Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
320/05.8TBANS-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 03/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.334º CC, 816º CPC
Sumário: I - O abuso de direito constitui matéria de excepção susceptível de ser alegada como defesa em processo de declaração, por isso igualmente viável no âmbito da oposição à execução não baseada em sentença.

II - A sanção para o abuso de direito consiste na neutralização da acção executiva, dada a inexigibilidade do crédito exequendo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

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Recorrente (Executadas)…………………(…) por si e como representante legal de (…), menor, residentes na ......

Recorrido (Exequente(…)S. A. por cessão do Banco (…), S. A..


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I. Relatório

1. a) O Banco (…), S. A., instaurou acção executiva contra A (…) e esposa B (…) , para pagamento de quantia certa, da qual esta oposição é apenso, tendo posteriormente sido habilitados na posição do exequente, por cessão, a ora exequente (…) S. A., e na posição do executado A (…), falecido na pendência da execução, a sua esposa e a sua filha acima identificadas, como suas únicas herdeiras.

 As recorrentes deduziram oposição alegando que em 23 de Junho de 1999 tanto a opoente B (…) como o seu marido A (…), celebraram dois contratos de mútuo, com hipoteca, com o banco exequente, dos quais consta uma cláusula, cujo teor diz o seguinte: «faz parte integrante da garantia do presente contrato o seguro de vida aceite pelo exequente, sendo este o beneficiário, o qual poderá alterar ou anular o referido seguro, pagar por conta do devedor os respectivos encargos, debitando-os na conta de depósitos à ordem e, em seu nome, receber as indemnizações em caso de sinistro».

Por força da tal cláusula foi celebrado um seguro de vida, fazendo parte integrante desses contratos, cujas prestações eram pagas simultaneamente com as prestações devidas ao exequente, sendo as pessoas seguras a opoente B (…) e o seu falecido marido A (…).

Consta do contrato de seguro que «em caso de morte da pessoa segura durante o prazo de adesão ao contrato de seguro, a seguradora garante o pagamento do capital seguro».

Como o marido da opoente faleceu a 01 de Outubro de 2004, deveria ter sido accionado tal contrato e a seguradora teria pago a quantia segurada à beneficiária, a exequente, o que não sucedeu.

Diz ainda que após o falecimento do seu marido se deslocou ao banco, então denominado (…), em 20 de Outubro de 2004, onde deu notícia da morte do cônjuge e perguntou o que devia fazer para accionar o seguro, ao que lhe foi respondido que a notificariam para o efeito e que não se preocupasse com os pagamentos, pelo que, sempre acreditou estar a cumprir o que lhe foi, desta forma, transmitido pelo banco.

Termina pugnando pela procedência da oposição e, implicitamente, pela extinção da execução.

b) O Banco (…)S. A. deduziu contestação à oposição.

Alegou, em síntese, que os executados deixaram de pagar os montantes mensais dos prémios de seguro, razão pela qual foram remetidas cartas pela Companhia de Seguros a solicitar o pagamento em falta, sob pena de ser resolvido o contrato de seguro com a consequente cessação das coberturas e garantias.

Foi concedido o prazo de 30 dias para regularização da situação, o que não veio a suceder.

Tais cartas foram recebidas, mas não foram efectuados quaisquer pagamentos, motivo pelo qual a Companhia de Seguros considerou resolvidos os respectivos contratos a partir de 28 de Agosto de 2004.

Quando o marido da opoente faleceu, em Outubro de 2004, os contratos de seguro já não se encontravam em vigor, motivo pelo qual não foi efectuado o pagamento do capital seguro.

c) Procedeu-se a julgamento.

Foi proferida sentença a qual foi objecto de recurso para Tribunal da Relação de Coimbra e da decisão deste tribunal para o Supremo Tribunal de Justiça que determinou a baixa do processo ao Tribunal da Relação de Coimbra, o qual veio a proferiu novo acórdão no qual se ordenou a repetição do julgamento para apreciação de factos que foram mandados aditar à base instrutória. 

Foram acrescentados os factos constantes do despacho de folhas 247 e 248.

Realizou-se nova audiência de julgamento. Foi proferida nova decisão que julgou a oposição improcedente.

A decisão baseou-se, em síntese, na consideração de que a existência do contrato de seguro não libertou a executada da dívida resultante do contrato de mútuo, pelo que, a oponente continua responsável perante o mutuante pelo pagamento da sua dívida, apesar da existência do mencionado contrato de seguro, o qual beneficia o mutuante permitindo-lhe receber da seguradora as prestações previstas no contrato de mutuo, no caso do mutuário vir a falecer.

Por conseguinte, a existência do contrato de seguro não constitui, nos termos dos artigos 816.º e 814.º do Código de Processo Civil, fundamento para a oposição, a qual não pode proceder.

Por outro lado, a executada não agiu com a diligência a que estava obrigada, pois devia ter verificado se as prestações relativas aos prémios do seguro estavam a ser pagas, ao invés de ter ficado inactiva ao ser-lhe dito simplesmente no banco que após a entrega da certidão de óbito do marido não necessitava de se preocupar mais com a questão do pagamento do empréstimo.

2.

a) As opoentes recorrem formulando as seguintes conclusões:

1. Os documentos juntos pela exequente à execução referem expressamente (cláusula 16 do documento n.º 1 e cláusula 12 do documento n.º 2) que o Banco poderia alterar ou anular os referidos seguros, pagar por conta do «Devedor» os respectivos encargos, debitando-os na conta de depósitos à ordem do «Devedor» adiante mencionada e, em seu nome, receber as indemnizações em caso de sinistro, factos que foram dados como Provados com relevância para a decisão da causa.

2. O Banco deveria pagar por conta dos devedores os respectivos encargos com o seguro de vida porque tinha todo o interesse nisso.

3. O que está em causa não é saber se a executada se encontra desvinculada da obrigação que sobre si recai de pagar as prestações relativas aos contratos de mútuo, mas sim se o Banco deveria ter agido de forma diversa, antes de propor a presente execução.

4. A recorrente sempre acreditou que o pagamento das prestações tinha o mesmo destino: o Banco e a Seguradora.

5. A recorrente sempre se preocupou em saber se tudo estava correcto e se o seguro iria pagar o montante em dívida ao banco.

6. Atendendo mais concretamente aos factos dos quesitos 3.º e 4.º dados como provados com relevância para a decisão da causa, o Banco sempre deveria, à luz de elementares regras de boa-fé, comunicar à recorrente a existência de um qualquer problema com o seguro.

7. O Banco não comunicou à recorrente a existência de um problema com o seguro, apesar da recorrente se ter tentado inteirar sobre o assunto.

8. Antes de pedir à recorrente as prestações relativas ao contrato de mútuo, o Banco deveria ter contactado a recorrente e informá-la do que se estava a passar.

9. A recorrente entrou em incumprimento sem saber, apesar de sempre ter agido com a diligência devida, tendo o Banco actuado em claro abuso de direito.

10. O comportamento do Banco criou na executada a convicção segura e a expectativa de que o seguro se mantinha e confiou naquilo que efectivamente lhe tinha sido transmitido pelo Banco, ou seja, que não precisava de continuar a proceder ao pagamento das prestações.

11. A recorrente não tinha qualquer conhecimento da concreta situação em que se encontrava o seguro de vida.

12. O incumprimento contratual não pode ser imputável à recorrente.

13. O Banco não podia intentar a execução sem informar previamente a executada que o contrato de seguro tinha sido resolvido e por tal facto a executada tinha que proceder ao pagamento das prestações em débito.

14. Ao opor-se à execução, a ora recorrente pretendeu pôr em causa a sua legitimidade para intervir como executada no presente processo.

15. O Banco deveria ter indagado junto da seguradora o que se passava e comunicado o facto à recorrente.

16. E, por ter agido de outra forma, propondo, sem mais, a presente execução, é que a exequente não deve merecer a tutela do direito.

17. A sentença recorrida viola, assim, o disposto nos artigos 26.º do Código de Processo Civil, 334.º do Código Civil e artigo 102.º, n.º 1 do actual Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.

b) A Exequente (cessionária) contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença.

Diz, fundamentalmente, que o banco não tinha a obrigação de pagar os prémios de seguro que a executada devia ter pago e que não é possível discutir nesta acção a eficácia do contrato de seguro, uma vez que a seguradora que é parte nesse contrato não é parte neste processo.

Por outro lado, o Banco não tinha que comunicar aos mutuários, à oponente, que havia falta de pagamento de prémios do seguro, pois tal tarefa competia à seguradora, sendo dever da oponente devedora verificar se dava pagamento, como era seu dever, aos prémios de seguro.

Por conseguinte, nada impedia o Banco de instaurar a execução para cobrar o seu crédito, carecendo a oposição à execução de fundamento.

c) O objecto do recurso consiste, por conseguinte, em saber se o comportamento do Banco é impeditivo da instauração da execução, cumprindo indagar os seguintes pontos:

1 - Se o Banco devia ter-se substituído à executada no pagamento dos prémios do seguro em falta, exigindo-os depois à executada;

2 - Se o comportamento do Banco, em 20 de Outubro de 2004, quando a executada/opoente se dirigiu aos balcões do Banco, informando que o marido tinha falecido no dia 1 desse mês e ano e perguntando o que deveria fazer para accionar o seguro de vida, e que consistiu em ter declarado à executada que não se devia preocupar com mais pagamentos a partir do momento em que entregasse a certidão de óbito do marido, tem relevância jurídica para constituir fundamento legal impeditivo da instauração da presente execução, designadamente por a execução constituir uma situação de abuso de direito.

II. Fundamentação.

1. A matéria provada relevante para a questão a decidir é esta:

Por documento “Título Particular – Lei de 16 de Abril de 1874 e Decreto de 7 de Janeiro de 1876, Contrato n.º .... (com hipoteca) – A (…)e B (…) declararam ter solicitado e obtido um empréstimo de € 56.114,76 euros, no regime de crédito bonificado, de que se confessaram devedores, montante aquele a reembolsar à exequente no prazo de 25 anos, em 300 prestações mensais, para garantia do qual constituíram hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra D do prédio descrito sob o n.º .... da Conservatória do Registo Predial de ...., freguesia do .... e inscrito na matriz predial sob o artigo ..... Mais declararam que o imóvel hipotecado seria seguro em companhia seguradora aceite pelo exequente, devendo constar da respectiva apólice a declaração expressa de ser esta credor privilegiado. E ainda que faz parte integrante da garantia do contrato o seguro de vida aceite pelo exequente, sendo esta a beneficiária, sendo que os aludidos seguros só poderão ser alterados ou anulados por intermédio do exequente ou com o seu prévio acordo e ainda que esta poderá alterar ou anular os referidos seguros, pagar por conta dos devedores os respectivos encargos, debitando-os na conta de depósito à ordem e, em seu nome, receber as indemnizações em caso de sinistro – al. a) dos factos provados.

Por documento denominado “Título particular – Lei de 16 de Abril de 1874 e Decreto de 7 de Janeiro de 1876, contrato n.º .... (com hipoteca)” – A (…) e B (…) declararam ter solicitado e ter obtido um empréstimo de € 6.234,97 no regime de crédito bonificado, de que se confessaram devedores, montante aquele a reembolsar à exequente no prazo de 25 anos, em 300 prestações mensais, para garantia da qual constituíram hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra D do prédio descrito sob o n.º .... da Conservatória do Registo Predial de ...., freguesia do .... e inscrito na matriz predial sob o artigo ..... Mais declararam que o imóvel hipotecado seria seguro em companhia seguradora aceite pelo exequente, devendo constar na respectiva apólice a declaração expressa de ser esta credor privilegiado. E ainda que faz parte integrante da garantia do contrato o seguro de vida aceite pelo exequente, sendo esta beneficiária, sendo que os aludidos seguros só poderão ser alterados ou anulados por intermédio do exequente ou com o prévio acordo e ainda que esta poderá alterar ou anular os referidos seguros, pagar por conta dos devedores os respectivos encargos, debitando-os na conta de depósitos à ordem e, em seu nome, receber as indemnizações em caso de sinistro – al. b) dos factos provados.

Está descrita na Conservatória do Registo Predial de .... sob o n.º ..... a fracção urbana correspondente à letra D, habitação tipo T2, no piso zero, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na ...., ...., com entrada pela ...., sendo a 3.ª a contar desta composta por vestíbulo, sala comum, cozinha, despensa, dois quartos e casa de banho, varanda e terraço – al. c) dos factos provados.

A fracção referida em c) está inscrita a favor de A (…) e B (…) pela Ap. 2, de 1999/05/17 (Cota G); as hipotecas referidas em 1. e 2. estão inscritas pela Ap. 3, de 1999/05/17 (cota C) e 12, de 1999/07/30 (cota C) até ao limite máximo de € 77.038,84 e € 8.559,87, respectivamente – al. d ) dos factos provados.

No escrito intitulado «Certificado de Seguro» indica-se como seguradora Companhia de Seguros (…), S. A., tomador de seguro o exequente e ali constam, entre outras cláusulas:

“(…) I. PESSOA SEGURA E CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE.

       1. É Pessoa Segura, o 1º titular do contrato de empréstimo para crédito à habitação, que adira ao contrato de seguro titulado pela apólice referida, sujeito aos riscos que, nos termos acordados, são objecto do contrato e que reúna as seguintes condições:

a) Ser Cliente ou Empregado do Banco e com este realizar um contrato de empréstimo para crédito à habitação;

b) Ter, na data termo do empréstimo, uma idade inferior a 65 anos;

c) Preencher uma Declaração Individual de Adesão;

d) Realizar as provas médicas que a seguradora entenda necessárias para melhor apreciação do risco proposto;

e) Ser aceite nela Seguradora para efeito de inclusão no seguro.

2. Pode aderir ao contrato de seguro, na qualidade de Pessoa Segura, o cônjuge do 1º titular do contrato de empréstimo para crédito à habitação. Neste caso, terá que reunir as mesmas condições de elegibilidade referidas no número anterior.

II – OBJECTO DAS GARANTIAS DO CONTRATO.

SEGURO PRINCIPAL.

a) Em caso de Morte da Pessoa Segura ao abrigo das garantias contratuais e durante o prazo de adesão ao contrato de seguro, a Seguradora garante o pagamento do capital seguro;

(…)

4. PRIMEIRA OCORRÊNCIA.

Sempre que se verifique a adesão de cônjuges ao contrato de seguro decorrente do mesmo contrato de empréstimo, as garantias contratuais só funcionam à primeira morte ou situação de invalidez total ou permanente, ao abrigo do contrato de seguro, que ocorrer entre eles.

III. RISCOS EXCLUÍDOS.

1. Não são objecto de cobertura, ficando excluídos das garantias do contrato de seguro, os riscos devido a:

a) Actos ou omissões criminosos da Pessoa Segura ou dos beneficiários, mesmo na forma tentada;

b) Actos ou omissões negligentes da Pessoa Segura ou dos Beneficiários, quando a negligência possa ser qualificada de grave;

c) Suicídio ocorrido nas duas primeiras anuidades do contrato;

d) Actos notoriamente perigosos que não sejam justificáveis;

e) Apostas e desafios;

f) Actos praticados pela Pessoa Segura sobre si própria;

g) Actos praticados pelo Beneficiário sobre a Pessoa Segura;

h) Actos ou omissões da Pessoa Segura sob o efeito de álcool ou bebida alcoólica que determine grau de alcoolemia superior a 0,5 gramas por litro de sangue ou pelo uso de estupefacientes fora de prescrição médica ou quando seja incapaz de controlar os seus actos;

i) Utilização de veículos motorizados de duas rodas;

 j) Participação, como passageiro ou condutor, em corridas de velocidade, ralies ou quaisquer outras competições ou treinos com veículos a motor;

k) Prática de “Alpinismo”, “Espeleologia”, “Artes Marciais”, “Boxe”, “Luta”, “Judo”, “Caça de Animais Ferozes”, “Caça Submarina”, “Desportos de Inverno”, “Motonáutica”, “Motorismo”, “Paraquedismo”, “Tauromaquia” e outros desportos e actividades análogos na sua perigosidade;

l) Pilotagem de aeronaves;

m) Utilização, como passageiro, de aeronaves que não sejam as de carreiras comerciais devidamente autorizadas;

n) Cataclismos da natureza, tais como tufões, furacões, ciclones, terramotos, maremotos, erupções vulcânicas, inundações, acções do raio, suas consequências e outros fenómenos análogos nos seus efeitos;

o) Explosão ou quaisquer outros fenómenos directa ou indirectamente relacionados com a desintegração ou fusão de núcleos de átomos, bem como os efeitos da contaminação radioactiva;

p) Greves, assaltos, distúrbios laborais, tumultos, alterações da ordem pública, actos de terrorismo e sabotagem, insurreição, revolução, rebelião, guerra civil, invasão e guerra contra país estrangeiro, declarada ou não, e hostilidades entre nações estrangeiras, quer haja ou não declaração de guerra, ou actos bélicos provenientes directa ou indirectamente dessas hostilidades. (…)

IV. ENTRADA EM VIGOR DAS GARANTIAS.

1. Para cada Pessoa Segura, as garantias contratuais entram em vigor às zero horas do dia seguinte ao da aceitação do seguro por parte da seguradora, comunicada ao Tomador de Seguro ou na data de celebração do contrato de empréstimo se posterior;

2. A proposta de adesão ao segura considera-se aceite se, decorridos trinta dias, após a sua recepção na Seguradora, esta não notificar o Tomador do Seguro da aceitação, da recusa ou da necessidade de recolher esclarecimentos adicionais, nomeadamente a realização de exames médicos.

V. TERMO DAS GARANTIAS.

1. As garantias cessam os seus efeitos para cada Pessoa Segura, sendo esta excluída do grupo seguro:

a) no termo do contrato de empréstimo para crédito à habitação seja aquele inicialmente previsto ou antecipado por liquidação do empréstimo;

b) na data termo da adesão, se esta for diferente da data termo do contrato de empréstimo;

c) aos 65 anos de idade da Pessoa Segura para a garantia em caso de morte;

(…)

e) na data em que forem liquidadas as importâncias seguras ao abrigo de qualquer das garantias contratuais;

f) por falta de pagamento de prémios;

g) na data em que se verifique qualquer causa de anulabilidade ou nulidade do contrato de seguro prevista na lei nos termos contratuais. E considerada uma causa de anulabilidade de qualquer adesão a verificação sobre a Pessoa Segura, de qualquer risco formalmente excluído do contrato, independentemente de ser ou não susceptível de fazer funcionar as garantias contratuais. Sempre que se verifique a adesão de cônjuges ao contrato de seguro ao abrigo do contrato de empréstimo, a exclusão de qualquer um deles do grupo seguro, qualquer que seja a causa, determina, obrigatoriamente, a exclusão do que a ela se encontre ligado nessa qualidade, cessando as garantias contratuais.

VI. PRÉMIO.

(…)

4. O pagamento do prémio é fraccionado, de acordo com a proposta de adesão e é efectuado através de débito em conta bancária.

VII. CAPITAL SEGURO.

Para efeito das condições contratuais, o capital seguro ou importâncias seguras corresponde ao capital em dívida resultante do contrato de empréstimo, informado pelo Tomador do Seguro no momento da adesão e no início de cada anuidade aniversária do contrato de seguro.

VIII. LIQUIDAÇÃO DAS IMPORTÂNCIAS SEGURAS.

Após o cumprimento das CONDIÇÕES DE LIQUIDAÇÃO DAS IMPORTÂNCIAS SEGURAS, quando a elas houver direito, a liquidação efectuar-se-á:

1. Ao Banco, na qualidade de beneficiário aceitante, pelo capital em dívida resultante do contrato de empréstimo para crédito à habitação, no momento da ocorrência;

2. Aos beneficiários designados na proposta de adesão, pelo valor remanescente, se existir;

3. O valor total das indemnizações referidas nos números anteriores encontra-se limitado ao capital seguro no momento da ocorrência do sinistro que der lugar à respectiva liquidação.

IX. CONDIÇÕES DE LIQUIDAÇÃO DAS IMPORTÂNCIAS SEGURAS.

1. A liquidação das importâncias seguras, sempre que a ela houver direito, será efectuada de acordo com as condições contratuais e após o envio da seguinte documentação:

1.1. Em qualquer circunstância:

a) Participação de sinistro;

b) Cópia de documento comprovativo da identidade e da identificação fiscal da pessoa segura.

1.2. Adicionalmente, em qualquer circunstância, caso existam beneficiários diferentes do Tomador de Seguro:

a) Cópia de documento comprovativo da identidade e da identificação fiscal dos beneficiários, se diferentes do Tomador do Seguro, caso existam;

b) Certidão de habilitação de herdeiros ou certidão do processo de inventário, se a este houver lugar, desde que determinantes para a regularização do benefício.

1.3. Adicionalmente, em caso de morte da Pessoa Segura:

a) Certidão ou Certificado de Óbito da Pessoa Segura;

b) Documento comprovativo das causas e circunstâncias em que ocorreu o falecimento;

c) Relatório médico sobre a doença e sua evolução, se aquela for causa do falecimento.

(…)

X. DIREITOS DA PESSOA SEGURA.

1. Dar o seu consentimento para a efectuação da respectiva adesão ao contrato de seguro, expresso na assinatura da respectiva proposta de adesão;

2. Ser informada pela Seguradora de todos os esclarecimentos necessários à efectiva compreensão do contrato de seguro.

3. Nomear os respectivos beneficiários pelo valor do capital seguro remanescente, se existir, após dedução do capital em dívida resultante do contrato de empréstimo, em cada momento.

XI. OBRIGAÇÕES DA PESSOA SEGURA.

1. Informar a Seguradora, com verdade e de boa fé, de todos os factos que, sendo do seu conhecimento e nos termos das condições do contrato de seguro, possam influir na apreciação do risco proposto, aceitação da adesão e estabelecimento das respectivas condições;

2. Cumprir todas as formalidades que, nos termos do contrato de seguro, lhe são exigíveis pela Seguradora.

XII. VALIDADE E EFICÁCIA DO CERTIFICADO DE SEGURO.

Este certificado de seguro só é válido e de plena eficácia após aceitação das adesões propostas ao contrato de seguro pela seguradora e que aquelas se realizem efectivamente, com emissão e boa cobrança dos respectivos prémios – al. e ) dos factos provados.

No documento intitulado «certificado individual de adesão», emitido em 01.04.2000, pela Companhia de Seguros (…) S. A. consta como tomador de seguro o exequente, como pessoas seguras A (…) e B (…) e como n.º de apólice de vida grupo 9700596 – al. f ) dos factos provados.

As quantias referentes ao seguro de vida mencionado nas alíneas e) e f) eram pagas simultaneamente com as prestações mensais de reembolso junto do exequente – al. g ) dos factos provados.

A (…) faleceu em 1 de Outubro de 2004 – al. h) dos factos provados.

Em 20 de Outubro de 2004 a opoente dirigiu-se aos balcões do exequente informando do referido na alíena h) dos factos provados – al. i ) dos factos provados.

No escrito emitido pelo exequente, datado de 13 de Julho de 2004, dirigido a A (…), com o Assunto “Vida Grupo – Apólice n.º ....” consta: “Vimos comunicar a V. Ex.ª que os seguintes prémios devidos pelo seguro em assunto não foram pagos na data do seu vencimento: (…) De acordo com as Condições Gerais da Apólice em assunto, solicitamos que proceda ao pagamento dos prémios em dívida no prazo de 30 dias a contar da data desta carta, sem o que nos reservamos o direito de resolver o contrato de seguro, caso em que cessarão as coberturas e outras garantias nele estabelecidas. O respectivo pagamento poderá ser efectuado por cheque, à ordem de Totta Seguros e enviado para (…)» – al. j ) dos factos provados.

No escrito emitido pelo exequente, datado de 13 de Julho de 2004, A (…), com o Assunto “Vida Grupo – Apólice n.º ....” consta: “Vimos comunicar a V. Ex.ª que os seguintes prémios devidos pelo seguro em assunto não foram pagos na data do seu vencimento: (…) De acordo com as Condições Gerais da Apólice em assunto, solicitamos que proceda ao pagamento dos prémios em dívida no prazo de 30 dias a contar da data desta carta, sem o que nos reservamos o direito de resolver o contrato de seguro, caso em que cessarão as coberturas e outras garantias nele estabelecidas. O respectivo pagamento poderá ser efectuado por cheque, à ordem de Totta Seguros e enviado para (…)» – al. l ) dos factos provados.

No escrito emitido pelo exequente, datado de 20/08/2004, dirigido a A (…), com o Assunto “Vida Grupo – Apólice n.º ....” consta: “Não tendo sido pagos os prémios em dívida no montante de € 86,13 nem na data do seu vencimento nem no prazo concedido a V. Ex.ª para a sua liquidação, vimos comunicar que, nos termos que nos são consentidos pelas Condições Gerais da Apólice em assunto, optamos por resolver o correspondente contrato de seguro. Assim, declaramos resolvido tal contrato de seguro a partir de 28/08/2004, data a partir da qual cessam todas as coberturas e garantias nele estabelecidas. O contrato de seguro poderá, contudo, ser reposto em vigor mediante o pagamento até 28/02/2005 de todos os prémios em dívida acrescidos dos correspondentes juros de mora. Se entretanto tiver procedido ao pagamento do(s) prémio(s) em atraso, pedimos que considere este documento nulo e sem qualquer efeito (…) – al. m ) dos factos provados.

No escrito emitido pelo exequente, datado de 20/08/2004, dirigido a A (…), com o Assunto “Vida Grupo – Apólice n.º ....” consta: “Não tendo sido pagos os prémios em dívida no montante de € 9,60 nem na data do seu vencimento nem no prazo concedido a V. Ex.ª para a sua liquidação, vimos comunicar que, nos termos que nos são consentidos pelas Condições Gerais da Apólice em assunto, optamos por resolver o correspondente contrato de seguro. Assim, declaramos resolvido tal contrato de seguro a partir de 28/08/2004, data a partir da qual cessam todas as coberturas e garantias nele estabelecidas. O contrato de seguro poderá, contudo, ser reposto em vigor mediante o pagamento até 28/02/2005 de todos os prémios em dívida acrescidos dos correspondentes juros de mora. Se entretanto tiver procedido ao pagamento do(s) prémio(s) em atraso, pedimos que considere este documento nulo e sem qualquer efeito (…) – al. n ) dos factos provados.

Na ocasião referida na al. i) a opoente depositou na conta bancária referida nas alíneas a) e b) os montantes solicitados pelo exequente, no valor global de €600,00 – quesito 1.

Na ocasião mencionada na al. i) a opoente solicitou informações sobre o que deveria fazer para accionar o seguro de vida referido nas alíneas j) e l) – quesito 2.

Na sequência do referido na alínea i) foi informada que logo que entregasse a certidão de óbito o seguro seria accionado e não se devia preocupar com mais pagamentos – quesito 3.

Por virtude do referido na alínea i) e quesito 3.º a opoente estava convencida de que tinha cumprido o que lhe fora transmitido pelo exequente – quesito 4.

Os montantes referidos no quesito 1.º eram debitados de forma separada nas contas bancárias referidas nas alíneas a) e b) – quesito 5.

Os montantes referidos no quesito 1.º diziam apenas respeito às prestações dos créditos referidos nas alíneas a) e b) – quesito 7.

2 - Passando à análise da questão objecto do recurso.

a) A recorrente não questiona em sede de recurso se o contrato de seguro foi validamente resolvido pela seguradora por falta de pagamento de prémios, nomeadamente por ter notificado apenas o falecido marido da falta de pagamento dos prémios e ter omitido a mesma notificação quanto à executada oponente.

Nem questiona se estas matérias podem ser discutidas sem a presença da seguradora no presente processo.

Não questiona, também, não ser devedora da quantia mutuada que ainda está em dívida.

A recorrente concentra-se apenas no comportamento que o Banco adoptou nas circunstâncias, quer quando omitiu o pagamento dos prémios de seguro em dívida à seguradora, quer quando a recorrente/executada se deslocou às suas instalações dando notícia do falecimento do marido e perguntando o que devia fazer para accionar o seguro.

Por conseguinte, não se aludirá neste acórdão a essas outras questões.

Passando à análise das questões acima enunciadas.

b) Nos termos do artigo 816.º do Código de Processo Civil, na redacção em vigor à data da instauração do processo, «Não se baseando a execução em sentença, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 814.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração».

Cumpre, por conseguinte, averiguar se os factos provados se subsumem a alguma norma legal que preveja a inviabilidade da instauração da execução face à matéria de facto provada.

Vejamos se o Banco devia ter-se substituído à executada no pagamento dos prémios do seguro em falta, exigindo-os depois à executada.

Como resulta dos dois contratos de empréstimo a que aludem as alíneas a) e b) dos factos provados, o Banco ficou com o direito de «pagar por conta dos devedores os respectivos encargos, debitando-os na conta de depósitos à ordem e, em seu nome, receber as indemnizações em caso de sinistro».

Esta norma contratual teve como finalidade conferir ao Banco o direito de pagar prémios de seguro que os mutuários deixassem de pagar ficando logo com o direito de cobrar as quantias respectivas na conta dos mutuários.

Mas não resulta de tal cláusula contratual que tivesse sido conferido aos mutuários, ao mesmo tempo, o direito de exigirem do Banco que ele pagasse à seguradora prémios de seguro que eles tivessem deixado de pagar.

Ou seja, os mutuários não ficaram com o direito de exigir ao Banco uma prestação traduzida no dever do Banco pagar à seguradora os prémios de seguros de que eles mutuários eram devedores.

Por conseguinte, pelo facto do Banco não ter pago os prémios de seguro devidos pelos mutuários, embora o pudesse fazer, nenhum direito resultou dessa omissão para os mutuários.

Por outro lado, a matéria de facto não mostra uma situação que gere para o banco um particular dever de protecção em relação aos mutuários, pagando as suas dívidas para evitar a resolução do contrato de seguro.

Aliás, vendo a matéria pelo lado do banco, este pode ter interesse em não fomentar tal tipo de actuação, devido ao facto dessa sua atitude ser adequada a gerar nos mutuários um comportamento de relaxe generalizado no cumprimento das suas obrigações com base numa atitude do mutuário deste tipo: «devo pagar, mas não me convém pagar esta(s) prestação(ões); posso não pagar, pois se eu não pagar (mutuário) o banco (mutuante) pagará por mim e se o banco não o fizer eu depois posso responsabilizá-lo pelo meu incumprimento».

Afigura-se, pois, que da omissão do banco, no que respeita ao pagamento dos prémios devidos pelos mutuários à seguradora, nenhum direito resulta para estes últimos exercitável contra o banco.

Improcede, por conseguinte, este fundamento aduzido para a oposição.

Passando à segunda questão.

c) Vejamos se o comportamento do Banco, levado a cabo em 20 de Outubro de 2004, quando a executada/opoente se dirigiu aos balcões do Banco, informando que o marido tinha falecido no dia 1 desse mês e ano e perguntando o que deveria fazer para accionar o seguro de vida, gerou algum direito na esfera jurídica da executada que possa ser oposto ao direito do Banco ter instaurado a presente execução para cobrança da dívida.

Dívida cuja existência não é contestada pela recorrente.

Vejamos então.

Provou-se que a executada foi às instalações do Banco no dia 20 de Outubro de 2004 dando notícia do falecimento do seu marido, o outro mutuário, e que a mesma perguntou o que devia fazer para accionar o seguro.

Pagou nessa data €500,00 e €100,00 euros, quantias que lhe foram solicitadas em pagamento pelo Banco, o que fez através de depósitos nas contas bancárias abertas para efeito do pagamento dos empréstimos concedidos pelo Banco.

Foi declarado à executada pelo Banco que não se devia preocupar com mais pagamentos a partir do momento em que entregasse a certidão de óbito do marido (quesito 3.º).

A executada entregou a certidão de óbito do marido e, face ao que consta do processo, nada mais fez.

Verifica-se, porém, que, no dia 20 de Outubro de 2004, havia omissão de pagamentos de prémios de seguro, relativos à apólice n.º ...., vencidos em 1 de Abril de 2004, 1 de Maio de 2004 e 1 de Junho de 2004, cada um no montante de €28,71 euros; e também relativos à apólice n.º ...., vencidos em 1 de Abril de 2004, 1 de Maio de 2004 e 1 de Junho de 2004, cada um no montante de €3,20 euros (documentos n.º 1 e 2 da contestação).

Com base na omissão destes pagamentos a seguradora resolveu o contrato de seguro perante o mutuário A (…) e não pagou ao Banco, com tal fundamento, a dívida da executada (e do seu falecido marido (…)) para com o Banco.

A pergunta que se coloca consiste em saber se o Banco agiu ou não como devia ter agido.

Isto é, se o Banco no dia 20 de Outubro de 2004, devia ter informado a executada que havia prémios de seguro por pagar e devia ter solicitado a esta o respectivo pagamento?

Numa primeira análise poder-se-á dizer que era dever da executada saber quais eram as suas dívidas e saber se estavam ou não pagas.

Efectivamente, a executada, como devedora, tinha o dever de conhecer estes factos, ou seja, tinha o dever de saber se tinha pago aos seu credores, Banco e Seguradora, as prestações mensais relativas aos empréstimos.

Aliás, havendo prestações em dívida ao Banco teria de haver prestações em dívida à Seguradora, já que ambas as prestações (seguro e mútuo) eram pagas simultaneamente (ver al. g) dos factos provados).

Sendo ambos os montantes debitados na mesma conta bancária, mas de forma separada – ver resposta ao ponto 5.º da base instrutória –, era fácil saber pela análise do extracto bancário se havia ou não prémios de seguro em dívida ou prestações relativamente ao mútuo.

No que respeita à executada é de concluir que, com a utilização de uma diligência meridiana podia ter sabido, por iniciativa própria, se havia ou não prestações em dívida, sem necessidade do banco a tutelar na defesa dos seus interesses, suprindo as suas falhas.

E quanto ao Banco?

Devia ter declarado à executada que havia prémios de seguro por pagar e devia ter solicitado a esta o respectivo pagamento quando esta no dia 20 de Outubro de 2004 se apresentou a perguntar?

A resposta deve ser afirmativa, pelas seguintes razões:

Se o banco pede, como pediu nessa ocasião, o pagamento das prestações em dívida relativas ao mútuo, no total de €600,00 euros, as quais foram pagas (ponto 1 da base instrutória), devia ter alertado a executada que tal verba respeitava apenas ao mútuo, mas não aos prémios do seguro, que ficavam em dívida, informação esta simples de dar e que colocava logo a executada em posição de não poder ignorar que havia prémios de seguro por pagar.

Esta advertência era devida porque ambas as prestações saíam da mesma conta, embora tivessem deduções autónomas, não sendo claro para a executada, na altura em que pagou os €600,00 euros, se a verba respeitava apenas ao mútuo ou também aos prémios do seguro.

Qualquer pessoa colocada na sua posição seria levada a presumir que a verba que lhe foi solicitada respeitava a tudo o que era devido até à data do falecimento do marido, pois ela deslocou-se ao banco precisamente a dar notícia de tal falecimento e para saber como devia proceder para accionar o seguro.

Se após ter dado esta informação o banco lhe pediu aquela quantia e não outra mais elevada, o raciocínio lógico, no âmbito de uma racionalidade prática, consiste em concluir que nada mais é devido.

E tal conclusão saiu reforçada ao ser «informada que logo que entregasse a certidão de óbito o seguro seria accionado e não se devia preocupar com mais pagamentos» (quesito 3).

E tanto assim é que resultou provado que «Por virtude do referido na alínea i) e quesito 3.º a opoente estava convencida de que tinha cumprido o que lhe fora transmitido pelo exequente» (quesito 4).

Face a estes factos é de concluir que a actuação do banco foi causal para o incumprimento posterior da recorrente.

Com efeito, se o credor (banco) diz à devedora (recorrente) que não tem de se preocupar mais com pagamentos logo que entregue uma certa certidão, então, entregue esta, o devedor considera-se liberado da responsabilidade de, por sua iniciativa, fazer posteriormente o que quer que seja.

Parece claro, pois, que a posterior instauração da execução, sem que previamente o banco tenha contactado a recorrente, dando-lhe oportunidade de pagar o que eventualmente houvesse em dívida, é actuação contraditória com o comportamento anterior.

A recorrente invoca a figura do abuso de direito e com razão, face ao que fica mencionado.

Com efeito, nos termos nos termos do artigo 334.º do Código Civil, «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

No caso em apreço a boa fé impunha a abstenção de assunção de comportamento contraditórios se deles pudesse resultar prejuízo para a outra parte, como foi o caso.

A boa fé apresenta-se aqui como um princípio normativo da acção de cada uma das partes contratantes ([1]), no sentido de agirem correctamente em cada momento e no sentido daquilo que cada um espera legitimamente do outro.

Ora a actuação do banco que fica descrita configura uma actuação que se integra na figura do «venire contra factum proprium» e preenche, efectivamente, a previsão do mencionado artigo 334,º do Código Civil ([2]).

Com efeito, como se disse, a actuação do banco, informando a recorrente que «não tinha de se preocupar mais com pagamentos», gerou nesta a crença e a confiança de que não tinha de se preocupar com os pagamentos (pelo menos, até informação em contrário do banco credor).

Ora, gerada esta crença e confiança na recorrente, tal estado não pode ser alterado posteriormente de forma unilateral e sem aviso prévio, por uma nova actuação do credor, de sinal contrário, que se traduziu, no caso dos autos, pela instauração de uma execução destinada a obter a totalidade da dívida por falta do mencionado pagamento.

Tal confiança gerada pelo banco implicava que este, antes de avançar para a acção executiva, tivesse exposto à recorrente a situação real em que se encontravam os contratos de mútuo e de seguro, dando-lhe oportunidade para liquidar a dívida relativa aos mútuos, mantendo estes contratos.

Ao não ter dado este passo prévio e ter avançado logo para a acção executiva, o banco agiu com abuso de direito.

O abuso de direito constitui matéria de excepção susceptível de ser alegada como defesa em processo de declaração, por isso igualmente viável no âmbito da oposição à execução não baseada em sentença - artigo 816.º do Código de Processo Civil.

A sanção para as situações de abuso de direito depende da especificidade de cada caso.

No caso, as recorrentes têm uma dívida emergente dos contratos de mútuo.

O que sucede é que esta dívida não é exigível nos termos em que se encontra definida na petição executiva.

A sanção para o abuso de direito neste caso consiste apenas na neutralização da presente acção executiva.

Com efeito, concluindo-se pelo abuso de direito, como se concluiu, o crédito invocado pela exequente surge como inexigível e, por isso, torna a presente execução inviável, o que implica que se ordene a sua extinção.


*

A apreciação de quaisquer outros fundamentos fica prejudicada, por inutilidade, face aos resultados que acabam de ser expostos.

III.

Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e declara-se extinta a execução.

Custas pela recorrida.

[1] «A boa fé significa agora que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente do exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros» -  Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, pág. 55.

[2] «No que respeita ao quadrante próprio da proibição do  venire contra factum proprium no âmbito do abuso de direito ( artº 334º do código Civil ), parece-nos que tal proibição corresponde àquela parte da fórmula legal que considera ilegítimo o exercício de um direito, " quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé »  - Baptista Machado, in Tutela da Confiança e V.C.F.Proprium, Obra Dispersa, Vol.I, pág.385 .