Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/09.0TBPPS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
FUNDAMENTOS
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – LOUSÃ – JUÍZO COMP. GENÉRICA – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 696º, ALS. B) E C) DO NCPC.
Sumário: I – A al. c) do artº 696º do nCPC dispõe que ‘a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida’.

II - A citada al. c) integra um fundamento de revisão traduzido no relevo de documento que a parte desconhecia ou de que não pôde fazer uso e que se revele crucial para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente. Também aqui importa notar que o acesso ao recurso de revisão apenas pode ser permitido nos casos em que não tenha sido objectiva ou subjectivamente possível à parte apresentar o documento a tempo de interferir no resultado declarado na decisão revidenda, o que convoca, além do mais, a possibilidade conferida pelo artº 662º, nº1, de junção de documentos supervenientes em sede de recurso de apelação.

III - Mas surge uma dúvida. Suponhamos que a parte não teve notícia da existência do documento por incúria sua, porque não procedeu às diligências naturalmente indicadas para descobrir o documento. Quando isso suceda, deve concluir-se que a parte não tem direito à revisão; se não teve conhecimento do documento foi porque não quis tê-lo; é-lhe imputável, portanto, o não uso do documento. Na base deste dispositivo está este pensamento: a revisão só é admissível quando não possa imputar-se à parte vencida a falta de produção do documento no processo em que sucumbiu.

IV - Não preenche o fundamento do recurso de revisão da al. c) a apresentação de documentos com relevância para a causa, mas que apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos, ou a produzir em juízo, poderiam modificar a decisão transitada em julgado.

V - Na al. b) prevêem-se fundamentos ligados à falsidade dos meios de prova em geral, exigindo-se que a matéria não tenha sido objecto de discussão no próprio processo e, além disso, que a sua valoração tenha sido causal da decisão a rever. No que concerne aos documentos, a impugnação da sua genuidade ou da sua força probatória está prevista nos artºs 444º e 446º, de modo que, conhecendo os vícios, a parte contra quem os documentos são apresentados tem o ónus de suscitar tais incidentes, sob pena de preclusão.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I

Na Comarca de Coimbra - Lousã - Inst. Local - Sec. Comp. Gen. - J2, a Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J... e E..., representada pelos seus sucessores e co-autores, M... e marido F..., interpôs recurso de revisão da sentença proferida nos autos e transitada em julgado, invocando o art.º 696.º, als. c) e b), do Código de Processo Civil, pugnando pela revogação da sentença proferida nos autos, declarando-se que a documentação agora junta pelos Recorrentes prova que a propriedade reivindicada não é baldia, como foi pressuposto no julgamento de improcedência da ação, como demonstrado ficou que os mapas juntos pelos réus são falsos, pelo que toda a prova que neles se fundou não pode ser valorada, demonstrado ainda que a propriedade continuou privada desde o seu desaforamento até à aquisição pelo pai da co-autora, que estes herdaram por sua morte e, se assim se não entender, que seja repetido o julgamento a fim de, face aos elementos colhidos na documentação agora apresentada, ser feita a prova dos factos que autores e réus alegaram na ação revidenda.

Alegaram, em suma:

- quanto à citada al. c), que a sentença transitou em julgado, confirmada que foi pelo acórdão da Relação de Coimbra proferido em 17.06.2014, tendo nessa sequência M... e marido F... recorrido ao Arquivo da Universidade de Coimbra em busca de documentação que demonstrasse que a propriedade em litígio nos presentes autos era particular privada e não baldia, tendo encontrado, nessa pesquisa, os documentos juntos sob os n.ºs 1 e 2 - Emprazamento a M ... e Emprazamento a M... ... -, dos quais tomaram conhecimento em 16 de Setembro de 2014 e com base nos quais consideram ser possível delimitar os limites do emprazamento e a transmissão da propriedade reivindicada nesta ação, desde que foi estabelecido o prazo (foro) pelo Collegio da Sapiência até chegar às mãos do pai de M... e de M..., mediante recurso aos documentos juntos sob os n.ºs 3 a 8 e 10 e ao mapa do documento n.º 9, que foram obtidos na sequência dos anteriormente referidos, propondo-se assim demonstrar que o prédio reivindicado, e que tem o antigo artigo matricial ..., fazia parte de um Prazo, propriedade do Colégio da Sapiência dos Cónegos Regrantes do Mosteiro de Santo Agostinho da cidade de Coimbra, que é uma propriedade de maior dimensão e inclui a propriedade reivindicada que na matriz de 1951 era o artigo ..., propriedade essa que após o desaforamento esteve na posse de uma só família, a qual em 1951 a vendeu aos pais de M... e de M..., tendo a área de 86 hectares na inscrição matricial em 1951 e sendo as confrontações da escritura e da matriz concordantes e não divergentes, em função do que se conclui estarmos perante uma propriedade privada particular e não propriedade baldia, como foi pressuposto na decisão revidenda;

- quanto à citada al. b), que os mapas que foram juntos pelos réus na ação pretérita e que disseram ter obtido junto do Município são falsos porque são diferentes dos originais existentes no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., nas cores e numeração, tendo havido alteração das cores e tendo sido suprimida a numeração, com pequenos números a vermelho, que se alega corresponder à toponímia das áreas baldias do Perímetro Florestal de 1954, remetendo-se para o documento n.º 9, que se junta, mapas esses em que assentou a convicção do tribunal para concluir pelo carácter baldio da propriedade reivindicada pela autora.


II

O recurso de revisão foi admitido na 1ª instância, por não se afigurar existir fundamento para indeferir ab initio o requerimento do mesmo – fls. 155.

Notificados os demandados, vieram ‘P..., L.da’, ‘Município de ...’ e ‘Freguesia de ...’ responder, pugnando pelo indeferimento do recurso de revisão, por não estar preenchido nenhum dos requisitos legais elencados pela recorrente para o dito efeito. 

III


Realizou-se uma audiência prévia, os autos foram saneados e aí foram identificados o objecto do litígio e os temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento.

            Posto que foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso de revisão e manteve nos seus precisos termos a sentença colocada em crise pelo presente recurso – fls. 211 e segs.


IV

            Dessa sentença interpôs recurso a Herança Requerente, em cujas alegações formula as seguintes conclusões: 

...


V

            Contra-alegaram as Requeridas, onde também formulam as seguintes conclusões:

...


VII

            O recurso interposto pelos Requerentes foi admitido em 1ª instância, como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo como tal sido aceite nesta Relação.

            Nada obsta a que se conheça do seu objecto, sendo que este se traduz na reapreciação da sentença recorrida, designadamente da questão de se saber se existe ou não fundamento para a revisão pretendida, por decorrência e aplicação dos requisitos das als. b) e c) do artº 696º do nCPC. 

            Analisando essa dita sentença, dela resulta que os factos aí dados como provados assentaram na globalidade da prova produzida, quer documental, quer testemunhal, ... – fls. 1171 a 1183 da ação declarativa.

            Aí se diz, como fundamentação da dita decisão de facto: ‘Concretizando, dir-se-á que atentando na prova produzida nos autos lograram os réus carrear aos mesmos elementos probatórios que confirmam de forma consistente, fundamentada e credível a versão por estes apresentada quanto ao uso e natureza do prédio onde foram instaladas as estruturas eólicas em causa nos autos, não só através da documentação junta aos autos como também da prova testemunhal produzida, a qual não se mostrou infirmada por qualquer elemento de prova suficiente e consistente que fosse susceptível de a abalar’.

            Segue-se uma apreciação dos muitos depoimentos testemunhais produzidos e suas razões de ciência, bem como de vários documentos juntos aos autos, para se concluir que é na conjugação e valoração de todos os ditos elementos probatórios que foram considerados como provados e não provados os factos assim tidos.

            Na dita sentença – fls. 1191 e segs.- e sob o aspecto jurídico da causa, escreveu-se: ‘Nos termos do artº 1287º do C. Civil, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua aquisição. A posse traduz-se no exercício de poderes de facto sobre a coisa com intenção de exercer o direito real correspondente em nome e interesse próprios (artºs 1251º e 1253º do CC), envolvendo, assim, um elemento empirico e um elemento psicológico (o corpus e o animus). A situação possessória, para efeitos de usucapião, deve revestir carácter público e pacífico, sem o que não se contam os prazos para que se verifique esta forma de aquisição originária (artºs 1297º e 1300º, nº 1, do CC). A posse boa para usucapião deve, pois, ser exercida de modo a ser conhecida pelos interessados (artº 1262º CC) e se adquirida sem violência (artº 1261º CC). Impõe-se o decurso de determinado lapso de tempo que varia consoante a natureza coisa de cuja aquisição se trate e de acordo com as características da posse que lhe estejam na base. Os requisitos apontados para a aquisição por usucapião relativamente ao terreno em causa ficaram indemonstrados pela Autora. Assim sendo, recaindo sobre esta o ómus probandi, a ação não poderá deixar de improceder.

Como os Réus lograram demonstrar a versão por estes apresentada quanto ao uso e natureza do prédio onde foram instaladas as estruturas eólicas em causa nos autos e a autora alegava o contrário, ...

Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo os RR do pedido’.

            No acórdão desta Relação proferido na sequência de recurso de apelação dessa sentença, escreveu-se no seu sumário (fls. 1937): ‘Invocando a A. a aquisição derivada e a aquisição originária (usucapião) da propriedade sobre determinada parcela de terreno, deverá demonstrar os factos correspondentes, designadamente que manteve a sua disponibilidade fáctica ou empírica (com os demais requisitos conducentes à invocada aquisição), improcedendo aquela pretensão se ficar demonstrado que se trata de um terreno comunitário (baldio) que, na falta de compartes, tem vindo a ser administrado pela respectiva Junta de Freguesia’.

            E no seu desenvolvimento foi apreciada a então impugnação da decisão sobre matéria de facto, sem resultados, designadamente à luz dos depoimentos testemunhais que aí se analisam, concluindo-se pela improcedência dessa impugnação.

            E uma vez mantida essa decisão, impôs-se a conclusão recursória de confirmação da sentença recorrida, aí se escrevendo: ‘Mantida a decisão de facto, nada se poderá objectar à improcedência da acção decidida em 1ª instância, pela simples razão de que a Autora não logrou demonstrar quer a aquisição derivada (em virtude do mencionado contrato de compra e venda de 1951), quer a aquisição originária (por usucapião) do trato de terreno em causa, desde logo por indemonstrados quaisquer actos dos AA. e antecessores evidenciando o exercício de poderes de facto ou empíricos sobre o terreno em apreço e corporizando a sua disponibilidade física ou empírica (eventualmente conducente, e subjacente, à usucapião)’.

            Este resumo de actos processuais ocorridos na ação declarativa tem a ver com os fundamentos do presente recurso de revisão, a começar pela al. c) do artº 696º do nCPC, pois é essa também a ordem de exposição na petição deste processado, segundo a qual ‘a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida’.

            Comentando esta disposição, diz o Cons. António Santos Abrantes Geraldes in ‘Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pg. 406: A al. c) integra um outro fundamento de revisão agora traduzido no relevo de documento que a parte desconhecia ou de que não pôde fazer uso e que se revele crucial para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente. Também aqui importa notar que o acesso ao recurso de revisão apenas pode ser permitido nos casos em que não tenha sido objectiva ou subjectivamente possível à parte apresentar o documento a tempo de interferir no resultado declarado na decisão revidenda, o que convoca, além do mais, a possibilidade conferida pelo artº 662º, nº 1, de junção de documentos supervenientes em sede de recurso de apelação’.

            E aí também se cita, em nota, o ac. do STJ de 11/09/2007, segundo o qual não preenche o fundamento do recurso de revisão da al. c) a apresentação de documentos com relevância para a causa, mas que apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos, ou a produzir em juízo, poderiam modificar a decisão transitada em julgado.

            O Prof. José Lebre de Freitas, in ‘Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, pg.s 197 e seg.s’, embora a propósito do anterior artº 771º do CPC (que manteve a mesma redação no nCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06), também escreve: ‘Na alínea c) prevê-se a apresentação de documento anteriormente omitido, por a parte dele não ter tido conhecimento ou dele não ter podido fazer uso no processo, e que, por si só, seja susceptível de modificar a decisão revidenda em sentido mais favorável à parte vencida (documento superveniente essencial). O documento tem de fazer prova de um facto inconciliável com a decisão a rever (ac. STJ de 22/5/79, BMJ 287, p. 244).

            Por sua vez, o Prof. Alberto dos Reis in ‘Código de Processo Civil anotado, volume VI (Reimpressão), pgs. 335 e seg.s, escreve: ‘O recurso de revisão apresenta, à primeira vista, o aspecto duma aberração judicial: o aspecto de atentado contra a autoridade do caso julgado...’

‘O 2º requisito (do nº 3 do artº 771º) – de que a parte não dispusesse nem tivesse conhecimento – deve entender-se neste sentido: de que a parte não dispusesse nem tivesse conhecimento ao tempo em que esteve em curso o processo anterior. Quer dizer, é necessário que à parte vencida tivesse sido impossível fazer uso do documento no processo em que decaiu.

... Podem figurar-se três hipóteses: 1ª – O documento já existia, mas a parte não tinha conhecimento dele; 2ª – O documento já existia, a parte sabia da existência dele, mas não teve possibilidade de o obter; 3ª – O documento ainda não existia: formou-se posteriormente ao tempo do processo anterior.

Na 1ª hipótese é evidente que a revisão tem fundamento. Desde que a parte ignorava a existência do documento, é claro que não podia tê-lo produzido. O documento reveste a feição de documento superveniente.

Mas surge uma dúvida. Suponhamos que a parte não teve notícia da existência do documento por incúria sua, porque não procedeu às diligências naturalmente indicadas para descobrir o documento. Quando isso suceda, deve concluir-se que a parte não tem direito à revisão; se não teve conhecimento do documento foi porque não quis tê-lo; é-lhe imputável, portanto, o não uso do documento. Ora, na base do nº 3 está este pensamento: a revisão só é admissível quando não possa imputar-se à parte vencida a falta de produção do documento no processo em que sucumbiu.’.           

...

‘Consideremos o 3º requisito – que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a sentença se fundou...

O documento há-de ser tal, que por si só tenha a força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença; quer dizer, o documento deve impor um estado de facto diverso daquele em que a sentença assentou.’

            Feitas estas observações doutrinais e tendo presente que são os próprios requerente do presente recurso de revisão que alegam que ‘é inequívoco que os documentos juntos pelos Recorrentes, designadamente de 1 a 8, preenchem os requisitos de novidade para efeitos do artigo supra citado, já que como se extrai da discussão de prova em ambas as audiências (prévia e de julgamento), os mesmos foram obtidos na sequência de diligências de investigação realizadas pelos Recorrentes já após desfecho da acção principal em termos de discussão de prova e prolação de sentença’ – ponto 4 das alegações de recurso e ponto 2 da petição do recurso de revisão -, manifesto se torna que a dita não obtenção dos referidos documentos pelos Requerentes antes do desfecho da ação declarativa apenas a incúria e despreocupação dos mesmos se fica a dever, pois que dispuseram de tempo e das condições necessárias para a dita obtenção antes e no decurso da ação declarativa, exactamente como o fizeram após o seu desfecho.

            Logo, não têm os Requerentes direito à pretendida revisão de sentença, com base na al. c) do artº 696º do nCPC.

            Mas não só, dado que, conforme antes se deixou registado, quer a propósito da decisão de 1ª instância (agora objecto do recurso de revisão), quer a propósito do ac. desta Relação, no qual se escreveu no seu sumário (fls. 1937): ‘Invocando a A. a aquisição derivada e a aquisição originária (usucapião) da propriedade sobre determinada parcela de terreno, deverá demonstrar os factos correspondentes, designadamente que manteve a sua disponibilidade fáctica ou empírica (com os demais requisitos conducentes à invocada aquisição), improcedendo aquela pretensão se ficar demonstrado que se trata de um terreno comunitário (baldio) que, na falta de compartes, tem vindo a ser administrado pela respectiva Junta de Freguesia’, também é manifesto que o ou os documento(s) agora apresentados não têm a força de, por si só, alterarem ou porem em causa a decisão proferida e visada, que assentou em diversos e multiplos meios de prova, que não podem ser considerados como afectados apenas pela junção dos agora ‘novos’ documentos.

            Repetimos aqui o antes citado ac. do STJ de 11/09/2007, segundo o qual não preenche o fundamento do recurso de revisão da al. c) a apresentação de documentos com relevância para a causa, mas que apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos, ou a produzir em juízo, poderiam modificar a decisão transitada em julgado.

            Donde termos de concluir pela falta de razão dos Requerentes ao invocarem a al. c) do artº 696º do nCPC como fundamento do presente recurso de revisão.

            Passando ao fundamento da al. b) do mesmo dispositivo, também quanto a este aspecto escreve o Cons. Abrantes Geraldes, loc. cit., pag. 406: ‘Na al. b) prevêem-se fundamentos ligados à falsidade dos meios de prova em geral, exigindo-se que a matéria não tenha sido objecto de discussão no próprio processo e, além disso, que a sua valoração tenha sido causal da decisão a rever. No que concerne aos documentos, a impugnação da sua genuidade ou da sua força probatória está prevista nos artºs 444º e 446º, de modo que, conhecendo os vícios, a parte contra quem os documentos são apresentados tem o ónus de suscitar tais incidentes, sob pena de preclusão’.

            O Prof. José Lebre de Freitas, loc. cit., pg. 197, também escreve a este respeito: ‘Se a matéria de falsidade do acto, documento, depoimento ou declaração pericial tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever, não há fundamento de revisão. Se a parte teve conhecimento da falsidade durante o processo, devia ter suscitado a questão perante o tribunal, sob pena de preclusão, não sendo possível retomar a questão no recurso extraordinário de revisão’.

            O mesmo é referido pelo Prof. Alberto dos Reis, loc.cit., pg. 346.

            Ora, são os próprios Requerentes que também referem que ‘os réus apresentaram documentos falsos, cujos são os mapas que foram juntos, que os ... disseram ter obtido junto do Município. Falsos porque são diferentes dos originais existentes no ICNF – doc. 9. ... Estes mapas foram elemento de prova em que assentou a convicção que o tribunal fez no apuramento da matéria de facto e de depoimentos testemunhais que sobre eles assentou, para concluir pelo carácter baldio da propriedade reivindicada pelos autores’ – pontos 7 a 11 da petição de recurso de revisão.

            Logo, também até por aqui se tem de considerar como precludida tal questão, não sendo possível reatá-la ou voltar a discuti-la.

            Atente-se a que os Requeridos na sua resposta ao presente recurso de revisão até referem que ‘sobre a falsidade de um mapa, que os Réus terão juntado na instrução, deve esclarecer-se que essa questão foi amplamente debatida ao longo de várias sessões de julgamento; o problema das cores das áreas a florestar em terrenos baldios, terrenos particulares e baldios logradouros das povoações, ..., foi objecto de análise e apreciação pelo tribunal. Tal questão começou a debater-se logo na providência cautelar, continuando no processo principal’.

            O que também é confirmado pelos Requerentes do presente recurso de revisão, na sua petição inicial, conforme pontos 11, 40, 41, 42, 43, 44 e segs. de tal articulado.    

            Logo, também o argumento da al. b) do artº 696º do nCPC carece de fundamento para o presente recurso de revisão.      

            Donde estarmos de acordo com a sentença agora recorrida, na qual, além do mais, se escreve o seguinte:

...

‘Os fundamentos do recurso de revisão vêm taxativamente indicados no art.º 696.º do Código de Processo Civil.

No caso dos autos importa analisar o preceituado na al. c) desse artigo, onde se prevê que a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando se “apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.

Reportando-se à superveniência de documento como fundamento de revisão, escreve o autor citado: “Tanto é superveniente o documento que se formou ulteriormente ao trânsito em julgado da decisão revidenda, como o que já existia na pendência do processo em que essa decisão foi proferida sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo … O documento superveniente apenas fundamentará a revisão quando, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente. Se o documento, quando relacionado com os demais elementos probatórios produzidos em juízo, não tiver a força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença, não se vê razão para se abrir um recurso de revisão” (F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., pg. 377).

Assim, não basta para que a decisão recorrida seja objecto de revisão, qualquer documento. É necessário um documento decisivo, dotado em si mesmo de tal força que possa conduzir o juiz à persuasão de que só através dele a causa poderá ter solução diversa daquela que teve.

Descendo ao caso em análise, para demonstração da oportunidade do recurso alega-se que, face ao inconformismo com a decisão proferida, M... e F... recorreram ao Arquivo da Universidade de Coimbra em busca de documentação que demonstrasse que a propriedade em litígio nos presentes autos era particular privada e não baldia, tendo encontrado, nessa pesquisa, os documentos juntos sob os n.ºs 1 e 2, Emprazamento a M...... e Emprazamento a M... ..., dos quais tomaram conhecimento em 16 de Setembro de 2014 e com base nos quais consideram ser possível delimitar os limites do emprazamento e a transmissão da propriedade reivindicada nesta acção, desde que foi estabelecido o prazo (foro) pelo Collegio da Sapiência até chegar às mãos do pai de M... e M..., mediante recurso aos documentos juntos sob os n.ºs 3 a 8 e 10 e ao mapa do documento n.º 9, que foram obtidos na sequência dos anteriormente referidos, propondo-se assim demonstrar que o prédio reivindicado, e que tem o antigo número matricial ..., fazia parte de um Prazo, propriedade do Colégio da Sapiência dos Cónegos Regrantes do Mosteiro de Santo Agostinho da cidade de Coimbra, que é uma propriedade de maior dimensão e inclui a propriedade reivindicada que na matriz de 1951 era o artigo ..., propriedade essa que, após o desaforamento, esteve na posse de uma só família, a qual em 1951 a vendeu aos pais de M... e M..., tendo a área de 86 há na inscrição matricial em 1951 e sendo as confrontações da escritura e da matriz concordantes e não divergentes, em função do que se conclui estarmos perante uma propriedade privada particular e não propriedade baldia, como foi pressuposto na decisão revidenda.

Ora, à luz do que antes se disse quanto ao fundamento previsto na referida al. c) do art.º 696.º, os aludidos documentos juntos sob os n.ºs 1 e 2, não tendo sido considerados na decisão proferida, não podem servir de base para alteração da mesma.

Isto por duas ordens de razão.

A primeira diz respeito à oportunidade da obtenção dos documentos em que a recorrente apoia o pedido de revisão e a outra à insuficiência dos documentos para, por si só, modificarem a decisão.

Na acção onde foi proferida a decisão que se pretende que seja objecto de revisão peticionou-se que: a) se declare que a herança é a exclusiva proprietária e os legítima possuidora da totalidade do imóvel rústico descrito no artigo 2.º da petição, prédio rústico actualmente com a área de 70,763 hectares (ha), composto por pinhal e mato, sito na Barroca da ..., anteriormente inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e actualmente omisso; b) se condenem os réus a reconhecer a propriedade plena da herança Autora sobre aquele prédio, nos limites e com a constituição e configuração descrita em 2º, bem como a inexistência de título legítimo que sustente a manutenção da ocupação do terreno descrito em 2.º da petição inicial; c) se condenem os réus a entregar o referido prédio à herança autora identificado em 2.º livre e devoluto de pessoas e bens; d) se condenem os réus a demolirem todas as obras e construções que nele executaram e implantaram, repondo o imóvel no seu estado primitivo e anterior às obras ilícitas; e) se condenem os réus s absterem-se de praticar quaisquer actos de posse sobre a totalidade do imóvel mencionado.

Os réus Município e Junta de Freguesia da ... e ‘P..., L.da’, contestaram, alegando, em suma, que não assiste à autora qualquer direito sobre o terreno que alega possuir no sítio denominado Barroca da ..., que sempre esteve inserido nos Baldios de D..., pertencentes às comunidades locais, que têm usado e fruído em comum os ditos terrenos há mais de 50, 60 e 70 anos, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, conscientes de exercerem um direito próprio e comunitário e de não lesarem outrém.

Por sentença proferida em 17.07.2013 a ação foi julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, os réus foram absolvidos do pedido, mais tendo condenado a autora como litigante de má fé.

A autora interpôs recurso, tendo sido proferido, em 17.06.2014, acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogou parcialmente a sentença proferida, na parte em que condenou a autora como litigante de má fé, mantendo no mais o decidido.

Ora, os ditos documentos foram obtidos em 16.09.2014. Por conseguinte, pouco tempo após o trânsito em julgado da decisão em questão, não tendo a recorrente alegado, como se impunha, que a obtenção dos mesmos não foi possível em momento anterior e de modo a poderem ser atendidos na decisão proferida. É que, estando ao alcance a respectiva obtenção, estranha-se que só posteriormente se tenha diligenciado nesse sentido, perante os fundamentos da acção e tudo o que nela se discutia e estava em causa, levando-nos a concluir que, desde a instauração da acção, em Abril de 2009, com contestações apresentadas a partir de Maio desse mesmo ano, em que já se questionava o direito da autora ao prédio reivindicado, invocando-se que o mesmo sempre esteve inserido nos Baldios de D..., pertencentes às comunidades locais, que os têm usado e fruído em comum há mais de 50, 60 e 70 anos, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, conscientes de exercerem um direito próprio e comunitário e de não lesarem outrem, tendo já antes corrido procedimento cautelar, apenso aos autos, em que tal questão já havia sido suscitada, se podia e devia ter diligenciado pela obtenção dos documentos que agora foram oferecidos. Se tivessem sido usados em tempo útil, os documentos estariam no processo quando foi realizada a audiência de julgamento e proferida a decisão que se pretende ver revista.

Conforme atrás se disse, para servir de fundamento à revisão, é necessário que o documento seja superveniente, entendendo-se como tal o documento de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não tivesse podido fazer uso. Logo, estando ao alcance a obtenção dos documentos oferecidos, deveriam ter sido apresentados aquando do julgamento, para nele serem tidos em conta. É que a parte que só tardiamente obteve o documento que poderia ter obtido antes não pode beneficiar desse facto, sob pena de se abrir a porta à revisibilidade de decisões transitadas com uma facilidade que se não compagina com a certeza e o rigor do caso julgado.

É, pois, essencial que não seja imputável à parte vencida a não produção do documento no processo anterior. Exige-se, portanto, ao pretendente à revisão que tenha desenvolvido todas as diligências que estavam ao seu alcance para utilizar o documento, dando explicação suficiente para a omissão, antes, da sua apresentação. Não se verifica o requisito da novidade se os documentos que se apresentam para fundamentar a revisão são anteriores à decisão a rever (e, inclusivamente, à própria instauração da acção) e o recorrente conhecia a sua existência e o seu teor ou era-lhe exigível que conhecesse, exigindo-se a prova, pela recorrente, de que actuou com a diligencia devida e, mesmo assim, não logrou atingir tal conhecimento e esta obtenção que lhe permitisse a anterior apresentação na respectiva ação.

Ora, no caso em apreço, face às especificidades da ação e estando a autora assessorada por ilustres causídicos, não estamos perante documentos de conhecimento e obtenção difíceis e intransponíveis, sabendo-se que documentos com a natureza e antiguidade dos ora apresentados podem ser encontrados em arquivos, maxime no Arquivo da Universidade de Coimbra.

Logo tem de concluir-se que a autora tinha conhecimento, ou que (o que vai dar ao mesmo) lhe era exigível que tivesse conhecimento da existência, desde logo em tese e em abstracto, de tais emprazamentos, perante o que deveria ter colocado a hipótese de tais documentos relevarem ou podem relevar para a prova dos factos em questão na acção e diligenciado desde logo na acção pretérita naqueles serviços pela obtenção dos documentos.

Outra razão que nos leva a considerar que os ditos documentos não fazem prova de factos inconciliáveis com a decisão a rever é a circunstância de os mesmos não serem, como se exige na invocada al. c) do art.º 696.º, “por si só, suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.

É que o referido requisito tem de ser entendido como dispondo de total e completa suficiência probatória, no sentido de que se tivesse sido tomado em consideração pelo tribunal que proferiu a sentença revidenda, essa decisão nunca poderia ter sido aquela que foi, e isto sem fazer apelo a outros elementos de prova, sejam eles documentais, testemunhais ou periciais.

Ora, tal requisito não se acha preenchido.

Desde logo é de realçar o facto da própria recorrente sentir necessidade de lançar mão doutros documentos para procurar defender a sua tese e esclarecer o conteúdo e alcance dos documentos novos apresentados, que se reconduzem aos documentos n.ºs 1 e 2. E socorre-se mesmo de documentos que mais não são que formas encapotadas de produção de prova acrescida que vai para além de meros documentos. Com efeito, o documento n.º 3 reporta-se a testemunhos, pois certifica-se que perante notário compareceram, como declarantes, várias pessoas, no sentido de esclarecerem o nome e a localização de alguns dos lugares mencionados no Emprazamento a M...e ... Mais socorre-se de documentos de difícil leitura, que dificilmente permitem a percepção do seu conteúdo.

Por outro lado, analisada a prova produzida em sede do julgamento da ação pretérita e a fundamentação da sentença e acórdão proferidos, constata-se que foram escalpelizadas à exaustão as questões atinentes às confrontações da escritura de 1951 e da matriz, acompanhando a evolução da descrição de tal artigo, no Imposto Sucessório de 1976, por óbito de J..., onde a descrição se mantém até às novas matrizes, não tendo de todo os alegados dois novos documentos a virtualidade de pôr em causa as centenas de documentos que foram juntos aos autos na ação pretérita e que, conjugadamente com o depoimento de múltiplas testemunhas conhecedoras da realidade local, serviram para o tribunal, de forma convicta e sustentada, dar como não provados os factos e a tese articulados pela autora e dar como provados os factos articulados pelos réus e a tese de que o terreno em causa se insere nos Baldios, submetidos ao Perímetro Florestal, através do Plano Florestal aprovado em reunião de Conselho de Ministros de 1955, conforme fundamentos explanados na sentença proferida e que o acórdão da Relação corroborou e que aqui se dão por reproduzidos.

Ora, com os novos documentos juntos, o que à recorrente importa provar, para que a decisão soçobre, é que o pressuposto da sentença – serem terrenos baldios - não se verifique, pois era propriedade privada do Colégio da Sapiência, porém, mesmo que o terreno em litígio na ação tivesse estado inventariado como pertencente ao Colégio da Sapiência de Coimbra, e anteriormente pertencesse ao antigo Mosteiro de Folques, de Arganil, e, em 1811, tivesse havido uma escritura de emprazamento por três vidas a favor dos antecessores de quem outorgou a escritura de compra e venda aos pais de M... e M..., a verdade é que em 1834, por Decreto datado de 28 e promulgado a 30 de Maio, foram extintos os Institutos de todas as Ordens Religiosas Regulares, nas quais se integrava o Colégio da Sapiência, e o património imóvel desse Colégio passou para o Estado – Fazenda Nacional - e os bens móveis foram arrematados em hasta pública. E continuando a admitir, apenas por mera hipótese académica, que o documento constituía uma remição de um foro de D... e que, porventura, tal foro se reportava ao da escritura de 24 de Setembro de 1811 feito a favor de M... e mulher do S..., nem mesmo assim se consegue vislumbrar qualquer relevância desse documento, para a questão discutida e dirimida no processo cuja sentença se pretende rever.

Os documentos ora juntos, mesmo na parte em que estende o aforamento por todas as terras maninhas ou por todas as terras e matos rotos e por romper até à Toita, relacionado com os outros elementos de prova, que inequivocamente apontam no sentido de aqueles terrenos, há mais de 70 e 80 anos, vêm sendo possuídos e geridos pelas comunidades locais directamente ou indirectamente pelas autarquias e Serviços Florestais, sendo considerados por toda a gente como baldios desde a década de 30 do século passado, não tem o mínimo interesse para a causa. Este elemento jamais iria pôr em causa toda a extensa documentação do processo e vasto rol de testemunhas que depuseram com total credibilidade acerca do uso comunitário que era feito daqueles terrenos e daquele que estava em causa, desde há muitos e muitos anos, pelas comunidades locais e seus representantes.

E fazendo um esforço de análise dos documentos juntos é de salientar que desde o século XV os frades cruzios instalaram-se nos Mosteiros de Folques em Arganil, sendo donos de muitas propriedades no concelho de Arganil, Góis e Pampilhosa da Serra, e até Covilhã e Fundão. Em 1834, com a extinção dos Institutos de todas as Ordens Religiosas Regulares, o Convento dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, instalados no Colégio Sapiência, em Coimbra, também se incluíram nessa extinção. Procedeu-se a partir de 6 de Junho de 1834 à inventariação de todos os bens do Colégio da Sapiência, que contemplava a descrição e avaliação do Edifício do Colégio, cerca, igreja, coro, sacristia, claustros, dormitórios, cozinhas, refeitório, celeiro, adega, oficinas e todos os prédios rústicos e urbanos. A relação destes bens imóveis, que o Colégio possuía e que pertenciam ao antigo Mosteiro de Folques, incluía: passais contíguos à Igreja do Mosteiro de Folques, em Arganil, bem como múltiplos bens imóveis nas localidades de Folques, Cepos, Pombeiro da Beira, Teixeira no concelho de Arganil, Fajão, Alvares, Pampilhosa da Serra, Figueiró dos Vinhos, Almalaguês, Coimbra, Covilhã, entre outras. Procedeu-se também, como mostram os documentos juntos pela recorrente, à inventariação de todos os foros, prazos, com o nome dos enfiteutas e vencimentos e importâncias dos foros. Através da análise de toda essa documentação constata-se que o Colégio da Sapiência era possuidor de uma vastidão enorme de prédios rústicos, no concelho de Pampilhosa da Serra, em várias localidades abrangendo uma grande área territorial. Tais terrenos eram cedidos aos moradores para estes explorarem, mediante o pagamento de uma renda em espécie, por períodos de uma vida, até três vidas mediante contrato de Emprazamento, Aforamento ou Enfiteuse. Com a extinção da Ordem Religiosa e transmissão de todos esses bens para o Estado os foros passaram a ser pagos ou remidos ao Estado. O documento n.º 6, junto pela recorrente, reporta-se a um foro certo e sabido de três alqueires de pão meado, trigo e centeio, mais uma galinha e um frangão, já reduzido a mil trezentos e quarenta e oito reis, imposto só um quarto do Cazal de D..., sito na Vila e limite de Pampilhosa da Serra, que era obrigado a pagar anualmente à Fazenda Nacional, pela incorporação nela dos bens do extinto Colégio da Sapiência, de Coimbra, importando, por isso, a íntegra da remissão concedida, na quantia de vinte um mil quinhentos e setenta e oito reis, pagos de uma só vez.

Pretende a recorrente inferir deste documento que B..., ao pagar aquela importância, procedeu à remissão do foro, que era obrigado a pagar anualmente à Fazenda Nacional. É óbvio que o documento apenas se refere a um foro respeitante a um quarto do Casal de D..., sem identificar os terrenos a que respeitavam o foro anual, convertido em dinheiro. E, por outro lado, remir não significa transferir o domínio útil ou directo dos prédios em questão, mas sim pagar, quitar uma certa importância em dívida que, no caso, podia respeitar a diversas anuidades em dívida ao foro, cuja espécie havia sido convertida em dinheiro (foro anual). Naquela época, existem inúmeros documentos respeitantes a reunião do domínio útil com o domínio directo, que eram feitas por arrematação em hasta pública e os arrematantes eram investidos na titularidade, através de um auto de posse, com todas as formalidades.

Tais autos podem ser consultados na Internet sob a rubrica Aforamentos e Remissões de Foros – União das Freguesias de Durrães e Tregosa. No livro de Inscrição dos Foros do Colégio de Sapiência, constam diversos Foros em D..., inscritos sob o n.º 5, a favor de A... e mulher, sob o n.º 6, em nome de J... e mulher, sob o n.º 7, em nome de F..., sob o n.º 8, em nome de M..., sob o n.º 22, em nome de MB... sob o n.º 23, em nome de M....

Ora, o foro do qual é enfiteuta M... e sua mulher, de 1833, e com conhecimentos extraídos apenas nos anos de 1846, 47, 58 e 59, vencia-se em Setembro e consistia no pagamento, em espécie, de dois alqueires e uma quarta de pão meada trigo e centeio e três quartos de uma galinha e 3/16 de outra, nada constando no título “Estado da Administração”, ao contrário de outras inscrições. Acresce a circunstância de, no nome do Enfiteuta, constar o seguinte: Em 1833 M... e sua mulher do S... 1853 MF..., de D.... Daqui resulta que, em 1853, o enfiteuta deixou de ser M.... Também se conclui que, na coluna dos anos a que respeitam os conhecimentos que se extraíram na Designação deste Foro, se mencionam os anos de 1846, 47, 58 e 59. Quer isto dizer que este Foro ainda se mantinha no ano de 1859. O documento n.º 6, da alegada remissão deste foro, reporta-se ao ano de 1858. Há que salientar, ainda, o facto de não haver coincidência entre o que consta no Foro inscrito sob o n.º 9 e o alegado pela recorrente, no que respeita à renda a pagar, “dois alqueires e uma quarta de fina meada triga e centeio, três quatros de uma galinha e 5/16 de outra”, enquanto no documento n.º 6 se refere expressamente três alqueires de pão meado trigo e centeio, uma galinha, um frangão. Não há a mínima correspondência entre a importância do foro, num e noutro documento. Assim, afigura-se não poder associar-se a escritura de emprazamento em três vidas que o Colégio da Sapiência fez a M..., do S... e mulher, em 1811, com o foro remido por B..., em 1858, não se concluindo da análise dos documentos juntos pela recorrente que o dito B... procedeu à remissão do foro a que respeita a inscrição n.º 9 do Livro da Inscrições de Foros do Colégio da Sapiência, nem que o mencionado Bernardino adquiriu a propriedade total, seja daqueles terrenos, seja de outros, porque o documento em análise é omisso quanto à transmissão da titularidade e da posse e identificação dos terrenos a que respeitavam o foro remido.

Consequentemente, a partir seja do documento n.º 6, seja do documento n.º 5, seja do documento n.º 1, não se pode concluir que os bens que foram vendidos através da escritura de 1951 são os correspondentes aos constantes da escritura de emprazamento de 1811 e nem os demais documentos permitem tal conclusão. Aliás, a certidão matricial a que se reporta o documento n.º 4 respeita a uma área muito mais vasta “Entre a Barroca das Pousadas e Vergada Cova e Entre outros”, num comprimento de vários quilómetros, ultrapassando largamente os limites da povoação de D..., encontrando-se tal documento no processo principal. Igualmente estão juntos, em tal processo, mapas similares aos ora juntos pela recorrente, onde identificou sobre uma carta militar o terreno que reivindicava, que se fosse medido com exactidão excedia em muito, os hectares reclamados.

Por fim, é ainda de referir que a recorrente não pode ressuscitar questões que já estão definitivamente resolvidas, designadamente quanto à orografia dos terrenos e à existência de múltiplos visos, bem visíveis, em todas as direcções, a partir da povoação de D... e visionados pelo próprio tribunal e pelas fotografias juntas aos autos e ortofotomapas e muitos outros mapas.

Assim, os documentos alegadamente novos não beliscam minimamente a prova produzida no processo principal, a que o presente está apenso, e não há contradição alguma se, porventura, os terrenos, que há mais de 70 e 80 anos são terrenos comunitários, fruídos e geridos pelas comunidades locais e pelo Estado e autarquias, sempre considerados e inventariados como terreno baldios, em séculos passados foram terrenos dos Senhores Feudais ou do Clero.

A propriedade comunal (baldios pertencentes aos povos da montanha), permanece na actualidade.

Com a institucionalização do Regime Florestal, no início do Século XX, e com o Plano Florestal de 1938, foram criadas condições para arborizar a maior parte das áreas baldias.

No concelho de Pampilhosa da Serra, como consta dos autos principais e foi dado como provado, foi feita, pela Câmara Municipal, uma inventariação dos Baldios Municipais em 1939, onde de descrevem tais baldios, por verbas, com as respectivas confrontações, localização e área de cada uma das ditas verbas.

No Plano Florestal de 1955, aprovado pelo Conselho de Ministros, para a florestação dos Baldios e terrenos particulares do concelho de Pampilhosa da Serra, são identificados nove Baldios no limite de D... e um concretamente no “Alto de Barroca da ...”.

No caso dos autos importa também analisar o preceituado na al. b) do art.º 696.º, do Código de Processo Civil, onde se preceitua que a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando se “verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida”.

No caso específico da alínea antes referida dela emerge ter três pressupostos cumulativos: 1) a falsidade de documento, de acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou de árbitros; 2) o nexo de causalidade entre a falsidade e a decisão a rever; 3) a falta de discussão da falsidade no processo em que foi proferida a decisão a rever.

Exige-se, pois, que se aleguem os três pressupostos antes enunciados, ou seja, a falsidade – concretizando os factos que a integram, que é como quem diz, a desconformidade entre o teor dos documentos ou dos depoimentos e a realidade que se destinam a retratar –, o nexo de causalidade e a ausência de discussão no processo em que foi proferida a decisão a rever.

No que tange ao nexo de causalidade, importa reter que a revisão depende de se reconhecer que a prova falsa foi causa determinante da decisão. Não tem que ser causa única, mas há-de ser seguro que influenciou a decisão. Se a prova apodada de falsa não exerceu influência relevante na decisão ou se as circunstâncias mostrarem que, embora a sentença se tenha apoiado nela, a decisão seria precisamente a mesma se ela se não tivesse produzido, não deve admitir-se a revisão (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, pg. 345; no mesmo sentido, Cândida Ferreira das Neves, O Recurso de Revisão em Processo Civil, in BMJ 134, pg. 196).

Quanto ao terceiro requisito, exige-se que o interessado só tenha adquirido conhecimento da falsidade depois de decidida a acção a rever. Conhecendo-a ao tempo da ação, é aí que deve argui-la, sob pena de a não poder invocar futuramente (Alberto dos Reis, obra citada, pg. 346, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pg. 315).

A propósito, alega a recorrente que os mapas que foram juntos pelos réus na ação pretérita e que disseram ter obtido junto do Município são falsos porque são diferentes dos originais existentes no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., nas cores e numeração, tendo havido alteração das cores e tendo sido suprimida a numeração, com pequenos números a vermelho, que se alega corresponder à toponímia das áreas baldias do Perímetro Florestal de 1954, remetendo-se para o documento n.º 9, que se junta (constando de fls. 117 e seguintes e do anexo documental também junto aos presentes autos), mapas esses em que assentou a convicção do tribunal para concluir pelo carácter baldio da propriedade reivindicada pela autora.

Ora, da prova produzida no julgamento realizado no presente processo não resultou comprovada a tese avançada pela recorrente.

Com efeito, foram juntos vários mapas na ação pretérita reportados a exemplares do plano, designadamente pela própria Autoridade Nacional Florestal, por intermédio da testemunha ..., não resultando que os existentes no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., sejam os originais, em face da apresentação no julgamento destes autos, pelo próprio Município de ..., do mapa que tem em arquivo, alegadamente original, e da visualização do suporte digital de tal documento apresentado pela Autoridade Nacional Florestal na acção pretérita, pelo que não resulta possível dizer com toda a certeza quais são as cores dos originais, sendo que as diferentes cores ou tonalidades pode, desde logo, resultar das cópias tiradas, que podem ficar mais ou menos coloridas, nem, tampouco, se os originais contêm a referida numeração com pequenos números a vermelho, nem, acima de tudo, se a aludida numeração corresponde à toponímia das áreas baldias do Perímetro Florestal de 1954. E mais, veja-se que a fls. 639 e seguintes da acção pretérita, a autora, ora recorrente, juntou precisamente o documento ora junto aos autos de revisão como documento n.º 9, e mais completo até, constando, precisamente a fls. 688 da acção pretérita mapa idêntico ao ora junto (o mesmo se verificando a fls. 906, junto no início do julgamento, nesse já se anotando a diferente tonalidade do mesmo – vide fls. 909), onde consta igualmente a numeração com pequenos números a vermelho e que ora se alega que na acção pretérita não havia menção, e a fls. 689 dessa acção consta a legenda a que se alude, pelo que a existir uma qualquer falsidade a propósito do alegado, o interessado, a aqui recorrente, já tinha adquirido conhecimento da mesma antes de decidida a acção a rever, nela a devendo ter arguido, não a podendo vir agora invocar.

E mais ainda, da visualização do suporte digital do documento apresentado pela Autoridade Nacional Florestal na ação pretérita, no julgamento dos presentes autos, constatou-se que os ditos números a vermelho ali constavam, admitindo o Ilustre Mandatário da autora que tal documento afinal não é falso, não constando tais números do documento apresentado pela ré P... a fls. 723 e seguintes, mais concretamente a fls. 841 e seguintes, mas coincidindo as localidades e delimitações, sendo certo que na respectiva legenda, nomeadamente aludindo-se à dos mapas onde consta a tal numeração a vermelho, nenhuma referência é feita à mesma, podendo aventar-se mesmo poder referir-se a brigadas de trabalho, a cantões, mais não resultando haver correspondência de tais números a vermelho com os números de toponímia, parecendo haver proximidade em determinadas zonas vistas em mapa, mas que na realidade são distantes, atendendo às cotas e curvas de nível. Mais ainda, conforme decorre das actas de julgamento da ação pretérita de fls. 929, aquando da inquirição da testemunha J..., por teleconferência, pela ilustre mandatária da autora foi dito não prescindir da testemunha, dado existirem vários mapas com cores variadas, tendo a mesma comparecido presencialmente em julgamento, conforme acta de fls. 940 a 941, tendo disponibilizado DVD com a digitalização do projecto contido nos autos, a fim de se juntar aos autos, o que foi judicialmente determinado, tendo a testemunha sido confrontada com vários mapas contidos nos autos. A seguir, a Ilustre Mandatária da autora requereu que os serviços da testemunha prestassem ao tribunal a seguinte colaboração: “Que através dos mapas que fazem parte integrante do livro denominado “Projecto de Arborização do Perimetro Florestal de ...” seja apurada a área de terreno de cada uma das categorias dos terrenos constantes da legenda dos referidos mapas, no que diz respeito apenas à freguesia de ... Deverão os respectivos serviços justificar todos os cálculos sobre os quais existirem dúvidas, isto é, que não possam ser garantidas os cálculos/áreas”. E o tribunal deferiu a realização da diligência requerida, por forma a afastar qualquer dúvida que pudesse ser suscitada na interpretação dos mapas juntos aos autos. E, a final, certo é que a autora não considerou relevante a falta daquela numeração a vermelho no documento junto pela referida ré, posto que nenhum incidente de falsidade suscitou.

Apenas se acrescenta que caso a prova apodada de falsa fosse efectivamente falsa, o que não resulta de todo, como já se referiu, revela toda a prova produzida na ação pretérita e a que supra se foi fazendo alusão que, embora a sentença se tenha também apoiado nela, a decisão seria precisamente a mesma se ela se não tivesse produzido.

Destarte, por falta de verificação dos respectivos requisitos legais, não é a revisão da decisão proferida e transitada em julgado viável.

Decisão

Por todo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso de revisão e, consequentemente, mantém-se nos seus precisos termos a decisão colocada em crise pelo presente recurso.’.


***

                Concluindo, pois, a nossa apreciação, entendemos que improcede o presente recurso, impondo-se a confirmação da bem fundamentada sentença recorrida, nos seus exactos e precisos termos, o que se decide.

VIII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida, nos seus exactos e precisos termos.

            Custas pelos Recorrentes.

                                   Tribunal da Relação de Coimbra, em 07/03/2017

Relator: Des. Jaime Carlos Ferreira

Adjuntos: Des. Jorge Arcanjo

                    Des. Manuel Capelo