Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
73/09.0PBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 03/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS DE COIMBRA — 2º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 127º E 379º CPP
Sumário: 1.- No recurso da matéria de facto não basta ao recorrente demonstrar que a tese que apresenta também é possível, tem também que demonstrar que a tese do tribunal está errada.
2.- O art.º 127.º do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objetiva quando a lei assim o determinar; outra também objetiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjetiva, que resulte da livre convicção do julgador.

3.- Só haverá nulidade por omissão de pronúncia nos termos da alínea c., do nº 1, do artº 379º CPP, se o tribunal optar pela prisão efetiva e não tiver ponderado a hipótese de aplicação de pena de substituição ou da fundamentação não resulte claramente que apenas o cumpri mento efetivo daquela pode prevenir o cometimento efetivo de novos crimes.

Decisão Texto Integral: Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal condenar o arguido A... como autor de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artº. 143°, n.º 1, do Código Penal na pena de 7 (sete) meses de prisão e ainda a pagar, aos Hospitais da Universidade de Coimbra a quantia de € 143,50 acrescida de juros desde a notificação do pedido, à taxa legal (juros civis) até integral pagamento.

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

1. O arguido, ora recorrente, tendo sido condenado na pena de 7 MESES de prisão pela autoria de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art.° 143.ª do Cód. Penal e a pagar aos Hospitais da Universidade de Coimbra a quantia de € 143,50 acrescida de juros desde a notificação do pedido, à taxa legal juros civis) até integral pagamento, não se podendo conformar com tal decisão, vem da mesma recorrer em matéria de facto e de direito, tanto no que concerne à parte penal, como à parte civil.
2. IMPUGNAM-SE ESPECIFICADAMENTE os factos dados por provados na sentença recorrida e supra transcritos sob os pontos 1) a 8) porquanto tal matéria de facto considerada provada, que no presente recurso se impugna, padece de vícios que geram erros na sua apreciação.
3. A prova, em que se baseia a decisão do tribunal «a quo», não é consistente, e é apenas sustentada nas declarações prestadas pela ofendida, que manifestamente não são credíveis, nem isentas.
4. Resulta da sentença recorrida, sob o respectivo ponto "IV.Motivação", que foram determinantes, ou nas próprias palavras da decisão em crise, II de forma decisiva" para a prova do(s) facto(s) em apreço as declarações da testemunha B..., que o tribunal" a quo" reputou de "serena, segura e
5. Serena, não se duvida; Agora, de segura e coerente, é que não se podem apelidar as declarações da referida testemunha, que por sinal, isoladas, são as menos isentas e credíveis de todas, o que se revela pelas próprias declarações, como se passará a tentar demonstrar.
6. Ainda que fossem factos objecto de arquivamento na fase de inquérito ¬precisamente, como decorre do despacho de arquivamento, porque "observados à luz da experiência, não merecer grande crédito - o tribunal a quo socorreu-se, a título instrumental segundo se crê, da descrição de uma alegada abordagem feita pelo recorrente à referida testemunha que se traduziu num atropelamento, empregando uma viatura.
7. O tribunal a quo motiva a sua convicção plasmando na sentença recorrida que a testemunha fora embatida na perna esquerda; porém a testemunha, muito embora se tenha efectivamente queixado de tal facto, em audiência de julgamento, afiançou ter sido embatida na perna direita (Cfr. respectivas declarações a partir do minuto 3:00);
8. Não existindo mais do que um relatório do episódio de urgência nos autos (porquanto a testemunha B... não se apresentou ao INML, IP a fim de ser submetida a exame médico-legal), O mesmo não atesta qualquer lesão na perna esquerda ou direita da testemunha - Cfr. relatório de Fls. 5;
9. A testemunha B... descreveu um quadro de litigiosidade estabelecida com o recorrente, alegadamente, por este não gostar que aquela se prostituísse na Av…., desta Cidade, porquanto com tal comportamento prejudicaria" as meninas" que o ora recorrente ali teria a trabalhar;
10. Mas, sempre devidamente circunscrita à data dos factos, e ao referido local, a instâncias do M.P. (concretamente ao minuto 3:54 do respectivo depoimento) referiu a testemunha que em tal data não estava lá nenhuma das "meninas" (que afinal seria apenas uma ...) que, alegadamente, trabalhariam ali por conta do arguido; Já a instâncias do Defensor do Arguido, a partir do minuto 9:26 e até ao minuto 10:41 do respectivo depoimento, referiu que nesse dia estava lá com ela (a tal ...), garantindo saber que a ira do arguido se prendia com o facto de ela (testemunha) estar a fazer dinheiro, e a suposta ... (7) não estar, assim justificando a razão da agressão.
11. Para além da contradição quanto à localização dessa tal ... no local, há ainda a contradição quanto à localização da testemunha ... que a instâncias do Defensor do arguido, a partir do minuto 9:26, foi pela testemunha colocada no local nesse mesmo dia, sendo que pela mesma testemunha se confirmara antes, mais concretamente a instâncias da Digníssima Sr. a Procuradora, que a testemunha ... não estava no local, como se pode ver pelo respectivo depoimento ao minuto 6:20;
12. Além do mais, a sentença recorrida desconsiderou totalmente o depoimento das Testemunha ... que, muito embora não tivesse conhecimento dos factos em apreço, confirmou efectivamente não estar no local dos factos na data da respectiva ocorrência, quando no seu depoimento a testemunha B..., inicialmente confirmara tal ausência, mas já a instâncias do defensor do ora recorrente, referiu que "nesse dia a ... estava comigo", não resultando qualquer dúvida do teor de tais declarações que se estava a referir ao dia em que alegadamente teriam ocorrido os factos em apreço.
13. Ainda nesse facto (instrumental) relacionado com a viatura, na fundamentação da sentença em crise, o Tribunal "a quo" socorre-se da descrição da viatura como sendo um Mercedes preto de matrícula "VL", matrícula esta que nunca foi referida em qualquer outro local dos autos, nem se conseguindo descortinar tal referência no depoimento em audiência de quem quer que seja, muito menos da testemunha B...;
14. Ora, dos autos consta a informação de uma Matrícula … , referida a fls. 7 num auto de notícia elaborado pelos OPC.
15. Durante a produção de prova em julgamento, o Ministério Público refere-se (ao minuto 5:10) à queixa apresentada na polícia, na qual teria sido indicada a referida matrícula 76-58-UF.
16. Desde logo é evidente que tal matrícula não foi declarada pela denunciante na queixa propriamente dita de Fls. 1 nem nas declarações de Fls. 44 (num e noutro local tal matrícula, ou qualquer outra, nunca foi referida pela testemunha).
17. Mas o que verdadeiramente releva é que o Ministério Público, de todo o modo, nunca poderia ter - como fez e resulta evidente da gravação do depoimento da testemunha B... - avivado a memória da testemunha pelo recurso a tal auto de Fls. 7, isto na medida em que contem declarações da testemunha alegadamente colhidas pelo Opc.
18. O tribunal "a quo" manifestamente motiva a sua convicção relativamente à coerência da testemunha, além de tudo o mais, também na descrição que esta fez da viatura e respectiva matrícula (ainda que erradamente, no que se afigura tratar¬se de um mero ostensivo lapsus linguae) na sequência da leitura (ainda que parcial) de um auto de PIs. 7 cuja leitura, s.m.º., se crê só poder ter lugar com consentimento do arguido nos termos do n.º 5 do Art.° 358.° do cód. de Proc.º Penal.
19. Ora na medida em que o arguido nunca deu o seu consentimento a tal leitura ¬que, em rigor, nem requerida foi -, por efeito do disposto no n.º 1, no n.º 2, al b) e n.º 5 do Art. 356.° do cód. de Proc.º Penal, há desde logo que apontar tal vício à formação da convicção do julgador erigido que vem, em parte, em provas nulas, nulidade essa da qual se reclama nos termos do art.° 356.° n.º 9 do Cód. de Proc.º Penal;
20. Isto, sem prejuízo da óbvia correcção que, em função de todo o já exposto, há que fazer ao processo de formação da convicção do julgador, conforme infra melhor se apontará que não se encontra vedada a este superior tribunal" ad quem", verdadeiramente se impondo porquanto, conforme decidiu o Tribunal da Relação do Porto pelo Ac. 12/05/2004 convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum.
21. A livre apreciação da prova não é, não pode ser, arbitrariedade ou discricionariedade, e isso, ainda que o tribunal" a quo" se socorra da mesma para "blindar" uma decisão manifestando que, com base na prova produzida, não restaram quaisquer dúvidas sobre os factos.
22. A livre apreciação da prova pressupõe, pOIS, a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objectivos e racionais, de molde a que se possa impor essa convicção a todos os destinatários da decisão.
23. E isso abarca ainda os factos indiciários, instrumentais ou habilitantes, na busca da verdade processualmente possível que não se pode confundir com a verdade material a todo o transe, a qual, frequentemente, importa factos completamente distorcidos da realidade.
24. No caso" sub judice", uma vez que a prova produzida em que respalda a convicção do tribunal a quo consiste apenas e só no depoimento de uma única pessoa, tais coordenadas de "tratamento" do princípio da livre apreciação da prova impõem a exacerbação das já assinaladas contradições do referido depoimento.
25. E, em função das supra assinaladas contradições no único depoimento habilitante da sentença recorrida, a absoluta credibilidade e verosimilhança, o detalhe e coerência que a sentença recorrida imprime a tal depoimento, desmoronam-se irremediavelmente.
26. E tal contradição e falta de verosimilhança, não se descortina apenas nos referidos factos habilitantes, mas também, no próprio thema decidendum:
27. O Tribunal" a quo" deu como provado que o arguido" (. . .) dirigindo-se a B... desferiu-lhe, pelo menos, uma cabeçada na testa e duas bofetadas na
28. Para o efeito socorre-se, desde logo, do relatório de Fls. 5; Porém tal relatório não descreve, desde logo, que a testemunha se tenha queixado de ter sofrido qualquer cabeçada, e por outro lado, também não relata a constatação de qualquer lesão na teste que fosse consentânea com a cabeçada que a sentença recorrida deu por provada;
29. Depois, espontaneamente, a testemunha B..., no seu depoimento referiu ter sofrido" Pares de estalos e murros na cabeça" - voltando a alterar o modus operandi que imputa ao arguido que, ao longo dos autos, revela a seguinte evolução: 1) Na queixa (Fls. 1) denuncia ter sido agredida com duas cabeçadas e depois desmaiou; 2) No Hospital (no dia dos alegados factos em apreço - Fls. 5), queixou-se de ter sofrido várias estaladas, não mais falando em cabeçadas; 3) E em audiência de julgamento depois de - como se transcreveu - ter falado em pares de estalos e murros na cabeça)
30. E só a partir do minuto 5:51 do respectivo depoimento, e apenas por via dos esclarecimentos ao j do M.P., é que a testemunha, mesmo fazendo um compasso de espera hesitante (coisa rara no respectivo depoimento), referenciou ter sofrido uma cabeçada;
31. Atentas as divergências, imprecisões, e hesitações supra assinaladas constatadas ao nível do depoimento da testemunha B..., há que manifestar que, em bom rigor, são as declarações da queixosa que se infirmam a elas próprias e, como tal, são de valor probatório nulo, consequentemente se devendo, s.m.º., alterar a factualidade dada por provada, porquanto a mesma se respalda exclusivamente com base num depoimento que é tudo menos credível;
32. A sentença recorrida, salvo o devido respeito, padece, assim, de vício de erro notório na apreciação da prova consubstanciado no facto do raciocínio feito para se chegar a determinado convencimento não ter considerado as abundantes contradições do depoimento da única testemunha que serviu para motivar a convicção do tribunal, perante as quais, os factos em apreciação se tornam incertos.
33. E perante a incerteza dos factos, impunha-se a absolvição do arguido, além do mais, em respeito do princípio “in dubio pro reo”.
Não prescindindo,
34. Na escolha e medida da pena, o tribunal a quo levou em consideração os antecedentes criminais do arguido ponderando, para além do CRC, as condenações proferidas no PCC 7S0j05.7PBLRA, do 1.° juízo criminal de Leiria, (passada em julgado em 16 de Novembro de 2009) e ainda nos PCS 1316/07.0TACBR (do tribunal e juízo recorridos) e PCC 233/05.1TACBR (da Vara Mista de Coimbra), sendo que, à data da prolação da sentença, as condenações nestes últimos proferidas, não haviam ainda sequer transitado em julgado, por efeito dos respectivos recursos impetrados.
35. E, desde logo, há que precisar que não corresponde à verdade que a condenação proferida no PCC 233/05.1TACBR tivesse fundamento na prática de crimes (no plural, como se lhe refere a sentença recorrida) de lenocínio, mas sim por UM único crime de lenocínio simples, tendo tal decisão absolvido o ora recorrente de dois crimes de lenocínio agravado.
36. Ao considerar a sentença recorrida aquelas três decisões supra mencionadas, o Tribunal "a quo", considerou, como antecedentes do recorrente, mais do que podia considerar:
37. Os factos em apreço nos presentes autos respeitam a 6 de Dezembro de 2008, tendo a sentença aqui recorrida sido prolatada em 10 de Maio de 2011;
38. Em tal data da alegada prática dos factos em apreciação nos presentes autos, ainda não existiam formalmente tais condenações mencionadas na sentença e supra transcritas, pelo menos com trânsito em julgado;
39. "O juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento", isto é, à data da prática dos presentes factos. E tais "antecedentes" ainda não constavam, nem podiam, do CRC do arguido, devendo o tribunal situar-se, ao proferir a condenação, na posição em que estaria caso os julgasse imediatamente.
40. Tais considerandos de antecedentes (que formalmente não o eram) deveriam ser relegados apenas para sede de medida de pena por concurso de crimes, sob pena de se fazer um juízo duplicado de culpa e assim se aumentarem os limites mínimos e máximos de tal pena.
41. E ainda que tal não se entenda quanto à decisão proferida no PCC 780/05.7PBLRA, nomeadamente por ter a mesma já transitado aquando da prolação da sentença ora recorrida, quanto às demais decisões condenatárias proferidas nos supra mencionados processos, o raciocínio é evidente em função da ausência de trânsito em julgado das mesmas na data da prolação da sentença recorrida.
42. Qualquer interpretação de qualquer comando legal que se faça pelo qual se tente legitimar tal comportamento do Tribunal" a quo" (que se desconhece) é claramente inconstitucional, por afronta intolerável da presunção de inocência do arguido nos termos em que se estatui na nossa Lei Fundamental que dispõe
43. Além de que isso implicará assumidamente que se permita aduzir considerações acrescidas (duplicadas) de culpa, primeiramente na sentença recorrida (por factos que, aquando da prática dos factos aqui em apreço, ou pelo menos no momento da condenação aqui colocada em crise), não haviam sido definitivamente decididos, e mais tarde, novamente, no cúmulo jurídico das penas, o que se demonstra, de igual modo, constitucionalmente vedado nos termos do Art.º 29.° n.º 5 da CRP.
44. A consideração do tribunal a quo - de vastíssimos antecedentes criminais do arguido, considerando decisões não transitadas em julgado à data da prolação da sentença recorrida -, aliada exclusivamente à menção das circunstâncias da acção, teve ainda o condão de fundamentar a não opção pela pena de prisão em detrimento da pena de multa pela qual a lei manifesta preferência.
45. Tal fundamentação afigura-se, s.m.º., deficitária, violando o disposto no Art.° 375.° n.º 1 do CPP, deixando assim o tribunal a quo de cumprir com os requisitos do n.º 2 do Art.° 374.° do Cód. de Proc.º Penal; Por conseguinte a sentença é NULA, nos termos do Art.° 379.° n.º 1 aLa a) do Cód. de Processo Penal.
Não prescindindo,
46. De todo o modo, a medida concreta da pena determinada pelo Tribunal "a qual” é desperequacionada por excesso, pois, a lesão apurada é de pequena dimensão e reduzida gravidade, sem que tenha comprometido qualquer função fisiológica da testemunha, além de que a consideração dos antecedentes criminais do recorrente nos termos já assinalados, le, considerando como tal decisões não transitadas, influenciou excessivamente a fixação da medida da pena.
47. O Tribunal a quo fundamentou o afastamento do juízo de prognose para efeitos de suspensão da execução da pena de prisão, pautando-se exclusivamente pela ponderação dos antecedentes criminais do ora recorrente que, traduzidos em penas de prisão, nas palavras da sentença recorrida, não serviram para o afastar do cometimento de novos crimes.
48. E no PCS 1316/07.0TACBR, o mesmo juízo do tribunal recorrido, no âmbito de uma factualidade bastante mais gravosa do que a apreciada nos presentes autos, resolveu optar pela suspensão da execução da pena de prisão ao ora
mesmo que existia no PCS 1316j07.0TACBR, só pela consideração do tribunal "a qual! dos processos com recursos pendentes à data da prolação da sentença ora recorrida, é que se entende que na sentença recorrida se tenha concluído diferentemente, afastando qualquer juízo de prognose favorável.
50. Assim, expurgada a decisão recorrida da menção a “antecedentes" que, em rigor, não podiam ser como tal considerados, igual juízo de prognose favorável se impõe nos presentes autos.
51. Na sentença recorrida não se demonstra ter sido cumprido o ónus de expor os motivos, de facto e direito, mormente no que concerne às exigências eventualmente reclamadas ao nível da prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico" para efeitos do juízo de prognose favorável conducente, ou não, à suspensão da execução da pena de prisão violou o tribunal a quo, para além dos art.° 50.° e 70 do Cód. Penal, ainda o n.º 2 do Art.° 374.° do Cód. de Proc.º Penal; Por conseguinte a sentença é NULA, nos termos do Art.° 379.° n.º 1 alínea a) do Cód. de Processo Penal.
52. E o mesmo se diga quanto à substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade: não se demonstrando ter sido cumprido o ónus de expor os motivos, de facto e direito, para efeitos de não se ter operado tal substituição, violou o tribunal a quo, para além do art.° 58.° do Cód. Penal, ainda o n.º 2 do Art.º 374.° do Cód. de Proc.º Penal; Por conseguinte a sentença é NULA, nos termos do Art.° 379.° n.º 1 aP a) do Cód. de Processo Penal.
53. Com efeito, nada garante que não podendo as exigências de punição ser satisfeitas com a suspensão da execução da pena, não o possam ser com a prestação de trabalho a favor da comunidade.
54. Consequentemente sobre o JUIZ recai o dever de indagar e justificar nao só o afastamento da suspensão da execução da pena de prisão, mas também da prestação de trabalho a favor da comunidade - Ac. da Relação de Coimbra de 23/3/2011, proc.° 211/10.0GBETR.Cl, disponível em www.dgsi.pt.
55. E in casu, atentas as condições pessoais do arguido, o trabalho a favor a comunidade poderá colmatar a qualquer falta de efeito das condenações anteriores que se entenda ainda ser de assinalar.
56. Destarte, ainda que a sentença recorrida, na sua essência seja de manter (ie, que seja de sancionar o arguido), não pode olvidar tal circunstancialismo, donde se fará mister concluir que a prestação de trabalho a favor da comunidade ainda pode realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, consequentemente fazendo-se justiça pela substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Sem prescindir,
57. Dando-se aqui por reproduzidas, mutatis mutandis, as considerações supra expendidas, nomeadamente ao nível da impugnação da matéria de facto dada por provada pelo tribunal a quo, na ausência de qualquer prova cabal da intervenção do recorrente na factualidade causadora dos danos a B... que justificaram a intervenção dos Hospitais da Universidade de Coimbra, falece um pressuposto basilar de qualquer responsabilidade civil como seja a ilicitude do facto do agente, como tal deverá o recorrente ser igualmente absolvido do pedido dos HUC.
58. Foram violados os artigos 127.°, 356.° n.º 1, 2, al b) e 5, 374.°, n.º 2 e 375.° do Cód. de Proc.º Penal os artigos 50.°, 58.°, 70.° e 71.° do Cód, Penal os artigos 29.° n.º 5 e 32.°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e os Artigos 483.°, n.º 1 do Cód. Civil.
Nestes termos deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência:
a) Revogar-se a Sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva o arguido ora recorrente do crime de Ofensas à Integridade Física e dos pedidos Cíveis em que vem condenado por total ausência de prova;
Ou, quando assim não entenda,
b) Declarar-se a nulidade da Sentença recorrida com as legais consequências;
Ou, subsidiariamente,
c) Revogar-se a Sentença recorrida na parte em que não suspendeu a execução da pena de prisão, determinando a suspensão da execução de pena de prisão ou, de todo o modo, não se revelando possível o juízo de prognose necessário à suspensão da execução, substituindo a pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade.

Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida.


O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.


Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.


No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido manteve a posição assumida no recurso, acrescentando que posteriormente à sentença veio, em sede de recurso, a ser absolvido no processo nº 1316/07.0TACBR.


Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.


Cumpre conhecer do recurso


Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.


É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).


Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[ “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, acessível in www.dgsi.pt, tal como todos mos demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada)].

Questões a decidir:
- erro na apreciação da prova
- erro notório na apreciação da prova
- escolha, medida e substituição da pena

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):

“O arguido por diversas vezes convidou B... para exercer a prostituição, por sua conta e vigilância, o que esta sempre recusou mau grado as insistências daquele.
Em 6 de Dezembro de 2008, pelas 23 horas, o arguido cruzou-se com B..., na Avenida … , nas proximidades do ….
Insatisfeito com as recusas de B… e com o facto de esta trabalhar ao pé das suas raparigas, o arguido decidiu abordá-la e molestá-la fisicamente.
Então, saiu da viatura automóvel que conduzia, e dirigindo-se a B... desferiu-lhe, pelo menos, uma cabeçada na testa e duas bofetadas na cara.
Depois, voltou a entrar na sua viatura e abandonou o local.
Em resultado da conduta descrita B... foi de ambulância para o Hospital e apresentava edema e rubor da região jugal direita, dolorosa à palpação.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de atingir - como atingiu - a integridade física de B… .
Sabia bem que toda a conduta, lhe estava legalmente vedada por ser ilícita e criminalmente punível.
O arguido A... tem os antecedentes criminais constantes do C.R.C. de 11.03.2010, tendo sofrido várias condenações, entre estas:
a) por decisão de 29.06.84; foi condenado a 2 anos e 4 meses de prisão;
b) por decisão de 28.06.85; foi condenado a 3 anos de prisão;
c) por decisão de 18.12.85; cúmulo jurídico: foi condenado a 3 anos e 6 meses de prisão;
d) por decisão de 03.06.94; furto qualificado (1988): foi condenado a 4 anos de prisão;
e) por decisão de 08.07.1994; roubo e detenção ilegal de arma (1988): foi condenado a 7 anos de prisão;
f) por decisão de 30.09.94; abuso de confiança; foi condenado a 3 anos e 6 meses de prisão;
g) por decisão de 17.10.97; furto qualificado; foi condenado a 4 anos e 6 meses de prisão;
h) por decisão de 28.09.95; cúmulo jurídico: foi condenado a 13 anos de prisão;
i) por decisão de 10.03.2009, transitada a 16.11.2009, e factos de 01.06.2005 (crime p.p. pelo art. 158º nº1 do C.P.) foi condenado a 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, condicionada ao pagamento da quantia de € 2.500,00 à ofendida (PCC 780/05.7 PBLRA, 1º juízo criminal de Leiria).
Nos últimos meses o arguido foi ainda condenado no âmbito do PCS 1316/07.0TACBR, deste Tribunal e Juízo, (por crime de ofensa à integridade física) a uma pena de 20 meses de prisão suspensa na sua execução e no âmbito do PCC 233/08.1TACBR, da 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão (por crimes de lenocínio), sendo que ambas as decisões estão sob recurso.
Em virtude das lesões supra descritas os Hospitais da Universidade de Coimbra despenderam em assistência médica com B… o montante de € 143,50.
Segundo o relatório social para elaboração da sanção, levado a cabo pelos serviços da D.G.R.S., o arguido A... manteve um percurso “...delinquencial durante alguns anos da sua vida, tendo sofrido várias condenações e cumprido alguns anos de pena de prisão...”.
O arguido não desempenha actualmente qualquer actividade profissional; reside com uma companheira de 22 anos e com uma filha de ambos (…) refere ser bastante ajudado pelos pais.
De acordo com o relatório, no seu meio residencial, A... e sua família levam uma vida um pouco à margem dos vizinhos…”.
Segundo o mesmo Relatório Social, o arguido A...apresenta “..uma trajectória de vida marcada por alguns factores de risco: percurso profissional instável e marcado por grande mobilidade entre patrões e ocupações laborais diversas; alguma dificuldade de vinculação afectiva, com variados relacionamentos e/ou ligações conjugais efémeros, bem como anteriores condenações”
Acresce que, “no seu meio local, os vizinhos manifestam alguma estranheza no que respeita ao contexto económico e social da vivência do arguido”.
O arguido negou os factos e não manifestou quaisquer sinais de arrependimento ou retratação.
Os H.U.C., despenderam em assistência médica com a ofendida (entre estes contam-se os exames ao crâneo e ossos da face documentados a fls. 6), em virtude dos factos em causa nos autos, o montante de € 143,50.”

Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):

“Com interesse para a boa decisão da causa, não resultaram provados outros factos sendo que se provou, no essencial, a acusação.”

O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

“A convicção do tribunal formou-se:
No conjunto e no confronto da prova produzida e analisada em audiência, a qual foi apreciada e valorada pelo tribunal segundo o princípio da livre valoração da prova (art.127º CPP), de acordo com as regras da experiência, da lógica e do normal acontecer.
O tribunal teve assim, em consideração, de forma decisiva, as declarações de B… que de forma absolutamente serena, segura e coerente, esclareceu que se dedicava à prostituição e que o arguido por diversas vezes a abordara para trabalhar para ele.
Referiu que não trabalhava para ele nem para ninguém (porque não queria homem nenhum a explorá-la) e que, inclusivamente, recusara prestar-lhe serviços de natureza sexual.
Assegurou também, que o arguido não gostava que a queixosa “trabalhasse” ao pé das raparigas dele e que, nas circunstancias de tempo e de lugar constantes da acusação, estava a “trabalhar” no local em causa nos autos, acompanhada de uma colega quando, a dada altura, surge o arguido de carro (num Mercedes preto de matrícula VL), bate-lhe com o carro do lado esquerdo, sai e começa a dar-lhe murros e estalos na cabeça.
A forma angustiada mas também, detalhada e coerente como B… descreveu a actuação do arguido, foi absolutamente credível e verosímil.
Por outro lado, o arguido limitou-se (sem grande convicção), a negar os factos dizendo que a queixosa se desentendera com a sua ex-mulher que também era prostituta e que não conhecia a queixosa de parte nenhuma...
No confronto dos depoimentos, e de toda a prova junta aos autos, não se mostrou credível a versão do arguido. Com efeito, o relatório de urgência e exames médicos feitos à queixosa são bem demonstrativos da existência de lesões, lesões essas que levaram a queixosa a dar entrada nas Urgência do Hospital, a altas horas da noite queixando-se de agressões.
Sabemos que ninguém está mais interessado em ver punido o autor dos factos, do que as próprias vítimas dos mesmos.
Apenas em rebuscadas situações de revanchismo e/ou de pura invenção e mentira ou de fundado equívoco, se verifica o contrário.
Nada nos autos nos fez tomar qualquer destas direcções.
Como assim, aliado aquele facto notório à forma verosímil e até “corajosa” com que a denunciante depôs, não temos dúvidas que os factos se passaram como foi por si relatado.
Nenhum outro elemento de prova infirmou as declarações da queixosa e a leitura dos factos nos termos descritos.
Finalmente, para além dos documentos juntos, tivemos ainda em consideração o teor do certificado de registo criminal do arguido e o teor do relatório social para elaboração da sanção, bem como as declarações e postura do arguido.”


******


Conforme resulta da primeira conclusão, o recorrente discorda que o tribunal tenha da como provada a seguinte factualidade:
“1) O arguido por diversas vezes convidou B... para exercer a prostituição, por sua conta e vigilância, o que esta sempre recusou mau grado as insistências daquele.
2) Em 6 de Dezembro de 2008, pelas 23 horas, o arguido cruzou-se com B..., na Avenida … .
3) Insatisfeito com as recusas de B… e com o facto de esta trabalhar ao pé das suas raparigas, o arguido decidiu abordá-la e molestá-la fisicamente.
4) Então. saiu da viatura automóvel que conduzia, e dirigindo-se a B… desferiu-lhe, pelo menos, uma cabeçada na testa e duas bofetadas na
5) Depois voltou a entrar na sua viatura e abandonou o local.
6) Em resultado da conduta descrita B... foi de ambulância para o hospital e apresentava edema e rubor da região fugal direita dolorosa à palpação.
7) O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de atingir - como atingiu - a integridade física B…
8) Sabia bem que toda a conduta, lhe estava legalmente vedada por ser ilícita e criminalmente punível.”

Segundo o recorrente, esta factualidade não devia ter sido dada como provada uma vez que “a prova, em que se baseia a decisão do tribunal «a quo», não é consistente, e é apenas sustentada nas declarações prestadas pela ofendida, que manifestamente não são credíveis, nem isentas”.
Antes de continuarmos, cumpre referir o seguinte:
De acordo com o disposto no art.º 412.º n.º 3 al. b), a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que imponham decisão diversa da recorrida
Tal como é explicado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2010, “(…) não se pode deixar de ter presente que o legislador, quando se refere à especificação das provas, as restringe àquelas que imponham decisão diversa. A utilização do verbo impor, com o sentido de «obrigar a», não é anódina. Por aí, se limita, ainda, o recurso em matéria de facto aos casos de valoração de provas proibidas ou de valoração das provas admissíveis em patente desconformidade com as regras impostas para a sua valoração.”
Como consequência da palavra “imponham”, resulta que, como se explica no mesmo aresto, “o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”, ou seja, perante duas teses, uma do tribunal e outra dele próprio, sempre aquela prevaleceria uma vez que só poderia ceder se se revelasse errada.
Termos assim que no recurso da matéria de facto não basta ao recorrente demonstrar que a tese que apresenta também é possível[ E não só não o consegue demonstrar, como apresenta uma argumentação que não parece pertencer a quem considera que a razão está do seu lado.]: tem também que demonstrar que a tese do tribunal está errada.
O que não acontece no caso “sub judice”, como passaremos a demonstrar.

Voltando ao caso em apreço:

A falta de credibilidade e de isenção da testemunha B..., é assim apresentada nas conclusões:

10. (…) sempre devidamente circunscrita à data dos factos, e ao referido local, a instâncias do M.P. (concretamente ao minuto 3:54 do respectivo depoimento) referiu a testemunha que em tal data não estava lá nenhuma das "meninas" (que afinal seria apenas uma ...) que, alegadamente, trabalhariam ali por conta do arguido; Já a instâncias do Defensor do Arguido, a partir do minuto 9:26 e até ao minuto 10:41 do respectivo depoimento, referiu que nesse dia estava lá com ela (a tal ...), garantindo saber que a ira do arguido se prendia com o facto de ela (testemunha) estar a fazer dinheiro, e a suposta ... não estar, assim justificando a razão da agressão.
11. Para além da contradição quanto à localização dessa tal ... no local, há ainda a contradição quanto à localização da testemunha ... que a instâncias do Defensor do arguido, a partir do minuto 9:26, foi pela testemunha colocada no local nesse mesmo dia, sendo que pela mesma testemunha se confirmara antes, mais concretamente a instâncias da Digníssima Sr. a Procuradora, que a testemunha ... não estava no local, como se pode ver pelo respectivo depoimento ao minuto 6:20;
12. Além do mais, a sentença recorrida desconsiderou totalmente o depoimento das Testemunha ... que, muito embora não tivesse conhecimento dos factos em apreço, confirmou efectivamente não estar no local dos factos na data da respectiva ocorrência, quando no seu depoimento a testemunha B..., inicialmente confirmara tal ausência, mas já a instâncias do defensor do ora recorrente, referiu que "nesse dia a ... estava comigo", não resultando qualquer dúvida do teor de tais declarações que se estava a referir ao dia em que alegadamente teriam ocorrido os factos em apreço.
(…)
27. O Tribunal" a quo" deu como provado que o arguido" (. . .) dirigindo-se a B... desferiu-lhe, pelo menos, uma cabeçada na testa e duas bofetadas na
28. Para o efeito socorre-se, desde logo, do relatório de Fls. 5; Porém tal relatório não descreve, desde logo, que a testemunha se tenha queixado de ter sofrido qualquer cabeçada, e por outro lado, também não relata a constatação de qualquer lesão na teste que fosse consentânea com a cabeçada que a sentença recorrida deu por provada;
29. Depois, espontaneamente, a testemunha B..., no seu depoimento referiu ter sofrido" Pares de estalos e murros na cabeça" - voltando a alterar o modus operandi que imputa ao arguido que, ao longo dos autos, revela a seguinte evolução: 1) Na queixa (Fls. 1) denuncia ter sido agredida com duas cabeçadas e depois desmaiou; 2) No Hospital (no dia dos alegados factos em apreço - Fls. 5), queixou-se de ter sofrido várias estaladas, não mais falando em cabeçadas; 3) E em audiência de julgamento depois de - como se transcreveu - ter falado em pares de estalos e murros na cabeça)
30. E só a partir do minuto 5:51 do respectivo depoimento, e apenas por via dos esclarecimentos ao j do M.P., é que a testemunha, mesmo fazendo um compasso de espera hesitante (coisa rara no respectivo depoimento), referenciou ter sofrido uma cabeçada;
31. Atentas as divergências, imprecisões, e hesitações supra assinaladas constatadas ao nível do depoimento da testemunha B..., há que manifestar que, em bom rigor, são as declarações da queixosa que se infirmam a elas próprias e, como tal, são de valor probatório nulo, consequentemente se devendo, s.m.º., alterar a factualidade dada por provada, porquanto a mesma se respalda exclusivamente com base num depoimento que é tudo menos credível”

Ouvido o depoimento da B..., apenas podemos dizer que nenhuma contradição lhe encontrámos.
Com efeito, ao contrário do que afirma o recorrente, aquela não responde à pergunta do Ministério Público dizendo que não estava lá nenhumas das meninas: o que diz é que nesse dia a ... não “estava a trabalhar”, ou seja, nesse dia não conseguia arranjar clientes (não podemos deixar de dizer que a transcrição efectuada nas motivações está truncada o que altera o sentido da resposta que a queixosa deu ao Ministério Público).
Por isso, não há qualquer contradição quando mais à frente, a instância do defensor, respondeu que a ... estava no local.
E o mesmo se diga relativamente à presença da ...: o que a B... diz é que ela esteve no local no dia da agressão e não, que estava no local no momento da agressão, como pretende o recorrente.
Também não lhe assiste razão quanto à “cabeçada” uma vez que, por um lado, o exame médico apenas faz prova como perícia e não das eventuais conversas que agredido e médico tenham e por outro lado, não é possível atribuir qualquer significado ao referido “compasso de espera”, tanto mais que o mesmo é praticamente imperceptível.
Explicada a falta de razão do arguido no que respeita às razões que invoca para que se considere que o depoimento da B... não merece credibilidade, resta-nos dizer que a audição do mesmo nos permite concordar inteiramente com o tribunal a quo.

Diz também o recorrente:

6. Ainda que fossem factos objecto de arquivamento na fase de inquérito – precisamente, como decorre do despacho de arquivamento, porque "observados à luz da experiência, não merecer grande crédito - o tribunal a quo socorreu-se, a título instrumental segundo se crê, da descrição de uma alegada abordagem feita pelo recorrente à referida testemunha que se traduziu num atropelamento, empregando uma viatura.
7. O tribunal a quo motiva a sua convicção plasmando na sentença recorrida que a testemunha fora embatida na perna esquerda; porém a testemunha, muito embora se tenha efectivamente queixado de tal facto, em audiência de julgamento, afiançou ter sido embatida na perna direita (Cfr. respectivas declarações a partir do minuto 3:00);
8. Não existindo mais do que um relatório do episódio de urgência nos autos (porquanto a testemunha B... não se apresentou ao INML, IP a fim de ser submetida a exame médico-legal), O mesmo não atesta qualquer lesão na perna esquerda ou direita da testemunha - Cfr. relatório de Fls. 5;”

Não faz qualquer sentido esta abordagem da questão uma vez que dos factos provados e não provados não consta qualquer atropelamento ou lesões numa perna dele resultantes.
Apenas na fundamentação ela é referida e não se vê — nem o recorrente explica — qual a sua relevância, tanto mais que o tribunal apenas escreveu que “a dada altura, surge o arguido de carro (…), bate-lhe com o carro do lado esquerdo”, ou seja, nem sequer é claro se o lado esquerdo se refere ao carro ou à queixosa.
Mas mesmo que se referisse ao lado esquerdo da queixosa, tendo esta afirmado que foi embatida na perna direita, não se vê que implicação teria tal lapso na fixação da matéria de facto.
Por outro lado, em parte alguma da sentença consta que a queixosa tenha ficado com uma lesão na perna.
Ora, não havendo lesão, é lógico que o exame médico-legal não a refira.
Por isso, também aqui não tem razão.

Diz também o recorrente:

“13. Ainda nesse facto (instrumental) relacionado com a viatura, na fundamentação da sentença em crise, o Tribunal "a quo" socorre-se da descrição da viatura como sendo um Mercedes preto de matrícula "VL", matrícula esta que nunca foi referida em qualquer outro local dos autos, nem se conseguindo descortinar tal referência no depoimento em audiência de quem quer que seja, muito menos da testemunha B...;
14. Ora, dos autos consta a informação de uma Matrícula … , referida a fls. 7 num auto de notícia elaborado pelos OPC.
15. Durante a produção de prova em julgamento, o Ministério Público refere-se (ao minuto 5:10) à queixa apresentada na polícia, na qual teria sido indicada a referida matrícula … .
16. Desde logo é evidente que tal matrícula não foi declarada pela denunciante na queixa propriamente dita de Fls. 1 nem nas declarações de Fls. 44 (num e noutro local tal matrícula, ou qualquer outra, nunca foi referida pela testemunha).
17. Mas o que verdadeiramente releva é que o Ministério Público, de todo o modo, nunca poderia ter - como fez e resulta evidente da gravação do depoimento da testemunha B... - avivado a memória da testemunha pelo recurso a tal auto de Fls. 7, isto na medida em que contem declarações da testemunha alegadamente colhidas pelo OPC.
18. O tribunal "a quo" manifestamente motiva a sua convicção relativamente à coerência da testemunha, além de tudo o mais, também na descrição que esta fez da viatura e respectiva matrícula (ainda que erradamente, no que se afigura tratar-se de um mero ostensivo lapsus linguae) na sequência da leitura (ainda que parcial) de um auto de fls. 7 cuja leitura, s.m.o., se crê só poder ter lugar com consentimento do arguido nos termos do n.º 5 do Art.° 358.° do cód. de Proc.º Penal.
19. Ora na medida em que o arguido nunca deu o seu consentimento a tal leitura - que, em rigor, nem requerida foi -, por efeito do disposto no n.º 1, no n.º 2, al b) e n.º 5 do Art. 356.° do cód. de Proc.º Penal, há desde logo que apontar tal vício à formação da convicção do julgador erigido que vem, em parte, em provas nulas, nulidade essa da qual se reclama nos termos do art.° 356.° n.º 9 do Cód. de Proc.º Penal”

Também aqui não tem qualquer razão.
Por um lado, não se vê, nem o recorrente explica, que relevância tem um erro na matrícula no contexto da decisão e por outro não resulta da sentença que o tribunal tenha fundado a sua convicção na “leitura (ainda que parcial) de um auto de fls. 7”.
O que podemos dizer é que da audição das declarações da B... resulta claramente que tal assunto foi discutido em sede de audiência de julgamento.
Por isso, também aqui não assiste razão ao recorrente.

Na sequência da invocação de todas estas “deficiências” da sentença, conclui o recorrente:
32. A sentença recorrida, salvo o devido respeito, padece, assim, de vício de erro notório na apreciação da prova consubstanciado no facto do raciocínio feito para se chegar a determinado convencimento não ter considerado as abundantes contradições do depoimento da única testemunha que serviu para motivar a convicção do tribunal, perante as quais, os factos em apreciação se tornam incertos.

Como se vê, estamos perante a habitual confusão entre “erro na apreciação da prova” e “vício da sentença”.
A alegação de que “a sentença recorrida (…) padece (…) de vício de erro notório na apreciação da prova” não se fundamenta em vício que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” (artº 410º, nº 2 do Código de Processo Penal[ Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem]), mas sim na discordância do recorrente quanto à apreciação da prova produzida em julgamento.
Assim sendo, também aqui não tem razão.

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Entende também o recorrente que foi violado o artº 127º, o que teve como consequência a violação do princípio “in dubio pro reo”.
Também aqui não tem razão.
Com efeito, afastada que está a sua razão nos pontos acima decididos, apenas poderemos dizer que não detectamos na sentença qualquer violação daquele princípio.

Explicando:

O art.º 127.º do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
Tal como refere o Prof. Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 131 “… a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta «é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é “… uma convicção pessoal — até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais —, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.”- Cfr., in “Direito Processual Penal”, 1.º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.º 355.º do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva “(…) a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela íntima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens”. – Cfr. “Do Processo Penal Preliminar”, Lisboa, 1990, pág. 68”.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (…). Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais “. – In “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234.
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso, como se diz, por exemplo, no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 (CJ, ano XXVIII, 20, página 44).
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados não padecem de qualquer desacerto, antes são reveladores de que as regras da experiência foram devidamente aplicadas.
Aliás, embora afirme que o tribunal a quo violou o disposto no artº 127º, o que o recorrente fez foi, partindo de prova que não foi produzida (como acima se viu, as declarações da queixosa não correspondem ao que é afirmado no recurso), apresentar em recurso o seu próprio julgamento e concluir que o julgamento da entidade competente, por não coincidir com o seu, violou a referida norma.
Se atentarmos na motivação do recurso, em parte alguma da mesma é concretizada qualquer violação do princípio.
O que seria facilmente detectável uma vez que em sede de convicção probatória, o tribunal explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisa cada uma das diversas provas que teve em consideração, relacionou-as umas com as outras, reproduziu e decifrou o que só ele se poderia aperceber em razão da imediação e explicou porque considerava credíveis umas provas em detrimento das outras e porque decidia num sentido e não noutro.
Assim sendo, inverificada que está a violação do artº 127º, fica prejudicada a apreciação da violação do princípio “in dubio pro reo”.

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Em face do exposto, considera-se fixada a matéria de facto constante da sentença.

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Quanto à escolha, medida e substituição da execução da pena, diz o recorrente:
“34. Na escolha e medida da pena, o tribunal a quo levou em consideração os antecedentes criminais do arguido ponderando, para além do CRC, as condenações proferidas no PCC 7S0j05.7PBLRA, do 1.° juízo criminal de Leiria, (passada em julgado em 16 de Novembro de 2009) e ainda nos PCS 1316/07.0TACBR (do tribunal e juízo recorridos) e PCC 233/05.1TACBR (da Vara Mista de Coimbra), sendo que, à data da prolação da sentença, as condenações nestes últimos proferidas, não haviam ainda sequer transitado em julgado, por efeito dos respectivos recursos impetrados.
35. E, desde logo, há que precisar que não corresponde à verdade que a condenação proferida no PCC 233/05.1TACBR tivesse fundamento na prática de crimes (no plural, como se lhe refere a sentença recorrida) de lenocínio, mas sim por UM único crime de lenocínio simples, tendo tal decisão absolvido o ora recorrente de dois crimes de lenocínio agravado.
36. Ao considerar a sentença recorrida aquelas três decisões supra mencionadas, o Tribunal "a quo", considerou, como antecedentes do recorrente, mais do que podia considerar:
37. Os factos em apreço nos presentes autos respeitam a 6 de Dezembro de 2008, tendo a sentença aqui recorrida sido prolatada em 10 de Maio de 2011;
38. Em tal data da alegada prática dos factos em apreciação nos presentes autos, ainda não existiam formalmente tais condenações mencionadas na sentença e supra transcritas, pelo menos com trânsito em julgado;
39. "O juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento", isto é, à data da prática dos presentes factos. E tais "antecedentes" ainda não constavam, nem podiam, do CRC do arguido, devendo o tribunal situar-se, ao proferir a condenação, na posição em que estaria caso os julgasse imediatamente.
40. Tais considerandos de antecedentes (que formalmente não o eram) deveriam ser relegados apenas para sede de medida de pena por concurso de crimes, sob pena de se fazer um juízo duplicado de culpa e assim se aumentarem os limites mínimos e máximos de tal pena.
41. E ainda que tal não se entenda quanto à decisão proferida no PCC 780/05.7PBLRA, nomeadamente por ter a mesma já transitado aquando da prolação da sentença ora recorrida, quanto às demais decisões condenatárias proferidas nos supra mencionados processos, o raciocínio é evidente em função da ausência de trânsito em julgado das mesmas na data da prolação da sentença recorrida.
42. Qualquer interpretação de qualquer comando legal que se faça pelo qual se tente legitimar tal comportamento do Tribunal" a quo" (que se desconhece) é claramente inconstitucional, por afronta intolerável da presunção de inocência do arguido nos termos em que se estatui na nossa Lei Fundamental que dispõe
43. Além de que isso implicará assumidamente que se permita aduzir considerações acrescidas (duplicadas) de culpa, primeiramente na sentença recorrida (por factos que, aquando da prática dos factos aqui em apreço, ou pelo menos no momento da condenação aqui colocada em crise), não haviam sido definitivamente decididos, e mais tarde, novamente, no cúmulo jurídico das penas, o que se demonstra, de igual modo, constitucionalmente vedado nos termos do Art.º 29.° n.º 5 da CRP.
44. A consideração do tribunal a quo - de vastíssimos antecedentes criminais do arguido, considerando decisões não transitadas em julgado à data da prolação da sentença recorrida -, aliada exclusivamente à menção das circunstâncias da acção, teve ainda o condão de fundamentar a não opção pela pena de prisão em detrimento da pena de multa pela qual a lei manifesta preferência.
45. Tal fundamentação afigura-se, s.m.º., deficitária, violando o disposto no Art.° 375.° n.º 1 do CPP, deixando assim o tribunal a quo de cumprir com os requisitos do n.º 2 do Art.° 374.° do Cód. de Proc.º Penal; Por conseguinte a sentença é NULA, nos termos do Art.° 379.° n.º 1 aLa a) do Cód. de Processo Penal.
Não prescindindo,
46. De todo o modo, a medida concreta da pena determinada pelo Tribunal "a qual” é desperequacionada por excesso, pois, a lesão apurada é de pequena dimensão e reduzida gravidade, sem que tenha comprometido qualquer função fisiológica da testemunha, além de que a consideração dos antecedentes criminais do recorrente nos termos já assinalados, e, considerando como tal decisões não transitadas, influenciou excessivamente a fixação da medida da pena.
47. O Tribunal a quo fundamentou o afastamento do juízo de prognose para efeitos de suspensão da execução da pena de prisão, pautando-se exclusivamente pela ponderação dos antecedentes criminais do ora recorrente que, traduzidos em penas de prisão, nas palavras da sentença recorrida, não serviram para o afastar do cometimento de novos crimes.
48. E no PCS 1316/07.0TACBR, o mesmo juízo do tribunal recorrido, no âmbito de uma factualidade bastante mais gravosa do que a apreciada nos presentes autos, resolveu optar pela suspensão da execução da pena de prisão ao ora
mesmo que existia no PCS 1316j07.0TACBR, só pela consideração do tribunal "a qual! dos processos com recursos pendentes à data da prolação da sentença ora recorrida, é que se entende que na sentença recorrida se tenha concluído diferentemente, afastando qualquer juízo de prognose favorável.
50. Assim, expurgada a decisão recorrida da menção a “antecedentes" que, em rigor, não podiam ser como tal considerados, igual juízo de prognose favorável se impõe nos presentes autos.
51. Na sentença recorrida não se demonstra ter sido cumprido o ónus de expor os motivos, de facto e direito, mormente no que concerne às exigências eventualmente reclamadas ao nível da prevenção geral 11 sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico" para efeitos do juízo de prognose favorável conducente, ou não, à suspensão da execução da pena de prisão violou o tribunal lia quo", para além dos art.° 50.° e 70 do Cód. Penal, ainda o n.º 2 do Art.° 374.° do Cód. de Proc.º Penal; Por conseguinte a sentença é NULA, nos termos do Art.° 379.° n.º 1 aP a) do Cód. de Processo Penal.
52. E o mesmo se diga quanto à substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade: não se demonstrando ter sido cumprido o ónus de expor os motivos, de facto e direito, para efeitos de não se ter operado tal substituição, violou o tribunal lia quo", para além do art.° 58.° do Cód. Penal, ainda o n.º 2 do Art.º 374.° do Cód. de Proc.º Penal; Por conseguinte a sentença é NULA, nos termos do Art.° 379.° n.º 1 aP a) do Cód. de Processo Penal.
53. Com efeito, nada garante que não podendo as exigências de punição ser satisfeitas com a suspensão da execução da pena, não o possam ser com a prestação de trabalho a favor da comunidade.
54. Consequentemente sobre o JUIZ recai o dever de indagar e justificar nao só o afastamento da suspensão da execução da pena de prisão, mas também da prestação de trabalho a favor da comunidade - Ac. da Relação de Coimbra de 23/3/2011, proc.° 211/10.0GBETR.Cl, disponível em www.dgsi.pt.
55. E in casu, atentas as condições pessoais do arguido, o trabalho a favor a comunidade poderá colmatar a qualquer falta de efeito das condenações anteriores que se entenda ainda ser de assinalar.
56. Destarte, ainda que a sentença recorrida, na sua essência seja de manter (ie, que seja de sancionar o arguido), não pode olvidar tal circunstancialismo, donde se fará mister concluir que a prestação de trabalho a favor da comunidade ainda pode realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, consequentemente fazendo-se justiça pela substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.”

Antes de mais há que dizer o seguinte:
Como refere o recorrente, o tribunal a quo parece ter levado em consideração na escolha e medida da pena e também na ponderação da substituição da mesma, o seguinte facto
“Nos últimos meses o arguido foi ainda condenado no âmbito do PCS 1316/07.0TACBR, deste Tribunal e Juízo, (por crime de ofensa à integridade física) a uma pena de 20 meses de prisão suspensa na sua execução e no âmbito do PCC 233/08.1TACBR, da 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão (por crimes de lenocínio), sendo que ambas as decisões estão sob recurso.”
No entanto, independentemente do peso que tenha atribuído a este facto (decisões não transitadas), o certo é que o mesmo não se reflete na decisão final, como veremos.

Vejamos:

Diz-nos o art.º 70.º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” e que são, segundo o n.º 1 do art.º 40.º do mesmo diploma “a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Temos assim que a escolha da pena depende de critérios de prevenção geral e especial (v.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Janeiro de 1996, CJ, ano XXI, tomo 1, pág. 38) pelo que o julgador, perante um caso concreto, tem que os valorar para depois optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.
Como bem explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2001 (processo n.º 3404/00-5ª) “subjaz à norma constante no art.º 70.º, do CP, toda a filosofia informadora do sistema punitivo vertido no Código Penal vigente, ou seja, a de que embora se aceitando a existência da prisão (ou pena corporal) como pena principal para os casos em que a gravidade dos ilícitos, ou de certas formas de vida, a impõem ou justificam, a recorrência deverá ter lugar quando, face ao circunstancialismo que se perfile, se não apresentem adequadas, suficientes ou convenientes, as sanções não detentivas, às quais não é de recusar elevada capacidade (ou potencialidade) ressocializadora. Tudo isto se insere no desiderato de se evitarem as curtas penas de prisão (ou a eventualidade da efectivação dessas penas) donde que, por regra, a alternativa por pena de multa se autorize nos casos em que aos ilícitos caiba pena prisional não demasiado elevada”.
Elucida ainda a este respeito o Professor Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 497 e 498 que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.”
Explica ainda aquele Ilustre Professor que “o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas” (§ 500) e que leve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.
No caso em apreço a opção pela pena de prisão não merece qualquer censura uma vez que os antecedentes criminais do arguido (desde há quase trinta anos que o arguido vem sendo sucessivamente condenado em penas de prisão, que totalizam quase vinte anos) apontam inequivocamente no sentido de que em sede de prevenção especial, apenas aquela pena se revela adequada e suficientes à realização das finalidades da punição (artº 40º do Código Penal).
Vejamos a medida da pena
A pena a aplicar ao arguido será a resultante da concretização dos critérios do artº 71º do Código Penal, ou seja, num primeiro momento apura-se a moldura abstracta da pena e num segundo momento a medida concreta da mesma.
Assim, no caso "sub judice" e dentro da moldura penal abstracta de prisão de 1 (um) mês até 3 (três) anos, há que atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra o arguido.
Nesta conformidade, há que ter em consideração que a culpa (enquanto censura dirigida ao agente em virtude da sua atitude desvaliosa e avaliada na dupla vertente de culpa pelo facto criminoso e de culpa pela personalidade[ Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 2010: “A culpa responde à pergunta de saber de se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim como qual é a pena que merece.”]) para além de constituir o suporte axiológico-normativo da pena, estabelece o limite máximo da pena concreta dado que sem ela não há pena e que esta não pode ultrapassar a sua medida (retribuição justa).
Por outro lado e ainda numa primeira linha, relevam as necessidades de prevenção (com um fim preventivo geral, ligado à contenção da criminalidade e defesa da sociedade — e cuja justificação assenta na ideia de sociedade considerada como o sujeito activo que sente e padece o conflito e que viu violado o seu sentimento de segurança com a violação da norma, tendo, portanto, direito a participar e ser levada em conta na solução do conflito — e com um fim preventivo especial, ligado à reinserção social do agente).
Assim e em termos de prevenção geral, a medida da pena é dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos pelo que o limite inferior da mesma resultará de considerações ligadas à prevenção geral positiva ou reintegração, contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente.
Para além de constituir um elemento dissuasor da prática de novos crimes por parte de terceiros, a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas.
No que toca à prevenção especial há a ponderar a vertente necessidade de ressocialização do agente e a vertente necessidade de advertência individual para que não volte a delinquir (devendo ser especialmente considerado um factor que também toca a culpa: a susceptibilidade de o agente ser influenciado pela pena).
Como bem explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 2000 (processo n.º 1193/99), “se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que — dentro, claro está, da moldura legal —, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente: entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social” e também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000 (processo n.º 2803/00-5ª), “pelo que nos art.ºs 71. °, n.ºs 1 e 2 e 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, se plasma, logo se vê que o modelo de determinação da medida a pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos — dentro do que é consentido pela culpa — e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.”
Em suma “a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1997, processo n.º 624/97)
Ponderados estes limites, deve ainda o tribunal atender e a quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do tipo (para que não haja violação do princípio ne bis in idem), deponham contra ou a favor do agente.
Assim e para além do mais (como ensina Jorge Figueiredo Dias in "Direito Penal Português – as Consequências Jurídicas do Crime", pág. 245, § 335 v.g., factores relativos à própria vítima — personalidade, concorrência de culpas, etc. — e/ou relacionados com a necessidade de pena — decurso do tempo), deverá ser sopesado:
- O grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências e o grau de violação dos deveres impostos ao agente
- A intensidade do dolo ou da negligência
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Assim e concretizando:
A culpa é de grau muito elevado.
As exigências de prevenção geral são normais e as de prevenção especial mostram-se elevadas.
O grau de ilicitude é relevante e o dolo é directo.
Pondera-se também a situação social do arguido e que os antecedentes criminais revelam uma persistente insensibilidade às obrigações resultantes da vida em sociedade
Pondera-se ainda que não beneficia de atenuantes de carácter geral como sejam a confissão e o arrependimento.
Atentas todas estas circunstâncias, mostra-se adequada uma pena que não exceda o primeiro quarto da moldura penal abstracta.
Por isso, estando dentro deste limite a pena de sete meses de prisão que lhe foi aplicada, nenhuma censura merece a decisão recorrida.
Quanto à aplicação de uma pena de substituição, também o arguido não tem razão.

Explicando:

Na sentença apenas se afasta concretamente a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão e nada diz de concreto quanto às demais penas de substituição.
Contudo, da fundamentação, infere-se claramente as razões que levaram o tribunal a afastar a aplicação de qualquer uma delas, o que arreda de imediato a nulidade prevista no artº 379º, nº 1, alínea nº 1, alínea c, do Código Penal.
Com efeito, como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 25 de Outubro de 2011, o facto de a “sentença não mencionar expressamente cada uma das penas de substituição que seriam abstractamente aplicáveis, percorrendo exaustivamente o catálogo legal, não determina a verificação do vício de omissão de pronúncia, desde que, da fundamentação apresentada, resulte com toda a clareza que o tribunal considerou imperioso o cumprimento efectivo da pena de prisão, afastando a aplicação de qualquer pena de substituição, em sentido próprio ou impróprio”, o que quer dizer que só haverá nulidade por omissão de pronúncia nos termos da alínea c., do nº 1, do artº 379º, se o tribunal optar pela prisão efectiva e não tiver ponderado a hipótese de aplicação de pena de substituição ou da fundamentação não resulte claramente que apenas o cumprimento efectivo daquela pode prevenir o cumprimento efectivo de novos crimes.
É o que acontece no caso dos autos onde da fundamentação resulta claramente que o tribunal a quo considera que a insensibilidade do recorrente às penas em que tem vindo a ser condenado impõe a conclusão de que apenas o cumprimento de prisão efectiva permitirá prevenir o cometimento de novos crimes.
E tal entendimento merece a nossa inteira concordância, dado que o seu percurso criminal anuncia que qualquer pena substitutiva se revelaria inócua no cumprimento dos objectivos visados pelo artº 40º, nº 1, do Código Penal, pois que os sucessivos comportamentos criminosos indiciam claramente que as penas entretanto sofridas, não produziram no arguido o pretendido efeito de prevenção do cometimento de novos crimes, o que indica claramente que se impõe o cumprimento efectivo da pena de prisão.
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Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.
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Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.
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Luís Ramos (Relator)
Olga Maurício