Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
80/10.0GAMDA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: NULIDADE
PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 05/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE MEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 379º CPP
Sumário: Tendo o tribunal optado pela aplicação de uma pena de 7 meses de prisão efetiva, há que ponderar se esse cumprimento pode ter lugar em regime de semidetenção, ou em prisão por dias livres, ou mesmo em regime de permanência na habitação, sob pena de nulidade.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

1. No âmbito do Processo Comum Singular n.º 80/10.0GAMDA, a correr seus termos no Tribunal Judicial de Meda, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos A... e B..., ambos melhor identificados nos autos, imputando-lhes a prática, a cada um, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos previsto e punido pelos artigos 323.º, c) e 324.º do Código da Propriedade Industrial (Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março).

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença cujo dispositivo no que ora releva é o seguinte:

«Pelo exposto, julga-se procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência, decido:

1. Condenar o arguido A... numa pena de prisão de 7 (sete) meses pela prática, como autor material, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos p.p. artigo 324º e 323º, al. c), ambos do Código da Propriedade Industrial na redacção do DL 36/2003 de 5 de Março.

2. Condenar o arguido B... numa pena de multa de 70 dias de multa à taxa diária de €8,00, num total de €560,00 (quinhentos e sessenta euros) pela prática, como autor material, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos p.p. artigo 324º e 323º, al. c), ambos do Código da Propriedade Industrial na redacção do DL 36/2003 de 5 de Março.»
2. O arguido A... interpôs recurso da sentença, retirando da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«1 - O arguido foi condenado na pena de 7 meses de prisão.

2 - A determinação da pena concreta está condicionada por critérios que, nos termos do artigo 71.º, n.°s 1 e 2, do Código Penal, têm como elementos essenciais a prevenção e a culpa.

3 - A prevenção geral positiva ou de integração, com o intuito de tutela dos bens jurídicos, finalidade primeira da aplicação de uma pena, não faz esquecer a prevenção especial ou de socialização e a reintegração do agente na sociedade - art. 40.º, n.º 1, do CP.

4 - Nos presentes autos, o Tribunal a quo para determinação da pena a aplicar teve essencialmente em conta as condenações constantes do certificado de registo criminal junto aos autos.

5 - Todavia reconhece para além do mais que “Quanto à situação social do arguido, o mesmo vive com uma companheira e com os respetivos 4 filhos (3 dos quais menores), pelo que tem está inserido e tem uma vida a este nível estável”,

6 - Pelo que a aplicação da pena efetiva de prisão e a sua não substituição por outra ficou a dever-se ao passado criminal do arguido, mas não teve em conta que este está inserido social e familiarmente e tem trabalho;

7 - O recorrente não demonstra alheamento às regras jurídicas, aos comandos éticos e sociais e às expetativas comunitárias sobre o cumprimento das normas, sendo desproporcional a aplicação duma pena de prisão efetiva. Tal pena quebrará a sua atual integração social e os vínculos pessoais e profissionais que o ligam à sociedade;

8 - Ora relativamente à escolha da pena, o legislador penal, conforme se referiu, privilegia a aplicação das penas não privativas da liberdade tal como se alcança com o preceituado no art. 70º do Código Penal, sendo que in casu ao arguido foi aplicada uma pena de 7 meses de prisão.

9 - No caso dos autos a pena de prisão não é a única que cumpre com as finalidades da punição e apesar do arguido ter antecedentes criminais, não se justifica uma pena de prisão tão elevada uma vez que o arguido está integrado social e familiarmente, pelo que as necessidades de prevenção especial não são elevadas.

10 - Cumpria ainda assim aferir da possibilidade de aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão nos termos do disposto no artigo 50º nº 1 do Código Penal.

11 - O sistema punitivo que vigora no Código Penal Português, parte da ideia que a pena tem por objetivo a ressocialização, e que, em consequência a efetiva aplicação das medidas detentivas, apenas deverá ter lugar nos casos mais gravosos, como uma “ultima ratio”.

12 - Considerando que o arguido A... dedica-se à venda ambulante, vive com uma companheira e com os respetivos 4 filhos (3 dos quais menores), sendo o arguido o único suporte económico do seu agregado familiar, tem a seu cargo menores de tenra idade, dois dos quais em idade escolar, a companheira encontra-se numa situação de desemprego, dedica-se exclusivamente às tarefas domésticas e a cuidar das crianças, sofrendo de hipertensão e fibromialgia, necessitando, consequentemente de tomar medicação diariamente, é por isso de supor que a pena de prisão vai desorganizar, talvez irremediavelmente a sua vida, e principalmente a vida dos seus quatro filhos que necessitam do arguido pois é ele quem os sustenta, pelo que a ameaça da pena será suficiente para que o arguido de futuro se afaste definitivamente da tentação de reincidir no comportamento criminalmente ilícito.

13 - Desde logo, se diga que a medida da pena admite a possibilidade da aplicação do art. 50º nº 1 do Código Penal, uma vez que a pena de prisão aplicada não é superior a um ano, tendo em consideração que, a suspensão da pena de prisão, evita o cumprimento efetivo da pena, fazendo sentir a forte reprovação da sociedade pelo seu comportamento, mas dando oportunidade de, em liberdade o arguido, se ressocializar, no sentido de moldar os seus comportamentos aos comandos jurídicos, face à censura realizada e perante a ameaça do cumprimento efetivo da pena de prisão.

14 - Pelo que sempre se julgaria adequada a suspensão da pena de prisão, sujeita aos deveres que se viessem doutamente a determinar e destinados a reparar o mal do crime,

15 - O Tribunal “a quo” salvo o devido respeito que a sua decisão merece, violou assim os artigos 40 nº 1, 70º, 71º nº 1 e 2 e 50 nº 1 do Código Penal.

16 - Acresce que, o Tribunal a quo ainda que tivesse aplicado pena de prisão poderia substitui-la por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 58º do Código Penal, porquanto se entende que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e representará ainda uma forma de reação penal com potencialidade para nova orientação na vida do arguido, desta vez pautada por regras e valores de são convívio social que o mesmo não tem até agora sabido respeitar, sendo menos estigmatizante e mais enriquecedora do ponto de vista da reintegração social.

17 - Resta tentar a reintegração progressiva de modo a estimular e a possibilitar uma experiência nova no convívio do arguido com outras gentes com melhor formação cívica. Experiência que, por visar fins nobres e generosos, pelos desafios que a sua realização coloca e pelas relações sociais que desperta acabará por ser enriquecedora, criando naturalmente novos horizontes e gerando outras motivações e perspetivas de vida antes ignoradas.

18 - Perante a situação real que se colhe dos autos e da sentença, ao invés duma pena detentiva afigura-se-nos mais ajustada ao tipo de gravidade estoutra medida sancionatória. O arguido declara aceitar a sua sujeição a esta pena.

19 - E caso se entendesse que esta pena não acautelaria as finalidades da punição, sempre a pena detentiva poderia ser cumprida em prisão por dias livres de acordo com o previsto no artigo 45º nº 1 do Código Penal, na medida em que esta pena permitiria o arguido continuar a sua vida e sustentar a família e simultaneamente conhecer o peso da prisão, permitindo a sua socialização

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE O

PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM

CONSEQUÊNCIA:

I - a pena de prisão aplicada seja suspensa na sua execução nos termos do disposto no artigo 50º nº 1 do Código Penal ou caso assim não se entenda

II - A pena de prisão ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 58º do Código Penal e ainda sem prescindir e caso também assim não se entenda

III - A pena detentiva ser cumprida em prisão por dias livres de acordo com o previsto no artigo 45º nº 1 do Código Penal,

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA

JUSTIÇA!»


3. O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.
4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal ([i]), emitiu parecer no sentido de que a sentença é nula por tabelarmente ter afastado a substituição da prisão por dias livres nos termos do artigo 45.º do Código Penal ou, caso assim se não entenda, poderá este Tribunal ponderar essa aplicação, dando-se uma última oportunidade ao arguido que, ainda assim, não deixará de se sujeitar a uma pena privativa da liberdade.
5. No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2, o arguido nada disse.
6. Foram colhidos os vistos e realizou-se a conferência.
                                          *

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte matéria de facto que, por não ter sido impugnada, nem padecer de qualquer vício que este Tribunal deva oficiosamente conhecer([ii]), há-de ter-se por imodificável e definitivamente assente (transcrição):

«A) No dia 13 de Setembro de 2009, no decurso de uma operação de fiscalização levada a cabo para controlo de mercadoria contrafeita, a G.N.R. apreendeu na posse do arguido A..., diversas peças de vestuário que transportava no interior do veículo ligeiro de mercadorias Mercedes “Sprinter” com a matrícula X..., a qual se encontrava parqueada nas imediações do referido mercado de rua em Meda, tendo sido surpreendido enquanto acondicionava a “mercadoria” na caixa de carga do veículo, sendo que entre as quais se encontravam 17 camisolas e 5 fatos de treino com a marca “Nike”, 11 camisolas com a marca “Puma” e 15 camisolas e 30 casacos de fato de treino com a marca “Adidas”;

B) Os referidos militares, no decurso da mesma operação de fiscalização, apreenderam na posse do arguido B..., diversas peças de vestuário que transportava no interior do veículo ligeiro de mercadorias “Ford Transit” com a matrícula Y..., qque conduzia nas imediações do referido mercado de rua, pela E.N. 324, ao KM 46,200, sendo que entre as quais se encontravam 18 camisolas e 10 casacos de fato de treino e 2 fatos de treino, com a marca “Nike”, 12 camisolas e 28 casacos de fato de treino com a marca “Puma” e 8 casacos de fato de treino e 6 calças de fato de treino, com a marca “Adidas”;

C) Os arguidos, que já haviam tentado colocar tais mercadorias no referido mercado de Meda, pretendiam voltar a colocar essas peças de vestuário e calçado, que adquiriram a pessoa desconhecida, nas feiras e mercados da região, obtendo lucro relativamente ao preço que haviam pago pela sua aquisição.

D) As firmas “ Adidas Portugal, S.A.”, “American Nike, S.L.” e “Puma Portugal, Lda.”, são as representantes exclusivas em Portugal respectivamente das marcas “Adidas”, “Puma” e “Nike”, tendo-as registadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

E) As peças de roupa que os arguidos transportavam não foram confeccionadas por tais sociedades comerciais, nem sob a sua autorização.

F) Na verdade, foram fabricadas com tecidos de qualidade inferior aos comercializados por aquelas firmas, assim como são inferiores os padrões utilizados, as qualidades das linhas, os botões e os respectivos acabamentos.

G) As etiquetas, dada a qualidade dos materiais com que foram confeccionadas, não correspondem às utilizadas nos modelos originais, existindo como única semelhança o facto de reproduzirem as aludidas marcas.

H) Os arguidos conheciam as características e qualidade das peças que destinavam à venda a terceiros como se fossem artigos verdadeiros daquelas marcas, tendo o propósito de obter vantagens patrimoniais.

I) Agiram deliberada, livre e conscientemente, sabendo as suas condutas proibidas e puníveis por Lei.

Mais se provou que:

J) O arguido A... foi no âmbito do processo 186/97 que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco condenado, em 24/10/1997, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 500$00.

K) O arguido A... foi no âmbito do processo 4/98 que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda condenado, em 13/10/1998, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de falsas declarações, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 600$00.

L) O arguido A... foi no âmbito do processo 213/96 que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante condenado, em 17/02/2000, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 500$00.

M) A pena de prisão subsidiária aplicada no âmbito do processo mencionado em L) foi perdoada por decisão de 22/09/2000.

N) O arguido A... foi no âmbito do processo 68/00 que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco condenado, em 13/07/2001, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física e numa contra ordenação, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 1000$00 e na coima de 26.000$00.

O) A pena referida em N) foi, a 08/10/2003 declarada extinta pelo cumprimento.

P) O arguido A... foi no âmbito do processo 152/2000 que correu termos no 3º Juízo dos Juízos Criminais do Porto condenado, em 23/10/2001, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 400$00.

Q) A pena referida em P) foi, a 19/04/2004, declarada extinta pelo cumprimento.

R) O arguido A... foi no âmbito do processo 201/00 que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco condenado, em 04/10/2002, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias p.p artigo 23º, al. a) e b) do DL24/84 de 20 de Janeiro e 264º do Código de Propriedade Industrial, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00.

S) A pena referida em R) foi, a 19/04/2004, declarada extinta pelo cumprimento.

T) O arguido A... foi no âmbito do processo 272/01.3SAGRD, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda condenado, em 13/10/1998, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física p.p. 143º do Código Penal, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de €4,00.

U) A pena referida em T) foi, a 08/03/2006, declarada extinta pelo cumprimento.

V) O arguido A... foi no âmbito do processo 182/04.2TAGRD, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda condenado, em 14/12/2004, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de desobediência p.p. 348º do Código Penal, na pena de 75 dias de multa à taxa diária de €4,00.

W) A pena referida em V) foi, a 18/07/2005, declarada extinta pelo cumprimento.

X) O arguido A... foi no âmbito do processo 400/04.7GTCTB que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão condenado, em 07/06/2005, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez p.p. 292º do Código Penal, na pena de 75 dias de multa à taxa diária de €5,00, bem como na pena acessória de proibição de condução de veículos pelo período de 5 meses.

Y) A pena de multa referida em X) foi, a 10/05/2006, declarada extinta pelo cumprimento.

Z) O arguido A... foi no âmbito do processo 65/05.9GTGRD que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda condenado, em 26/05/2005, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias p.p. artigo 23º, n.º1 DL24/84 de 20 de Janeiro, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

AA) A pena referida em Z) foi, a 25/09/2008, declarada extinta pelo decurso do tempo da suspensão.

BB) O arguido A... foi no âmbito do processo 265/07.7SAGRD, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda condenado, em 05/05/2008, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física p.p. 143º do Código Penal, na pena de 11 meses de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.

CC) O arguido A... foi no âmbito do processo 99/12.7SAGRD que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda condenado, em 13/03/2012, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de detenção de arma proibida p.p. artigo 86º, n.º1, al.c), n.º2 al. q) e 3º,n.º4, a. A), todos da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

DD) A pena de multa referida em BB) foi, a 19/01/2011, declarada extinta pelo cumprimento.

EE) O arguido B... não tem antecedentes criminais.

FF) O arguido B... confessou livre e integralmente os factos de que vinha acusado e revelou arrependimento.

Provou-se, ainda, que:

GG) O arguido B... encontra-se desempregado, sendo que se dedica à venda ambulante.

HH) O arguido B... vive com a companheira e 3 filhos menores em casa camarária pela qual paga €20,00 de renda.

II) O arguido A... vive com a companheira e os 4 filhos (3 dos quais menores) em casa arrendada pela qual paga €150,00 de renda.

JJ) O arguido A... dedica-se à venda ambulante e aufere, a título de subsídio, €295,00 mensais.

KK) O veículo ligeiro da marca FORD, matrícula Y... é propriedade do arguido B....

LL) O veículo ligeiro da marca Mercedes - BENZ, matrícula X... é propriedade do arguido A....»

                                                        *

2. Apreciando.

2.1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso([iii]), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso([iv]).

Assim, balizados pelo teor das respectivas conclusões([v]), são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

- suspensão da execução da pena de prisão;

- substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade;

- cumprimento da pena de prisão em dias livres.

Há ainda que conhecer, oficiosamente (artigo 379.º, n.º 2), da nulidade de sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal.

2.2. Da nulidade de sentença por omissão de pronúncia.

Antes de mais há que conhecer desta questão de índole processual na medida em que a sua procedência prejudica o conhecimento da parte substantiva do recurso([vi]).

Como é sabido, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, tudo sem prejuízo do regime aplicável à alteração de factos, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º - artigo 339.º, n.º 4.

Na fase do julgamento, nisto se traduz o objecto do processo, que é conhecido na sentença, acto decisório do juiz por excelência – artigo 97.º, n.º 1, a).

Nos termos do artigo 379.º, n.º 1, c), a sentença é nula quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia conhecer, sendo que, no primeiro caso, estamos perante uma omissão de pronúncia e, no segundo, perante um excesso de pronúncia.

A escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa que, desde logo, se opte pela execução ou cumprimento da pena privativa da liberdade, pois, entretanto, haverá que ponderar a aplicação das penas de substituição que apenas são aplicáveis depois de escolhida a pena de prisão e de concretamente determinado, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, o seu quantum.

No caso em apreço, o tribunal a quo escolheu a prisão em detrimento da multa e aplicou ao arguido a pena de 7 (sete) meses de prisão.

Da escolha da pena principal de prisão, no caso de moldura abstracta que contempla prisão ou multa, não decorre, necessariamente, que a pena privativa da liberdade tenha de ser cumprida.

O que pode acontecer é que o tribunal, atento o preceituado no artigo 70.º do Código Penal, opte pela prisão como pena principal, por entender que a multa não satisfaz de forma adequada e suficiente todas as finalidades da punição, mas que, num segundo momento, uma vez fixada a prisão em certa medida, deva proceder à sua substituição, por tal lhe ser legalmente imposto se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (artigo 43.º) ou porque, face às penas de substituição legalmente previstas, acaba por concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição([vii]).

As penas de substituição são aquelas que, uma vez determinada a medida da pena de prisão, podem ser aplicadas em vez desta([viii]).

penas de substituição em sentido próprio – aquelas que são cumpridas em liberdade, como a suspensão da execução da pena de prisão, a pena de multa de substituição ou a prestação de trabalho a favor da comunidade – e as penas de substituição em sentido impróprio – as quais são detentivas da liberdade, mas cuja execução não pressupõe a privação continuada da liberdade ou a privação de liberdade em meio prisional – artigos 44.º, 45.º e 46.º do Código Penal.

Uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de optar por uma pena de substituição, pois a aplicação destas não é uma faculdade discricionária do juiz mas um poder/dever ou um poder vinculado([ix]).

Assim, uma vez determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, impõe-se verificar se ela pode ser objecto de substituição.

A não ponderação de uma pena de substituição abstractamente aplicável ao caso em apreço é geradora da nulidade da sentença prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), posto que o tribunal deixou de se pronunciar sobre questão que tinha obrigatoriamente de apreciar.

A este respeito consignou-se na sentença recorrida o seguinte:

«Uma vez que ao arguido foi aplicada pena de prisão de 7 meses, cumpre trazer à colação o disposto no artigo 50º, n.º1 Código Penal.

Dispõe o supra referido artigo e seguinte:

“O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Do supra mencionado artigo, resulta um poder-dever para o julgador de, atentas as circunstâncias do caso e verificados os requisitos da lei, suspender a execução da pena de prisão, na medida em que se conclua que será adequado e suficiente a mera censura e ameaça da mesma, revelando-se, no caso, desnecessária, mormente quanto às necessidades de prevenção especial, o cumprimento de uma pena efectiva de prisão.

Cabe ao juiz fazer, a este respeito, um juízo de prognose favorável no que à conduta do arguido concerne, suspendendo a pena quando entenda que a ameaça do cumprimento efectivo de pena seja suficiente para reorientar a conduta do arguido. Conforme o explica Jescheck, este juízo de prognose consiste na esperança de que o condenado se dará já por advertido com o proferir da sentença e que não cometerá mais nenhum delito, sendo, contudo, que esperança não significa segurança.

O tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico. O princípio “in dubio pro reo” aplica-se apenas aos factos que servem de base ao juízo de probabilidade, de modo que o tribunal terá que estar convencido em relação ao juízo propriamente dito” (inTratado de Derecho Penal – Parte General”, Comares Editorial, Granada, 1993, página 760, na versão espanhola de José Luís Samaniego).

Pode, ainda, o tribunal, se o julgar conveniente e adequado, subordinar a suspensão de execução de pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, nos termos do artigo 50º, n.º2, 51º, 52º e 53º, todos do Código Penal.

No caso concreto, uma vez que se condenou o arguido numa pena de prisão de 7 meses, cumprirá atentar no acabado de referir, por forma a que se possa concluir, ou não, pela eventual suspensão da pena aplicada.

Resultou provado nos autos que o arguido tinha 12 condenações anteriores, também pela prática de um crime de ofensa à integridade física.

A primeira condenação remonta ao ano de 1997, sendo que a últimas ocorreu no presente ano de 2012.

Tal como foi já mencionado, as condenações do arguido resultam da prática de diferentes tipos de ilícito, nomeadamente condução de veículo em estado de embriaguez, falsas declarações, emissão de cheque sem provisão, fraude sobre mercadorias, ofensa à integridade física, desobediência e detenção de arma proibida.

De tal abrangência de tipos de ilícito violados, somos obrigados a concluir que a conduta do arguido se pauta por uma profunda desconformidade com o Direito e persistente recusa e orientar a sua conduta de acordo com as normas vigentes.

É um facto que o Tribunal não considerou elevada a ilicitude nos presentes autos, no entanto, é também verdade que o arguido foi já por 3 vezes condenado numa pena de prisão, sendo por 2 vezes a pena suspensa na sua execução e 1 vez substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade (de notar que a última pena aplicada ao arguido, de 2 anos e 8 meses suspensa na sua execução ocorreu já depois da prática dos factos em questão nos presentes autos).

Atentos os antecedentes criminais do arguido, conclui-se que o julgador tem procurado evitar o efectivo cumprimento de uma pena detentiva da liberdade, buscando na lei as alternativas de que se pode socorrer ou que consubstanciam um poder-dever, tendo dado ao arguido várias oportunidades, num juízo que certamente foi sendo de prognose favorável, para que o mesmo entendesse o desvalor das suas condutas e se reorientasse para o Direito.

Tais tentativas resultaram, até à presente data, goradas.

Assim, no seguimento do ensinamento de Jescheck, não consegue o Tribunal fazer neste momento um juízo de prognose que consista na esperança de que o condenado se dará já por advertido com o proferir da sentença e que não cometerá mais nenhum delito.

Não resulta, assim, adequado aplicar ao arguido uma pena que consista numa censura e solene advertência, acompanhadas da ameaça de prisão por se entender que dessa forma não se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, mostrando-se, ao invés, indispensável o efectivo cumprimento da prisão.

Entende assim o Tribunal que não deverá a pena de prisão de 7 meses aplicada ser suspensa, por não se encontrarem preenchidos os requisitos legais, nomeadamente os previstos no artigos 50º, n.º1 do Código Penal.

*

Não se configura a substituição da pena de prisão ora por qualquer outra prevista no Código Penal, por não se revelar adequada e suficiente.»

O tribunal a quo afastou a suspensão da execução da pena de prisão, não se pronunciando de forma expressa sobre a aplicação da pena de multa de substituição ou da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade mas ao fundamentar a necessidade de execução da pena de prisão com as elevadas exigências de prevenção especial que o presente caso encerra está necessariamente a afastar a aplicação daquelas penas de substituição em sentido próprio.

Afigura-se-nos, pois, que, implicitamente, foi ponderado que a aplicação da pena de multa de substituição bem como da prestação de trabalho a favor da comunidade não eram adequadas a alcançar as finalidades da punição.

Todavia, o mesmo não acontece no que se reporta às penas de substituição em sentido impróprio.

Afirmar que se torna necessário o cumprimento efectivo da pena de prisão não significa que esse cumprimento não possa ter lugar em regime de semidetenção, ou em prisão por dias livres, ou mesmo em regime de permanência na habitação, pois estas penas de substituição são detentivas da liberdade e são, em abstracto, aplicáveis à pena de sete meses de prisão em que o arguido foi condenado – cfr. artigos 44.º, n.º 1, a), 45.º, n.º 1 e 46.º, n.º 1 do Código Penal.

O tribunal a quo não podia deixar de apreciar a sua adequação ao caso concreto, pois sendo abstractamente possível a opção por mais do que uma pena de substituição, o tribunal, sob pena de nulidade, deve especificadamente ponderar a aplicação, ou não, de cada uma delas([x]).

E nem se diga que já foi ponderada a aplicação das penas de substituição em sentido impróprio quando na sentença se refere que «não se configura a substituição da pena de prisão ora por qualquer outra prevista no Código Penal, por não se revelar adequada e suficiente».

Trata-se de uma afirmação genérica e tabelar que não cumpre cabalmente o dever de fundamentação da sentença em matéria que se prende com a liberdade dos cidadãos.

Assim, uma vez que a decisão recorrida não se pronunciou concretamente sobre a substituição da pena de prisão aplicada tendo em vista o leque das chamadas penas de substituição detentivas (penas de substituição em sentido impróprio) que a lei estabelece, enferma a mesma de nulidade decorrente de omissão de pronúncia.

Este vício afecta o acto decisório em si mesmo bem como os actos que dele dependem e que podem ser afectados pela nulidade, como seja o recurso que sobre ele recaiu (artigo 122.º, n.º 1).

A procedência desta questão prejudica o conhecimento das restantes elencadas nas conclusões da motivação do recurso (artigo 660.º, n.º 2, 1ª parte do CPC ex-vi artigo 4.º do CPP) posto que, declarando-se nula a sentença recorrida, se impõe que a mesma seja reformulada pelo tribunal a quo através da prolação de nova decisão expurgada já da apontada nulidade.

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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em declarar nula a sentença recorrida, a qual deve ser reformada pelo mesmo tribunal, proferindo nova sentença que supra a apontada nulidade, se necessário com produção de prova suplementar.

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Sem tributação.

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Fernando Chaves (Relator)

Jorge Dias


[i] - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.
[ii] - Considerando que da leitura do texto da decisão recorrida, por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se o adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, e devidamente fundamentado.
[iii]  - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 2ª edição, 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, 107; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/1997 e de 24/03/1999, in CJ, ACSTJ, Anos V, tomo III, pág. 173 e VII, tomo I, pág. 247 respectivamente.
[iv] - Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995.
[v] - Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar – Germano Marques da Silva, obra citada, pág. 335; Daí que se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões – Simas Santos e Leal Henriques, obra citada, pág. 107, nota 116.
[vi] - O artigo 660.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex-vi artigo 4.º do CPP, estabelece o conhecimento das questões submetidas à apreciação do tribunal segundo a sua precedência lógica.
[vii] - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 364.
[viii] - Figueiredo Dias, op. cit., págs. 91 e 326.
[ix] - Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 25/5/2005 e 5/7/2007, in www.dgsi.pt/jstj e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 61/06, de 18/1/2006, in www.tribunalconstitucional.pt.
[x] - Cfr. Acórdãos da Relação de Guimarães de 25/2/2009, Processo n.º 93/08.2GAVLN.G1, de 18/5/2009, Processo n.º 318/07.1PBVCT.G1 e de 18/10/2010, Processo n.º 587/08.0TAGMR.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jtrg.