Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
95/10.9 PCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: DECISÃO SUMÁRIA
INADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 06/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO CRIMINAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 417º NºS 6 E 8 E 414º Nº 2 CPP
Sumário: 1.- É inadmissível recurso da decisão sumária proferida pelo Desembargador Relator ao abrigo do artº 417º nº 6 CPP.

2.- De tal decisão cabe reclamação para a conferência, sendo apenas recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão que aprecie essa reclamação.

Decisão Texto Integral: 1. Notificado que foi da decisão sumária proferida nos autos, nos termos constantes de fls. 185 e segs., visando lograr obter a sua impugnação, veio o arguido interpor recurso dirigindo o respectivo requerimento para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 195 e segs.).

Malogradamente o faz, porém.

Com efeito, nos termos do art.º 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, “Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.ºs 6 e 7.” (itálico nosso) 

Hipótese prevista no n.º 6 do inciso em causa, a de o recurso dever ser rejeitado, quando for manifesta a sua improcedência.

Ora, foi exactamente esta a previsão a coberto da qual foi proferida a decisão que o arguido pretende controverter[1], relembra-se.

Vale então por dizer da inadmissibilidade legal do recurso interposto, o qual deve também e agora ser rejeitado (art.º 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).


*

2. Solução esta que já mereceu inclusive ponderação do Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 188/2011, publicado no Diário da República, II.ª Série, n.º 98, de 20 de Maio pretérito, chamado a pronunciar-se sobre a alegada desconformidade com a lei fundamental do mencionado art.º 417.º, seus n.ºs 6 e 8, quando interpretada no sentido de que proferida decisão sumária pelo Desembargador Relator, em recurso interposto para o Tribunal da Relação, apenas é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão que aprecie a reclamação para a conferência daquela decisão.

Escreveu-se aí, com relevo:

“ (…)

Dispõem estes preceitos o seguinte, relativamente à tramitação dos recursos, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto:

“…

6 - Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que:

a) Alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso;

b) O recurso dever ser rejeitado;

c) Existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso; ou

d) A questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado.

8 - Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.ºs 6 e 7.

…”.

A possibilidade do relator a quem um recurso foi distribuído proferir decisão sumária nos casos enunciados no n.º 6 do artigo 417.º do CPP, nomeadamente quando o recurso deva ser rejeitado, foi introduzida no processo penal pela reforma operada pelo Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, adoptando-se uma solução que já vigorava nos recursos em matéria civil, desde as alterações efectuadas pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e que também já existia no recurso de constitucionalidade (artigo 78.º - A, da LTC).

Com a atribuição desta competência ao juiz relator visou-se a racionalização do funcionamento dos tribunais superiores, promovendo-se uma maior intervenção dos juízes que os compõem, a título singular.

Mas, sendo os tribunais de recurso, por natureza, tribunais colectivos, apesar de se admitir que o relator possa, sozinho, rejeitar o recurso, nos casos em que alguma das partes não se conforme com essa decisão sumária, tal como sucede com os demais despachos por ele proferidos no uso das competências que lhe são atribuídas por lei, deve provocar a intervenção da conferência.

Esta é composta pelo presidente da secção, pelo relator e um juiz-adjunto (artigo 419.º, n.º 1, do CPP), intervindo apenas o primeiro para dirigir a discussão e votar quando não for possível obter maioria (artigo 419.º, n.º 2, do CPP).

A decisão recorrida interpretou o disposto nos transcritos n.ºs 6 e 8, do artigo 417.º, do CPP, como não admitindo o recurso directo para o Supremo Tribunal da Justiça da decisão sumária do Desembargador Relator que rejeite o recurso, obrigando, assim, à prévia dedução de reclamação para a conferência, sendo apenas o acórdão proferido por esta formação do Tribunal da Relação que poderá ser impugnado perante o Supremo Tribunal de Justiça.

O Recorrente alega que esta solução viola o disposto nos artigos 32.º, n.º 1; 12.º, nº 1; 2.º, 2.ª parte; 13.º, n.º 1; e 18.º, n.ºs 5, 1, 2 e 3, da Constituição, argumentando que ela põe em causa o direito ao recurso do arguido e o princípio da igualdade.

Em primeiro lugar, cumpre lembrar, conforme o Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente, que o direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, não exige a intervenção de duas instâncias de recurso, nem o acesso ilimitado ao Supremo Tribunal de Justiça.

Contudo, quando o legislador ordinário prevê essa possibilidade, o direito das partes a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição) não permite que o acesso ao Supremo Tribunal possa estar sujeito a condições arbitrárias e sem fundamento razoável ou que violem o princípio da igualdade entre os sujeitos processuais.

A interpretação perfilhada pela decisão recorrida, que é unânime na doutrina e na jurisprudência, no âmbito do sistema de recursos, foi desde há muito explicada por Alberto dos Reis (em Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 421, ed. de 1952, da Coimbra Editora), relativamente aos despachos do relator de preparação do processo para julgamento, do seguinte modo:

“Pode suceder que o relator, no exercício da sua função de preparação do processo, profira despachos com os quais se não conforme alguma das partes; verificada tal hipótese, o que pode fazer a parte discordante:

Pode, em princípio, reagir contra o despacho, requerendo que o relator leve o processo à conferência, a fim de que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.

Compreende-se perfeitamente este mecanismo. Como já dissemos a Relação é, por índole, um tribunal colectivo; qualquer decisão demanda a intervenção de 3 juízes e o mínimo de dois votos conformes. Por isso se o relator lavrou despacho que a parte reputa ilegal, se algum dos litigantes se considera prejudicado por determinado despacho do relator e quer impugná-lo, não pode interpor recurso para o Supremo directamente do despacho, tem que provocar primeiro acórdão da Relação; deste acórdão, caso lhe seja desfavorável é que pode recorrer para o Supremo”.

Pretende-se, pois, impedir o acesso das partes ao Supremo Tribunal de Justiça, sem primeiro existir uma pronúncia definitiva do Tribunal da Relação, a qual só ocorre quando este decide com a sua composição colegial. A ideia geral desta solução é a de impedir, nestas situações, um recurso para o tribunal superior quando ainda não se encontram esgotados todos os níveis de decisão do Tribunal da Relação, condicionando, assim, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, à exaustão dos meios de impugnação previstos na instância imediatamente inferior.

A norma sindicada visa, pois, racionalizar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, impedindo que o mesmo seja chamado a pronunciar-se sobre uma determinada questão antes do tribunal hierarquicamente inferior ter proferido uma decisão definitiva sobre ela.

É um objectivo perfeitamente legítimo e razoável, inserido na lógica e razão de ser dos recursos, que confere uma justificação bastante à norma sob fiscalização. 

Por outro lado, não se vê como esta interpretação normativa possa infringir o princípio da igualdade, uma vez que ela se aplica de igual modo a qualquer sujeito processual interveniente em recurso onde tenha sido proferida uma decisão sumária.

Não se vislumbrando que a interpretação normativa questionada viole qualquer parâmetro constitucional, deve o recurso interposto ser julgado improcedente.

(…).”


*

3. Ademais confortados pela interpretação citada, por inadmissibilidade legal, não admitimos pois o recurso ora interposto.

Uma vez que deu azo a incidente anómalo, condena-se o arguido no pagamento de 1 UC de taxa de justiça (art.º 16.º, n.º 1, do C.C.J.).

Notifique.

Brízida Martins


[1] Epigrafámos, então, com efeito: Decisão sumária, Proferida atento ao estatuído pelos artigos 414.º, n.º 2; 417.º, n.º 6, alínea b) e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal.