Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VÍTOR AMARAL | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS NOTIFICAÇÃO DO INSOLVENTE NULIDADE PROCESSUAL | ||
Data do Acordão: | 11/08/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - INST. CENTRAL - 2ª SEC.COMÉRCIO - J1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.136 CIRE, 195, 199 CPC | ||
Sumário: | 1. - O prazo para arguição de nulidade processual não começa a correr antes de consumado o vício, já que apenas se inicia “depois de cometida” aquela (art.º 199.º, n.º 1, do NCPCiv.). 2. - A omissão de notificação da insolvente para comparência pessoal na tentativa de conciliação a que alude o art.º 136.º do CIRE, vindo nessa diligência judicial a ser reconhecidos os créditos reclamados, incluindo um crédito que aquela havia impugnado, constitui irregularidade relevante e decorrente nulidade processual, seja por omissão de um ato que a lei impunha (a notificação pessoal à parte para comparecer pessoalmente) seja pela prática de um ato que a lei não permitia sem essa notificação (a realização da diligência e o reconhecimento dos créditos), determinando a anulação quer da tentativa de conciliação, quer dos atos subsequentes necessariamente dependentes, desde logo a sentença de reconhecimento e graduação dos créditos. 3. - Da notificação ao mandatário da insolvente da designação da tentativa de conciliação, sem alusão à mandante, não pode extrair-se presunção de conhecimento da omissão de notificação da insolvente. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório “F (…) Unipessoal, Ld.ª”, com os sinais dos autos, insolvente em autos de insolvência e respetiva reclamação de créditos, deduziu impugnação ao crédito reclamado pelo credor “N (..), S. A.”, também com os sinais dos autos, e reconhecido pelo Administrador da Insolvência (doravante, AI), concluindo não dever, pelas razões que invocou, ser reconhecido tal crédito, no montante de € 182.733,75 (correspondente a € 176.690,16 de capital e € 6.043,59 de juros). Notificado, tomou posição aquele credor, pugnando pelo não acolhimento da pretensão da insolvente. Foi designada data para tentativa de conciliação a que alude o art.º 136.º, n.º 1, do CIRE, tendo sido notificados “o Ilustre Mandatário da devedora, o Ilustre Mandatário do credor reclamante e o Sr. Administrador da Insolvência (cfr. notificações insertas no sistema electrónico)” ([1]), sem, porém, que o tenha sido tal devedora, “pessoalmente para comparecer na tentativa de conciliação, na pessoa do seu gerente, na medida em que o Sr. Administrador da Insolvência não a representa no âmbito do presente incidente” ([2]). Na tentativa de conciliação – em que apenas estiveram presentes o AI e o mandatário do credor “N (…), S. A.” –, realizada em 27/01/2016, foi proferido despacho nos seguintes termos: «Estando presentes o Sr. Administrador de Insolvência e o Credor que viu o crédito impugnado, não estando presente o impugnante, apesar de regularmente notificado, pelos presentes foi dito reconhecerem o crédito tal como reclamado e reconhecido oportunamente apresentado pelo Senhor Administrador de Insolvência. Assim atendendo ao disposto no artigo 136.º, n.º 2 do CIRE reconheço os créditos reclamados pelo Credor Novo Banco, S.A. nos precisos termos constantes da lista folha 2, ou seja, 182.733,75€, sendo 176.690,16€ de capital e 6.043,59€ de juros com a natureza de crédito comum. Notifique e conclua de imediato a fim de ser proferida Sentença de Reclamação de Créditos.» ([3]) ([4]). Por requerimento de 02/02/2016, veio a devedora/insolvente, alegando não ter sido notificada, com referência à designada tentativa de conciliação, para comparecer pessoalmente ou se fazer representar por procurador com poderes especiais para transigir, razão pela qual não compareceu nem se fez representar, arguir a nulidade dessa tentativa de conciliação e de todos os atos processuais subsequentes, pedindo seja declarada nos termos do disposto no art.º 195.º do NCPCiv. ([5]). Observado o contraditório – com o aludido credor e o AI a não se pronunciarem –, foi julgada, por despacho datado de 20/05/2016, improcedente tal arguição de nulidade processual ([6]). É deste despacho que, inconformada, recorre a devedora/insolvente, apresentando alegação, culminada com as seguintes Conclusões ([7]) «(…) Não foi junta contra-alegação recursória. O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados. Nada obstando, na legal tramitação recursória, ao conhecimento da matéria da apelação, cumpre apreciar e decidir. *** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito recursório, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([8]) –, o thema decidendum consiste em saber: a) Se a nulidade processual se mostra sanada, por extemporaneidade da sua arguição; b) Se, não estando sanada, resulta ela demonstrada, determinando a anulação requerida de atos processuais (tentativa de conciliação e todos os atos processuais subsequentes).
*** III – Fundamentação fáctico-jurídica A) Da base fáctica a considerar O quadro fáctico a atender – já ponderado, sem controvérsia, na 1.ª instância – é o enunciado no antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que se acrescenta, apenas, que, imediatamente após o despacho impugnado, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, decide-se: 6.1.) Reconhecer todos os créditos dos credores da lista elaborada pelo Sr. Administrador de Insolvência a fls. 2; 6.2.) Determinar o pagamento dos créditos através do produto da venda dos bens apreendidos, através da seguinte ordem: 6.2.1.) As dívidas da massa insolvente (artigo 172.º, n.ºs 1 e 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas); 6.2.2.) Do remanescente do produto dos bens deverão pagar-se, na respectiva proporção, todos os créditos reconhecidos. 6.2.3.) Do remanescente do produto dos bens deverão pagar-se, na respectiva proporção, os créditos subordinados, incluindo os juros mora vencidos e vincendos após a declaração da insolvência» ([9]).
B) Do direito aplicável 1. - Da extemporaneidade de arguição da nulidade e sua consequente sanação No despacho recorrido, tendo em conta o preceituado no art.º 136.º, n.º 1, do CIRE ([10]), reconheceu-se a existência da nulidade arguida, expendendo-se assim: «Atendendo ao disposto no artigo 81.º, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, impunha que a devedora tivesse sido notificada pessoalmente para comparecer na tentativa de conciliação, na pessoa do seu gerente, na medida em que o Sr. Administrador da Insolvência não a representa no âmbito do presente incidente. Contudo, apenas foi notificado o seu Ilustre Mandatário». Admitiu, pois, o Tribunal a quo ter sido cometida uma nulidade processual, «… porque foi omitida uma formalidade que a lei prescreve e que influi na decisão da causa (artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil ex vi artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)». Porém, logo concluiu que a sua invocação foi intempestiva, ocasionando a respetiva sanação, tendo em conta o disposto no art.º 199.º, n.º 1, do NCPCiv. ([11]), ex vi art.º 17.º do CIRE. Foi o seguinte o raciocínio decisório, agora impugnado e, por isso, a dever ser sindicado pela via recursória: «No caso vertente, deverá considerar-se que o prazo para a invocação da nulidade (10 dias – artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil ex vi artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) se iniciou com a notificação do Ilustre Mandatário da insolvente do despacho que designou a data para a realização da tentativa de conciliação na medida em é mandatário da insolvente e, nessa medida, contactará com o seu legal representante, o que, caso tenha agido diligentemente, também o fez quando recebeu a notificação para comparecer na tentativa de conciliação, sendo que o mesmo não compareceu na diligência, apesar de regularmente notificado para o efeito. Não se considera, assim, para efeitos de contagem do prazo a notificação realizada em 28.01.2016, na medida em que a nulidade é anterior ao mesmo, presumindo-se que o Ilustre Mandatário dela teve conhecimento quando foi ele próprio notificado para a tentativa de conciliação. E tendo sido o Ilustre Mandatário da insolvente notificado da data da tentativa de conciliação por ofício datado de 14.01.2016, presumindo-se notificado em 18.01.2016 (artigos 247.º e 248.º do Código de Processo e artigo 21.º-A, n.º 5, da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro), deveria ter invocado a nulidade nos 10 (dez) dias seguintes de acordo com o disposto no artigo 137.º a 139.º do Código de Processo Civil, o que não fez, tendo apenas invocado a mesma por requerimento datado de 02.02.2016, assim já decorrido aquele prazo.» ([12]). Dissente a Apelante. E cremos que bem. Vejamos. Estabelece o Tribunal recorrido como início de contagem do prazo em discussão a notificação ao mandatário da insolvente do despacho designatório da data da tentativa de conciliação, presumindo o conhecimento do vício quando esse mandatário foi notificado para tal diligência. Ora, o vício gerador da nulidade processual consubstancia-se, desde logo ([13]), na omissão de notificação da parte (devedora/insolvente) para comparência pessoal à diligência judicial de tentativa de conciliação (esta com a relevante finalidade aludida no art.º 136.º, n.ºs 2 e segs., do CIRE). Estamos, pois, situados no tempo da notificação aos sujeitos processuais da designação de data para aquela tentativa de conciliação. O mandatário da devedora/insolvente foi, então, notificado (notificação elaborada em 14/01/2016, que se presume efetuada, na contagem da 1.ª instância, em 18/01/2016) somente da designação do dia 27/01/2016, às 12,00 horas, para a tentativa de conciliação, nada lhe sendo transmitido (pelos serviços do Tribunal) quanto à notificação, ou não, da sua mandante. Quer dizer, em face do teor da notificação que lhe foi dirigida não lhe era possível, sem mais, saber que a sua mandante não fora, nem seria, notificada para comparência pessoal à diligência, contrariamente à imposição legal. Donde que seja, no mínimo, discutível que o vício já estivesse por então consumado, consabido, por outro lado, que o prazo nunca poderia começar a correr antes de praticada a nulidade, apenas se iniciando “depois de cometida” a mesma (art.º 199.º, n.º 1, do NCPCiv.). Na verdade, a notificação ao mandatário da insolvente do despacho que designou a data para a realização da tentativa de conciliação nada lhe dizia (ao advogado) sobre a notificação pessoal – ou não – da mandante/insolvente. Nessa altura (notificação desse despacho ao advogado) o mandatário não sabia em que termos fora realizada, ou não, a notificação da mandante e se esta iria ainda, ou não, ser notificada e até se viria a comparecer pessoalmente, ou não, na tentativa de conciliação. Do facto de ser mandatário da insolvente não significa que a tenha efetivamente contactado – nem tal contacto pode presumir-se –, nem sendo caso de dever ele ter agido com acrescida diligência imediata, pois que não lhe cabia efetuar a notificação nem acompanhar a sua realização, tarefa que cabia, como é patente, aos serviços do Tribunal e não podia ser transferida para os sujeitos processuais. Assim, se negligência houve, ela é imputável àqueles serviços, ao omitirem notificação pessoal – e para ato pessoal ([14]) – que a lei impunha, e não à insolvente ou do seu mandatário, que não têm o ónus de corrigir ou suprir as falhas daqueles serviços nem, sequer, de esperar que elas sejam cometidas ([15]). Do facto de não ter o advogado comparecido à diligência, apesar de regularmente notificado para o efeito, também nada se pode retirar quanto à notificação da insolvente ou ao conhecimento – prévio ou contemporâneo – do vício (nem sequer esteve presente no ato). Por isso, o aludido prazo de 10 dias nem sequer se pode contar a partir da tentativa de conciliação, já que nem a parte nem o advogado estiveram presentes no ato. Aliás, a nulidade não decorre apenas da omissão de um ato que a lei prescrevia (notificação), mas ainda da subsequente prática de um ato que a lei não admitia naqueles termos, isto é, a realização da diligência sem a parte (insolvente) estar presente e sem que haja sido notificada para tal ([16]). Donde que só então, salvo o devido respeito, se tenha consumado o vício suscitado. Mas mesmo que assim não fosse entendido, sempre seria insustentável, sem quebra do respeito devido pelo Tribunal recorrido, considerar vigorar a presunção de que o mandatário teve conhecimento do vício aquando da sua própria notificação ou o dever, imposto pela diligência exigível, de contactar imediatamente com o legal representante da parte e, assim, aperceber-se da sua não notificação. Resta, pois, concluir que, realizada a tentativa de conciliação, nos moldes ocorridos, em 27/01/2016, sem que a parte ou o seu mandatário estivessem presentes no ato, pelo que não tiveram conhecimento então da sua efetiva realização – e do que ali ocorreu e foi decidido –, nem se mostrando que hajam tido prévio conhecimento do vício de omissão notificatória ou que dele devessem saber, é tempestiva a arguição suscitada em 02/02/2016. Procede, pois, nesta parte a argumentação da Apelante.
2. - Da verificação da nulidade e suas consequências processuais Importa agora saber, não sanado o vício invocado e demonstrada a arguida nulidade processual, se determina a sua prática, como requerido pela arguente, para além da nulidade da realizada tentativa de conciliação, a anulação dos atos processuais subsequentes dependentes, incluindo, pois, a sentença proferida. É patente que o vício ocorrido – omissão, por um lado, de notificação pessoal da parte a fim de comparecer pessoalmente em diligência judicial onde “são considerados como reconhecidos os créditos que mereçam a aprovação de todos os presentes e nos precisos termos em que o forem” (n.ºs 2 a 6 do art.º 136.º do CIRE), incluindo, pois, o crédito impugnado, e realização, por outro lado, dessa diligência na ausência da parte devedora/impugnante, que não foi notificada para comparecer ao ato, com imediato despacho a reconhecer tal crédito – influi no exame e decisão da causa (reconhecimento e decorrente graduação creditícia). Donde que esteja preenchido todo o requisitório do art.º 195.º, n.º 1, do NCPCiv., obrigando à anulação da realizada tentativa de conciliação, que, por isso, terá de ser repetida. E impõe o n.º 2 do mesmo art.º 195.º que a anulação de um ato processual desencadeie a anulação, igualmente, dos atos subsequentes que dele dependam absolutamente. É o caso, como é evidente, da sentença proferida de reconhecimento e graduação de créditos, incluindo quanto ao crédito impugnado, constante de fls. 65 a 70. Assim, havendo a tentativa de conciliação de ser repetida, fica sem base a sentença dos autos, que depende necessariamente daquela (como seu ato prévio), obrigando a que seja oportunamente proferida outra, na sequência do que for decidido na diligência prévia a repetir. Donde, pois, a procedência do recurso, devendo o Tribunal ad quem, revogando o despacho em crise e em substituição da instância recorrida (art.º 665.º, n.º 1, do NCPCiv.), declarar a nulidade processual suscitada e, em consequência, anular a tentativa de conciliação realizada e os subsequentes atos processuais praticados dela dependentes, mormente a sentença de fls. 65 a 70.
*
IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.): 1. - O prazo para arguição de nulidade processual não começa a correr antes de consumado o vício, já que apenas se inicia “depois de cometida” aquela (art.º 199.º, n.º 1, do NCPCiv.). 2. - A omissão de notificação da insolvente para comparência pessoal na tentativa de conciliação a que alude o art.º 136.º do CIRE, vindo nessa diligência judicial a ser reconhecidos os créditos reclamados, incluindo um crédito que aquela havia impugnado, constitui irregularidade relevante e decorrente nulidade processual, seja por omissão de um ato que a lei impunha (a notificação pessoal à parte para comparecer pessoalmente) seja pela prática de um ato que a lei não permitia sem essa notificação (a realização da diligência e o reconhecimento dos créditos), determinando a anulação quer da tentativa de conciliação, quer dos atos subsequentes necessariamente dependentes, desde logo a sentença de reconhecimento e graduação dos créditos. 3. - Da notificação ao mandatário da insolvente da designação da tentativa de conciliação, sem alusão à mandante, não pode extrair-se presunção de conhecimento da omissão de notificação da insolvente.
*** V – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, por verificação da nulidade processual arguida, assim revogando a decisão recorrida e anulando, em substituição do Tribunal a quo, a tentativa de conciliação realizada nos autos – para que seja repetida de acordo com os ditames legais notificatórios aplicáveis – e os subsequentes atos processuais necessariamente dependentes, mormente a sentença de fls. 65 a 70. Custas da apelação pela massa insolvente (art.º 304.º do CIRE).
Escrito e revisto pelo relator Elaborado em computador
Coimbra, 08/11/2016
Vítor Amaral (Relator) Luís Cravo Fernando Monteiro
|