervalo entre si.

27. Destas aberturas servidas por peitoril em cantaria de pedra, como acima dito, desde há 40, 50, 60, e mais anos que a A. e antepossuidores, recebem e usufruem de luz e ar no seu prédio, particularmente, na parte habitacional daquele situada no primeiro andar, a sala de estar e jantar e um quarto e conseguem observar parte do prédio dos réus

28. Às quais sempre, desde há mais de 40, 50 e 60 anos acederam e acedem pessoas abrindo a A. e antepossuidores as portas envidraçadas para entrada e circulação de ar, facilitando a eliminação de humidades e odores, evitando a formação de mofo e bolores,  permitindo a entrada de luz e ar no interior da casa de habitação.

29. O mesmo sucedendo com as cinco aberturas existentes ao nível do piso térreo, nas lojas que, desde há 40, 50, 60 anos, para a A. e antepossuidores, serviram para permitir o arejamento das mesmas e a entrada de luz e ar para aqueles espaços interiores.

30. Sucede que os RR. edificaram a sua casa de habitação no prédio rústico contíguo ao da A. sito a norte deste, obra que efetuaram à volta do ano de 1996/1997 e que ocupou sobretudo a parte nascente do terreno, sendo que, do lado poente / norte do mesmo foram então construídos uma garagem e anexos, estando livre de qualquer construção o topo sul do mesmo, na parte poente do prédio dos RR., junto à parede norte da casa de habitação da A.

31. No verão do ano de 2010 os RR. deram início naquele seu imóvel a várias obras.

32. As quais consistiram na demolição da edificação anexa à parte habitacional que desde o início da construção tinham destinado a garagem situada no lado norte /poente do prédio, ocupando a anterior área onde estava implantada a garagem com a construção de uma piscina.

33. Construindo também uma nova edificação destinada a garagem, na parte sul / poente do respetivo prédio.

34. Sendo que, junto à linha de estrema do lado sul do respetivo prédio com o da A., construíram não só a edificação destinada a garagem, mas ainda um outro edifício / estrutura coberto com telhado, com churrasqueira e para apoio à zona da piscina.

35. Edificação que os RR. implantaram deixando entre parede sul destas edificações e a parede norte do prédio da A., a referida parcela de terreno com cerca de 95 cms de largura, sendo que, a parede dos RR. acompanha em toda a sua extensão a parede do topo norte casa de habitação da A. e é paralela a esta, com o referido intervalo máximo entre ambas de cerca de 95cms.

36. Edifícios cuja parede está construída defronte à localização das aberturass do  primeiro andar do prédio da casa de habitação da A., cuja altura ultrapassa a destas aberturas e por conseguinte também das aberturas do piso térreo acima aludidas.

37. Tais construções foram edificadas sem que, entre si e as aberturas do 1º piso e as aberturas do piso térreo existentes na parede norte do prédio da A., tenha sido deixado intervalo igual ou superior a 1,50mts (um metro e meio), dado que a distância máxima entre esta e aquelas é de 95 cms (noventa e cinco centímetros).

38. Aquando da edificação de tais construções pelos RR. iniciadas no verão de 2010, a A., que se encontrava em Lisboa, alertada por vizinhos, reclamou primeiramente por telefone junto do R. marido.

39. A A. confrontou pessoalmente os RR. aquando da sua deslocação ainda no mês de agosto de 2010 a (...) , reclamando também junto do Município de (...) quanto ao licenciamento de tais obras.

40. Mais tendo por carta datada de 13 de setembro de 2010 apresentado Reclamação junto do Município de (...) , alertando que as construções efectuadas pelos RR. violavam o seu direito de servidão de vistas.

41. Posteriormente, em 2014, não existindo resposta por parte do Município, a A. através de mandatário, de novo chamou a atenção dos RR. para a violação dos seus direitos e instou-os para que a parede defronte das aberturas do 1º andar fosse descida até à altura correspondente à do parapeito inferior destas por forma a dar por resolvida a questão.

42. Ao que o R. marido reagiu em Maio de 2014, solicitando a Notificação Judicial Avulsa da A. e da sua mãe, então ainda viva, invocando, entre o demais, que a A. e sua mãe se haviam comprometido a tapar as janelas e concedendo-lhes prazo de 20 dias para o efeito.

43. Ao que a A. não acedeu, nem acede, pois, jamais esta ou a sua mãe (entretanto falecida) se comprometeram a tapar quaisquer janelas ou aberturas no seu prédio.

44. Entretanto, o Município de (...) , após ofícios de 2010 e 2011 enviados à A., dando conta do envio de notificação ao R., um, e solicitando a presença daquela nos serviços técnicos, outro; em 6 de novembro de 2015, deu conhecimento à A. de  deliberação tomada em reunião ordinária do executivo, quanto às obras realizadas pelos RR. pela qual decidiram deferir a aprovação da alteração da obra dos RR., considerando, para o que ora interessa, que “Não compete á Câmara Municipal apreciar a questão quanto à alegada violação de norma do CC”.

45. Sucede ainda que, na empena norte da casa de habitação da A., a cobertura /telhado, em telha de barro / cerâmica, está desde à volta de 1940 construída com a aba lateral norte e o beirado a ultrapassar o alinhamento vertical com a parede inferior em cerca de 20 cms.

46. Desta forma aquele beirado e aba lateral do telhado da casa da A. deitam para o interior do prédio dos RR., para onde tombam e correm livremente as águas pluviais.

47. Sendo certo que a A. e antepossuidores, ali mantêm aquele telhado permitindo que as águas pluviais corram livremente para o prédio dos RR., sem qualquer obstáculo ou desvio, nos termos descritos há mais de 40, 50, 60 e mais anos, na convicção de que exercem um direito próprio e legítimo, em benefício do seu prédio e à custa do prédio dos RR..

48. Sempre o fazendo de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os RR. e antepossuidores do prédio que atualmente lhes pertence.

49. De forma contínua e sem interrupção temporal, mantendo-se ao presente, de boa fé, conscientes a A. e antepossuidores de não lesarem direitos de terceiros.

50. As aberturas do piso superior mantiveram as dimensões pré-existentes, não tendo também sofrido qualquer alteração a utilização que até então e posteriormente, até à presente data, lhes foi e é dada.

51. Do terraço / varanda com parapeito desde a construção do prédio urbano que agora é da A., há mais de 50, 60 anos a Reconvinda e antepossuidores, recebem e usufruem de luz e ar no seu prédio e particularmente na parte habitacional daquele situada no primeiro andar, da qual faz parte aquele terraço e ao qual acedem por escadaria em pedra desde o exterior para o interior daquele fogo e vice-versa.

52. Ao qual sempre desde há mais de 50, 60 anos acederam e acedem pessoas e se assomaram e assomam no respectivo balcão / varanda, com vistas diretamente para o contíguo prédio dos Reconvintes, sem qualquer distância intermédia.

53. Desfrutam das vistas para o lado do prédio daqueles, observando daí a paisagem, o ambiente, o clima, tudo o que lhe permitia e permitem as vistas.

54. Mais, naquele terraço com vistas em toda a sua extensão norte e nascente e numa altura também livre de mais de 3 metros, a Rec.da e antepossuidores, por si só ou em seu nome, desde a construção do edifício, há mais de 50, 60 anos, vêm olhando e observando o horizonte e redondezas, debruçando-se no respetivo parapeito, igualmente recebendo luz e ar no mesmo e no interior do seu imóvel, bem como se expondo ao sol naquele local.

55. Na convicção de que exerciam os antepossuidores e exerce a Reconvinda o seu direito próprio e legítimo, de servidão referido.

56. Sempre de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os Reconvintes e antepossuidores do prédio que dizem de sua propriedade.

57. De forma contínua e sem interrupção temporal, mantendo-se ao presente, há de mais de 50 e 60 anos.

58. No terreno dos Réus existia terreno com oliveiras, que foi objeto de escavação e retirada de terras para nivelamento e rebaixamento do solo para a construção da casa dos RR.

59. Existe uma parte do telhado, com uma largura de 40 / 50 cms em toda a extensão da parede norte do prédio da A. que verte e tomba as águas pluviais sobrantes, não colhidas na caleira, para esse mesmo lado norte e para o interior do prédio dos RR.

Da contestação/reconvenção:

60. As aberturas no alçado norte da casa da Autora, não permitem que, qualquer pessoa: seja adulta ou criança, se possa debruçar para o exterior e/ou em caso de necessidade, por tais aberturas, saírem ou entrarem, com ou sem auxílio de escada ou de corda, nem por  onde coubesse sequer, uma cabeça humana.

61. As colunas e barras horizontais, tinham as dimensões de 10 cm x 10 cm cada; ou seja, 1 decímetro quadrado de secção, digamos e, a altura de 1,10 m por 1,00 m de largura.

62. Não tendo numa das suas dimensões, mais do que, 9 cm de abertura livre.

63. A altura das frestas, superior a 1.80 m, do lado do prédio dos RR.

64. …. eliminado

65. Ademais, do lado do prédio dos RR, sempre existiram árvores frondosas, como – por exemplo - oliveiras, pereira e garrafeira, árvores de jardim, cujas copas, tapavam – de certo modo - as mesmas aberturas.

66. As demais aberturas na casa da Autora, não foram guarnecidas de grades metálicas.

67. Autora e Mãe foram notificadas, mediante Notificação Judicial Avulsa, nada fazendo.

68. A obra dos RR encontra-se edificada com projectos aprovados, obras licenciadas e licença de utilização emitida.

69. A construção do telhado, e do beirado, foi guarnecida com caleira aplicada no próprio telhado.

70. Por onde se faz o escoamento das águas, mediante um algeroz – descarregava todas as mesmas águas pluviais, provindas dessa parte do telhado ou da cobertura, exclusivamente, para o prédio da Autora.

71. A A., não vive no local desde os 16 ou 17 anos, ninguém habitando em permanência a habitação há 20 anos.

72. Nas aberturas do piso superior não se debruçam, apoiam o tronco, introduzem o corpo ou a cabeça, quem quer que fosse.

73. Encontram-se gradeadas com grades em ferro fixadas e sempre tiveram colunas  / frestas, com portadas em madeira.

74. A habitação da Autora não perdeu ar, nem qualquer impedimento de escoamento de águas.

75. Os RR são donos e legítimos possuidores do prédio composto por: Casa de habitação de r/ch e 1º andar, garagem e logradouro, sito em (...) , da freguesia e concelho de (...) , a confrontar do norte com (…), do sul com (…), do nascente com a Estrada Municipal, do poente com Rua (...) , com a área indicada em matriz de 748 m2, coberta de 206 m2, descoberta de 542 m2; inscrito na matriz urbana sob o art. 3444 e, descrito em definitivo a seu favor, sob a descrição nº 7249, o qual, tem a sua localização.

76. Habitam com os filhos na casa propriamente dita, isto é, onde: dormem, confecionam e tomam as refeições, têm os seus bens móveis, recebem familiares e amigos.

Enquanto,

77. Nos logradouros, têm, do lado da frente da habitação, isto é, do lado nascente, zona de jardim e do lado poente a lavandaria, arrecadação, garagem, churrasqueira e piscina, os quais utilizam e guardam, designadamente, os seus objectos, veículos, ferramentas, materiais, tomam banho; ou seja, fazem área de lazer.

78. Tudo e sempre, dia após dia, sem interrupção temporal, sem oposição ou intromissão de ninguém. Sem qualquer espécie de violência, certos de, com essa prática, não lesarem direitos ou interesses de outrém.

79. Sempre, no firme e determinado propósito, de serem os únicos e exclusivos donos. Assim,

80. Por si, há mais de 20 anos consecutivos e, por si e pela posse acedida, à dos seus ante possuidores, como terreno de cultura e oliveiras, há mais de 40/50 anos.

81. Como se afirmou, o terreno foi adquirido pelos RR, por compra em 1996, aos anteriores donos: AA (...) e, outros, mediante escritura pública, tendo – para tanto – negociado, ajustado e pago o preço convencionado.

82. Os RR, a seguir à compra, elaboraram projecto, de construir casa de habitação e logradouros.

83. Para o efeito, a seguir, contrataram e ajustaram a edificação por empreitada, adquiriram os materiais necessários.

84. Acompanharam a construção e; após, ali passaram a viver.

85. A linha divisória do limite ou estrema, entre o prédio dos RR e, o prédio contíguo do lado sul, a que a A. se intitula dona e possuidora, teve como referência uma linha recta, tirada de um ponto situado junto à Estrada ou Rua Principal, existente a nascente, tirada no sentido deste para poente, passando pela face exterior do lado norte de um muro construído, a pedra e cal, da A., prossegue pela face lateral da parede, no alçado norte da casa, até atingir a, actual, Rua (…).

86. Sempre até tal limite material que, os RR, por si, e seus antepossuidores, ao longo de mais de 40 / 50 anos; sempre possuíram; isto é, praticaram todos os alegados actos materiais com as ditas características e animus possidendi.

87. Sempre inquestionada fosse por quem fosse.

88. Sucede porém, a A. alterou as frestas existentes nas duas aberturas que, existiam no primeiro piso da construção; que faz menção na p.i. e ali colocou uma grade em metal lixada.

89. Do lado nascente de tal construção, ali tem um terraço que, ao nível do primeiro piso, junto à estrema, deita directamente, para o prédio dos RR, num comprimento de – cerca - 3.80 m e forma um ângulo recto para sul,

90. Servida por um murete, composto com base em blocos de cimento e, de elementos em forma de “V” e “V” invertido, ligado por outro elemento, com cerca de 15 cm de espessura, por 5 de altura e, em cima, por um outro elemento, com cerca de 15 cm de espessura e, 15/20 cm de altura.

91. Onde as pessoas, se movimentam por esse espaço, se poderiam abeirar de tal muro e; aí, em pé, chamar, lançar vistas ou debruçar-se sobre o prédio dos RR.

92. Devassando-o e, pondo em causa a intimidade e a privacidade dos RR e seus familiares, de cima para baixo e, em frente.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

Do recurso da autora.

Pretende a autora que seja declarada a seu favor uma servidão de vistas contra o prédio dos réus.

Preceitos nucleares do Código Civil  a considerar.

Artigo 1360º

Abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes

1. O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio.

2. Igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela.

3. Se os dois prédios forem oblíquos entre si, a distância de metro e meio conta-se perpendicularmente do prédio para onde deitam as vistas até à construção ou edifício novamente levantado; mas, se a obliquidade for além de quarenta e cinco graus, não tem aplicação a restrição imposta ao proprietário.

Artigo 1361º

Prédios isentos da restrição

As restrições do artigo precedente não são aplicáveis a prédios separados entre si por estrada, caminho, rua, travessa ou outra passagem por terreno do domínio público.

Artigo 1362º

Servidão de vistas

1. A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do

disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião.

2. Constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no nº 1 o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão destas obras.

Artigo 1363º

Frestas, seteiras ou óculos para luz e ar

1. Não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas.

2. As frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem, todavia, situar-se pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta centímetros respeita a ambos os lados da parede ou muro onde essas aberturas se encontram.

Artigo 1364º

Janelas gradadas

É aplicável o disposto no nº 1 do artigo antecedente às aberturas, quaisquer que sejam as suas dimensões, igualmente situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros.

O julgador considerou que:

«…nenhuma servidão de vistas se constituiu ao longo do tempo dado que a apertada malha que as (aberturas do 1º andar) compunha não permitia a visão para o prédio dos RR. Apenas permitia o arejamento e a entrada de luminosidade para as divisões e nesse sentido nunca foi usada, nem era susceptível de o ser, como deitando vistas sobre o prédio vizinho ou seja com condições de através dela se poder ver, devassar e ocupar o espaço aéreo do prédio vizinho, sobre ele se debruçando ou projectando a parte superior do corpo humano.»

Esta interpretação, perante os factos apurados e a interpretação dos mesmos que temos por melhor, não merece qualquer censura, antes sendo de chancelar.

Esta problemática já foi apreciada e dilucidada por este mesmo colectivo em caso similar no Ac. da RC de 17.11.215, p. 39/14.9TBMGL.C1 in dgsi.pt.

O qual, mutatis mutandis, aqui tem aplicação, pelo que o respigamos na sua essencialidade relevante, a saber:

«Como é consabido, as restrições impostas pelo artº 1360º do CC à construção do proprietário no seu próprio prédio, por reporte e em confronto com o prédio do vizinho, pretende operar o justo equilíbrio entre os direitos em presença e contribuir para a desejada paz social.

No entanto, considerando a natureza excecional de tal normativo - pois que ele constitui, para o dono do prédio onde as abertura,  portas, janelas, ou outras obras: varandas ou terraços, são efetuadas, uma oneração/restrição ao seu direito de propriedade e à fruição e frutificação do mesmo o mais amplamente possível -,   impõe-se um interpretação restritiva de tal preceito e do que com ele está relacionado, no que para o caso interessa: a constituição de uma servidão de vistas – artº 1362º - cfr. Ac RC de 03.03.2015, p. 335/13.2TBAGN.C1.

Tal interpretação consubstancia-se nas seguintes conclusões:

-Apenas podem implicar a constituição de uma servidão de vistas a existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes em contravenção com o disposto na lei, vg. o plasmado no artº 1360º.

-E de entre as aberturas ou itens tipificados - janelas, portas, varandas, terraços, eirados – apenas podem ser atendíveis as que como tal puderem ser inequivocamente consideradas, atentas designadamente as suas típicas caraterísticas que sejam conditio sine qua non, ou, ao menos, comummente necessárias, da sua normal função, e respeitem os requisitos legalmente fixados.

Na verdade:

«As aberturas situadas na parede exterior de um edifício que deitem directamente para o imóvel contíguo e alheio, podem permitir a constituição de uma servidão de vistas, se tiverem as características previstas no art. 1362º…» - Ac. do STJ de 01.04.2008, p. 07A3114

Esta problemática tem-se colocado, prototipicamente, na definição do que deve ser considerado «janela» para o efeito dos preceitos citados, ou seja, a constituição de servidão de vistas.

Ora é comumente aceite que só estamos perante uma janela, por reporte, vg, a uma fresta, não só atenta diferenciação nas suas dimensões, como, outrossim, considerando as suas caraterísticas que sejam consecutíveis da sua normal função.

Assim, as frestas são aberturas estreitas, cuja única função é permitir a entrada de ar e luz.

Já as janelas são:

 «aberturas mais amplas, através das quais pode projectar-se a parte superior do corpo humano, e que dispõem de um parapeito onde as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e desfrutar comodamente as vistas que proporcionam, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo.» - Ac. do STJ de  26.02.2004, p. 03B3498  in dgsi.pt.

Ou seja, as janelas:

« devem, em princípio, permitir …a projecção da parte superior do corpo humano e ser dotadas de parapeito onde as pessoas possam apoiar-se ou debruçar-se para descansar, conversar com alguém que esteja do lado de fora ou para desfrutar as vistas…» - Ac. do STJ de 01.04.2008, p. 07A3114.

Nesta conformidade:

«O objecto do direito real de servidão de vistas, susceptível de ser adquirido por usucapião, é a existência da janela em condições de por ela se poder ver e de devassar o prédio vizinho, independentemente da concretização dessa usufruição, consubstanciando-se o corpus da posse na existência daquela janela em infracção do disposto no artigo 1360º, nº 1, do Código Civil» - Ac. do STJ de  s. 15.05.2008, p. 08B1368.

Pois que:

« Só este conceito de janela se adequa à dupla finalidade da restrição estabelecida no nº. 1 do artº. 1360º do CC: evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto da indiscrição de estranhos, e impedir a sua fácil devassa com o arremesso de objectos.» Ac. do STJ de  26.02.2004 cit.

Entendendo-se que:

«a possibilidade de projecção da parte superior de um corpo humano pela abertura, que permita a uma pessoa apoiar-se e debruçar-se, por forma a desfrutar das vistas sobre o prédio vizinho, tem sido um dos factores usados para classificar uma abertura como janela» - Ac. da RP de 17.10.2013, p. 43/10.6TBMUR.P1.

Temos assim que:

«as aberturas só poderão ser qualificadas de janelas se permitirem que um utilizador comum possa apoiar-se e debruçar-se sobre o seu parapeito, ou sobre a superfície que lhe corresponda, se este não existir, e com tal acção possa devassar o prédio vizinho.

«Se a possibilidade desta devassa não existir, a abertura não pode ser qualificada como janela.» - AC. da RC de  21.05.2013, p. 472/09.8TBMGL.C1; e, ainda, entre outros,  ac. da RP de 19.12.2007, p. 0720991 de que o presente relator também o foi.»

E no mesmo sentido se continuando a inclinar a jurisprudência mais recente.

Assim:

«1.- Com as restrições ao direito de propriedade, previstas no artigo 1360 do CC, foi intenção do legislador evitar, não propriamente as vistas que se podem desfrutar sobre o prédio vizinho, mas antes o devassamento deste, ou melhor, a ocupação do prédio vizinho.

2.- Não dizendo o Código Civil em vigor, tal como o Código de Seabra, o que deve entender-se por janela, a doutrina e a jurisprudência entendem que tal vocábulo é usado com o sentido que tem na linguagem corrente.

3.- As janelas e as frestas são aberturas feitas nas paredes dos edifícios, mas que se distinguem não só pelas suas dimensões, como pelo fim a que se destinam.

4.- As frestas são aberturas estreitas, que têm apenas por função permitir a entrada de luz e ar.

5.- As janelas, além de serem mais amplas do que as frestas, dispõem de um parapeito onde as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e disfrutar comodamente as vistas que tais aberturas proporcionam, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo.

6. - Quando o proprietário constrói uma parede no limite do seu prédio e deixa nela uma abertura, esta abertura só poderá ser qualificada de janela se permitir que um utilizador comum possa apoiar-se ou debruçar-se sobre o seu parapeito, ou sobre superfície que lhe corresponda, e com tal ação possa devassar o prédio vizinho

7. - Uma janela gradada que não respeite as imposições do artigo 1364 CC, não pode levar, pelo decurso do prazo da usucapião, à constituição de uma servidão de vistas» -  Ac. RC de 11.10.2017, p. 107/15.0T8MBR.C1 in dgsi. pt.

(sublinhado nosso)

No caso vertente assim é.

Nenhuma das aberturas provadas nos autos se pode considerar uma janela para efeito de poder originar uma servidão de vistas.

As do rés do chão porque são frestas.

As do 1º andar porque as grades que exteriormente  as vedam não permitem a emergência dos essenciais requisitos constitutivos dos conceitos de «janela» e de «vistas», a saber: - a possibilidade de se poder debruçar o tronco e a totalidade da cabeça para fora do urbano e a sua inserção, de modo livre e incondicionado, no espaço do prédio vizinho para que, cómodamente, se desfrutem de amplas vistas e se possa devassar tal prédio.

Os simples factos de existir ainda um exíguo espaço de 09 cm entre a face exterior da parede da casa e o limite das grades, e de através das aberturas a autora e seus antecessores poderem ver uma parte restrita do prédio dos réus,  não são suficientes para substanciar tais conceitos.

Aliás, a colocação das grades, fosse por acordo dos donos dos prédios, fosse por iniciativa dos pretéritos donos da casa, demonstra que com as aberturas se pretendeu, ou essencial e determinantemente se pretendeu, - e à míngua de invocação e prova de outra - apenas uma finalidade de arejamento e de luminosidade; que  já não de fruição de vistas.

Em todo o caso e fosse(m)  qual(is) fosse(m) a(s) finalidade(s) pretendida(s), certo é que, como se viu, a simples e objectiva colocação e permanência das grades impede que se possa atribuir às aberturas uma finalidade  essencialmente hedonista, qual seja, a de poder usufruir de  vistas.

O que até faz todo o sentido e é do senso comum.

Pois que assim fica operada a justa composição dos interesses e direitos aqui em confronto: por um lado admitem-se as aberturas para finalidades essenciais: ar e luz; por outro lado acautela-se e protege-se o direito dos réus a fruírem ampla e cabalmente o espaço do seu prédio, o que, naturalmente, passa  pela sua utilização com o maior recato e privacidade possíveis.

Efetivamente, urge atentar que:

«I - As servidões prediais consistem num encargo imposto a um prédio em benefício de outro prédio, pertencente a dono diferente. Têm natureza real e oneram todo o prédio serviente, e não apenas a parte concretamente afectada (arts. 1543.º e 1546.º do CC).

II - O âmbito da servidão – ou seja, a medida do benefício em favor do prédio dominante e da oneração do prédio serviente – define-se pelo respectivo conteúdo, que é variável consoante as “utilidades” assim possibilitadas.» - Ac. do STJ de  02.02.2017, p. 85/11.4TBSRT.C1.S1

(sublinhado nosso)

5.2.2.

Do recurso dos réus.

5.2.2.1.

Relativamente à servidão de estilicídio.

Estatui o:

Artº 1365º do CC

Estilicídio

1. O proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um intervalo mínimo de cinco decímetros entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo.

2. Constituída por qualquer título a servidão de estilicídio, o proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante.

O Sr. Juiz, atentos os factos provados nos pontos 45 a 49, 59, 69 e 70 entendeu que:

«é manifesto que se constitui servidão de estilicídio para escorrimento das águas proveniente da chuva nessa parte final do beirado, a favor do prédio da Autora e sobre o prédio dos RR, servidão essa que de resto em nada foi prejudicada pela edificação da estrutura por parte destes, dado que deixaram a distância de 95 cms, que é muito superior à saliência do beirado, ficando por isso procedentes os pedidos 3 e 4 no que toca quanto este à servidão de estilicídio.»

Esta postura exegética considera-se adequada, pelo que a decisão não merece qualquer censura.

Como é bom de ver, a sorte da pretensão dos réus neste particular estaria, na perspectiva dos recorrentes, dependente da alteração dos factos no sentido por eles propugnado, o que não lograram consecutir.

Aliás, mesmo que se provasse a existência do caleiro, parece que as águas, através deste, sempre seriam escoadas para o prédio dos réus.

Nesta conformidade, a servidão sempre existiria nos termos físico materiais que se apurassem.

5.2.2.2.

No atinente à impugnação da  concedida servidão de vistas à autora relativamente ao terraço.

Aqui o Julgador decidiu, atentos os factos provados nos pontos 89 a 92 e 51 a 57, expendeu nos seguintes termos:

«Quanto a esta matéria, aplica-se tudo o quanto foi descrito quanto à aquisição do direito de servidão de vistas, sendo patente que desde sempre aquele terraço ali esteve, deitando directamente para o prédio que é agora dos Autores, sendo esse direito pacifica e publicamente exercido. É manifesto por isso que o prédio da Autora se constitui como dominante por referência àquela parcela nos termos do artigo 1362.º do Código Civil, carecendo os RR do direito de tapagem daquela área, motivo pelo qual se declara improcedente o segundo dos pedidos reconvencionais.»

Os réus insurgem-se contra tal servidão porque a autora não mora em permanência no local há 20 anos, e porque, vg.,considerando as caraterísticas do terraço, o exercício da servidão constitui abuso de direito por banda da autora.

Os argumentos não colhem.

A autora não reside em permanência na casa mas da mesma faz: «…, desde há mais 20, 25 anos a sua habitação secundária pois ali permanece de férias, aos fins de semana e em outras épocas de lazer, onde dorme, confecciona e toma as refeições, recebe amigos e familiares e aceita a correspondência e guarda os bens móveis, utensílios, roupas e louças» - ponto 9.

Depois urge ter presente que o  objecto da restrição correspondente à servidão de vistas não é propriamente a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da porta, da janela, da varanda, do terraço, do eirado ou de obra semelhante, que deite sobre o prédio nas condições previstas no artigo 1360º.

 Não se exerce a servidão com o facto de se disfrutarem as vistas sobre o prédio, mas através da manutenção da obra em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho.

 Pode a janela ou a porta estar fechada, desde que o não seja, definitivamente, com pedra e cal, que a servidão não deixa de ser exercida.

Por isso, pelo que respeita à sua extinção pelo não uso, é aplicável o disposto na segunda parte do nº 1 do artigo 1570º que se refere às servidões para cujo exercício não é necessário o facto do homem. -  Pires de Lima e Antunes Varela  in Código Civil Anotado, 1972, vol. III., p. 200.

O que importa, para a constituição da servidão de vistas por usucapião é a existência das obras e não a sua efectiva utilização pelo proprietário, pois se trata de uma servidão contínua que, como tal, se exerce independentemente de facto do homem -  Manuel Henrique Mesquita  in Direitos Reais, Coimbra, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, pág.154, nota (1), apud Ac. STJ de 02.02.2017, p. 85/11.4TBSRT.C1.S1.

Verifica-se assim que  a constituição da servidão de vistas por usucapião é independente de o seu proprietário ter ou não gozado as vistas que por meio delas pode disfrutar.

 Decorrentemente,  o não uso da mesma não  tem a virtualidade de a extinguir, e o prazo para a extinção pelo não uso não se conta e inicia a partir do momento em que deixaram de ser usadas, mas antes  apenas a partir da verificação de algum facto que impeça o seu exercício – artº 1570º nº1  do CC.

Tanto assim é que:

« Correspondendo o conteúdo de uma servidão de vistas à mera circunstância de se manter uma obra (porta, janela, varanda, terraço) em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho, o seu exercício não se mede pela utilização dada à porta, janela ou varanda e pelo efectivo gozo das vistas que ela proporciona, mas sim, em termos objectivos, pela extensão das vistas e da devassa do prédio vizinho que a obra propicia.» - Ac. RC de 16.02.2016, p. 85/11.4TBSRT.C1.

Ademais,   na espécie sub judicio, e atento o aludido facto 9, ao caso sempre seria aplicável o disposto no nº2 do citado artº 1570º; o qual dispõe:

«Nas servidões exercidas com intervalos de tempo, o prazo corre desde o dia em que poderiam exercer-se e não foi retomado o seu exercício.»

Ora aplicando-se aqui o prazo extintivo de 20 anos – atº 1569º nº1 al. b) do CC –, e não se provando que tal largo lapso temporal decorreu entre qualquer utilização da casa por banda da autora, é evidente que ele não está decorrido e presente.

E em função do que se vem dizendo, facilmente se antolha inexistir qualquer abuso de direito por parte da autora quanto ao exercício da servidão de vistas através do terraço.

Efetivamente, a atuação em  abuso de direito apenas emerge  quando o seu titular o exercita, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.

Para o que, e designadamente, terá de verificar-se uma intolerável  desproporção entre as vantagens auferidas pelo titular do direito e os prejuízos causados a terceiro, ultrapassando os limites contidos na intenção normativa subjacente ao direito invocado.

Em suma, há abuso de direito quando este, atento o circunstancialismo do caso concreto, é exercido de uma forma injusta e iníqua, com manifesto excesso ou desrespeito pelos limites axiológico- jurídico-materiais da comunidade, de tal modo que o sentimento de justiça imanente à ordem jurídica, impõe a retirada do mesmo ou a responsabilização do titular.-  cfr. Vaz serra “in” Abuso de Direito no BMJ 85º/253 e Pires de Lima e Antunes Varela “in” CC Anotado, anotação ao artigo 334º e Ac. RC de 11.10.2017, p. 107/15.0T8MBR.C1.

Ora no caso vertente nada disto se verifica.

A autora limita-se a exercer um direito, decorrente de uma servidão de vistas, que lhe é reconhecido e atribuído  em função dos factos apurados e da interpretação que se têm por mais adequada e consentânea com os mesmos, sem que de tal exercício dimane qualquer exagero, irrazoabilidade ou iniquidade.

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

A regra geral quanto ao pagamento de custa é que estas serão suportadas pela parte que a elas deu causa, entendendo-se que deu causa a parte vencida na respectiva proporção – artº 527º do CPC.

Se for deduzida reconvenção, o reconvinte deve indicar o valor do seu pedido – artº  583º nº2  do CPC.

E se for deduzido pedido reconvencional autónomo/distinto do pedido inicial – ie. e vg., quando o reconvinte pretenda obter um   efeito distinto do que o autor pretende: artº 530º nº3 do CPC – o valor deste pedido soma-se ao do autor, para, assim ser determinado o valor da causa – artº 299º nº2 do CPC.

Urge atentar que o valor processual e o valor tributário são realidades diversas que não se confundem ou têm o mesmo jaez e finalidade.

Uma coisa é o valor da causa, relevante para, vg. a determinação da possibilidade de recurso, e outra o valor tributário em função do qual e do decaimento é determinada   a responsabilidade ou a quota parte de responsabilidade por custas.

Ademais, no caso de desistência do pedido as custas do mesmo são suportadas pelo desistente – artº 537º do CPC.

5.3.2.

No caso vertente a autora formulou oito pedidos autónomos e a todos e cada um deles atribuiu um valor próprio.

Assim:

Pedidos 1, 2 e 4 – 15.000,01 euros.

Pedidos 3 e 4 – 9.000,00 euros.

Pedidos  5 e 6  - 1.500,00 euros.

Pedido 7 – 2.000,00 euros.

Pedido 8  - 2.500,00 euros.

A autora desistiu dos pedidos 5, 6 e 7.

Por seu turno os réus deduziram reconvenção com pedidos autónomos atribuindo-lhe a todos e em conjunto o valor de 7.500,00 euros.

O Sr. Juiz decidiu neste particular nos seguintes termos:

«A responsabilidade tributária inerente a este processo incumbirá a Autora e Réus na proporção respectiva de 20% e 80%, dado que estes decaíram totalmente na reconvenção e são condenados em dois dos pedidos formulados – cfr. art. 527.º n. 1 e 2 do Código de Processo Civil.».

Aqui, e sdr., o julgador menos bem andou.

Parecendo, ao fixar - ainda que numa postura aparentemente equitativa, com foros de alguma aleatoriedade -, uma percentagem de responsabilidade por custas para cada parte, ao que parece por reporte ao valor global – 30 mil euros da ação mais sete mil e quinhentos euros da reconvenção -, confundir ou misturar os conceitos de valor processual e valor tributário.

As partes definiram concretamente o valor dos seus pedidos.

É, pois, em função destes e do respectivo decaímento que têm de ser responsabilizadas.

Assim:

A autora desistiu dos pedidos 5, 6 e 7 e sucumbiu parcialmente – no atinente à servidão de vistas - quanto aos seus pedidos 1 e 4, e totalmente quanto aos pedidos 2 e 8.

Já os réus soçobrou quanto aos pedidos deduzidos na reconvenção, ao pedido 3 da autora e, parcialmente, quanto aos pedidos 1 e 4. 

O valor de cada um dos pedidos que a autora quantificou em bloco – 1/2/4 e 3 /4 – deve, à míngua de qualquer elemento que aponte em sentido contrário, ser encontrado pela divisão do seu número  pela totalidade do valor;  assim, os pedidos 1, 2 e 4 tem cada um o valor de 5.000,0034 e dos pedidos 3 e 4 cada um o valor de 4.500,00 euros.

A única dúvida reside na quantificação dos dois pedidos em que a autora ficou parcialmente vencida.

Considerando que das três utilidades/funcionalidades - vistas, ar e luz -  que atribuiu às aberturas, apenas ficou vencida quanto a uma – vistas -  e  que não temos qualquer delas por  especialmente mais relevante, fixa-se a sucumbência parcial em 1/3 do valor atribuído aos pedidos 1 e 4.

Nesta conformidade, verifica-se que a autora ficou vencida, «lato sensu», ie., já considerando o valor dos pedidos de que desistiu, em 14.167,00 euros, por arredondamento; a saber: 1.666, 67 euros, pedido 1;  5.000,0034 euros,  pedido 2; 1.500,00 euros, pedido 4; 3.500,00 euros, pedidos 5, 6 e 7; 2.500,00 euros, pedido 8.

 E os réus, considerando, o valor da reconvenção e o valor  restante dimanante do  seu  total  decaimento quanto ao  pedido 3 da autora, e parcial nos outros  seus pedidos e supra aludidos, pelo remanescente, atento o valor de 37.500,01 euros, ou seja, 23.333,01 euros.

É, pois, reitera-se, por estes valores, que as partes devem, tributariamente, ser responsabilizadas.

Procede, parcialmente, nesta questão, o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - A não indicação com  exatidão das passagens da gravação em que  funda o recurso da decisão sobre a matéria de facto, implica a sua rejeição na medida e parte afectadas, e dele apenas se podendo conhecer se outros meios probatórios, só por si, relevarem.

II - Uma abertura apenas pode ser tida por janela - vg. para o efeito de poder acarretar uma servidão de vistas – artº 1362º do CC – se tiver medidas superiores ao da fresta e um parapeito no qual se possa  apoiar e debruçar o tronco e a cabeça, assomando-os total, livre e incondicionadamente, para a parte exterior, já espaço do prédio vizinho, e, assim, comodamente, sobre ele fruindo de  vistas e o devassando.

III - Não reúne estes requisitos uma abertura com cerca de 1m de lado, mas que é condicionada por uma grade de ferro com uma malha de cerca de 10cm colocada no exterior da parede a 09cm de distância/profundidade desta.

IV - Na servidão de vistas não se exerce a servidão através do disfrute das vistas mas através da manutenção da obra – janela, terraço, etc -  em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho.

V - Assim, o prazo para a extinção pelo não uso não se conta e inicia a partir do momento em que deixaram de ser usadas, mas antes  apenas a partir da verificação de algum facto que impeça o seu exercício – artº 1570º nº1  do CC.

VI - O valor processual é quid diverso do  valor tributário, pelo que,  em face de pluralidade de pedidos de autor e reconvinte, cada um deles  pelas partes concretamente valorado/quantificado, e de sucumbência parcial destas, a fixação da parte da sua responsabilidade quanto a custas deve  dimanar não  da fixação de uma percentagem em função do valor processual, mas antes pela fixação de um  concreto  quantum  por consideração daquela valoração e do grau de sucumbência de cada pedido.

7.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso parcialmente procedente  apenas no que concerne à questão da condenação em custas, agora condenando as partes em função dos valores de decaimento supra fixados; nos mais se mantendo a sentença.

Custas  por cada uma das partes atentos os valores da sucumbência supra fixados.

Coimbra, 2019.05.21.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos