Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ISAÍAS PÁDUA | ||
Descritores: | DECLARAÇÕES DE PARTE – MEIO PROBATÓRIO. REQUISITOS | ||
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Data do Acordão: | 06/05/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JC CÍVEL DE LEIRIA – J5 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | JULGAMENTO ANULADO | ||
Legislação Nacional: | ARTº 466º NCPC | ||
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Sumário: | I- Com a entrada em vigor do atual CPC as declarações de parte foram introduzidas no nosso ordenamento jurídico-processual como um novo meio de prova, sujeito, em termos de força probatória, à livre apreciação do tribunal (salvo quando a parte em que se apresentem confessórias), e que não se confunde com o depoimento de parte. II- São pressupostos legais da admissibilidade da prestação das declarações de parte: a) que elas sejam requeridas pela própria parte; b) que sejam requeridas até ao início da fase das alegações orais na audiência de discussão e julgamento em 1ª instância; c) que elas se reportem a factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto; d) e que esse factos sejam indicados pelo requerente no requerimento em que formula esse seu pedido. III- A tomada das requeridas declarações de parte só pode ser recusada pelo tribunal quando os factos indicados no requerimento já estejam plenamente provados por documentos ou por outro meio de prova com força obrigatória plena. IV- Ao tribunal a quo está vedado recusar essa diligência de prova, em audiência de julgamento, com o fundamento de já se considerar suficientemente esclarecido sobre os factos em discussão e a considerar, assim, inútil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1. Através dos autos que correm atualmente no Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, o autor, F..., instaurou (em 08/08/2008) contra os réus, C... e mulher E..., todos com os demais sinais dos autos, a presente ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo no final: a) A resolução do contrato-promessa celebrado entre o A. e o R. marido; b) A condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de €62.848,52, acrescida de juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento; e, c) A condenação solidária dos RR. a pagar ao autor a quantia de €5.000,00 de indemnização (relativa a despesas com o processo e a honorários de mandatário), acrescida de juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento. Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte: II- Fundamentação 1. Do objeto do recurso.Como é sabido, e é pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC). 1.1 Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso da ré, verifica-se que as questões nelas colocadas, e que cumpre aqui apreciar (numa sequência cronológica e lógica), são as seguintes: a) Do despacho impugnado que indeferiu o pedido de tomada de declarações de parte ao R. marido, formulado pelo próprio através da sua mandatária em audiência de julgamento; 3. Quanto à 1ª. questão. - Da não audição pelo tribunal a quo do Réu marido em declarações de parte. Tal como decorre do ponto 6.1 do Relatório, da respetiva ata e do respetivo CD com o registo da gravação que nos foi remetido, no início da 2ª. sessão da audiência de discussão e julgamento, realizada em 21/12/2016, no final da produção de prova que fora indicada e antes de se iniciar a fase da alegações orais, pela ilustre mandatária dos RR. foi pedida a palavra e no uso dela requereu que, ao abrigo do disposto no artº. 466º do CPC, o R. marido fosse ouvido em declarações de parte relativamente aos factos alegados em sede de contestação e levados/erigidos como temas da prova, por deles ter conhecimento direto e pessoal. Depois do ilustre mandatário do autor se ter pronunciado contra essa pretensão, o sr. juiz a quo, em despacho ali proferido, indeferiu tal pedido, esgrimindo para o efeito a seguinte fundamentação: « A faculdade legal é tão só uma faculdade legal. As declarações de parte visam esclarecer seja alegações em sede de articulados, seja eventualmente factos fundamentais que tenham surgido no decurso da audiência. Não é argumento o facto de alguém ter assistido ao decurso da audiência e depois ter voltado a ser inquirido que inibe a prestação de declarações ou depoimento. É de presumir a responsabilidade de todo e qualquer ser humano, digno desse nome, que sabe dizer a verdade, independentemente das relações ouvidas ou não ouvidas por parte de outrem. É isto que se exige na sociedade civil amadurecida e livre. Em relação ao requerido pelo réu C... importa dizer que o Tribunal está suficientemente esclarecido, mas também importa dizer que objectivamente a audiência decorreu sem dúvidas ou afirmações genéricas que nada valem ao direito. Assim, a diligência é inútil. » (sublinhado nosso) Os RR. apelantes insurgem-se contra tal decisão, impugnando-a, com o fundamento, na sua essência, de que a mesma os limitou no seu direito de defesa e meios de prova, tanto mais que o A. foi ouvido em depoimento de parte, violando-se, assim, com tal ainda o princípio de igualdade entre as partes. Apreciando. A questão que se coloca, e importa decidir, traduz-se em saber se se impunha ou não ao tribunal a quo que tivesse ouvido o R. marido em declarações de parte, na sequência do sobredito requerimento que para o efeito lhe foi dirigido pela sua mandatária no final da produção da prova testemunhal e antes de dar inicio à fase das alegações orais. Importa começar por dizer que não obstante a presente ação se encontrar pendente aquando da entrada em vigor do nCPC, a questão em apreço será a analisada da à luz deste atual diploma do CPC, face ao disposto no artº. 5º, nºs. 1 e 4 – fine -, do DL nº. 41/2013, de 26/06, que o aprovou e ao facto de na sequência do despacho de fls. 213/214, proferido em 01/02/2016, ter sido, pelas razões aí aduzidas, anulado todo o processado após os articulados e, pelo despacho de fls. 248 (datado de 09/03/2016), terem sido as partes notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 5º, nº. 4, daquele DL, ou seja, para apresentarem novos requerimentos probatórios ou alterarem os que já haviam apresentado, e com a advertência de caso nada dissessem se entenderia que mantinham esses requerimentos já apresentados. Posto isto, dispõe o artº 466º do nCPC que: “1- As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto. (...) Por outro lado, não cabe ao juiz antecipar - no decurso da audiência – a explicitação de qual a convicção formada quanto à (in)suficiência da prova sobre os enunciados fácticos em discussão. A convicção que existe nesta fase é – por natureza e definição - provisória, sempre sujeita a revisão face à ponderação mais refletida e abrangente que será feita após a conclusão do julgamento. A audiência insere-se no contexto de descobrimento da prova e a subsequente decisão escrita ancora-se no contexto de justificação da prova que se regem por paradigmas diversos. (...) Feito todo este excurso, concluímos que o juiz não pode rejeitar o requerimento de prestação de declarações de parte pela simples razão de entender que o mesmo é desnecessário face à prova já produzida. (...) O que o juiz pode fazer é rejeitar a prestação de declarações de parte por inadmissibilidade legal, o que pode ocorrer em duas situações: (i)- quando os factos sobre que a parte se proponha prestar declarações já estejam plenamente provados por documento ou por outro meio de prova com força probatória plena (Art. 393.2. do Código Civil, por analogia); (ii)- quando os factos sobre que a parte se proponha prestar declarações beneficiem de prova pleníssima, designadamente os casos de presunções legais inilidíveis, casos em que não é admissível prova em contrário. (sublinhado nosso) Na mesma linha foi, a propósito desse mesmo meio de prova, o Ac. da RL de 29/04/2014 (sumariado in “CJ, Ano XXXIX/2014, T2- 325”), ao concluir, de forma em que nos revemos, que (…) “Se tal meio prova ganha particular interesse em matérias do foro íntimo ou pessoal dos litigantes, não presenciadas por terceiros e, à partida de mais difícil demonstração, também é certo que a lei não restringe a sua admissão esses casos, antes estabelecendo como requisito de admissibilidade, no que respeita à incidência, que as declarações de parte respeitem a factos em que o litigante interveio pessoalmente ou de que teve conhecimento direto. Compulsando o final desse despacho saneador foram nele erigidos os seguintes temas da prova: Tendo em conta o que se discute na ação (vg. saber com quem na realidade R. marido celebrou/negociou o negócio/contrato-promessa, se com A. se com o seu irmão A... e os termos acordados nessa negociação, e se houve incumprimento contratual daquele), afigura-se-nos ser patente que o R. requereu a prestação de declarações relativamente a factos sobre os quais não só interveio pessoalmente como deles tem conhecimento direto, sendo certo que esses factos sobre os quais deviam incidir as suas declarações se mostram, a nosso ver, suficientemente indicados/precisados, e mesmo que o não estivessem sempre poderia o sr. juiz a quo convidá-lo a concretizar melhor essa indicação. Estavam, e estão, assim preenchidos todos os requisitos legais acima enunciados para que o réu fosse ouvido em declarações de parte na audiência de discussão. Ao ver rejeitado pelo tribunal a quo o seu pedido para prestar declarações na audiência de discussão e julgamento, o réu foi, assim, privado de um direito de prova que lhe assiste. O tribunal a quo não poderia recusar essa diligência de prova com o fundamento da sua inutilidade, por já se considerar suficientemente esclarecido e a audiência ter decorrido sem dúvidas ou afirmações genéricas. Como resulta do que supra deixámos expendido, não pode o juiz antecipar no decurso da audiência de discussão e julgamento a formação da sua convicção, alicerçada na prova já produzida, e dispensar a prestação de declarações de parte. A convicção que exista nessa fase será – por natureza e definição – provisória, sempre sujeita a revisão face à ponderação mais refletida e abrangente que será feita após a conclusão do julgamento. Na verdade, constituindo as declarações de parte um meio de prova legalmente previsto - com a força probatória idêntica àquela outra que, tal como ela, está sujeita livre apreciação do julgador (vg. prova testemunhal) - só no final de toda a produção de prova (vg. aquando da elaboração da sentença final – cfr. artº. 607º, nºs. 4 e 5, do CPC), e após ponderação refletida e conjugada sobre toda ela, é que o tribunal está em condições de formar conscientemente a sua convicção definitiva sobre os enunciados fácticos em discussão. E nessa equação ponderativa e formativa da convicção não se podem excluir os tribunais de recurso da Relação sempre que, como sucede no caso dos autos, sejam chamados a pronunciar-se sobre a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, os quais devem ter ao seu dispor todos de prova produzidos ou a produzir. E nessa ponderação de prova o tribunal, aquando da apreciação e decisão da matéria de facto, tanto pode atribuir às declarações de parte muita, como pouca ou nenhuma relevância para o efeito, numa análise crítica das mesmas que, pelas razões que supra se deixaram expendidas, dever ser feita no caso sempre com particular cuidado. Note-se ainda que no caso presente essa requerida audição mais se impõe pois que, por um lado, toda a versão factual alegada pelos RR., em abono da sua pretensão, foi dada como não provada e, por outro, que o autor, como parte contrária, foi ouvido pelo tribunal, embora em depoimento de parte, e cujo depoimento o julgador terá atribuído relevância ao concluir, no final da motivação da decisão da matéria de facto e na sequência da analise crítica da prova produzida, que “que independentemente da posição processual, o certo é que só as declarações do A. fazem sentido com o documentado.” E tanto mais ainda quando ao procedermos à audição do registo da prova ouvida em audiência de julgamento a mesma não se não se nos afigurou que fosse “absolutamente” cristalina e esclarecedora no que concerne aos factos em discussão. Assim se julgando, nessa medida, procedente o recurso, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões acima elencadas que integravam o seu objeto. III- Decisão Assim, em face do exposto, acorda-se, na procedência do recurso, em revogar o sobredito despacho impugnado e anular, em consequência, a sentença final proferida nos autos, determinando-se a reabertura da audiência de discussão e julgamento a fim de o Réu marido aí ser ouvido em declarações de parte, nos termos que supra se deixaram exarados, após que os autos devem prosseguir os seus ulteriores trâmites processuais legalmente previstos. Custas do recurso pelo autor - que nele ficou vencido – (artºs. 527º, nºs 1 e 2, do CPC e 7º, nº 2, do RCP). Coimbra, 5 de junho de 2018 Isaías Pádua Manuel Capelo Falcão de Magalhães |