Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
196/15.7T8VLF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
CONTRADITÓRIO
NOTIFICAÇÃO
PRESUNÇÃO
Data do Acordão: 09/19/2017
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - V.N.F.CÔA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 3 Nº3, 195, 201, 248, 444 CPC
Sumário: 1. - Para os efeitos do disposto no art.º 248.º do NCPCiv., estabelecendo presunção de notificação aos mandatários no 3.º dia útil posterior ao da elaboração certificada pelo sistema informático Citius, não releva a data em que o mandatário procedeu à consulta e leitura da decisão notificanda nesse sistema, apenas podendo a presunção legal ser ilidida para alargamento do prazo (não para o seu encurtamento).

2. - O art.º 444.º, n.º 1, do NCPCiv. prevê um prazo processual de impugnação, quanto a prova documental, de 10 (dez) dias, contados da data em que se considera ocorrida a notificação da junção, prazo legal esse, estabelecido em benefício da parte, para exercício do contraditório, que, a não ser prescindido pelo beneficiário, não pode ser impedido/inviabilizado, mormente tratando-se de documentos relevantes para o desfecho da ação, sob pena de violação do princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv.).

3. - Ocorrendo tal violação, verifica-se nulidade processual, que, tempestivamente invocada, determina também a anulação da sentença, onde essa prova foi valorada, obrigando à reabertura da audiência final, para que o contraditório preterido seja exercido.

Decisão Texto Integral:   









                                                        ***

            Recurso próprio, com efeito e modo de subida devidos, nada obstando ao seu conhecimento.

                                                          ***    

Ao abrigo do disposto no art.º 656.º do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, segue decisão sumária, face à simplicidade da questão a decidir.

                                               ***

I – Relatório

A (…), com os sinais dos autos,

intentou ação de processo comum contra

F (…) Ld.ª”, também com os sinais dos autos,

pedindo que seja a R. condenada:

a) A reconhecer a resolução do contrato de fornecimento de campa com duas torres em granito maciço, celebrado com o A. (identificado na petição inicial), por incumprimento definitivo pela R.;

b) A reconhecer que o A. nada lhe deve;

c) A restituir ao A. o valor de € 3.000,00 (três mil euros) que lhe foi entregue pelo mesmo a título de pagamento parcial do preço do aludido contrato;

d) Bem como em juros de mora contados da interpelação para pagamento e até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, que:

- contratou com a R. a colocação por esta, em cemitério, de uma campa com duas torres maciças de granito, pelo preço de € 6.000,00, tendo-lhe entregue um cheque no montante de € 3.000,00, para pagamento parcial desse preço;

- porém, as colunas colocadas na campa são ocas por cima, com meras capas de granito colocadas em triângulo, o que não corresponde ao contratado;

- interpelada a R. pelo A. para proceder à substituição de tais colunas, por colunas de granito maciço, aquela nada fez;

- por isso, o A. comunicou à R. a resolução do contrato e interpelou-a para restituir o valor de € 3.000,00 pago, o que aquela também não fez.

A R. contestou, concluindo pela total improcedência da ação, para o que impugnou a factualidade alegada pelo A., afirmando que nunca contratou com ele a colocação de qualquer campa, atividade que nem sequer desenvolve, nem recebeu do A. a quantia peticionada.

Tramitados os autos, procedeu-se à audiência final, com produção de provas, tendo sido necessário designar segunda sessão de audiência, ocorrida em 30/09/2016, com inquirição da testemunha (indicada pela R.) R (...) , constando da respetiva ata ([1]) que, durante o depoimento, “foi a testemunha notificada para no prazo de 10 dias proceder à junção de documentos (factura)”, razão pela qual foi designado o dia 13/10/2016 para nova sessão (continuação) da audiência.

Com data de entrada em juízo de 07/10/2016, a testemunha R (...) juntou “orçamento e factura/recibo respeitante aos € 3.000,00 da quantia paga em cheque pela Sr.ª M (...) ”, mais informando que “ainda não emitiu factura do[s] restantes € 3.000,00, porque, como disse no julgamento, ainda não foram pagos pela dita Sr.ª, e a sua facturação implicaria, como implicou na factura que se anexa, o pagamento do IVA que ainda não recebeu” ([2]).

As partes foram notificadas de tal junção mediante expediente notificatório com data de elaboração de 10/10/2016 (cfr. certificação Citius, na versão eletrónica dos autos), perante o que o A., em 12/10/2016, veio “expor e requerer o seguinte:

O A. não prescinde do prazo legal de pronúncia e contraditório sobre os mesmos documentos, nos termos do disposto nos arts. 427º e 444º e seguintes do CPC.

Terá de entender, face ao thema decidendum, que estamos perante documentos relevantes para a boa decisão da causa. Acresce que,

Para a análise e exercício do contraditório por parte do A., relativamente aos documentos serão necessários vários dias, sendo que o A. tem o prazo de dez dias contados da notificação para se pronunciar por escrito sobre os mesmos documentos (cfr. art. 444º nº1 do CPC), bem como pode requerer a produção de prova com a pronúncia e impugnação dos mesmos (cfr. art. 445º nº1 do CPC).

(…)

Pelo exposto, e igualmente nos termos do disposto na segunda parte do art. 424º do CPC, requer-se a V.Ex.a se digne dar sem efeito a continuação da audiência final designada para o dia 13/10/2016, designando em substituição nova data que preveja e respeite o prazo de exercício do contraditório, com o prévio acordo dos mandatários, nos termos do disposto no art. 151º nº 1 do CPC.” ([3]).

No dia 13/10/2016, o Tribunal procedeu à continuação designada da audiência, altura em que o Mandatário da R. disse nada ter a requerer quanto ao antecedente requerimento do A., após o que foi proferido despacho ([4]), no sentido, quanto ao aqui relevante, de não haver fundamento para reagendamento ou adiamento da audiência, determinando-se, por isso, o seu prosseguimento imediato (sem a concessão, pois, de prazo, de dez dias, para exercício do contraditório, por desnecessidade de tal prazo e por se entender que a pronúncia devia ser imediata), assim se indeferindo o requerido.

Perante este despacho, veio o A. defender que, não se interrompendo a audiência antes das alegações finais para exercício do contraditório sobre os documentos apresentados pela testemunha R (...) , ocorre nulidade prevista no art.º 201.º, n.º 1, do NCPCiv., por omissão de um ato legalmente prescrito, o exercício do contraditório, previsto no art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv., tendo também em conta o previsto no art.º 424.º do mesmo Cód., e sendo que a irregularidade pode influir no exame ou na decisão da causa, assim arguindo expressamente a nulidade processual respetiva.

Sobre tal invocada nulidade processual logo tomou o Tribunal a quo posição ([5]), no sentido de a questão colocada (irregularidade alegadamente cometida) já ter sido apreciada no âmbito da decisão antecedente – pronúncia sobre o requerimento prévio e razões do não adiamento do julgamento, afastando a ocorrência de qualquer irregularidade, por a questão já ter sido apreciada –, assim indeferindo o requerido.

Prosseguindo os trabalhos da audiência ([6]), foi esta depois encerrada, ordenando-se a abertura de conclusão para prolação de sentença.

Nesta – seguidamente proferida –, conhecendo-se de facto e de direito, foi a ação julgada improcedente, com absolvição da R. do pedido.

Inconformado, recorre o A. daqueles dois despachos ([7]) e da sentença absolutória ([8]), apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([9])

(…)

Não foi junta contra-alegação recursória.

O recurso foi admitido – somente quanto aos ditos “despacho 1”, “despacho 2” e sentença ([10]) – como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde resulta mantido o regime recursório.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir quanto ao objeto do mesmo, em decisão sumária, como referido, dada a simplicidade da questão que vem colocada.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito recursório, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, o thema decidendum consiste em saber:

a) Se ocorreu nulidade processual, cuja tempestiva arguição determina a revogação dos despachos recorridos (“despachos 1 e 2” proferidos em audiência final);

b) Se tal tem como consequência a não admissão da prova documental junta por testemunha sob determinação do Tribunal;

c) E obriga à revogação da sentença e sua substituição por outra que, apreciando apenas as demais provas produzidas, altere a decisão de facto e julgue procedentes os pedidos do A./Recorrente.


***

III – Fundamentação fáctico-jurídica

A) Da base fáctica a considerar

O quadro fáctico a atender para decisão do recurso interposto quanto aos dois aludidos despachos judiciais é o enunciado no antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

B) Da base fáctica convocada pelo Tribunal recorrido

O quadro fáctico considerado na sentença como provado é o seguinte:

1- Em 12 de Fevereiro de 2013 faleceu M (…), filho do Autor.

2- As torres de granito que foram colocadas na campa do filho do Autor, no cemitério da freguesia de x (...) , são ocas por cima, designadamente, com capas de granito colocadas em triângulo.

3- Por carta datada de 19 de Agosto de 2015, e recepcionada pela Ré em 20 de Agosto de 2015, o Autor, por intermédio do seu Advogado, interpelou a Ré, entre o mais, «(…) para, no prazo de dez dias contados da recepção da presente (…) proceder à substituição das torres/colunas em causa por colunas de granito maciço, tal como contratado (…)».

4- A Ré não procedeu a qualquer substituição das torres de granito referidas em 2-.

5- Por carta datada de 16 de Outubro de 2015, e recepcionada pela Ré em 19 de Outubro de 2015, o Autor, por intermédio do seu Advogado, comunicou à Ré, entre o mais, «a resolução do contrato de fornecimento de serviços em causa» e solicitou «a restituição do preço já pago a título de colocação das colunas em granito maciço (3000,00€), restituição que deverá ocorrer no prazo máximo de oito dias contados da recepção da presente carta(…)».

6- A Ré não entregou ao Autor a solicitada quantia de 3.000€ (três mil euros).

7- Logo após o óbito do seu filho, o Autor não contratou os serviços da Ré, para a colocação, por esta, no cemitério da freguesia de x (...) , de uma campa com duas torres maciças na cabeceira da mesma, em granito preto, pelo preço acordado de 6.000€ (seis mil euros), nem o Autor pagou, à Ré, 3.000€ (três mil euros), por conta do referido preço..

E foi julgado como não provado que:

a- Logo após o óbito do seu filho, o Autor contratou os serviços da Ré, para a colocação, por esta, no cemitério da freguesia de x (...) , de uma campa com duas torres maciças na cabeceira da mesma, em granito preto, pelo preço acordado de 6.000€ (seis mil euros), tendo o Autor pago, à Ré, 3.000€ (três mil euros), por conta do referido preço..

C) Da nulidade processual e suas consequências

1. - Da violação do princípio do contraditório em matéria probatória

Cabe começar por conhecer do recurso de decisões intercalares (“despachos 1 e 2”, proferidos em sede de audiência final), para depois, a não resultar prejudicado, se conhecer do recurso interposto quanto à sentença absolutória.

No primeiro despacho recorrido, tendo por referência prova documental junta por uma das testemunhas inquiridas e decorrente requerimento escrito do A. – este referia, expressamente, não prescindir do prazo de dez dias para exercício do contraditório quanto a tal nova prova e requeria, por isso, a alteração da data designada para continuação da audiência, de molde a “ser respeitado” tal prazo –, considerou o Tribunal a quo que não havia fundamento para reagendamento ou adiamento da audiência, assim determinando o seu prosseguimento imediato (sem a concessão de prazo para exercício do contraditório, por desnecessidade de tal prazo e por entender que a pronúncia devia ser imediata), assim indeferindo o requerido.

De imediato, invocou o A. que, não se interrompendo a audiência antes das alegações finais para exercício do contraditório sobre tal prova documental, ocorreria nulidade prevista no art.º 201.º, n.º 1, do NCPCiv., por preterição do exercício do contraditório (art.ºs 3.º, n.º 3, e 424.º, ambos do NCPCiv.), podendo a irregularidade influir na decisão da causa, assim arguindo essa nulidade processual.

O que logo foi objeto de decisão – no segundo despacho recorrido –, no sentido de a questão colocada (irregularidade processual) já ter sido apreciada no âmbito da decisão antecedente, assim se indeferindo o requerido, termos em que, prosseguindo os trabalhos da audiência, foi esta depois encerrada, para prolação de sentença, onde se conheceu de facto – com a decisão sobre a matéria de facto a admitir e valorar, para formação da convicção do Tribunal, a dita prova documental ([11]) – e de direito e se julgou a ação totalmente improcedente, com absolvição da R. do pedido.

Esta improcedência decorreu, como resulta da fundamentação de direito da sentença impugnada ([12]), de se ter julgado provado que o A. nada contratou com a R. (tese desta) – facto 7- da sentença – e não provado que tenha contratado os serviços de tal R. (tese do A. e ponto a- da factualidade não provada da sentença).

Assim sendo, só pode concluir-se que os aludidos documentos foram relevantes – conjuntamente com outras provas, é certo – para formação da convicção probatória que desencadeou a improcedência da ação.

Donde que fosse necessariamente relevante o exercício do contraditório, em sede probatória, pelo A. (cfr. os art.ºs 3.º, n.º 3, e 444.º, n.º 1, ambos do NCPCiv., invocados por aquele).

Mas será que o A./Recorrente teve a oportunidade de exercer o contraditório e a desperdiçou?

Salvo o devido respeito, parece-nos que não é essa a leitura correta da situação processual dos autos.

Na verdade, o A. apenas poderá considerar-se notificado da junção dos documentos em discussão no dia 13/10/2016 – precisamente a data para que estava designada a continuação da audiência –, posto que tal notificação teve lugar mediante expediente notificatório com data de elaboração de 10/10/2016 (certificação Citius, na versão eletrónica dos autos).

Assim deve concluir-se perante o disposto no art.º 248.º do NCPCiv., que estabelece presunção de notificação aos mandatários no 3.º dia útil posterior ao da elaboração certificada.

E também é de sufragar o entendimento jurisprudencial – aliás, invocado pelo Apelante – no sentido de não relevar, para o efeito, a data em que o mandatário procedeu à consulta e leitura da decisão notificanda no sistema informático CITIUS, podendo a presunção de notificação ser ilidida, mas só para alargamento do prazo e não para o seu encurtamento – assim a Decisão do TRC de 30/04/2012, Proc. 420/11.5TBSRT-A.C1 (Rel. Alberto Ruço), bem como o Ac. TRL de 22/06/2011, Proc. 79-B/1994.L1-4 (Rel. Ramalho Pinto), ambos em www.dgsi.pt.

Como sumariado neste Ac. do TRL, a notificação à parte, na pessoa do seu mandatário, quando realizada por transmissão eletrónica de dados, beneficia da mesma dilação prevista, no artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil anterior, para a notificação postal, presumindo-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. Trata-se uma presunção que apenas pelo notificado pode ser ilidida, provando ele que não foi efetuada a notificação ou que ocorreu em data posterior à presumida, para tanto não servindo o critério da leitura efetiva, por tal desiderato se não encontrar elencado no texto legal.

Ora, o art.º 444.º, n.º 1, do NCPCiv. prevê, efetivamente, um prazo de impugnação quanto a prova documental de 10 (dez) dias, contados da notificação da junção.

Trata-se, pois, de um prazo legal, estabelecido em benefício da parte, para exercício cabal por esta do contraditório no âmbito probatório documental, prazo esse que, por isso, não pode ser impedido/inviabilizado, mormente quando se trate de documentos relevantes para a sorte dos autos, sob pena de violação do princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv.).

Como visto, a notificação da junção deve considerar-se realizada em 13/10/2016, precisamente a data agendada para a continuação da audiência, data a partir da qual a parte dispunha do aludido prazo legal de dez dias, pois que dele não prescindia, como expressa e tempestivamente declarou.

Por isso, não se tendo transferido a data da audiência, deveria esta, uma vez (re)aberta, ser suspensa, para continuação em nova data, compatível com o integral decurso do prazo para exercício do contraditório (cfr. art.º 606.º, n.º 3, do NCPCiv.), sem o que não seria caso de passagem às alegações orais (al.ª e) do n.º 3 do art.º 604.º do mesmo Cód.), posto que o A. ainda poderia (naquele prazo subsequente de dez dias) apresentar impugnação da nova prova documental, inclusive requerendo a produção de prova (art.º 445.º do mesmo Cód.).

Assim sendo, resta concluir pela inobservância, pelo Tribunal recorrido, do princípio do contraditório neste âmbito.

Por isso, o vício gerador da nulidade processual consubstancia-se, desde logo, na recusa de suspensão dos trabalhos da audiência para exercício do contraditório, antes se determinando o seu prosseguimento imediato (sem concessão de prazo), resultando, assim, cometida a invalidade processual a que alude o art.º 195.º, n.º 1, do NCPCiv. – posto que a irregularidade influi, decisivamente até, no exame e decisão da causa –, oportunamente arguida pelo A. (art.º 196.º do mesmo Cód.).

Porém, o Tribunal indeferiu tal arguição – segundo despacho recorrido –, indeferimento que, ante o exposto, não pode manter-se, posto que a nulidade foi cometida.

2. - Das consequências da invalidade processual

Prevê o art.º 195.º, n.º 2, do NCPCiv. que, havendo um ato processual de ser anulado, serão anulados também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente.

Ora, a nulidade cometida, reporta-se a prova produzida e valorada – sem observância do princípio do contraditório –, que foi relevante para o estabelecimento dos factos julgados provados e não provados e, outrossim, para o desfecho do pleito, traduzido na improcedência da ação e total absolvição da R. (o pior desfecho possível para o A.).

Assim, fica abalada a própria sentença, onde essa prova foi valorada, esses factos foram julgados e aquela improcedência da ação foi decretada.

Quer dizer, determinada a nulidade, não podem subsistir os despachos apelados, que terão de ser revogados, havendo de ser anulados todos os atos posteriores, incluindo a sentença.

Tudo para que possa voltar-se ao momento da audiência final, onde o prazo do contraditório haverá de ser conferido ao A., só depois de exercido o direito ao contraditório podendo passar-se à fase de alegações orais (de facto e de direito), de molde a suprir-se a nulidade cometida.

Tal já significa que não será caso, contrariamente ao peticionado na apelação, de não admitir, nesta fase recursória, como prova os documentos em questão e ainda de substituir por outra a decisão final recorrida, em termos de se alterar a decisão de facto e, aplicando o direito aos factos, declarar agora procedentes os pedidos do A. na ação.

Ao invés, o que ocorre, como deve, é anulação do processado, incluindo a sentença, para se voltar, como referido, à fase da audiência final, onde terá de ser sanada, desde logo, a nulidade, com concessão do legal prazo para o exercício do contraditório, e prosseguimento da legal tramitação dos autos, com prolação oportuna de nova sentença.

Em suma, não é caso agora, obviamente, de não admissão da prova documental junta – matéria sobre que não se pronunciou, nesse plano, a 1.ª instância –, nem de revogação da sentença e sua substituição por outra que, apreciando apenas as demais provas produzidas, alterasse a decisão de facto e julgasse procedentes os pedidos do A./Recorrente, havendo antes tal sentença de ser anulada.

Só em parte procede, pois, a argumentação do Apelante, ficando, logicamente, prejudicada a substância da apelação da sentença.

                                               *

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Para os efeitos do disposto no art.º 248.º do NCPCiv., estabelecendo presunção de notificação aos mandatários no 3.º dia útil posterior ao da elaboração certificada pelo sistema informático Citius, não releva a data em que o mandatário procedeu à consulta e leitura da decisão notificanda nesse sistema, apenas podendo a presunção legal ser ilidida para alargamento do prazo (não para o seu encurtamento).

2. - O art.º 444.º, n.º 1, do NCPCiv. prevê um prazo processual de impugnação, quanto a prova documental, de 10 (dez) dias, contados da data em que se considera ocorrida a notificação da junção, prazo legal esse, estabelecido em benefício da parte, para exercício do contraditório, que, a não ser prescindido pelo beneficiário, não pode ser impedido/inviabilizado, mormente tratando-se de documentos relevantes para o desfecho da ação, sob pena de violação do princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv.).

3. - Ocorrendo tal violação, verifica-se nulidade processual, que, tempestivamente invocada, determina também a anulação da sentença, onde essa prova foi valorada, obrigando à reabertura da audiência final, para que o contraditório preterido seja exercido.

***
V – Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação quanto aos dois aludidos despachos recorridos, por verificação da nulidade processual arguida, assim revogando tais despachos e anulando a subsequente tramitação dos autos, incluindo a sentença apelada, para que, reabrindo o Tribunal a quo a audiência final, seja observado o contraditório preterido, com decorrente legal tramitação processual e prolação de sentença.

Custas da apelação pela parte vencida a final.

Escrito e revisto pelo relator

Elaborado em computador

Coimbra, 19/09/2017

O Relator,  

Vítor Amaral


([1]) Cfr. fls. 58 e seg. dos autos em suporte de papel.
([2]) Fls. 60 a 63 dos autos, encontrando-se o aludido “orçamento” a fls. 61 e a “fatura” a fls. 62-63.
([3]) Cfr. fls. 65  e seg. dos autos em suporte de papel.
([4]) Intitulado “despacho 1” (oral) pela 1.ª instância, em sede de admissão recursória (cfr. fls. 121 dos autos em suporte de papel).   
([5]) O “despacho 2” (oral), segundo a mesma referenciação.
([6]) Âmbito em que o A. ainda formulou novo requerimento: afirmando não prescindir do requerimento anterior (o de arguição de nulidade, já objeto de decisão judicial), veio “pronunciar-se sobre os documentos em causa”, impugnando-os e requerendo contraprova, designadamente testemunhal (mas também documental).
Perante o que foi proferido o intitulado “despacho 3”, onde se chamou a atenção, desde logo, para o facto de o Tribunal já se ter pronunciado especificamente sobre os requerimentos anteriores, designadamente aquele em que o A. arguira a nulidade decorrente de inobservância do contraditório, concluindo-se pela extemporaneidade e manifesta improcedência da pronúncia à junção de documentos e pela concessão do exercício do contraditório já quanto à eventual aplicação de taxa sancionatória excecional.
Em derradeiro requerimento, insistiu o A. na questão do exercício do contraditório, tal como plasmado na lei (prazo de dez dias), o que já lhe havia sido indeferido, para além de defender não dever ocorrer qualquer taxa sancionatória pelo requerimento apresentado, visto só estar a exercer o seu direito ao contraditório legal. E reiterou mais uma vez invocar a nulidade de não exercício do contraditório para pronúncia sobre os documentos.
Proferiu então, por fim, a 1.ª instância o intitulado “despacho 4”, lembrando, desde logo, que cabia ao A. pronunciar-se apenas sobre a eventualidade de condenação em taxa sancionatória excecional, o que aquele aproveitou para reclamar novamente nulidade, sendo que o Tribunal já se havia pronunciado reiteradamente sobre esta questão, no requerimento em que indeferiu a arguição de nulidade e no requerimento posterior, e aplicando taxa sancionatória excecional de 03 unidades de conta.
([7]) Ditos “despacho 1” e “despacho 2”.
([8]) Recorreu ainda de outra matéria de despacho surgida em audiência de julgamento, âmbito em que não foi admitida a impugnação recursória, o que foi confirmado em decisão, por esta Relação, da reclamação que o A. apresentou contra a não admissão recursiva.
([9]) Que se transcrevem, tendo por base o aperfeiçoamento recursório que o A. apresentou na sequência do despacho de convite ao aperfeiçoamento de fls. 136 e v.º (cfr. conclusões aperfeiçoadas de fls. 162 e segs.).
([10]) No mais foi julgado intempestivo e, como tal, indeferido, indeferimento de que, como dito, o A. reclamou para a Relação, sem sucesso.
([11]) Como consta da fundamentação da convicção, em sede de decisão de facto:
«(…) Agora no que diz respeito ao facto provado da contestação (e facto não provado da petição inicial), importa logo à partida salientar que o Autor não produziu prova concludente, e segura, no sentido de que tenha contratado com a Ré a colocação de uma campa com duas torres de granito, antes pelo contrário.
(…)
A testemunha R (...) referiu que emitiu factura do trabalho em questão, contratado com a testemunha M (...) , tendo-se deslocado pessoalmente a Vila Nova de Foz Coa para o executar; a requerimento do Autor a testemunha foi notificada para juntar aos autos a factura do aludido negócio, factura que juntou a fls. 62, assim como o respectivo orçamento, a fls. 61 – note-se que estes documentos foram passados em nome da testemunha M (...) e contêm o seu respectivo número de contribuinte.
(…)
De todo o exposto decorre que a alegação dos Autores – de que o serviço foi contratado com a Ré, a sociedade Funerária Figuinha, Lda. – não se coaduna com a globalidade da prova produzida em julgamento, apontando esta, ao invés, e em sentido suficientemente claro, de que o serviço concretamente em discussão nos autos não foi contratado com a Ré (…)» (itálico aditado).
([12]) Cfr. fls. 75 dos autos em suporte de papel.