Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
39/22.5GDCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA COIMBRA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRIVILÉGIO FAMILIAR COMO DERROGAÇÃO AO DEVER DE TESTEMUNHAR
OMISSÃO DA ADVERTÊNCIA PREVISTA NO N.º 2 DO ARTIGO 134.º DO C.P.P.
PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DA PROVA
REPRODUÇÃO EM JULGAMENTO DAS DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
Data do Acordão: 11/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO – JUIZ 2
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO E ANULADO O JULGAMENTO
Legislação Nacional: ARTIGOS 134.º, N.º 2, 271.º, N.º 6, 332.º, N.º 7, 339.º, N.º 4, 352.º, N.º 2, 368.º, N.º 2, 374.º, N.º 2, E 379.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
Sumário:
I – Independentemente de os factos que o tribunal considerou provados bastarem, em tese, para a solução de direito encontrada, a circunstância de ter ignorado a contestação do arguido gera a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do C.P.P. 

II – A advertência referida no n.º 2 do artigo 134.º do C.P.P., sobre a possibilidade da recusa de depor, deve ser realizada qualquer que seja a fase em que o processo se encontre e mesmo quando o suspeito ainda não tenha sido constituído arguido, na medida em que não é a qualidade de arguido que faz operar o privilégio familiar, mas sim a relação familiar que envolve o suspeito e a testemunha.

III – A valoração da prova obtida com omissão daquela advertência configura proibição de valoração da prova e determina a anulação do julgamento.

IV – A não reprodução, em julgamento, dos depoimentos para memória futura, com o fundamento de que a reprodução das declarações não é obrigatória, equivale à postergação do contraditório, da transparência e da independência.

Decisão Texto Integral:

          I

          No processo comum com intervenção de tribunal singular … foi, além do mais, decidido (transcrição):

Condenar o arguido como autor material de:

- um crime de violência doméstica agravado, …

(…).


*

            Inconformados, recorreram o Ministério Público e o Arguido para este Tribunal, concluindo os respetivos recursos do seguinte modo:

          Transcrição das conclusões do recurso interposto pelo Ministério Público:

            1. Nas presentes motivações de recurso pretende-se impugnar a sentença proferida nos presentes autos, na parte que respeita à medida da pena, uma vez que a matéria de facto constante da acusação, foi dada como integralmente provada.


*

            Conclusões do recurso interposto pelo Arguido (transcrição):

4. Na motivação da sentença, o tribunal a quo limitou-se a indicar as testemunhas e documentos que considerou relevantes, sem especificar os factos atinentes a cada um deles e, pior, sem efetuar qualquer exame critico das provas que serviram para formar a sua convicção.

14. A sentença não indicou minimamente o núcleo dos factos provados a que se reporta o seu convencimento probatório a partir de cada um daqueles mencionados testemunhos e documentos, nem explanou, a partir dos mesmos, o percurso lógico-dedutivo que presidiu à convicção firmada sobre aqueles.

18. Na sua contestação o arguido impugnou motivadamente os factos vertidos na acusação, …

19. Ora, a sentença é também nula por não ter enumerado entre os factos provados e não provados aqueles alegados pelo arguido na sua contestação e bem assim os resultantes da audiência de julgamento, nos termos do art. 339º, nº4 e art.374º, nº2, conjugado com o art.379º, nº1, al.a).

20. A falta de pronúncia probatória sobre eles e o não conhecimento de questões jurídicas suscitada pela defesa do arguido em conexão com a sua alegação factual é também fundamento de nulidade na al. c) do nº1 do art.379.º, na vertente da omissão de pronúncia, o que aqui se invoca.

21. Na motivação da sentença o tribunal afirmou ainda ter-se baseado nas declarações da ofendida … e do seu filho …

 22. Sucede que tal inquirição foi realizada no dia 30-06-2022 em memória futura … sem a presença do arguido, já que o seu afastamento dessa diligência foi ordenado expressamente nos termos das disposições conjugadas dos art.s 271º, nº6 e 352º, nº1, do Código Processo Penal, …

23. Sendo aplicável o disposto no art.352º quanto às limitações da presença do arguido, certo é que em audiência de julgamento, onde esteve presente, não lhe foi comunicado o teor dessas declarações prestadas na sua ausência …, o que fere aquelas declarações de nulidade e consequentemente não podem ser valoradas, tudo nos termos das disposições conjugadas do art.332º, nº7, ex vi art.352º, nº2 e art.271º, nº6.

24. Trata-se de uma nulidade tipificada no art.332º, nº7, inclusivamente insanável já que a falta de comunicação pessoal dessas declarações prestadas na sua ausência é equiparável à ausência do arguido, quando obrigatória, na previsão da alínea c), do art.119º, tanto mais que, não tendo sido reproduzidas em audiência, o arguido não teve conhecimento das mesmas, nem oportunidade de sobre elas se pronunciar.

25. Ademais, as testemunhas ali inquiridas, respetivamente ex-mulher e filho do arguido, não foram advertidas nesse ato da faculdade de se recusarem a depor, o que fere aquelas declarações de nulidade e consequentemente não podem ser valoradas, tudo nos termos do art.134º, nº1 e 2.

26. A violação do regime de proibição e valoração de prova configura um vício de erro notório na apreciação da prova (art.410º, nº2, al.c)), o que aqui se invoca.


*

            Os recorrentes responderam, reciprocamente, aos recursos interpostos, mantendo o entendimento expresso nas respetivas motivações.

                                                           *

          Recebidos os recursos e respostas foram os autos remetidos a este Tribunal, onde foi emitido pelo Ministério Público o seguinte parecer …


******


            …

                                                                       *

            Cumpre apreciar e decidir, tendo em conta que são as conclusões dos recursos que delimitam a apreciação a fazer por este Tribunal ( art. 412 nº 1 do CPP), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e que, analisando as sínteses conclusivas, temos as seguintes questões a apreciar:

          …

                                                           *

          No recurso do arguido, aferir:

          …

          -se a sentença é nula por falta de exame crítico da prova e de fundamentação e ainda por não ter considerado a contestação do arguido;

          …

          -se os depoimentos da ex-mulher e do filho não podiam ser valorados por não ter sido dado cumprimento ao disposto nos artigos 352º, nº 2, 332, nº 7, 271 nº 6 e 134º nºs 1 e 2 do CPP, e se tal constitui nulidade insanável e erro notório na apreciação da prova;

          …


*

          É a seguinte a matéria de facto e respetiva fundamentação constante da sentença da 1ª instância (transcrição):

                                                           *

Motivação

Os factos dados como provados colhem a sua demonstração nas declarações da arguida que os relatou de forma clara e objectiva; depoimento do filho …, que relatou discussões entre o pai ( arguido) e a mãe…   e depoimento de …, filho do casal (arguido e ofendida)

Depoimento de …, residente em …

… que relato de forma clara, segura e objectiva do factos ocorridos na E.N. …

…, militar da GNR, foi ao local, a ofendida disse que o arguido lhe retirou e destruiu o telemóvel; mais referiu, ao sr-lhe exibida a fotografia de fls 545, que fez o relatório fotográfico desses objectos, que foram entregues pela …

No dia da ocorrência não foram feitas diligências os encontrar;

VIATURA da ofendida tinha danos na parte dianteira, não nas laterais, a nível da grelha a para-choques; não fez reportagem fotográfica;

A ofendida apresentava-se assustada e com receio a de futuras abordagem pelo arguido;

…, que relatou que se encontrava ao telefone com a ofendida, ( abordagem na estrada) que do ouviu barulho e a ofendida lhe pediu para ligar por socorro.

Mais e valorou os relatórios fotográficos de fls. 11 e de fls. 463-467 e 468-469; Print mensagens de fls. 34, 86-87, 139-140 e 141; relatório IML de fls. 144-145 sobre as lesões da ofendida, informações clínicas de fls. 146-147;

Face a tais depoimentos e prova documental não se valoraram as declarações do arguido em contrário.

Certificado de registo criminal e relatório da DGRSP.

Mais se valoraram os depoimentos das testemunhas …., …, esta actual companheira) …, …, todos eles referiram o arguido como pessoal calma e equilibrada, integrada no meio social onde vive.


*

            Apreciação dos recursos.

          Como se constata da variedade das questões trazidas à apreciação deste tribunal, umas há cuja análise impõe precedência na apreciação, na medida em que, a verificar-se a sua procedência, tal implicará que outras fiquem prejudicadas. Assim, impõe um juízo de prejudicialidade a invocação, pelo arguido, das nulidades decorrentes da omissão na sentença recorrida dos factos constantes da contestação, da falta de exame crítico da prova e da violação do disposto nos art. 134 nº 2 e 332 nº 7 do CPP.

          E é, portanto, por se atribuir prioridade lógica às várias questões enunciadas que se começará a apreciação dos recursos pelo do arguido e, neste, pela questão da nulidade da sentença por falta de consideração dos factos elencados na contestação apresentada.

          Efetivamente o arguido contestou a acusação por requerimento (que não está materialmente nos autos, mas deveria estar), com a referência 3168798 (de 06.03.2023), afirmando que “os factos constantes da douta acusação pública não correspondem à verdade pois a mesma resulta em exclusivo dos falsos depoimentos prestados por …”, …

O documento que juntou, onde impugnou os factos e para o qual remeteu, é do seguinte teor, na parte que para agora importa ( transcrição):

“ao longo do relacionamento sempre foram existindo problemas e discussões entre o casal, em regra, com origem em suspeitas resultantes dos comportamentos adúlteros adotados pela ex-companheira do arguido, que, aquando das suas declarações para memória futura, acabou por confessar, parcialmente, tais factos, …

Apesar desse comportamento nunca deixou de ter uma atitude impositiva, dando ordens, não aceitando nem acatando opiniões contrárias.

Facilmente e de forma recorrente, passava das agressões verbais para as físicas, tendo o ora recorrente amiúde necessidade de se defender, pois nunca a molestou fisicamente nem verbalmente, sem ser em legítima defesa.

Sendo falso que o ora recorrente, insultasse ou humilhasse a sua ex- companheira, …

… é falso que o arguido tenha aparecido de surpresa na casa morada de família, …

A verdade é que, os seus filhos, após aquela mudança, em fevereiro de 2022, para casa dos avós maternos, deixaram de lhe responder às mensagens e de atender as suas chamadas, …

Relativamente aos factos indiciados nos pontos 22.o), …, nesse dia, o ora recorrente dirigiu-se a Castelo Branco com o intuito de falar com a sua ex-companheira, para tentar perceber o porquê dos seus filhos, nomeadamente, o seu filho mais novo, … não lhe responder às mensagens e não atender as suas chamadas, desde que tinham ido viver para casa dos pais daquela.

Porquanto, atentemos, primeiramente, no facto do ora recorrente sofrer de uma incapacidade que afeta os seus membros superiores, principalmente, o seu braço esquerdo, tendo ficado sem osso na parte superior, derivado de um acidente que sofreu em 2002 e, em resultado do sobredito acidente, a sua destreza e força física ficou substancialmente afetada e diminuída. …

O que, demonstra, inequivocamente, que o ora recorrente não tinha capacidade para desferir contra a sua ex-companheira os ferimentos ali descritos.

Por outro lado, importa também trazer ao conhecimento deste Tribunal o facto da ex-companheira do ora recorrente ser ou ter sido praticante de "jiu jitsu", arte marcial.

Pelo que, dificilmente, tendo ela tais conhecimentos, e em face das incapacidades do arguido, permitir que este a agredisse da forma como descreveu.

            Esta forma de proceder processualmente e de contestar não é correta, mas, bem ou mal, o tribunal aceitou-a considerando na sentença que “o arguido apresentou contestação e arrolou testemunhas” e que “em sede (de) contestação impugnou os factos vertidos na acusação”. Se a aceitou, como é incontroverso, não poderia deixar de tirar daí as consequências necessárias, que o mesmo é dizer que as afirmações feitas pelo arguido na sua contestação e, consequentemente, a sua versão dos factos teria de ter sido considerada na sentença e levada à factualidade fixada consoante ficasse, ou não, provada.

          E assim deveria ser, desde logo por respeito pelo princípio do contraditório, o qual é um dos princípios gerais da prossecução processual, está consagrado constitucionalmente (artigo 32, nº 1 da Constituição da República Portuguesa) e deve ser observado pelo tribunal desde o início do processo (artigo 61º, nº 1, alíneas a), b) e g) do CPP), até ao julgamento (artigos 321º nº 3, 323º alínea f), 327º, 341º, 348º nº 4 e 360, nº 1 e 2 do CPP).

          Trata-se, como diz o Professor Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974º, 149 “da tradução moderna de velhas máximas audiatur et altera pars e (com especial atenção ao papel da defesa, historicamente o que mais vezes foi esquecido e aviltado) nemo potest inauditu damnari”.

            Ora, o arguido, não obstante ter apresentado contestação, não viu a sua versão dos factos apreciada pelo tribunal a quo, ou, pelo menos, não se percebe que o tenha sido de forma inequívoca, na medida em que nenhum dos factos da sua versão passou para a factualidade ( provada ou não provada ) da sentença.

          Como se disse no Ac. RG de 09.12.2020, proferido no processo 24/19.4GAVPA.G1 in www. dgsi.pt: “1. Por força dos art 374º nº2, 339º nº 4 e 368 nº 2 todos do CPP, o tribunal é obrigado a indagar e a pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela defesa ou resultem da discussão da causa, devendo o exame crítico das provas ser de tal ordem que não fiquem quaisquer dúvidas sobre as razões objetivas pelas quais foram valorizadas ou desvalorizadas provas e sobre o percurso racional seguido pelo juiz até à decisão. 2. Se o arguido, na contestação, apresenta uma versão dos factos diferente da que consta na acusação, o tribunal não a pode ignorar, sob pena de elaborar uma sentença nula (art 379º nº 1 alínea a) e c) do CPP).”

            Ora, no caso sub iudice o tribunal ignorou, por completo, a contestação do arguido e na motivação da decisão de facto, depois de elencar as provas produzidas sem as analisar, veio apenas a dizer que “face a tais depoimentos e prova documental não se valoraram as declarações do arguido em contrário.”

            Esta forma de expor a formação da convicção é claramente insuficiente. Como também se disse no acórdão atrás citado “estando em causa uma sentença condenatória qualquer pessoa que a leia tem de ficar sem qualquer dúvida sobre as razões de facto e de direito que nela constam. E essas razões devem estar, como se sabe, explicitadas na fundamentação da decisão.

            Fundamentar uma decisão é uma obrigação que decorre do CRP (art 205º), que decorre da lei (art 374º nº 1 do CPP) e que se impõe à consciência do julgador. Quem é condenado ou absolvido tem de saber, claramente, porque o é, porque não podia deixar de o ser. Isto é, tem de ficar convencido da correção da decisão.

            De igual modo, em caso de recurso, o tribunal ad quem tem de perceber que o tribunal a quo chegou à conclusão a que chegou depois de uma exaustiva, final e serena análise da matéria de facto e, tudo isto, tem de transparecer da decisão proferida.

            Ora este Tribunal da Relação não percebe que a análise da matéria de facto feita pelo tribunal a quo tenha tido tais caraterísticas, desde logo por ter sido ignorada a versão do arguido levada aos autos. É que pelo menos – caso não merecesse acolhimento – na matéria de facto não provada ela deveria constar.

          A esta conclusão não obsta a circunstância de os factos que o tribunal considerou provados bastarem, em tese, para a solução de direito encontrada. Impunha-se uma análise de todos os factos, desde que relevantes, levados ao conhecimento do tribunal.

            Tanto basta para que a sentença proferida seja nula, nulidade esta que foi invocada, mas que sempre seria de conhecimento oficioso.

Mas atendendo ao restante teor do recurso do arguido impõe-se desde já, adiantar também um olhar sobre as demais nulidades invocadas, uma vez que como se verá, não é só a sentença que deverá ser anulada, mas também o julgamento, por forma a garantir que a nova sentença que vier a ser elaborada venha expurgada de todos os erros de que padece a que está em apreciação.

Duas das provas em que se percebe que o tribunal a quo se baseou para formar a convicção adquirida foram os depoimentos da ofendida e do filho mais novo, prestados em declarações para memória futura.

          Invoca o arguido, a nulidade de tais depoimentos sob duas perspetivas: por não terem sido precedidos da advertência a que alude o artigo 134 nº 2 do CPP e por não ter sido cumprido o disposto no artigo 332º, nº 7 do CPP.

          Comecemos pela primeira das duas questões: a falta de advertência da ex mulher e do filho do arguido da possibilidade de se recusarem a depor e as consequências daí resultantes.

          Dispõe o artigo 134º do CPP com a epígrafe “Recusa de depoimento”:

 

            Trata-se de uma norma que consagra o privilégio familiar como derrogação ao dever de testemunhar. Quer se entenda que a fundamentação da recusa a depor se encontra na proteção do arguido enquanto manifestação do princípio nemo tenetur, quer na proteção da busca da verdade, quer na proteção da testemunha perante um conflito de consciência ou de interesses, quer na proteção de relações familiares (cfr. Cruz Bucho in A recusa do depoimento de familiares do arguido: o privilégio familiar em processo penal (notas de estudo acessível in www.trg.pt)) o certo é que ela projeta o entendimento expresso por Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, Coimbra 1988 – 9, pag. 22 segundo o qual “não obstante a descoberta da verdade material ser uma finalidade do processo penal não pode ela ser admitida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se veem envolvidas.”

            Como é dito no Acórdão do Tribunal Constitucional 154/2009 o efetivo exercício do direito é garantido pela obrigatoriedade de advertência – imposta à entidade competente que recebe o depoimento – às pessoas que tenham a possibilidade de recusar o depoimento, por forma a que a opção da testemunha decorra de uma decisão informada, pois só assim fica inteiramente salvaguardada a faculdade – o direito ao silêncio – que lhe é conferida, não só por causa do seu íntimo conflito de consciência, mas também para proteção do mesmo circulo familiar a que ela e o acusado pertencem.

            A advertência deve ser realizada qualquer que seja a fase em que o processo se encontre e a sua falta é, nos termos da lei, cominada com nulidade. A natureza desta nulidade não é pacífica, nem na doutrina, nem na jurisprudência.

          Seguindo as referências doutrinais e jurisprudenciais referidas por Cruz Bucho in ob. cit., pag. 153, 154, na doutrina é entendida, por uns, como uma verdadeira proibição de prova (cfr., neste sentido, Costa Andrade in Sobre as proibições de prova em processo penal, página 203: “A lei portuguesa prescreve a sanção da nulidade para a omissão do esclarecimento fazendo, por isso, impender sobre o depoimento a correspondente proibição de valoração”,  e em “Bruscamente no verão passado, a reforma do Código de Processo Penal, Coimbra Editora, 2009, 134  ; também Medina de Seiça: “a omissão de tal esclarecimento configura, como ensina Costa Andrade uma verdadeira proibição de produção de prova a convocar, atenta a sanção prevista, a correspondente “proibição de prova”” in Revista Portuguesa da Ciência Criminal, ano 6 , fascículo 3º, pág. 493, nota 38; ainda André Lamas Leite in Revista da Faculdade de Direito da UP, ano 1, 2004, pág. 17, nota 25; e Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, 375) e, por outros, como uma nulidade dependente de arguição e sanável se não for arguida antes que o depoimento esteja terminado (Costa Pimenta in Cód. Processo Penal Anotado, 557, Maia Gonçalves in CPP 13ª edição, Coimbra 2002, 354; Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, II, 1ª edição 2011, 130 e 207; Leal Henriques – Simas Santos e Santos Cabral in António Henriques Gaspar e outros CPP Comentado, 533); na jurisprudência, “até meados de 2008 sempre se considerou, de modo uniforme que a omissão da advertência constituía uma nulidade sanável que, de acordo com o estatuído no art. 120º, nº 3 alínea a) do CPP devia ser arguida até à conclusão do depoimento”, até que “ao nível das Relações, o ponto de ruptura dá-se com o Ac.RE de 03/06/2008 proferido no processo 1991/07-1, depois seguido pelo Ac.RC de 25/05/2014 proferido no proc. 313/10.3TACNT – A.C1 e pelo Ac.RP de 22/10/2014 proferido no proc 315/13.0GCLMG.P1 que considerou que a nulidade concretizada no artigo 134º, nº 2 do CPP consubstancia uma proibição de prova”. O Supremo Tribunal de Justiça no Ac de 11/02/2015 proferido no proc. 182/13.1PAVFX.C1 refere-se à omissão de advertência nos seguintes termos: “considerando que o que está em causa é a proteção de um direito à reserva da vida privada e familiar, facilmente acabamos por subsumir o caso no âmbito do art. 126, nº 3 do CPP e considerar que estamos perante um método proibido de prova a impor a nulidade”.

            O citado Autor afasta-se da nova tendência jurisprudencial, sem deixar, contudo, de entender que “quando a testemunha manifesta o propósito de recusar-se a depor podendo legalmente fazê-lo e, não obstante, é coagida, compelida ou obrigada, contra sua vontade, a depor sob ameaça de procedimento criminal, neste caso encontramo-nos perante uma verdadeira proibição de prova.

            Do mesmo modo, quando a entidade competente para receber o depoimento é conhecedora que a testemunha labora em erro, por pensar estar obrigada a depor, ou desconhece a faculdade de se recusar a depor e, deliberadamente, não a informa daquela faculdade, de deverá considerar que estamos perante um método proibido de prova.

            Diferentemente, quando a entidade competente por desconhecimento ou como é mais frequente, por puro esquecimento, não adverte a testemunha da faculdade de se recusar a depor, esta omissão não representa mais do que um mero incumprimento de uma norma processual, mais não é do que a violação de uma prescrição ordenativa de produção de prova”.

            Mais entende, concluindo, que “o direito de recusa não se funda na tutela da vida privada”, que “da omissão do dever de advertência não resulta, pois, qualquer proibição de valoração” e que “a omissão da advertência constitui nulidade (processual) sanável que, de acordo com o estatuído no artigo 120º, nº 3, alínea d) do CPP deve ser arguida até à conclusão do depoimento”.

            As consequências de se estar perante uma proibição de produção ou de valoração de prova, ou uma nulidade sanável por falta de invocação da omissão até final do depoimento, são bem distintas, como se percebe, pelo que se impõe uma opção clara por uma das linhas de entendimento.

          Colhe-se dos autos que nos termos dos artigos 33º, nº 1 da Lei 112/2009 de 16.09, 24º da lei 130/2015 de 4.9 e dos artigos 271º, nº 1 do CPP e 26 e 28, nº 2 da Lei 93/99 de 14.07 foi determinado tomar declarações para memória futura a … e …, respetivamente ex mulher e filho do arguido.

          Mais foi determinado que “por haver razões para crer que a audição das vítimas, na presença do suspeito, as poderia inibir de dizer a verdade, atenta a natureza dos factos em causa e a relação entre eles, caso venha a ser constituído arguido, desde já se determina o afastamento do arguido durante a prestação de declarações para memória futura, nos termos do disposto nos artigos 33º, nº 5 da Lei 112/2009 de 16.09 e 352º, nº 1, alínea b) do CPP, sendo o mesmo representado nesse ato, pelo seu ilustre defensor”.

            Na data aprazada foi ouvida …, ficando a constar do auto de declarações para memória futura, depois da identificação da depoente que “questionada nos termos do artigo 348º, nº 3 do CPP disse conhecer o denunciado por ter estado casada com ele, nada a impedindo de dizer a verdade.

            Foi advertida de que deve falar com verdade ao tribunal sob pena de incorrer em responsabilidade criminal.

            Prestou juramento legal e o depoimento foi gravado...”

            Posteriormente foi ouvido …, com 12 anos de idade … filho do denunciado e da anterior depoente, ficando a constar da ata que “Questionado nos termos do artigo 348º, nº 3 do CPP disse conhecer o denunciado por este ser seu pai.

            Foi advertido de que deve falar com verdade ao tribunal.

            Prestou declarações e o seu depoimento foi gravado...”,

            É incontroverso que quer a ex mulher, quer o filho, deveriam ter sido advertidos de que poderiam recusar-se a depor como testemunhas. Aquela por ter sido casada e ter também vivido maritalmente com o denunciado (artigo 134º, nº 1 alínea b) do CPP), este por ser filho (artigo 134º, nº 1, alínea a) do CPP). A esta conclusão não obsta o facto de o denunciado não ter, ao tempo, sido ainda constituído arguido (neste sentido veja-se a unanimidade da jurisprudência retratada na nota 64, da página 33 da tese “depoimentos para memória futura – conteúdo dogmático e aplicação prática de Pedro Jorge F. Neves) na medida em que não é a qualidade de arguido que faz operar o privilégio familiar, mas sim a relação familiar que os envolve, tanto mais quanto as declarações para memória futura são uma antecipação parcial do julgamento pelo que sempre teriam que respeitar-se as formalidades exigidas para o julgamento, com as necessárias adaptações.

          …

          Mas antes, em jeito de parêntesis (e porque tal motivou a invocação de outras nulidades no recurso que se aprecia) há ainda que referir que foi indeferida a reprodução destes depoimentos em audiência, não obstante ter sido requerida pelo Ministério Público e pela “Patrona da Ofendida”, pela consideração de que “a sua audição não é obrigatória, sem prejuízo de “continuarem a ter valor probatório decorrente da lei” (folhas 1567 verso e 1568), e que deles não foi dado conhecimento ao arguido, sendo certo que na sentença ficou a constar que os dois depoimentos foram valorados e com base neles foi fixada a factualidade provada.   

          Ora, o julgamento é o momento para o qual todo o processo tende, o mais decisivo momento do processo, o mais solene momento onde relevam de forma particular certos princípios gerais relativos à prossecução processual (princípios da investigação e da concentração), princípios gerais quanto à prova (princípios da legalidade, da livre apreciação e in dubio pro reo) e à forma (princípios da publicidade, da oralidade e da imediação) (cfr Maria João Antunes in Direito Processual Penal, 2ª Edição, Almedina, 171). Em relação a todos eles não deixa de estar presente que, em regra não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência ( art. 355, nº 1 do CPP).

            Assim, a não reprodução em julgamento de depoimentos anteriormente prestados, dos quais não foi atempadamente dado conhecimento formal ao arguido, equivale, na prática, à dispensa de contraditório sobre a prova, o que implica que a justificação que foi dada pelo tribunal a quo, de que a reprodução das declarações não é obrigatória não satisfaça o mais elementar sentido de justiça, porque o facto de não ser obrigatória, não significa que não seja conveniente, ou até necessária. A celeridade eventualmente obtida com tal decisão, de modo algum justifica a postergação do contraditório, da transparência, da independência de procedimento, que deve caraterizar toda a atuação de qualquer tribunal durante o julgamento. Como é dito no Acórdão do Tribunal Constitucional de 21.12.2020, proferido no processo 739/2020, cujas considerações são transponíveis para a situação em apreço “Tratando-se de valoração de prova declarativa (…) a cujo o conteúdo se permite que o tribunal aceda fora o âmbito da audiência do julgamento e à revelia (do arguido) apesar de ali presente, bem se vê que qualquer ganho que dai pudesse advir para a celeridade do processo penal seria sempre, para além de em si mesmo pouco expressivo, insuficiente e imprestável para justificar, em face da relevância dos interesses protegidos pelo direito fundamental restringido, o encurtamento das garantias de defesa com que é definida a medida dessa restrição. Para além do enfraquecimento da própria estrutura acusatória do processo na dimensão que repudia a apreciação não dialética dos meios de prova, a dispensa do contraditório sobre a prova integrada pelas declarações processuais anteriormente prestadas (…) no processo (…) não encontra no lado contrário da balança um interesse de grandeza suficiente para poder justificá-la.

            Portanto, aqui chegados, é já possível fazer a afirmação de que o tribunal que procedeu à inquirição para memória futura, violou a lei ao omitir a advertência imposta pelo nº 2 do artigo 134º do CPP e o tribunal do julgamento manteve-se no erro ao não cumprir o disposto nos art. 271 nº 6, 352 nº 2 e  nº 7 do art. 332º todos do CPP e ao não reproduzir em julgamento as declarações prestadas para memória futura. É certo que à reprodução das declarações em julgamento não estava o tribunal a quo obrigado por força da jurisprudência fixada pelo AC.FJ 8/2017, publicado no DR 224/2017, I, de 21.11, mas também é verdade que a reprodução das declarações permitiria que o tribunal, os demais sujeitos processuais e até as testemunhas, se necessário, pudessem ser confrontados com o seu teor e que a comunidade em geral - porque a justiça é administrada em nome do povo (art. 202º da Constituição da República Portuguesa) - pudesse ficar a conhecer os verdadeiros fundamentos da decisão proferida.

          Fechado o parêntesis e voltando à questão inicial – a omissão da advertência a que alude o nº 2 do art 134 do CPP e suas consequências – ensina a Professora Maria João Antunes in Direito processual Penal, 2ª edição, Almedina, 175 que há que distinguir a proibição de prova das meras regras de produção da prova. Enquanto que a proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade – na forma de proibição de temas de prova (art 137º do CPP), de proibição de métodos de prova (art 126 do CPP), de proibição de meios de prova (art 134º nº 2 do CPP) e de proibição de leitura de protocolos (art 356º do CPP) - as regras de produção da prova “visam apenas disciplinar o procedimento exterior de realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos”, dando como exemplo o artigo 341º do CPP.    

          Esta opinião vai de encontro ao que o Prof. Figueiredo Dias expôs in Revisitação de algumas ideias-mestras da teoria das proibições de prova em processo penal ( também à luz da jurisprudência constitucional portuguesa) in RLJ, ano 146, nº 4000, pag. 3 e ss. Ensina o insigne Professor, - depois de sublinhar a necessidade de distinguir entre proibições de prova autênticas e simples regras processuais probatórias -, que “ Diferentemente se passam as coisas com as consequências processuais de uma autêntica proibição de prova. Tais proibições constam de normas jurídicas cuja violação afeta a prova como tal, por mais que esta possa revelar-se adequada à investigação da verdade e corresponda, em pura realidade histórica, efetivamente a esta. Podendo o caráter proibido da própria prova advir – embora hoje proliferem outras e mais numerosas classificações – de três pontos de vista essenciais: 1) proibição de obter prova sobre determinado acontecimento ( proibição de tema de prova, p.ex. sobre objeto de segredo de Estado, art. 137 e 138; 2) proibição de utilização de um certo meio de prova ( proibição de meio de prova, p.ex. em caso de testemunho de um descendente, quando este o recuse: art. 134º) enquanto o esclarecimento da verdade é admissível através de outro meio de prova; 3) proibição de certo método de criação de um meio de prova ( proibição de método de prova, p.ex. interrogatório com uso de tortura, art. 126 nº 1) que implique uma violação tal de direitos fundamentais essenciais da pessoa que, por força dela, conduza a que a prova seja inadmissível para o processo. A consequência, em definitivo, da violação de uma qualquer das espécies indicadas de proibição de prova será a da recusa de valoração no processo da prova alcançada.

            Certo é que, como também afirma o mesmo Autor, na prática o intérprete e o aplicador não podem eximir-se a determinar se a violação deve afetar a validade da prova como tal: se sim existirá uma proibição de prova; se não, o caso deverá reentrar na categoria das simples regras processuais probatórias e para tanto não pode o aplicador deixar de levar a cabo uma ponderação de valores conflituantes, para se decidir em princípio em favor da valoração que deva reputar-se preferível por dominante.

            Ora, tendo em conta os interesses subjacentes à razão de ser de uma norma como a do art. 134 do CPP, que são, globalmente, a proteção da testemunha perante conflito de interesses ou de consciência (ter de optar por dizer a verdade incriminando o familiar ou ter de mentir para se proteger), a proteção das relações familiares ( da confiança e solidariedade familiar), a proteção da busca da verdade ( pelo entendimento de que os familiares têm tendência a mentir em julgamento), a proteção do arguido enquanto manifestação do principio nemo tenetur ( pelo benefício que possa advir para o arguido), não se configura razoável qualificar a omissão da advertência do nº 2 do art. 134º do CPP, como uma simples regra processual probatória, ou como uma nulidade dependente de arguição até final do depoimento. Na ponderação dos interesses conflituantes, quer a letra, quer o espírito da lei, impelem a que se considere que estamos perante uma proibição de valoração da prova. (Aliás, como ensina Maria João Antunes in ob. cit, 176 referindo o entendimento de Costa Andrade  à semelhança do que ocorre com o dever de informação e advertência sobre o direito ao silêncio que assiste ao arguido quanto aos factos que lhe são imputados (artigo 58º, nº 2 e 4( atual nº 5); 61º, nº 1, alíneas d) e h). 141º, nº 4, 143º, nº 2 e 343º, nº 1 do CPP): também aqui a omissão do esclarecimento e advertência deve desencadear a sanção da proibição de valoração, como decorre do nº 5 (atual nº 6) do artigo 58º do CPP ao prescrever que relativamente à omissão ou violação das formalidades quanto à constituição de arguido, as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova, apesar de à proibição da valoração da prova obtida sem cumprimento daquele dever de informação e advertência não se juntar a cominação da nulidade.

            Aqui chegados é, pois, possível afirmar que a valoração da prova obtida com a omissão da advertência prevista no artigo 134º, nº 2 do CPP à ex mulher e filho do arguido, configura uma proibição de valoração da prova, que impede a sua utilização, porque viciada e determina, consequentemente, a anulação do julgamento, uma vez que neles se fundou a convicção do tribunal e toda a restante prova foi produzida depois de terem sido invalidamente obtidos.

Ocorre, contudo, que nada impede que a superação da referida ilegalidade possa passar pela via da repetição, sem vícios, da produção da prova ( Cfr. Costa Andrade in Sobre as proibições de, Coimbra Editora, 1992, pag.110 nota 73), isto é, deverão as testemunhas voltar a ser ouvidas, esclarecendo-as previamente de que os seus depoimentos anteriores não serviram como prova e de que não são obrigadas a prestar depoimento.

Esta solução é a que mais se coaduna com a salvaguarda dos valores conflituantes e foi também a encontrada pelo Acórdão RE de 03/06/2008 - citado no acórdão da mesma Relação de 13/07/2017 proferido no processo 1508/15.9T9BJA.E1, a propósito de um caso semelhante, embora com entendimento de que se está perante uma nulidade dependente de arguição -: “embora se verifique a apontada proibição de produção de prova e consequente proibição de valoração da mesma tal não significa a pura e simples exclusão da prova respetiva do conjunto de provas, antes implica que se declarem nulos e de nenhum valor probatório os depoimentos e todos os atos subsequentes incluindo o acórdão condenatório, repetindo-se os depoimentos (antes) viciados se as testemunhas, depois de devidamente advertidos, aceitarem prestá-los”.

          Acresce que, para além do que já ficou dito relativamente à impossibilidade de aproveitar a sentença e o julgamento realizados, entende-se que, desde já, se impõe também alertar o tribunal a quo de que com a repetição do julgamento (com observação rigorosa das prescrições legais acima referidas) e com a consideração dos factos da contestação, podem não ficar sanados os problemas de que padece a decisão em apreciação, pelas razões já atrás afloradas a propósito da violação dos artigos 352º e 332º, nº 7 do CPP - ultrapassáveis com a eventual repetição dos depoimentos - mas também porque a sentença recorrida, para além dos erros já apontados, não faz, verdadeiramente, um exame crítico da prova, limitando-se a elencar os meios de prova tidos em conta, sem que se perceba, cabalmente, de que modo e com que dimensão contribuíram para formação da convicção do tribunal, uma vez que na sentença não é exposto o percurso lógico percorrido na valoração das provas produzidas em julgamento.

          Trata-se, efetivamente, de uma exigência de fundamentação não respeitada, determinante da nulidade da sentença, que igualmente foi invocada, mas que também seria de conhecimento oficioso.

          É que, por força do nº 2 do artigo 374º do CPP a sentença deve conter a

            … dizer que os factos ficaram demonstrados porque a ofendida (por lapso o tribunal refere “arguida”) os relatou de forma clara e objetiva, que o filho … relatou discussões entre o pai e a mãe, que o filho … prestou depoimento, que … prestou depoimento, que foram valorados relatórios fotográficos, CRC, e relatórios da DGRSP é absolutamente inócuo. Por outro lado, as referências feitas aos depoimentos de …, … são claramente exíguas, como também o é a afirmação de que “face a tais depoimentos e prova documental não se valoraram as declarações do arguido em contrário”.

            É, pois, evidente que a decisão recorrida também por este prisma não poderia manter-se, advertência que desde já se faz para que, após um novo julgamento, a sentença que venha a ser proferida se mostre expurgada de todos os erros que agora se assinalam.

 

          Em função do que assim se decide, é manifesta a procedência do recurso do arguido, ficando, obviamente, prejudicado o conhecimento das demais questões por aquele invocadas e, bem assim, pelo Ministério Público.

                                                           *

III.

DECISÃO.

          Em face do exposto acordam os juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, anulam o julgamento e a subsequente sentença e ordenam a realização de novo julgamento, com a consequente prolação de nova sentença, expurgada dos erros acima apontados.

          Sem custas. 

                                                           Coimbra, 22 de novembro de 2023

                                                                       Maria Teresa Coimbra

                                                                       Cândida Martinho

                                                                       Maria José Guerra