Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
320/17.5T8LSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: DESPEJO
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
DIFERIMENTO DE DESOCUPAÇÃO
INCIDENTE
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
REVELIA
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - LOUSÃ - JUÍZO C. GENÉRICA - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.15 NRAU, 574 Nº2 CPC
Sumário:
I – No incidente de diferimento de desocupação de local arrendado destinado à habitação, ao abrigo do artigo 15º-N do NRAU, cumpre ao requerente alegar e provar não dispor de outra habitação, em termos imediatos e, a premente necessidade de permanência no locado dado o número de pessoas que consigo habitam (por também terem, eventualmente, de ser realojadas); a sua idade e o estado de saúde, (que muitas vezes pode condicionar, ou dificultar, a imediata mudança de residência).
II – Mas se os requeridos/demandados em tal incidente não impugnam/contestam a factualidade que tenha sido alegada para esse efeito (sustentando, essencialmente, que à data da celebração do contrato de arrendamento o requerente já se encontrava desempregado, inexistindo alteração que justifique o requerido diferimento da desocupação do locado, tanto mais que têm sofrido um prejuízo elevadíssimo, a essa data já de € 7.578,13, porquanto se encontram impedidos de celebrar novo contrato de arrendamento com pessoa idónea que cumpra as suas obrigações contratuais, apesar de já haverem resolvido o contrato com o requerente há longos meses), tem que se considerar aquela factualidade como provada, à luz do disposto, em geral, no art. 574º, nº2 do n.C.P.Civil.
III – Contudo, o correspondente julgamento tem forte componente discricionária e filosofia próxima de critérios de oportunidade e conveniência homólogos aos da jurisdição voluntária.
IV – Assim sendo, importando igualmente sopesar que a situação económico-social do requerente do diferimento da desocupação do arrendado, por mais premente que seja, não lhe pode conferir um direito, quase absoluto, a continuar a protelar a permanência na habitação em causa (apesar de não poder suportar a sua renda, consabido que é a sua situação de carência económica ter de ser resolvida através de outros mecanismos, nomeadamente na área da assistência social, sendo certo que os senhorios não podem considerar‐se como fazendo parte desse organismo), pelo que a justiça do caso passa por deferir de forma mitigada à sua pretensão, o que se traduzirá, então, em lhe conceder o prazo de 1 (um) mês para o efeito, em vez dos 4 (quatro) meses que havia requerido.
Decisão Texto Integral:


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Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Relator: Des. Luís Cravo
1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
2º Adjunto: Des. Carvalho Martins

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1 – RELATÓRIO
I(…) e A(…) instauraram no dia 15.05.2017 procedimento de despejo no Balcão Nacional de Arrendamento contra J (…) pedindo, entre outros, a entrega do locado sito na Rua do ..., n.º .., ... [mais concretamente, pertencente à união de freguesias de ... e ... e concelho da ..., inscrito na matriz predial urbana daquela união de freguesias, do distrito de Coimbra, sob o artigo n.º ...].
Sustentaram, para o efeito que ora releva, que o Requerido foi judicialmente notificado no dia 10/03/2017 da resolução do contrato de arrendamento [a qual operou efeitos a partir do dia 11/04/2016], decorrente de tendo em 04 de Maio de 2016 eles Requerentes celebrado um contrato de arrendamento com o Requerido, pelo prazo de cinco anos, com início em 01 de Julho de 2016, mediante o pagamento da renda mensal no valor de € 450,00, sucedeu que o Requerido tem vindo, desde Agosto de 2016, a faltar com o pagamento das rendas, apenas tendo pago parcialmente, em Outubro, a renda relativa a Agosto (pelo valor de € 250,00) e não tendo pago integralmente as rendas relativas aos meses de Setembro de 2016 a Maio de 2017, perfazendo o montante de € 4.250,00 em dívida, a que acrescem juros moratórios.
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O Requerido veio deduzir no dia 10.08.2017 pedido de diferimento da desocupação do imóvel arrendado, por um período não inferior a 4 meses, nos termos do art. 15º, N, do NRAU alegando, em síntese, residir no imóvel com a sua irmã – (…) no prédio urbano propriedade dos senhorios, não dispondo no imediato de outra habitação. A acrescer, a irmã do Requerido é doente do foro oncológico e aquele encontra-se desempregado, estando inscrito no Centro de Emprego desde 16.8.2013, e é beneficiário do Rendimento Social de Inserção no valor de € 312,53.
Os Requerentes deduziram oposição alegando, em síntese, não estarem verificados os pressupostos para o deferimento da desocupação do locado dado que, já à data da celebração do contrato de arrendamento, o Requerido se encontrava desempregado, pelo que nenhuma alteração houve que justifique a adoção desta medida excecional, tanto mais que o Requerido não liquidou qualquer renda desde Maio de 2017 (data da entrada do dito requerimento de despejo) até ao presente, acrescendo que os Demandados promoveram a notificação judicial avulsa, requerendo que a mesma fosse efectuada por oficial de justiça, em 25/11/2016, sendo que o Requerido retardou culposamente a sua efetivação durante meses [apenas se logrou concretizá-la em 10/03/2017], do que tudo resultou ascender a dívida do mesmo presentemente ao valor global de € 7.578,13, tornando-se evidente que “os Demandantes têm sofrido um prejuízo elevadíssimo, por conta da conduta do Demandante Queria-se seguramente dizer “Demandado”…, bem como lucros cessantes, porquanto se encontram impedidos de celebrar novo contrato de arrendamento com pessoa idónea que cumpra as suas obrigações contratuais”.
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Designado dia para a inquirição das testemunhas, não foi produzida prova.
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De seguida, e com data de 10.10.2017, foi proferida sentença, com o seguinte teor no que à fundamentação propriamente dita e decisão final diz respeito:
«(…)
Dispõe o artigo 15.º-N, do nRAU sob a epígrafe “Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação:
1 - No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo para a oposição ao procedimento especial de despejo, o arrendatário pode requerer ao juiz do tribunal judicial da situação do locado o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.
2 - O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos:
a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;
b) Que o arrendatário tem deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct..
3 - No caso de diferimento decidido com base na alínea a) do número anterior, cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste.”
Ora, este mecanismo encontra-se intrinsecamente ligado aos imóveis arrendados, sendo um dos seus pressupostos a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas. E accionado o Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, é a este que cabe pagar as rendas ao senhorio.
No caso, a única prova que foi feita é documental e, através dela, podemos assentar que o requerido se encontra inscrito no Centro de Emprego desde 16.8.2013 e que recebe de RSI € 312,53 e que vive com a irmã.
Estes factos, apenas e só, não nos permitem concluir que o diferimento de desocupação se justifique por razões sociais imperiosas. Na verdade e tal como alegam os requerentes, o contrato de arrendamento foi celebrado em 4.5.2016, estando já o requerido na situação de desemprego pelo que atenta contra as regras da boa-fé negocial firmar um contrato quando, à data, já a situação económica de uma das partes era frágil.
Ademais, também não ficou demonstrado que o requerido não disponha de outra habitação, pelo que falecem, desde logo, as premissas iniciais, motivo pelo qual não se faz uso, sequer, da presunção judicial da carência de meios constante da al. a).
Por assim ser, indefiro o requerido pedido de diferimento de desocupação do locado.
Custas pelo requerido, sem prejuízo do AJ de que beneficia.
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Registe e notifique.»
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Inconformado com essa sentença de indeferimento do pedido de diferimento de desocupação do locado, apresentou o Requerido recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)
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Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído.
Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões são:
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto?;
- incorreto julgamento da decisão [Saber se se verificam os requisitos do diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação]?
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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1 – Os factos a ter em conta para a presente decisão são os que decorrem do relatório que antecede.
¨¨
3.2 – Decorre das alegações e conclusões apresentadas pelo Requerido/recorrente, que este pretende impugnar a matéria de facto.
Esta é efetivamente a primeira questão a que importa dar solução.
Acontece que figura concretamente sob o item “5.” das suas conclusões recursivas que “considera incorrectamente provados os seguintes factos, que se transcrevem” (a saber, «a) “…Na verdade e tal como alegam os requerentes, o contrato de arrendamento foi celebrado em 4.5.2016, estando já o requerido na situação de desemprego pelo que atenta contra as regras da boa fé negocial firmar um contrato, à data, já a situação económica de uma das partes era frágil.”;b) “Ademais, também não ficou demonstrado que o requerido não disponha de outra habitação.”») e, sob os itens “12.” [que «Deve ser considerado provado inexistir prova de factos que ponham em causa as exigências de boa fé por parte do arrendatário, ora recorrente»] e “13.” [que «Deve ser considerado provado que o recorrente não dispõe de outra habitação imediatamente»], respetivamente.
Como é bom de ver, sendo isto o que foi formulado quanto a este particular, não se pode considerar, no essencial, que tal configure uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto no quadro do previsto no art. 640º do n.C.P.Civil, mormente em função dos requisitos constantes dos nos 1 e 2 deste normativo, desde logo a enunciação de “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados”, ou a especificação da “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Isto, desde logo, porque na decisão recorrida não foram discriminados quais os concretos pontos de facto “provados” e “não provados”…
Quando nos parece que o deveria ter sido, tratando-se como se trata de um incidente processual em que tem lugar produção de prova e que é suscetível de recurso (cf. arts. 15º-S, nº1 e 15ºQ do NRAU Cf. Lei nº 6/2006 de 27.02, com as alterações e retificações de que foi alvo, designadamente a resultante do Lei nº 79/2014 de 19.12, que a republicou integralmente , 292º a 295º e 607º, estes últimos todos do n.C.P.Civil).
Acresce que, apenas relativamente ao que figura no item “13.” das conclusões das alegações recursivas, se pode considerar que está em causa um facto, pois que, no demais, se esgrime com conclusões de facto e conclusões de direito relativamente ao que consta da decisão recorrida!
De referir que, neste conspecto, deveria o Requerido/recorrente ter desde logo arguido a nulidade por falta de fundamentação da decisão [cfr. art. 615º, nº 1, al. b) do n.C.P.Civil], mas, não o tendo feito, encontra-se este Tribunal de recurso impedido de tal conhecer e decretar – por não se tratar de nulidade de conhecimento oficioso.
Sendo certo que também não se afigura viável conhecer e decidir sobre uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto “qua tale”, quando não se encontram discriminados quaisquer concretos pontos de facto (“provados” e “não provados”) na decisão sob recurso…
Assim sendo, será dentro do conceptualismo lógico-formal a que a decisão recorrida obedeceu e sob o qual se encontra estruturada, isto é, como uma decisão única em termos de facto e de direito, que esta questão recursiva será enquadrada, que o mesmo é dizer, remete-se para o que segue [incorreto julgamento da decisão] o enquadramento do suscitado sob este aspeto pelo Requerido/recorrente.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1– Cumpre então proceder à apreciação da questão supra enunciada, directamente reportada ao mérito da decisão – na vertente da fundamentação de facto e de direito (tal como vindo de enunciar).
Que dizer?
Consabidamente, estamos perante um incidente para diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, previsto no art. 15º-N do já citado NRAU, que dispõe o seguinte:
«Artigo 15.º-N
Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação
1 - No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo para a oposição ao procedimento especial de despejo, o arrendatário pode requerer ao juiz do tribunal judicial da situação do locado o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.
2 - O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos:
a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;
b) Que o arrendatário tem deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 %.
3 - No caso de diferimento decidido com base na alínea a) do número anterior, cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste.»
Ora, como já foi doutamente sustentado a este respeito, «Para que a pretensão do arrendatário venha a ser procedente não lhe basta invocar que se encontra em alguma das situações previstas nas alíneas a) ou b) do n.º2. Será também necessário invocar e demonstrar as concretas circunstâncias a que o juiz deverá atender para conceder o diferimento da desocupação, ou seja, o facto de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam o local arrendado, a sua idade, o seu estado de saúde e a sua situação económica e social (…)”. Assim por MARIA OLINDA GARCIA in “Arrendamento Urbano - Regime Substantivo e Processual”, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, a págs. 37-38.
Ademais, tem-se entendido o seguinte:
«Estão em causa critérios com forte componente de discricionariedade, suportados por motivos de oportunidade e conveniência, em que o Tribunal se baseia para decidir, de forma homóloga à jurisdição voluntária.
E terão de ser demonstrados a boa-fé, aqui psicológica, que não, apenas jurídica, do arrendatário e, em sede de factos – que, nos termos do artigo 342.º n.º 1 do Código Civil lhe cumpre alegar e provar – o não dispor de outra habitação, em termos imediatos e, ainda, para aferir da premente necessidade de permanência no locado:
- o número de pessoas que consigo habitam (por também terem, eventualmente, de ser realojadas);
- a idade do arrendatário (critério sempre presente até no revogado artigo 107.º n.º 1, alínea a) do RAU e 36.º n.º 1 do NRAU); e
- o estado de saúde, (que muitas vezes pode condicionar, ou dificultar, a imediata mudança de residência).
Exige-se ainda que, se a resolução tiver por causa o não pagamento das rendas, essa falta se deva à carência de meios, que pode ser legalmente presumida, e que o arrendatário seja portador de uma incapacidade superior a 60%.
» Citámos agora o acórdão do T. Rel. de Lisboa de 17/03/2016, no proc. nº 2090/15.2YLPRT.L1-6, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
Apreciando.
O que é que nos dizem então as “exigências da boa-fé” relativamente a esta pretensão de diferimento da desocupação do locado apresentada pelo Requerido/recorrente?
Recorde-se que na decisão recorrida, a este propósito, se entendeu essencialmente que o «(…) o contrato de arrendamento foi celebrado em 4.5.2016, estando já o requerido na situação de desemprego pelo que atenta contra as regras da boa-fé negocial firmar um contrato quando, à data, já a situação económica de uma das partes era frágil».
Desde já se adianta que, salvo o devido respeito, os dados de facto dos autos não permitem insofismavelmente uma tal asserção.
Desde logo, porque não se encontra apurada a concreta e material situação económico-financeira do dito, a qual seguramente não pode ser definida apenas pelo demonstrado facto de o mesmo se encontrar desempregado à data da celebração do contrato!
Isto tanto mais que igualmente fazia parte do agregado familiar do mesmo uma irmã, relativamente à qual se desconhecem de todo as respectivas condições económico-financeiras…
Acresce que nos parece que as ditas “exigências da boa-fé” não podem apenas ser aferidas sob esse ponto de vista, e muito menos apenas reportado à data da celebração do contrato!
Na verdade, quanto a nós importa relevante e decisivamente aferir o quadro sócio-económico do Requerido/recorrente à data em que se coloca a questão do diferimento da desocupação do locado, isto na medida em que o arrendatário só pode invocar “razões sociais imperiosas” existentes nessa data Neste sentido cf. o acórdão do T. Rel. do Porto de 13.07.2000, no proc. nº 0030558, com sumário disponível em www.dgsi.pt/jtrp., nomeadamente, a circunstância de não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que com ele habitam, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas (cf. 1ª parte do nº2 deste art. 15º-N do NRAU).
O que é que as “exigências da boa-fé” nos dizem então a esse respeito e para esse efeito?
Com efeito, «No domínio de aplicação do art. 930.º-C do anterior CPC constituía factor específico do diferimento da desocupação o facto de “a desocupação imediata do local causar ao executado um prejuízo muito superior à vantagem conferida ao exequente” (al. a do seu n.º2). Embora o actual n.º2 do art. 15.º-N, se lhe não refira expressamente, e, por isso, haja quem entenda que o factor em apreço deixou de relevar, não é esse o nosso entendimento, porquanto o preceito em apreço impõe ao Juiz o dever de “ter em consideração as exigências da boa fé”, ou seja, diz por outras palavras e de uma forma mais sintética o mesmo que prescrevia o anterior CPC». Como referido por ABÍLIO NETO, in “Despejo de Prédios Urbanos”, 1ª edição-Abril 2016, Ediforum, Lisboa, a págs. 146.
Ora, para aquilatar a situação vertente a esta luz, entroncam precisamente as razões de discordância apresentadas pelo Requerido/recorrente em termos de matéria de facto, pelo que é tempo de sobre tal tomar decisão.
Recorde-se que o Requerido/recorrente, para fundamentar o seu pedido, alegou oportunamente o seguinte:
a) que residia no arrendado com a sua irmã, (…) a qual é doente do foro oncológico;
b) que não dispunha de imediato de outra habitação que lhe permitisse desocupar o prédio em questão nos autos;
c) que ele era desempregado inscrito no Centro de Emprego da ..., auferindo prestação mensal de rendimento social de inserção no valor de € 312,53€.
Para além disso, temos ainda que o mesmo Requerido/recorrente apresentou Declaração do Centro de Emprego da ..., a comprovar a sua inscrição como candidato à procura de novo emprego desde 16/08/2013 e Declaração emitida pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social a comprovar em como ele aufere rendimento social de inserção e faz parte do seu agregado familiar a sua irmã, a dita (…)
Sucede que o Requeridos, ora recorridos, deduziram oposição alegando, essencialmente que à data da celebração do contrato de arrendamento o Requerido já se encontrava desempregado, inexistindo alteração que justifique o requerido diferimento da desocupação do locado.
Dito de outra forma: no essencial, não impugnaram nenhum dos dados de facto alegados pelo Requerido/recorrente para fundamentar o pedido de diferimento da desocupação do arrendado.
Ora se assim é, têm que se considerar os mesmos como provados, à luz do disposto, em geral, no art. 574º, nº2 do n.C.P.Civil, mormente a circunstância do Requerido/recorrente não dispor imediatamente de outra habitação, viver com a sua irmã, doente do foro oncológico, acrescendo que igualmente se encontra provado (presunção não ilidida) o requisito “complementar” do nº2, al.a) do art. 15º-N em referência, a saber, que a falta de pagamento de rendas (que motivou a resolução do contrato) se ficou a dever a carência de meios dele Requerido/recorrente (por ser beneficiário comprovado do subsídio de desemprego), enquanto requerente do diferimento da desocupação do arrendado.
Contudo, e em contraponto, temos igualmente que o Requerido já foi judicialmente notificado no dia 10/03/2017 da resolução do contrato de arrendamento, e que os Requerentes continuam a esta data, decorrido que vai mais de 1 (um) ano sem retomar a posse do arrendado e sem receber qualquer renda em contrapartida, acrescendo, igualmente, que todos os dados conhecidos apontam no sentido de que lhe será muito difícil receber (nomeadamente em via executiva) o que quer que seja do valor em dívida por parte do Requerido ora recorrente (a esta data necessariamente superior a € 7.578,13).
Não pode, assim deixar de se reconhecer razão ao sustentado pelos Requerentes na sua Oposição à pretensão do Requerido, a saber, que “os Demandantes têm sofrido um prejuízo elevadíssimo, por conta da conduta do Demandante Queria-se seguramente dizer “Demandado”…, bem como lucros cessantes, porquanto se encontram impedidos de celebrar novo contrato de arrendamento com pessoa idónea que cumpra as suas obrigações contratuais”.
Isto independentemente do eventual diferimento da desocupação do locado não onerar diretamente os senhorios ora recorridos (cf. nº3 do art. 15º-N em referência)…
Atente-se que a situação económico-social do Requerido/recorrente, por mais premente que seja, não lhe pode conferir um direito, quase absoluto, a continuar a protelar a permanência na habitação em causa, apesar de não poder suportar a sua renda, consabido que é, como já foi aduzido num caso com paralelismo, que “a situação de carência económica dos executados tem de ser resolvida através de outros mecanismos, nomeadamente na área da assistência social, sendo certo que os senhorios não podem considerarse como fazendo parte desse organismo”. Cf., neste sentido, o acórdão do T. Rel. de Lisboa de 30042013, no proc. nº 875/12.0TBSKL-A.L1-7, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
O que tudo serve para dizer que não estando o Tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita na decisão a proferir nesta matéria – antes devendo adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna – in casu, tal passa por conferir um prazo muito menos dilatado para a desocupação do locado, do que o pretendido pelo Requerido.
Na verdade, este requereu um prazo de 4 meses, mas não estabelecendo a lei qualquer limite (nem máximo nem mínimo) neste particular, cremos que a justiça do caso passa por deferir de forma mitigada à sua pretensão, o que se traduzirá, então, em lhe conceder o prazo de 1 (um) mês para o efeito.
Nestes termos, mais limitados, procedendo o recurso e sendo revogada a decisão recorrida em conformidade.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA
I – No incidente de diferimento de desocupação de local arrendado destinado à habitação, ao abrigo do artigo 15º-N do NRAU, cumpre ao requerente alegar e provar não dispor de outra habitação, em termos imediatos e, a premente necessidade de permanência no locado dado o número de pessoas que consigo habitam (por também terem, eventualmente, de ser realojadas); a sua idade e o estado de saúde, (que muitas vezes pode condicionar, ou dificultar, a imediata mudança de residência).
II – Mas se os requeridos/demandados em tal incidente não impugnam/contestam a factualidade que tenha sido alegada para esse efeito (sustentando, essencialmente, que à data da celebração do contrato de arrendamento o requerente já se encontrava desempregado, inexistindo alteração que justifique o requerido diferimento da desocupação do locado, tanto mais que têm sofrido um prejuízo elevadíssimo, a essa data já de € 7.578,13, porquanto se encontram impedidos de celebrar novo contrato de arrendamento com pessoa idónea que cumpra as suas obrigações contratuais, apesar de já haverem resolvido o contrato com o requerente há longos meses), tem que se considerar aquela factualidade como provada, à luz do disposto, em geral, no art. 574º, nº2 do n.C.P.Civil.
III – Contudo, o correspondente julgamento tem forte componente discricionária e filosofia próxima de critérios de oportunidade e conveniência homólogos aos da jurisdição voluntária.
IV – Assim sendo, importando igualmente sopesar que a situação económico-social do requerente do diferimento da desocupação do arrendado, por mais premente que seja, não lhe pode conferir um direito, quase absoluto, a continuar a protelar a permanência na habitação em causa (apesar de não poder suportar a sua renda, consabido que é a sua situação de carência económica ter de ser resolvida através de outros mecanismos, nomeadamente na área da assistência social, sendo certo que os senhorios não podem considerarse como fazendo parte desse organismo), pelo que a justiça do caso passa por deferir de forma mitigada à sua pretensão, o que se traduzirá, então, em lhe conceder o prazo de 1 (um) mês para o efeito, em vez dos 4 (quatro) meses que havia requerido.
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6 – DISPOSITIVO
Pelo exposto, decide-se a final, jugar parcialmente procedente o recurso interposto, em consequência do que se revoga a decisão recorrida e, em sua substituição, se defere o diferimento da desocupação do locado formulado pelo Recorrente (…), nos termos do artigo 15º-N, do NRAU, pelo prazo de 1 (um ) mês.
Custas do recurso pelo Recorrente e Recorridos, na proporção de ½ para cada parte, sem prejuízo do benefício do apoio Judiciário de que o primeiro beneficia.
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Coimbra, 8 de Maio de 2018

Luís Filipe Cravo ( Relator )
Fernando Monteiro
António Carvalho Martins