Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
754/12.1TBGRD-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ALIMENTOS
EX-CÔNJUGE
CESSAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - COVILHÃ - JUÍZO FAM. MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.2004, 2009, 2013, 2016 CC, 936 CPC
Sumário: 1. A obrigação de alimentos como meio de satisfação das necessidades económicas do ex-cônjuge justifica-se apenas no caso de insuficiência do património do ex-casal e de o necessitado não encontrar actividade remunerada que lhe consinta alcançar a auto-suficiência, ou de se dedicar ao cuidado dos filhos no período subsequente ao divórcio, sendo que decorre do preceituado no art.º 2016º-A, n.º 1 do CC, que o legislador não terá pretendido desencorajar a assunção de tarefas domésticas e de cuidado dos filhos na vigência da sociedade conjugal.

2. Está em causa a tutela existencial de um dos cônjuges que, após a extinção do vínculo conjugal, se encontra em situação de necessidade (que se pretende temporária), sendo pressuposto para o reconhecimento do direito a alimentos a ausência de meios adequados a consentir ao ex-cônjuge um teor de vida autónomo e digno.

3. A cessação da obrigação alimentar pode resultar, designadamente, da falta de recursos do devedor para cumprir (aquele que os presta não possa continuar a prestá-los) ou da circunstância de o credor já não necessitar dos alimentos (aquele que os recebe deixe de precisar deles) (art.º 2013º, n.º 1, al. b) do CC).

4. No processo especial para a cessação dos alimentos a ex-cônjuge (art.º 936º do CPC) cabe ao requerente a prova de que se alteraram as suas possibilidades económicas ou as necessidades da requerida, ou que esta passou a estar em condições de prover ao seu sustento sem qualquer auxílio daquele.

Decisão Texto Integral:







           
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
           

            I. Em 04.11.2016, J (…) veio ao abrigo do disposto no art.º 936º do Código de Processo Civil (CPC) requerer a cessação da prestação alimentícia à ex-esposa, N (…), a partir da entrada em juízo da petição inicial.

            Alegou, em resumo: a quantia que aufere a título de ordenado diminuiu, o que, face às suas despesas, impossibilita o pagamento da prestação de alimentos; a requerida, ex-esposa, no presente, não carece de prestação de alimentos (vive em casa da avó paterna dos filhos, sem quaisquer gastos, e beneficia da pensão de reforma que esta aufere; tem quantias significativas depositadas em contas bancárias; é proprietária de uma quinta, que pode explorar em termos agro-pecuários; e tem rejeitado várias propostas de emprego).

            Inviabilizado o acordo das partes, a requerida contestou, impugnando os factos alegados pelo requerente. Concluiu pela improcedência da acção.

            Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza a quo, por sentença de 19.4.2017, julgou a acção improcedente, com a consequente manutenção da prestação alimentícia do requerente à ex-esposa.

            Inconformado, o requerente interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:
            (…)

            A requerida respondeu à alegação de recurso concluindo pela sua improcedência.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir se se justifica a cessação da prestação de alimentos à requerida.


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            a) Com data de 12.6.2013, foi proferida decisão, determinando-se, além do mais que o “Réu” J (…) pague à “Ré” N (…) uma pensão de alimentos no valor de € 200 (duzentos euros) mensais, até ao dia 8 de cada mês a que disser respeito.

            b) À data o requerente exercia a profissão de gerente bancário, auferindo uma remuneração líquida de cerca de € 2 300 mensais.

            c) Presentemente o requerente aufere € 2 148,87 líquidos mensais (vencimento, diuturnidades e isenção de horário)[1].

            Dos € 2 148,87, € 184,20 são referentes ao subsídio de almoço. Não são liquidados em dinheiro, mas sim em senhas de almoço – “cartão sonae”, subtraído ao vencimento líquido e o qual o requerente despende.

            Trabalha a mais de 40 km de casa.

            Dos € 2 148,87, 138€ são referentes a subsídio de deslocação/mobilidade, 6 90€ brutos, por cada dia de trabalho efectivamente prestado, e destinado à deslocação diária casa/emprego/casa - não recebido nas férias, nas ausências, em formações em Lisboa, Porto, doença.

            Trata-se de um reembolso de um custo que o requerente já efectuou no mês transacto e que lhe é reembolsado com o ordenado no mês seguinte se tiver ido a trabalhar os 22 dias.

            Desses € 2 148,87 e não possuindo o requerente viatura de serviço, aufere 179€ de reembolso de custo de transporte, montante destinado a cobrir o serviço externo efectuado a favor da sua entidade patronal, com deslocações diárias a clientes num concelho com 30 freguesias (e cerca de 100 povoações).

            Desses € 2 148,87 de salário líquido é subtraído o montante de 24,81€ de sobretaxa extraordinária, a qual incide sobre o salário líquido.

            O requerente possui um rendimento líquido de € 2 148,87 e é reembolsado de custos suportados no mês transacto de 501,20€ (almoço e subsídios de deslocação e de transporte).

            d) Como despesas possui o requerente as seguintes:

            Prestação de crédito à habitação de 312,72€ mensais.

            Seguro de vida associado ao crédito à habitação de 15,75€.

            Seguro multirriscos associado ao crédito à habitação de 15,45€.

            Empréstimo de 10 000€ através de cartão de crédito proveniente de dívidas prévias à dissolução do casal no valor a debitar mensal de 1 005,07€ (valor a pagar à data de 08/9/2016).

            Empréstimo K... contraído em Fev./2015, quando o vencimento do requerente foi reduzido em 1/3 por motivo de penhora do salário, acrescido das prestações alimentares também de 1/3 do salário, com o valor a debitar de 636,82€ a 26.9.2016 e montante em dívida de 13 624€.

            Penhora de prestação de alimentos aos filhos no montante de 6 298,99€ com valor mensal de 200€.

            Prestação de alimentos aos filhos no valor de 300€ mensais.

            Prestação de alimentos ex-cônjuge no valor de 200€ mensais

            Dívidas ao Advogado Sr. Dr. (…) no valor de 1843,56€, os quais liquida desde Nov./2016 em cheques pré datados de 100€ mensais[2].

            Pagamento ao actual advogado, Dr. (…), no valor de 540€ o qual liquida desde Nov./2016 em cheques pré datados de 100€ mensais.[3]

            Despesa para a deslocação para o emprego, no valor idêntico ao subsídio de deslocação/mobilidade (138€).

            Despesa do almoço fora da sua residência, o qual liquida com o valor do subsídio de almoço no valor de 184,20€ e através do cartão sonae.

            Necessita e despende na execução do seu trabalho o subsídio de deslocação no valor de 179€ mensais, em acções comerciais e visita aos clientes.

            Despende 250 € em despesas de alimentação para o próprio e esposa.

            Despende cerca de 200€ que dá à sua esposa que se encontra desempregada para as suas despesas pessoais.

            Despende cerca de 112,21€ mensais em electricidade (factura Out/2016).

            A casa do requerente não possui água canalisada sendo bombeada de furo através de motor eléctrico.

            Despende cerca de 91,80 € de dois em dois meses em gás.

            Despende cerca de 100€mensais (1200€ anuais) em aquecimento para a casa, na compra de gasóleo e lenha, para aquecimento nos meses de inverno.

            O requerente já não possui telemóvel.

            Paga de IMI cerca de 500€ anuais em 2 tranches de 250€.

            Paga 400€ anuais referentes ao seguro (198,12€), IUC (141,04€) e Inspecção do carro da esposa (60€), tendo já vendido o carro próprio.

            Contribui anualmente com 400€ em despesas escolares dos filhos.

            Necessita de 150€ mensais para despesas do Banco que depois lhe são reembolsadas 1 a 2 meses mais tarde conjuntamente com o vencimento (aluguer de carros e gasolina na E... -Out./2016 e destinadas a aluguer de carros na E ... para deslocações a formações, com respectivo combustível a liquidar, almoços com clientes, hotéis etc.).

            e) Em sede de IRS apresenta como único rendimento o vencimento de funcionário bancário.

            f) Sendo funcionário bancário, não pode mudar o vencimento de conta sem liquidação prévia das responsabilidades.

            g) É gerente de uma sociedade comercial e familiar, e em sede de IRC relativo a 2015 foi declarado: volume de vendas zero, resultado negativo acumulado em 31.12.2015 de 19 578,06€ e passivo corrente, à mesma data, de 101 789,47€.

            h) A Caixa Geral de Depósitos rejeitou “apoio de tesouraria, sem garantias, na quantia de 30 000 euros” à mencionada sociedade, em 26.3.2015, por entender que “a proposta não reunia os requisitos necessários à aprovação”.

            i) A sociedade não está insolvente.

            j) O apartamento de que era proprietário em Lisboa, situado em Carnide, com 2 quartos e 1 sala, estava cedido a título de comodato gratuito, e hipotecado à empresa de que é sócio, e desde 2016, o direito de propriedade deste imóvel urbano foi transmitido, a título gratuito, para a actual esposa.

            k) Como património possui ainda o requerente a casa onde reside, na (...) , a qual foi construída em terreno próprio, e hipotecado ao Banco, e em terreno contíguo ao dos pais.

            l) A requerida reside em casa da mãe do requerente[4], juntamente com os 2 netos, fazendo há mais de 4 anos parte desse agregado.

            m) Recusou propostas de emprego pelo requerente e amigos:

            1ª - Em 21.3.2015 – (…). - Entrevista no Centro Emprego;

            2ª - Em 30.10.2015 - Proposta emprego efectuada pelo Sr (…);

            3ª - Em 04.02.2016 - Proposta efectuada pela (…)

            4ª - Em 28.3.2016 - Proposta efectuada pelo Sr. (…)

            n) É co-herdeira, conjuntamente com os irmãos, por falecimento do pai, de uma propriedade agrícola do Concelho de (...) .

            o) À data de 30.12.2011, a requerida era possuidora de um "Plano PPR" junto do Banco ..., no valor de 5 354,44€; pelo menos à data de 06.6.2011 era titular de um depósito junto da Caixa Geral de Depósitos, no valor de 37 755€; à data de 06.6.2012 era titular de um depósito junto da Caixa Geral de Depósitos, no valor de € 5 715,62€ e à data de 01.4.2011 era titular de Certificados do Tesouro 0-10 anos, no valor de 9 800€.

            p) A actual esposa do requerente encontra-se desempregada, e sem qualquer fonte de rendimento.

            q) A requerida vive dos montantes das pensões de alimentos fixadas por sentença, que se cifram em € 500 e da ajuda de familiares.

            Com a qual paga as suas despesas.

            r) A requerida tem dedicado esforço e empenho na procura de emprego.

            s) Sobre a 1ª proposta de emprego referida em II. 1. m) foi contactada pelo Centro de Emprego da X (...) , via telefone, informando-a que, estranhamente, tinham recebido uma proposta de emprego, vinda da (...) , dirigida em exclusivo para a requerida.

            Referindo-se esta proposta à tal “sociedade familiar” do requerente, que está inactiva.

            t) A requerida recebeu uma carta do Sr. mencionado em II. 1. m) – 2ª// 33. B) da p. i., e o emprego consistia em tomar conta de um idoso, na localidade de M (...) .

            u) A requerida não tem qualquer apoio para tomar conta dos filhos, pelo que não lograria deslocar-se diariamente, da X (...) para M (...) , deixando os filhos sem acompanhamento.

            v) O salário oferecido - salário mínimo - mal compensava as despesas de deslocação, não podendo em caso algum ficar a pernoitar em casa do Sr., uma vez que a requerida é a única a cuidar dos filhos.

            w) A requerida não teve conhecimento da proposta dita em II. 1. m) - 3ª.

            x) A requerida foi informada que a proposta referida em II. 1. m) - 4ª chegou do Centro de Emprego da (...) , local onde não se encontra inscrita, facto que o próprio Centro estranhou.

            y) A propriedade sita em (...) faz parte da herança indivisa, deixada por morte do pai da requerida, e esta não usufrui de quaisquer rendimentos que a mesma dê, nem tem os conhecimentos específicos que a mesma requer para ser explorada.

            2. E deu como não provado:

            a) Por forma a evitar a insolvência da sociedade, a qual se repercutia na insolvência pessoal e profissional de funcionário bancário, foi o requerente obrigado a alienar o carro e, da forma fiscal mais vantajosa, e com o apoio da família da esposa.

            b) A casa onde reside por ser construída parte em terreno do próprio e parte em terreno dos pais, não possui o valor comercial que seria normal, uma vez que só poderá ser objecto de venda integrada em venda conjunta dos dois terrenos.

            c) O requerente e a esposa apenas contam com o apoio dos sogros, os quais, embora com dificuldade, liquidam as despesas correntes do casal (comida e despesas da casa).

            d) A requerida usufrui de rendimentos mensais globais de € 2 052, correspondente às pensões que a avó paterna dos seus filhos recebe.

            e) E não paga água, luz, gás e alimentação.

            f) A requerida pode desenvolver actividade na propriedade de que é co-herdeira.

            g) Mantém certificado do tesouro n.º (...) , certificado de aforro no valor de 10 000€ à taxa de 7,1 %, com respectivos juros anuais.

            h) Recebeu, em 15.3.2016, € 1 919,23€ de juros na conta 3768353.

            i) Fez a requerida levantamentos de 4 594,85€ da conta do requerente, da qual era também titular e da qual não retira o nome.

            j) Procedeu ao levantamento da conta do filho R..., no dia 12.02.2016, do montante de 445,40 € (levantamento a favor da conta 2783309 que é da própria), que tinha sido depositado pelo pai.

            k) A não ser decretada a cessação da prestação aqui em causa, tendo em conta a insolvência do requerente, estão criadas todas as condições para que a sua Entidade Patronal aproveite essa circunstância e o integre no "lote" dos "1000 quadros do ... com reformas antecipadas e "lay-offs'" de que a comunicação social vem fazendo eco.

            l) O montante existente nas contas bancárias referido supra na matéria de facto provada foi levantado na totalidade pelo requerente, deixando as contas bancárias a “zero”.

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão, tendo presente a descrita factualidade (não impugnada) e o regime jurídico previsto no Código Civil[5] (na redacção introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10).

            Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (art.º 2004º, n.º 1, sob a epígrafe “medida dos alimentos”). Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência (n.º 2).

            Estão vinculados à prestação de alimentos, designadamente, o cônjuge ou o ex-cônjuge (art.º 2009º, n.º 1, alínea a));

            A obrigação de prestar alimentos cessa: a) Pela morte do obrigado ou do alimentado; b) Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles; c) Quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado (art.º 2013º, n.º 1).

            Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio (art.º 2016º, n.º 1). Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (n.º 2). Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado (n.º 3).

            Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta (art.º 2016º-A, n.º 1, sob a epígrafe “montante dos alimentos”)[6]. O tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge (n.º 2). O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (n.º 3).

            4. Sem quebra do respeito sempre devido por opinião em contrário, dir-se-á, desde já, que tendo o requerente alegado (na petição inicial) de uma forma redundante e pouco escorreita, esta “imperfeição original” acabou por se repercutir na materialidade dada como “provada”, agravada pela inclusão de elementos irrelevantes para o desfecho dos autos [por exemplo, a parte final do ponto II. 1. d), supra] ou, até, inverosímeis, como melhor se explicitará adiante.

            Concomitantemente, temos por suficientemente indiciado o (habitual) propósito de não evidenciar a realidade, exagerando na discriminação e no cômputo das despesas e olvidando a razoabilidade, a ponderação à luz do “curso ordinário das coisas" e a simplicidade e clareza das mais elementares operações da Matemática.

            Respeitados, naturalmente, os pertinentes princípios e normativos, aquele circunstancialismo também relevará na apreciação e ponderação global a efectuar.

            5. Consta da sentença dita em II. 1. a), supra - parcialmente reproduzida nos autos - nomeadamente, que o requerente e a requerida casaram entre si em Set./2001 (a requerida tinha 28 anos de idade), a separação de facto deu-se em 2011 e o divórcio em 2013; desde que casou com o requerente, a requerida sempre foi dona de casa, uma vez que aquele nunca quis que ela trabalhasse para se dedicar exclusivamente ao cuidado e educação dos filhos do casal, deixando o requerente liberto de tais tarefas para poder dedicar-se em pleno, à sua profissão, o que sempre se verificou até à separação.

            Fica pois a ideia de que a requerida sempre contribuiu ao nível familiar, doméstico e maternal para a vida em comum do casal, assim tendo postergado uma carreira profissional que não teve mas que eventualmente poderia ter tido, tudo por acordo, com o consentimento e até no interesse do requerente nesse sentido (cf. o documento de fls. 24, junto pelo requerente).

            Foi esta, em parte, a argumentação que levou à fixação de alimentos a ex-cônjuge (fase da atribuição do direito), com que o requerente se conformou.

            E, agora, aparentemente, apenas se insurge quanto à manutenção de uma obrigação de alimentos que considera já dever ter cessado por impossibilidade de continuar a prestá-los, sendo que faltam ou são insuficientes os elementos a respeito da eventual partilha do património comum do casal e, como se verá, sobre a evolução da situação económica das partes, sobretudo, do requerente.

            6. A aludida obrigação de alimentos como efeito do divórcio é uma espécie do género obrigação de alimentos e encontrará o seu fundamento último, ético e jurídico, num princípio de solidariedade pós-conjugal.

            Está em causa a tutela existencial de um dos cônjuges que, após a extinção do vínculo conjugal, se encontra em situação de necessidade (que se pretende temporária), sendo pressuposto para o reconhecimento do direito a alimentos a ausência de meios adequados a consentir ao ex-cônjuge um teor de vida autónomo e digno.

            A obrigação de alimentos como meio de satisfação das necessidades económicas do ex-cônjuge (auxiliar o cônjuge economicamente mais fraco na obtenção da sua auto-suficiência económica) justifica-se apenas no caso de insuficiência do património do ex-casal e de o necessitado não encontrar actividade remunerada que lhe consinta alcançar a auto-suficiência, ou de se dedicar ao cuidado dos filhos no período subsequente ao divórcio, sendo que decorre do preceituado no art.º 2016º-A, n.º 1, que o legislador não terá pretendido desencorajar a assunção de tarefas domésticas e de cuidado dos filhos na vigência da sociedade conjugal.

            A obrigação de alimentos apenas existe quando um dos cônjuges não tenha meios, e não possa tê-los por razões objectivas, para prover à sua subsistência, correspondendo ao período de tempo estritamente necessário para permitir ao alimentando alcançar a independência alimentar.

            Ademais, algum relevo poderá/deverá ser dado ao capital humano do património comum do casal (aos efeitos do casamento na capacidade aquisitiva ou capital humano de cada um dos cônjuges) e seus efeitos perversos na almejada igualdade dos géneros, a reclamar alguma correcção pela via da equidade - e assim sucederá na situação em análise, pois o requerente, ao invés da requerida, investiu na sua carreira profissional e deixou o casamento com uma capacidade aquisitiva que não foi entretanto negativamente afectada… (cf. o ponto II. 5., supra). 

              O quantum e a duração dos alimentos dependem da conciliação entre a necessidade de permitir ao alimentando um novo começo e a necessidade de limitar as vinculações do ex-cônjuge alimentante; a averiguação dos respectivos rendimentos e proventos consente a quantificação do conteúdo da prestação.

            Trata-se de assegurar um nível de vida razoável e não apenas o que é indispensável para a sobrevivência, e a obrigação de alimentos subsiste pelo período de tempo suficientemente razoável para o alimentando se adaptar às suas novas circunstâncias de vida (e venha a alcançar a sua auto-suficiência, sendo que a permanência numa situação de dependência não deve estar sujeita à inércia voluntária do interessado).

            A cessação da obrigação alimentar pode resultar, designadamente, da falta de recursos do devedor para cumprir (aquele que os presta não possa continuar a prestá-los) ou da circunstância de o credor já não necessitar dos alimentos (aquele que os recebe deixe de precisar deles) (art.º 2013º, n.º 1, al. b)).[7]

            7. Atento o objecto do litígio e estando em causa o pagamento da prestação mensal de € 200, antolha-se evidente que a requerida continua a necessitar da prestação de alimentos fixada por sentença de Junho de 2012 [cf., principalmente, II. 1. q) e r), supra e o documento de fls. 44 - a requerida vive dos montantes das pensões de alimentos fixadas por sentença, que se cifram em € 500 e da ajuda de familiares, com a qual paga as suas despesas; tem dedicado esforço e empenho na procura de emprego]; além disso, a requerida é a única a cuidar dos filhos do ex-casal (ao que nos foi dado apurar, menores, tendo o mais novo, actualmente, 8 ou 9 anos de idade)[8] (cf., v. g., II. 1. v), supra).

            Ademais, como se refere na decisão sob censura e resulta da factualidade provada, as buscas de emprego têm resultado infrutíferas e as apresentadas pelo ex-marido e amigos são inexequíveis; não tem condições/conhecimentos para explorar a mencionada quinta, que não lhe dá qualquer rendimento [cf. II. 1. y), supra]; as quantias depositadas em contas bancárias remontam ao passado, ignorando-se no presente se existem [cf. II. 1. o), supra, matéria “manifestamente desactualizada”, assim também considerada na sentença de Junho de 2012 - cf. fls. 24 -, além de que não se provou o indicado em II. 2. g) a j), supra]; não é a avó paterna dos filhos quem a sustenta com as pensões que recebe (e, à luz do disposto no art.º 2009º, a tal não estaria obrigada…).

            8. Relativamente ao requerente, retomando o afirmado em II. 4., supra, dir-se-á que (aparentemente) viu diminuído o seu vencimento líquido mensal em cerca de € 140/150 [cf. II. 1. b) e c), supra e os documentos de fls. 7 - a retribuição líquida de Agosto/2016 foi de € 2 163,47 - e de fls. 55].

            Analisada a amálgama de “despesas/receitas-componentes da retribuição” levada à factualidade provada, acompanhamos a decisão recorrida quando aí se afirma, designadamente, que: a maioria das despesas apresentadas (excepto os honorários aos mandatários, se bem que não deixe de ser algo inusitada a profusão de “meios de pagamento” surgida em Nov./2016…/fls. 10 e 11) foi atendida na decisão que fixou a obrigação de prestação de alimentos (aqui se incluem, por exemplo, as despesas com a casa de habitação, no montante de aproximadamente € 350 mensais); a maioria dos endividamentos é posterior e resultará do não cumprimento atempadado das obrigações (de prestação de alimentos aos filhos e ex-cônjuge); outros custos são suportados por parcelas do vencimento, e consequentemente não podem ser duplicados (se não integram a retribuição disponível, “suportam” as despesas a que se destinam).

            Também correcto o entendimento de que cumpre ainda não olvidar a hierarquia, determinada pela sua natureza, das obrigações, sendo que as alimentares encabeçam as demais, e não desaparecem face à errada gestão económico-financeira e patrimonial do obrigado, mesmo depois das mesmas terem sido fixadas. E nesta gestão não se entende, nomeadamente a razão da transmissão gratuita do direito de propriedade de um imóvel, que objectivamente poderia dar lucro se arrendado (aparentemente, pelo que consta da sentença de Junho de 2012, assim terá ocorrido no passado…), ou ainda porque esteve o mesmo cedido, em comodato gratuito, a uma empresa inactiva [cf. II. 1. j), supra].

            E na verificação da situação económica e financeira do requerente, também releva, nomeadamente, o seguinte:

            - Salvo o devido respeito por opinião em contrário, antolha-se inverosímil um gasto médio mensal em “aquecimento” de € 100 (acrescendo despesas em electricidade e gás superiores a € 110 e € 45, respectivamente);

            - Os recentes e insuficientemente explicados encargos com “empréstimos” (por exemplo, desconhece-se a origem das dívidas subjacentes e se e em que medida foram pagas/amortizadas de imediato) e/ou “cartões de crédito” indiciam, por um lado, a viabilidade de obter dinheiro a crédito[9] e, por outro lado, que lhe será possível pagar/amortizar dentro de um período razoável [cf. II. 1. d), supra e documentos de fls. 8 anverso e verso];

            - Durante o ano civil, o requerente aufere 14 (catorze) retribuições de idêntico montante (atenta a retribuição correspondente aos subsídios de férias e de Natal), e não 12 (doze).  

            9. Em princípio, cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio (art.º 2016º, n.º 1) - responsabilidade pessoal de cada um dos cônjuges pelo seu futuro económico depois do divórcio.[10]

         Porém, demonstrada a impossibilidade de o ex-cônjuge (in casu, a  requerida) prover total ou parcialmente à sua subsistência, seja com os seus bens pessoais seja com o seu trabalho, e ponderados os factores previstos nos art.ºs 2004º e 2016º-A, n.º 1, nada obsta a se possa fixar determinado montante a título de alimentos.

            A situação em análise - desde logo em razão da configuração que lhe foi dada na petição inicial - não é isenta de dificuldades.

            Contudo, ante os interesses em presença, a realidade que se logrou comprovar (e entrever) e o descrito quadro normativo, cremos que continua a ser razoável e ajustado atribuir à requerida, a título de alimentos, o montante encontrada na sentença de 12.6.2013 (€ 200 mensais), que o requerente poderá/deverá suportar.

            10. Não tendo o requerente demonstrado os invocados requisitos da cessação da obrigação de alimentos (cujo ónus lhe competia – cf. o art.º 342º, n.º 2)[11] e não vindo pedida (nem se justificando) a sua alteração, resta confirmar a decisão proferida.

            11. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.    

            Custas pelo A./apelante.


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24.10.2017     

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Alberto Ruço



[1] Rectificou-se e simplificou-se.
[2] Idem.
[3] Idem.
[4] Idem.
[5] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[6] O art.º 2016º-A, n.º 1, norma especial, consagra uma disciplina nova ou diferente para este conjunto mais restrito de pessoas ou de relações, “especializando”/concretizando a norma geral do art.º 2004º; a enumeração ali feita das circunstâncias a levar em linha de conta é meramente exemplificativa.
[7] Vide, sobre o expendido neste ponto, Maria João R. C. Vaz Tomé, “Reflexões sobre a obrigação de alimentos entre os cônjuges”, in Textos de Direito da Família, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, págs. 573 e seguintes.
[8] Elementos decorrentes das declarações de parte prestadas em audiência de julgamento (cf. fls. 56).
[9] Sendo que “no capítulo das possibilidades do obrigado não conta apenas o rendimento líquido proporcionado pelo exercício da sua profissão ou pelos bens de que é proprietário, devendo ser ponderada a totalidade do património que constitui a garantia das suas obrigações” - cf. o acórdão do STJ de 23.10.2014-processo 2155/08.7TMLSB-A.L1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[10] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 03.3.2016-processo 2836/13.3TBCSC.L1.S1 [onde se conclui: “A Lei n.º 61/2008, de 31-10 (…) aderiu ao chamado princípio da auto-suficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária (art.º 2016º do CC)”] e da RP de 20.4.2017-processo 1158/14.7TBPVZ.P1, publicados no “site” da dgsi.

[11] Cf., a propósito, o acórdão da RP de 15.4.2013-processo 7367/06.5TBVNG-A.P1 [assim sumariado: “I - O ónus da prova da necessidade do alimentando incumbe-lhe integralmente quando requer a prestação alimentar, ou seja, quando é autor na acção de alimentos. II - No entanto, tendo o obrigado à prestação, lançado mão do meio processual específico – processo (especial) para a cessação ou alteração de alimentos - previsto no artigo 1121º do Código de Processo Civil -, sobre ele recai o ónus de alegar e provar que se alteraram as circunstâncias em que celebrou o acordo de alimentos definitivos, homologado por sentença. III - Tendo o autor acordado com a ré a prestação de alimentos em vigor, ao pretender a sua cessação ou, subsidiariamente, a sua redução, sobre ele incumbirá a prova de que se alteraram as suas possibilidades económicas ou as necessidades da ré, ou que esta passou a estar em condições de prover ao seu sustento sem qualquer auxílio do autor.”], publicado no “site” da dgsi.