Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1479/12.3TBCBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DOCUMENTO ESCRITO
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
Data do Acordão: 11/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - VARA COMPETÊNCIA MISTA-1ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 220 , 364, 393 CC, 29 DL Nº 12/2004 DE 9/1
Sumário: A prova da existência - ie. da sua outorga, qua tale, que é condição sine qua non da prova do respectivo teor - de contrato de empreitada para o qual a lei – artº 29º do DL 12/2004, de 9.01– exige documento escrito, apenas pode ser feita por tal documento assinado pelas partes, ou por outro documento com força probatória superior – artº 364º nº1 do CC.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.
C (…), Lda intentou contra E (…) ação declarativa, de condenação, com processo ordinário.

Pediu:
Que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 35.563,13 €, acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegou:
Celebrou um contrato de empreitada pelo réu, pelo preço global de 110 400.00 €, acrescido de IVA à taxa legal aplicável.
O réu desistiu da empreitada.
Recebeu do réu a quantia 54 000 €, mas foi executada 62,80% da obra, faltando pagar a quantia 31.277,35 €. A este valor deve ser abatida a quantia de 3 121.12 € referente a trabalhos executados pelo réu e adicionada a quantia de 3300.00 € relativa a trabalhos executados pela autora a pedido do réu, que não estavam contemplados no contrato.
Porque o réu colocou unilateralmente termo ao contrato de empreitada (desistência) e a autora tinha legítima expectativa de terminar a obra deverá ser indemnizada no valor correspondente a 10% sobre o valor dos trabalhos que ainda seriam facturados 41.068,80 € (ou seja, 4.106,90 €).

O réu, citado, não apresentou contestação pelo que foram considerados confessados os factos articulados pela autora e cumprido o artº 484º, nº 2 do CPC, tendo o réu apresentado alegações de direito.

Seguidamente foi proferida sentença na qual se decidiu:
«Julgar a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e em consequência condeno o réu a pagar à autora a quantia de 31.456,23 €, acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação até integral pagamento».

Inconformado recorreu o réu.
Por acórdão desta Relação foi a sentença revogada e ordenado o prosseguimento dos autos para a produção de prova sobre a existência e validade do contrato de empreitada a efetivar apenas pela autora.

2.
Realizado o julgamento e produzida a prova foi proferida sentença na qual se decidiu:
«Julgo a presente acção improcedente, por não provada e em consequência absolvo o réu …do pedido»

3.
Inconformada, recorreu agora a autora.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
21. A sentença viola as normas jurídicas contidas nos artigos 289.º, n.º 1, 358.º, n.º 1, 364.º, n.º 1, 434.º, n.º 1, 2.ª parte, e n.º 2, e 798.º do CC, 620.º, n.º 1, do CPC, e 29.º, n.ºs 1 e 4, do DL 12/2004.

Contra-alegou o réu pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

(…)
4.
Sendo que, por vias de regra – de que o presente caso não constitui exceção – o teor das conclusões define o objeto do recurso: artºs 635º e 639º-A do CPC, a questão essencial decidenda é a seguinte:

(in)admissibilidade de prova, via testemunhal ou confessória, da existência, validade e teor de contrato sujeito a forma escrita, e sua efetiva prova in casu.

5.
Apreciando.
5.1.
Como já foi expendido no acórdão anterior – subscrito pelos mesmos juízes - encontramo-nos perante um contrato de empreitada cuja validade substancial – e não apenas a prova do mesmo – depende da sua redução a escrito.
A preterição desta forma legal taxada acarreta a sua nulidade, nos termos gerais – artº 220º do CC.
Porém, a norma que impõe tal requisito formal - art. 29º do DL nº 12/2004, de 9 de Janeiro, na redação dada pelo art. 7º do DL 18/2008, de 29.01 – estabelece uma nulidade atípica, pois que ela apenas pode ser invocada pelo dono da obra e não pode ser declarada oficiosamente.
Ora: «quando a declaração negocial deva ser reduzida a escrito e não o seja, o acto é nulo (artº 220º…), sendo, portanto, irrelevante qualquer espécie de prova» - P. Lima e A. Varela, CC, Anotado, 2ª ed. 1º, p.318.
(sublinhado nosso)
No entanto, in casu, dada a atipicidade mencionada do regime da presente nulidade, as consequências desta, vg. a inadmissibilidade/irrelevância da produção de prova sobre a existência e conteúdo do contrato, não se colocam liminarmente, pois que, como se viu, apenas o réu, dono da obra, podia invocar a mesma, o que não se verificou.
Mas tal não obsta a que se posterguem as normas que estabelecem limitações/ proibições de certos meios probatórios relativamente a contratos que, como o presente, estão sujeitos à forma escrita.
Na verdade, e versus o defendido pela recorrente, inexiste uma total independência e autonomia entre a preterição da forma legal ad substantiam do negócio - e a sua consequente invalidade -, e a (im)possibilidade da sua prova por qualquer meio em direito permitido.
Ou, por outras palavras, as restrições probatórias do artº 364º do CC não se reportam e têm a ver apenas com a (in)«validade substancial do negócio».
E podendo a «prova efetiva e real de negócio nulo por falta de forma» ser feita por «todos os meios de prova».
Não. A preterição da forma legal escrita é o facto genético que está na base e acarreta duas consequências I) uma de cariz formal/substancial: a invalidade do negócio com o respetivo regime e efeitos consoante nulidade ou anulabilidade; II) e outra de jaez adjetivo/processual em sede de direito probatório: a impossibilidade de se provar o negócio por outra via probatória que não seja documento com igual ou superior valor probatório exigido para o negócio.
E quedando inadmissível a sua asserção de que:
«Pressuposto da norma legal que prevê tal regime misto, a contida no artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, do DL n.º 12/2004, é que se possa provar a existência do contrato inválido, admitindo-se a sua consolidação na ordem jurídica se não invocada pelo dono da obra.».
Esta conclusão quanto à consolidação está certa. Mas aquela conclusão quanto à prova (por meios probatórios diversos dos legalmente permitidos) é inamissível.
Pois que em parte alguma do preceituado no mencionado DL existe derrogação do regime geral nesta matéria, o qual, como se viu, estabelece, relativamente aos negócios sujeitos a forma documental, limitações quanto aos meios admissíveis para a sua prova.
Nem tal derrogação se compreenderia, porque contendente com a ratio que leva a lei a exigir a forma escrita/documental para determinados negócios, qual seja «precaver os declarantes contra a sua precipitação e ligeireza, dar maior segurança à conclusão do negócio e ao conteúdo negocial, facilitar a prova…facilitar o controlo no interesse geral, garantir a sua reconhecibilidade por terceiro, dar às partes a oportunidade de obter o conselho de peritos» - Vaz Serra, RLJ,113º-147.
Tanto assim que, em sede de prova testemunhal, se estabelece a sua inadmissibilidade se a declaração negocial, por disposição legal ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito, ou necessitar de ser provada por escritoartº 393º do CC.
Certo é que esta regra não tem valor absoluto, sendo admissível o depoimento das testemunhas para provar o fim ou os motivos da declaração ou vícios da vontade na emissão da mesma – P. Lima e A. Varela, ob. e loc. cits. e Remédio Marques in A Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Ed., 2007, p. 371, nota (1).
Mas tal não é o que está em dilucidação no caso vertente, pois que no mesmo se pretende averiguar, mais do que tais fins, motivos ou vícios (aliás não invocados), o teor/conteúdo/cerne das declarações/clausulas que constaram no contrato de empreitada.
Nesta conformidade se conclui que a prova da existência e validade do contrato em causa apenas poderia ser efetuada por via documental.
Mas não por qualquer via, mas apenas por aquela que respeitasse as legais exigências de conteúdo do artº 29º do aludido DL e se mostrasse em total completude, ou seja, devidamente validado através das assinaturas dos outorgantes.
Ora nenhum documento foi junto aos autos que satisfizesse estes requisitos.
Sendo que os documentos juntos pela autora com as suas alegações de direito se devem considerar como meras minutas apócrifas. Ou, quando muito, meras propostas de contrato que, ao que parece, até foram sendo alteradas com adendas.
Logo, tais documentos não tem a relevância e força probatória bastantes para operarem a prova da existência do contrato.
E, bem assim, não assume tal relevância a prova via depoimento de parte do gerente da autora e a por esta designada confissão judicial do recorrido.
Na verdade esta apenas relevaria se estivéssemos perante uma formalidade ad probationem – artº 364º nº2 do CC, o qual estatui: «se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório».
O que não é o caso, pois que, como se viu, a formalidade é ad substantiam, e, para esta, rege a restrita previsão do nº1 do citado preceito, a saber: «Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior».
Por conseguinte, não apurada que foi a existência jurídica e validade formal do contrato, qua tale, não pode, obviamente, dar-se como provado, como pretende a recorrente, o teor dos pontos 4 e segs. da 1ª sentença, conteúdo das clausulas alegadamente nele ínsitas e anuídas pelos outorgantes, no atinente, vg., ao preço, às obras efetuadas e não efetuadas, aos valores pagos e não pagos, etc.
Tudo, afinal, o que foi alegado pela autora na pi.
Na verdade, versus a interpretação que pela recorrente parece ter operado sobre a deliberação do anterior aresto, a revogação da sentença implicou a invalidação da mesma, in totum, ou seja, não apenas no atinente ao seu aspeto jurídico, como no respeitante ao acervo factual nela considerado; inexistindo, assim, caso julgado sobre os aludidos pontos de facto, que foram considerados provados, menos curialmente, no pressuposto, necessário, da prova daquela existência e validade.

Improcede o recurso.

6.
Sumariando.
A prova da existência - ie. da sua outorga, qua tale, que é condição sine qua non da prova do respetivo teor - de contrato de empreitada para o qual a lei – artº 29º do DL 12/2004, de 9.01– exige documento escrito, apenas pode ser feita por tal documento assinado pelas partes, ou por outro documento com força probatória superior – artº 364º nº1 do CC.

7.
Deliberação.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2014.11.11.

Carlos Moreira (Relator)
Anabela Luna de Carvalho
Moreira do Carmo