Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2634/16.2T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
SUB-ROGAÇÃO LEGAL
SEGURO DE DANOS
Data do Acordão: 04/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 136.º DA LEI DO CONTRATO DE SEGURO, ARTIGOS 762.º, N.º 2, 1208.º E 1225.º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A seguradora que pagou ao dono da obra indemnização por danos sofridos em moradia não está em condições de sub-rogar-se nos direitos do dono da obra contra o empreiteiro quando a responsabilidade contratual deste já caducou.

II – As violações de deveres acessórios/laterais de conduta por parte do empreiteiro na execução da obra são fonte de responsabilidade contratual do mesmo; a responsabilidade extracontratual poderá ocorrer a nível dos denominados danos extra rem.

Decisão Texto Integral:
I – Relatório

1. G..., S.A., com sede em ..., intentou acção declarativa contra O..., LDA, com sede em ..., pedindo que a mesma seja condenada a pagar à autora a quantia de 411.301,15 €, acrescida de juros à taxa supletiva de 7,05% e vincendos desde a data da citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que pagou ao seu segurado aquela quantia no âmbito de um contrato de seguro, em consequência de sinistro na moradia do mesmo, sendo que os danos sofridos na moradia não resultaram de causa natural ou fortuita, mas da violação grave e grosseira das regras de construção a que a ré se encontrava legal e contratualmente obrigada (art. 1208º do CC). Em consequência, nos termos do artigo 136º da Lei do Contrato de Seguros (LCS) – DL 72/2008, de 16.4 –, ficou sub-rogada em todos os direitos que assistiam ao segurado perante a empreiteira, ora ré. Sem prescindir, entende que a conduta da ré a fez incorrer em responsabilidade civil extracontratual perante o dono da obra, seu segurado, (art. 483º do CC), e ao qual a autora se sub-rogou.

A ré contestou, arguindo a ineptidão da petição. Mais alegou que apenas tomou de empreitada a fase de tosco da obra segundo um projecto de arquitectura, estabilidade e implantação já previamente elaborado e solicitado pelo dono da obra a terceiro. Impugnou os factos referente a deficiente execução da obra e invocou a caducidade do direito alegado.

A ré pediu a intervenção provocada da sociedade E... Limited (Sucursal em Portugal), que foi admitida como parte acessória. Posteriormente a autora pediu a intervenção provocada da mesma firma como parte principal passiva, o que foi admitido. A dita empresa não contestou.

A A. respondeu, e no que respeita à invocada caducidade pugnou pela sua improcedência, além de a mesma não ser aplicável na responsabilidade extracontratual que também invocou.  

Foi julgada improcedente a arguição de nulidade por ineptidão da p.i.

*

Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolveu as RR do pedido.

*

2. A A. recorreu, formulando as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida não especifica, de forma discriminada ou por remissão para os respectivos articulados, todos os factos que considera como não provados.

2. E muito menos faz a análise crítica das provas produzidas nos autos que levou a considera-los (pelo menos por omissão) como não provados.

3. O que, para além do mais, impossibilita a Ré de compreender o juízo crítico da prova produzida que levou a que os mesmos não fossem dados como provados.

4. A sentença proferida é, por isso, nula por falta de especificação dos fundamentos de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), e 607.º, n.º 4, ambos do CPC, nulidade essa que expressamente se alega para todos os efeitos legais.

5. O douto acórdão deve por isso ser revogado e substituído por sentença que declare a nulidade arguida, com as legais consequências.

6. O Tribunal a quo fez um errado julgamento da prova produzida em audiência de julgamento no tocante à matéria factual constante dos pontos 2.2. (correspondente ao artigo 39.º da petição inicial) e 2.3 (correspondente aos artigos 25.º, 26.º, 48.º e 55.º da petição inicial) por referência à matéria de facto não provada e nos artigos 24.º, 28.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 56.º, 57.º, 58.º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º, 71.º, 72.º e 73.º por referência aos factos alegados em sede de petição inicial.

7. A todos estes pontos da matéria de facto foi, salvo melhor entendimento, dada uma resposta errada.

8. A decisão quanto à matéria de facto proferida na sentença apelada deve ser parcialmente revogada, por erro do Tribunal a quo na apreciação da prova produzida e, consequentemente, no seu julgamento, e substituída por douto Acórdão proferido por V. Exas. que dê as seguintes respostas aos seguintes quesitos, por referência aos pontos da matéria de facto não provada: Ponto 2.2. da matéria de facto provada (correspondente ao artigo 39.º da petição inicial) – provado; Ponto 2.3 da matéria de facto dada como não provada (correspondente aos artigos 25.º, 26.º, 48.º e 55.º da petição inicial) – provado; Artigo 39.º da petição inicial – provado; Artigo 25.º da petição inicial – provado; Artigo 26.º da petição inicial – provado; Artigo 48.º da petição inicial – provado; Artigo 55.º da petição inicial – provado; Artigo 24.º - provado; Artigo 28.º - provado; Artigo 41.º - provado; Artigo 42.º - provado; Artigo 43.º - provado; Artigo 44.º - provado; Artigo 45.º - provado; Artigo 46.º - provado; Artigo 47.º - provado; Artigo 49.º - provado; Artigo 50.º - provado; Artigo 51.º - provado; Artigo 52.º - provado; Artigo 53.º - provado; Artigo 54.º - provado; Artigo 56.º - provado; Artigo 57.º - provado; Artigo 58.º - provado; Artigo 67.º - provado; Artigo 68.º - provado; Artigo 69.º - provado; Artigo 70.º - provado; Artigo 71.º - provado; Artigo 72.º - provado; Artigo 73.º - provado.

9. Em face deste julgamento da matéria de facto, que se afigura o mais correcto atenta a prova produzida, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que altere a decisão quanto à matéria de facto nos termos supra referidos e, subsumindo-os ao direito aplicável, responsabilize civilmente as Rés e as condene no pagamento da quantia peticionada pela Autora, com as legais consequências.

10. Resulta do Alvará n.º ...42, do IMOPPI, constante do ANEXO 4 do relatório da UON junto como Doc. 4 com a petição inicial, que a sociedade Ré não possuía a 2.ª subcategoria – movimentação de terras – da 5ª categoria – outros trabalhos – pelo que não tinha competências técnicas, nem legais, para realizar este tipo de trabalhos, nem para analisar as condições do terreno, o que devia ter sido dado como provado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.

11. Mais devida ter sido extraído desse facto e da violação da lei que consiste na realização de obra sem alvará, uma presunção juris tantum de culpa da Ré na ocorrência do facto danoso, ou seja, a ruína da moradia sub judice.

12. A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por douto acórdão que considere provado que a sociedade Ré, empreiteiro da obra, não tinha alvará para proceder a trabalhos de movimentação de terras e que, por isso, a considere responsável pela ocorrência do facto danoso, com as legais consequências.

13. Resulta dos pontos 14 e 15 da matéria de facto provada, a responsabilidade de ambas as Rés na produção do sinistro sub judice.

14. Era responsabilidade da Ré empreiteira avaliar a natureza do terreno por forma a, em obra, estabelecer a profundidade das fundações – o que não fez e defende não ser da sua responsabilidade, tal como era responsabilidade da Ré projectista justificar em projecto o dimensionamento do projecto de fundações, o que também não fez.

15. Essas violações das leges artis foram causa directa e necessária do evento danoso e, como tal, dos danos causados.

16. A causa de pedir da presente acção é a responsabilidade civil das Rés, pelo que não se aplicam os prazos de caducidade previstos no artigos 1225.º do Código Civil.

17. Ao contrário do referido na douta sentença, resulta da matéria de facto provada a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos das Rés previstos no artigo 483.º do Código Civil.

18. A sentença recorrida deve, por tudo isto, ser revogada e substituída por douto acórdão que responsabilize civilmente as Rés e as condene no pagamento da quantia peticionada pela Autora, com as legais consequências.

19. A douta sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios de direito, o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea b) e 607.º, n.º 4, ambos do CPC, 483.º e 1225.º, do Código Civil.

NESTES TERMOS,

E nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e de acordo com as presentes conclusões, assim se fazendo JUSTIÇA.

3. A R. O..., LDA contra-alegou, concluindo que:

1. A recorrente não recorreu da decisão que recaiu, julgando-a procedente, sobre a excepção de caducidade invocada pela Ré O..., LDA – e também não impugnou a matéria de facto dada como provada sob os nºs. 19 a 25 e, nomeadamente, do facto dado como provado sob o nº 23, mostrando-se, pois, transitada esta decisão.

2. Dada a matéria constante dos Factos Provados sob os nºs 19 a 25 – e que não foi impugnada pela A./recorrente – resulta claro que os factos alegados na petição sob os nºs. 24, 28, 41 a 58 e 67 a 73 não podem senão ter-se por não provados, pois estes estão em contradição directa com os Factos Provados e não impugnados.

3. De qualquer modo, a causa dos danos resulta, como da douta sentença consta (e tendo em conta a prova pericial) de um deslizamento rotacional da superfície/massa de solo sobre a camada profunda do solo (slump) induzido/potenciado pela elevada precipitação atmosférica.

4. O facto dado como não provado sob o nº 2.2 resulta da prova pericial, como aliás é referido na sentença.

5. O facto dado como não provado sob o nº 2.3 resulta directamente de se ter provado a factualidade (aliás, não impugnada em recurso) dada como provada sob os nºs. 19 a 25 dos Factos Provados.

6. A douta sentença apreciou correctamente a matéria de facto, fez a análise critica da mesma - como bem se refere no item “Análise crítica da prova” – apreciando a prova documental, a prova pericial e testemunhal e decidiu em conformidade com o direito.

Confirmando a douta sentença, farão V. Exªs. a costumada JUSTIÇA.

II - Factos Provados

 

 

1. A Autora é uma sociedade comercial que exerce, devidamente licenciada, a actividade seguradora no ramo não vida.

2. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil.

3. No âmbito da sua actividade, a Autora celebrou com AA um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ...98. O contrato de seguro celebrado, denominado “MAXI – CRÉDITO HABITAÇÃO”, tinha por objecto um imóvel para habitação, de tipologia “moradia”, sito na Rua ..., ..., ... ..., propriedade do tomador do seguro.

4. Como decorre das condições especiais do contrato, o seguro, além do mais, contemplava a cobertura de riscos decorrentes de tempestades, inundações e danos por água.

A Autora obrigou-se a indemnizar o segurado na eventualidade de ocorrerem danos na habitação segura causados pelos referidos eventos.

5. No âmbito do referido contrato, em 8 de Fevereiro de 2014, o segurado, por intermédio de Advogado, interpelou a Autora no sentido de reportar um sinistro e accionar o referido seguro Através da referida missiva, o segurado reclamou junto da Autora a activação das coberturas relativas aos capítulos “tempestades, inundações e danos por água”, “privação temporária do uso” e “mudança temporária”.

6. Os danos reclamados, em abstracto, integravam o âmbito de cobertura do identificado contrato de seguro celebrado entre a Autora e o segurado AA. A Autora, seguindo o procedimento habitual em casos semelhantes, incumbiu uma equipa de peritos de realizarem a avaliação dos concretos danos sofridos na moradia sita na Rua ..., ..., ....

Esses técnicos elaboraram e apresentaram à Autora um relatório relativo às circunstâncias e causas do sinistro.

A extensão dos danos foi tal que havia risco de ruína iminente da moradia segura.

Na sequência de comunicação da ocorrência às autoridades municipais, por parte da esposa do segurado, os técnicos da Câmara Municipal ... e da Protecção Civil ordenaram que o segurado e respectivo agregado familiar abandonassem imediatamente a moradia, por esta não oferecer condições mínimas de segurança e estabilidade.

Atenta a iminência de ruína, o segurado foi também aconselhado a remover o recheio da habitação.

O que fez, tendo retirado grande parte do conteúdo do imóvel sinistrado.

7. Atenta toda esta factualidade e o parecer dos técnicos, entendeu a Autora assistir razão ao segurado em reclamar o ressarcimento dos danos na moradia, por se integrarem no âmbito da apólice de seguro contratada.

Nessa medida, em 16 de Abril, 5 de Junho e 20 de Novembro de 2014, a Autora deu ordem para que fossem efectuadas três transferências bancárias a favor do segurado, no valor global de 411.301,15 € (quatrocentos e onze mil, trezentos e um euros e quinze cêntimos).

Sendo certo que, o valor indicado resultou da indemnização dos seguintes danos, devidamente peritados e orçamentados pela Autora, de acordo com as coberturas da apólice contratada:

a) Privação do uso da moradia – 3.000,00 €;

b) Bens do recheio – 7.301,15 €;

c) Edifício – 398.000,00 €; e

d) Demolição e remoção de escombros – 3.000,00 €.

8. A zona da situação do lote era uma encosta com reduzidíssima ocupação habitacional. Com efeito, no local apenas existem 2 ou 3 casas espaçadas entre si.

9. Para a respectiva construção, a Ré procedeu ao movimento de terras, abertura de valas e demais trabalhos preparatórios do terreno onde viria a edificar a moradia sinistrada.

10. A tipologia de solo tipo barro era visível a olho nu.

11. O próprio lote de terreno já apresentava a priori um declive assinalável (9º a 10º graus de inclinação) que o projecto de arquitectura até contemplava aproveitar ao conceber esteticamente uma moradia com cotas diversas.

12. De acordo com o projecto de estabilidade, a obra foi executada com uma solução de fundações de uma série de sapatas individuais em betão armado, com diversas dimensões e sapatas corridas de 1,2 metros de largura e 0,4 metros de altura.

13. Segundo o mesmo projecto de estabilidade, as fundações foram dimensionadas para as acções transmitidas pelos pilares que suportam, utilizando um programa de cálculo automático, uma tensão admissível de 200kPa.

14. O projecto não especifica as cotas de fundação para as sapatas, limitando-se a memória descritiva deste a indicar que “os caboucos serão cheios com betão ciclópico até a altura da viga de fundação e com a profundidade achada conveniente de acordo com a natureza do terreno quer para a cave, r/chão e muros”.

15. A profundidade e detalhe do projecto de estabilidade, nomeadamente a memória descritiva e justificativa, não justifica os valores aplicados ao cálculo de dimensionamento das fundações.

Nada é referenciado quanto à caracterização dos solos de implantação da moradia.

Não é explicado de que forma foi definido o valor de tensão admissível.

Nem tão pouco é dada qualquer explicação à escavação a realizar em termos de profundidade e definição do nível freático.

16. Os dias 6 e 7 de Fevereiro de 2014 foram dias chuvosos.

As primeiras chuvas de 6 de Fevereiro de 2014 logo provocaram cedências significativas no muro de sustentação de terras da habitação.

Bem como nos muros limítrofes.

17.E, no dia seguinte, 7 de Fevereiro de 2014, o próprio terreno também cedeu, atenta a carga do imóvel.

E a moradia apresentava já o pavimento com irregularidades e desníveis consideráveis.

E níveis de fendilhação significativos.

E, em sequência, a própria estrutura da habitação ficou afectada e irremediavelmente comprometida.

A pluviosidade tornou o terreno mais pesado.

18. A ré não procedeu à realização de estudo geológico do respectivo solo de modo a verificar a estabilidade da encosta onde a moradia se insere. 

19. A Ré limitou-se a dar um orçamento ao dono da obra após este lhe apresentar um projecto de arquitectura já previamente elaborado e solicitado por si a uma empresa.

20. A Ré apenas tomou de empreitada a fase de tosco da obra, incluindo o projeto de execução (arquitetura e especialidades).

21. Não são da autoria da Ré ou contratados por esta:

- o projecto de arquitectura;

- o projecto de estabilidade;

- o projecto de segurança;

- o projecto acústico;

- o projecto térmico;

- o projecto de esgotos;

- o projecto de águas;

- o projecto de arranjos exteriores;

- a memória descritiva e justificativa;

- ou qualquer projecto relacionado com a construção do prédio.

22. Não foi a Ré quem escolheu o local de implantação da casa ou sequer a cota de soleira, que foi respeitada.

23. O dono da obra recebeu a mesma (fase construída pela Ré), sem reserva, em meados de 2008, sendo que, quanto às restantes obras, foi ele quem as mandou fazer por administração directa, recorrendo a terceiros.

24. O projeto de construção da moradia, em que se incluem os das especialidade referidas em 21, foi contratado pelo dono da obra à ““E... Limited (Sucursal em Portugal)”.

25. O projeto inicial previa que a cave ficasse como um espaço amplo e, em obra, houve a introdução de uma parede divisória, por alteração do próprio autor do projeto inicial.

*

Factos não provados:

(…)

2.2. A moradia foi implantada no enfiamento de linhas de água bem definidas existentes no terreno, - não perícia 1 e parte do 2

2.3. À Ré impunha-se ter estudado o tipo de solo onde ia implantar a moradia sinistrada.

*

 

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença.

- Alteração da matéria de facto.

- Responsabilidade civil extracontratual da R.

2. A recorrente vem arguir a nulidade da sentença, por violação do art. 615º, nº 1, b), e 607º, nº 4, ambos do NCPC, em relação aos factos não provados, quer por falta de discriminação quer por falta de análise crítica das provas produzidas nos autos que levou a considerá-los, por omissão, como não provados (cfr. conclusões de recurso 1. a 5.). Mas sem razão. Expliquemos.

2.1. O referido art. 615º, nº 1, b), dita que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto que justificam a decisão.

Ora, a sentença recorrida contém a discriminação dos factos não provados, que correspondem na supra parte II aos acima elencados sob 2.1. a 2.3. Inexiste, por isso, a apontada nulidade.  

2.2. No art. 607º, nº4, 1ª parte, estatui-se que na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção sobre a decisão da matéria de facto. Todavia essa omissão não corresponde a nenhuma nulidade da sentença, pois não está prevista no referido art. 615º, nº 1, do NCPC, que prevê várias.

Tal omissão pode, sim, é originar um vício na decisão da matéria de facto, por falta ou insuficiente fundamentação da decisão proferida a nível dos factos essenciais para o julgamento da causa (art. 662º, nº 1, d), do NCPC). O que no caso nem sequer se verifica, pois não faz qualquer sentido afirmar que existe falta ou indevida fundamentação sobre a decisão de facto se nem sequer existem discriminados os factos não provados que a recorrente diz terem sido omitidos. Se foram omitidos e desconsiderados na enumeração e decisão da matéria de facto logicamente não podem ter fundamentação.

Inexiste, pois, a apontada nulidade.    

3. A recorrente impugna a decisão factual sobre os factos não provados 2.2. (correspondente ao art. 39º da petição inicial) e 2.3 (correspondente aos arts. 25º, 26º, 48º e 55º da petição inicial), com os meios probatórios que indica no corpo das alegações. O mesmo faz, por desconsideração da matéria por si alegada nos arts. 24º, 28º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 56º, 57º, 58º, 67º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º e 73º da petição inicial, pretendendo que passem para provados (cfr. conclusões de recurso 6. a 9.).

E, ainda, pretende que seja dado por provado outro facto que indica, nos termos do art. 607º, nº 4, do NCPC (conclusões de recurso 10. a 12.).

Na decisão da matéria de facto o tribunal a quo exarou a seguinte motivação:

“Os factos descritos em … e 2.2 dos não provados resultaram do teor dos relatórios periciais, nos termos infra especificados, conjugados com os projetos juntos aos autos, em especial a fls. 166 a 168.

(…)

Quanto aos factos descritos em … e 2.2 e .2.4 dos não provados importa formular algumas considerações. Sendo que não cabe no âmbito deste processo apurar a(s) causa(s) do deslocamento do imóvel, mas, unicamente, apurar se as causas invocadas pela autora se demonstraram. As causas invocadas pela ré apenas relevam para efeitos de permitir, ou não, o apuramento das causas alegadas pela autora, atendendo aos respetivos ónus de prova.

Assim, a nosso ver, e ressalvado o devido respeito por opinião diversa, a autora não logrou provar que as causas fossem a má, deficiente ou errada construção ou a omissão de estudos geológicos ou de deficiente ou inexistente compactação do terreno, previamente à construção. Tal conclusão é aquela a que chegaram os peritos nomeados pelo tribunal e indicados pela ré. Ou seja, a de que a causa “deve-se ao deslizamento da massa inteira de solo sobre a qual se implanta a moradia. O deslizamento, que alterou as cotas do terreno, impôs à estrutura da moradia esforços para a qual não estava dimensionada” (Cf. relatório da segunda perícia), ou, como se refere na segunda perícia “A causa dos danos sofridos pela moradia foi o deslizamento rotacional da superfície/massa de solo com início a Poente da construção, sobre a camada profunda do solo, (slump) induzido/potenciado pela elevada precipitação atmosférica”. O deslizamento ocorreu (foi induzido e ou potenciado, na expressão do relatório da segunda perícia) devido às chuvas referidas em 16 e 17 dos factos provados.

O perito indicado pela autora diverge de tal opinião e, fundamentadamente, entende que a causa foi “deveu-se a vários factores conjugados” assinalando o facto de “ter sido construída numa encosta com inclinação significativa (…) que a sua estabilidade se encontraria numa situação próxima do equilíbrio limite”; o “projeto de estabilidade da moradia não fazer referência à verificação de segurança das fundações ao deslizamento”; ao facto de “a estrutura construída” ter sido “diferente daquela aprovada no processo de licenciamento“ e “escavação adicional realizada para a construção da nova divisão na cave e as terraplanagens nos terrenos envolventes da moradia, vieram criar instabilização da encosta, a qual não foi devidamente estabilizada, através de compactação adequada dos terrenos envolventes (a montante e a jusante da moradia) e até talvez mesmo a necessidade de escoramento.”

Ouvida como testemunha, a subscritora do parecer junto pela autora a fls. 43 e segs. /intitulado de Parecer Técnico sobre as causas dos danos de uma moradia em ..., ...) avança, por sua vez, a probabilidade da causa se dever “à instabilização da encosta em que a moradia se insere” afastando a “insuficiente capacidade resistente das sapatas”, como causa. Ora, quer da leitura integral dos relatórios periciais, quer dos documentos juntos, concluímos que a prova efetuada apenas permite concluir como deixámos acima expresso nos factos provados e nos não provados. Numa matéria como a dos autos haverá sempre a possibilidade de ter evitado os danos pois, no fundo, é fácil “prever o resultado depois do jogo ter terminado!”. Ou seja, é fácil que a posteriori se elenquem soluções que, se implementadas anteriormente, teriam evitado o resultado. Contudo, o que se impõe apreciar nestes autos é apurar se à data, com os conhecimentos obtidos, e aqueles que se justificasse obter, a ré (ou a interveniente ré) podia e devia ter agido de outra forma. E, quanto a nós, pelas razões constantes dos relatórios das perícias (ambos coincidentes, com a exceção já indicada) apenas se apuraram os factos acima descritos. O relatório da primeira perícia expressamente refere que “Há que ter em atenção a extraordinária variedade de factores e processos que podem produzir deslizamentos. A construção do tosco decorreu em 2007/2008. O deslizamento só ocorreu em 02/2014, após um período intenso de chuvas” \ “Na generalidade de construções de moradias a compactação não se faz. Não é precisa” e o da segunda perícia que “Em regra na construção corrente (moradias, blocos habitacionais ou outras construções correntes de vária natureza) não se torna imperativo, ou mesmo necessário, recorrer-se a processos de compactação do solo”. Isto mesmo o perito BB reafirmou e esclareceu em julgamento. Posição esta contestada pelo perito CC, como já referimos (e que consta da resposta ao quesito 24).

De tudo o exposto, e apesar de não haver unanimidade dos senhores peritos, concluímos que as eventuais omissões (no projeto, com o robustecimento das fundações, o estudo geológico ou outro tipo de compactação) não eram, objetivamente, exigíveis à data. Embora se admita que poderiam ter evitado o resultado danoso.”.

3.1. Relativamente ao facto não provado 2.2. a recorrente invoca como meios probatórios um relatório técnico da entidade U... (págs. 10, 11, 14 e 15) e um parecer técnico da entidade F... (pág. 5 e conclusões) e as respostas do perito por si indicado na perícia colectiva levada a cabo nos autos, bem como os esclarecimentos deste seu perito em audiência de julgamento e depoimento de DD.

Visto o relatório técnico da UON refere-se somente (pág. 11) a existência de poços no topo da encosta onde a moradia foi edificada. No parecer técnico da F..., de onde o referido relatório da UON é praticamente decalcado, menciona-se apenas (pág. 5) que na zona é provável a ocorrência de formações aquíferas a poucos metros de profundidade. Na 1ª perícia singular é dada resposta negativa directa ao quesito com teor igual ao apontado facto não provado (fls. 329). E na perícia colegial, quer o perito do tribunal, quer o indicado pela R. (fls. 400/401) não o asseveram, também em resposta directa ao quesito com teor igual ao apontado facto não provado (fls. 329). Só o perito da A. o afirma (fls. 489). Perito este que em audiência, em esclarecimentos, confirma o que respondeu na perícia. DD também confirmou o que consta do parecer técnico da F..., pois foi ela a sua autora.

Assim, embora pareça razoável aceitar que na zona da encosta, onde a moradia foi edificada (e onde existem outras), existirão linhas de água, não resulta das perícias, com suficiente segurança e certeza, que a moradia foi implantada no enfiamento de linhas de água bem definidas existentes no terreno de implantação. Então, tendo em conta a resposta dos peritos, a singular, e a maioritária dos peritos na colectiva, entre os quais a do perito do tribunal, à qual se dá preferência, prova apreciada livremente e a dúvida que se suscita perante um relatório técnico e parecer técnico, de entidades terceiras, em confronto com a perícia, dúvida que desfavorece a A. (arts. 389º do CC e 414º do NCPC), rejeita-se a impugnação deduzida pela recorrente a tal facto não provado 2.2. (correspondente ao art. 39º da p.i.).             

3.2. Relativamente ao facto não provado 2.3. a apelante invoca como meios probatórios o aludido parecer técnico da entidade F... (pág. 12 e conclusões) e mais uma vez as respostas do perito por si indicado na perícia colectiva levada a cabo nos autos, bem como os esclarecimentos deste seu perito em audiência de julgamento e depoimento de DD.

No parecer técnico da F... menciona-se apenas (pág. 12) que era fundamental a verificação da estabilidade global da encosta para assegurar um adequado desempenho da moradia e envolvente. Na 1ª perícia singular é dada resposta negativa aos 4 quesitos que enformam tal facto (fls. 326, 331 e 332). E na perícia colegial, quer o perito do tribunal, quer o indicado pela R. (fls. 396, 397, 403 e 405) não o asseveram, também em resposta a esses 4 quesitos. Só o perito da A. o afirma (fls. 486, 487, 492 e 493). Perito este que em audiência, em esclarecimentos, confirma o que respondeu na perícia. DD também confirmou o que consta do parecer técnico da F..., pois foi ela a sua autora, mas não diz, pelo menos expressamente, quando perguntada directamente (29 min. a 29,35 min.), que a R. empreiteira deveria ter estudado o tipo de solo na fase de execução da empreitada/construção.

Assim, tendo em conta a resposta dos peritos, a singular, e a maioritária dos peritos na colectiva, entre os quais a do perito do tribunal, à qual se dá preferência, prova apreciada livremente e a dúvida que se suscita perante um parecer técnico, de entidades terceiras, em confronto com a perícia, que desfavorece a A. (arts. 389º do CC e 414º do NCPC), é de rejeitar a impugnação deduzida pela apelante a tal facto não provado.

Mas há, ainda, adicional razão para rejeitar a indicada impugnação que a recorrida convoca na sua contra-alegação. Na verdade, face à factualidade apurada em 19. a 25., que não foi impugnada, isto é que a R. ser limitou a dar um orçamento ao dono da obra após este lhe apresentar um projecto de arquitectura já previamente elaborado e solicitado por si a uma empresa, que a R. apenas tomou de empreitada a fase de tosco da obra, incluindo o projeto de execução (arquitetura e especialidades), que não são da autoria da R. ou contratado por esta os projectos de arquitectura, de estabilidade ou qualquer projecto relacionado com a construção do prédio, que não foi a R. quem escolheu o local de implantação da casa ou sequer a cota de soleira, que foi respeitada, então estes factos estando em oposição com uma resposta positiva ao aludido facto não provado impedem essa resposta de provado.

Improcede, pois, a impugnação ao facto não provado 2.3. (correspondente aos arts. 25º, 26º, 48º e 55º da p.i.).

3.3. Quanto aos arts. 24º, 28º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 56º, 57º, 58º, 67º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º e 73º da petição inicial, que a recorrente afirma terem sido desconsiderados e que pretende que passem para provados (com fundamento no parecer técnico da F..., respostas do perito por si indicado e seus esclarecimentos em audiência e depoimento da autora do referido parecer), essa articulação corresponde ao que serviu para a recorrente ter alegado a nulidade da sentença por omissão de factos (cfr. o ponto 2.2. supra).

Se foram omitidos e desconsiderados na decisão da matéria de facto e a matéria seja considerada relevante então o caminho a seguir seria anular a decisão proferida na 1ª instância para ampliação de tal decisão (art. 662º, nº 2, c), parte final, do NCPC).

Conduta que não se vai adoptar por vários motivos:

a) o que se articulou nos arts. 28º (parte), 47º (parte), 50º (parte), 51º (parte), 58º, 67º (parte), 68º (parte), 71º a 73º corresponde a conclusões de facto ou juízos de valor, que não podem ser considerados, pois a lei impõe apenas a consideração de factos materiais e substantivos (art. 607º, nº 3 e 4º do NCPC);

b) o art. 69º reporta-se à causa da movimentação do solo, que a A. alega ter sido a saturação, causa que está explicada na motivação de facto da sentença recorrida (com referência às perícias e parecer da F...), certo, porém, que o que interessava apurar é se foram as causas alegadas pela A., má ou deficiente construção, omissão de estudos geológicos ou deficiente ou inexistente compactação do terreno previamente à construção, implantação de uma parede divisória na cave, que imputou à apelada, as que levaram aos danos causados na moradia;

c) o art. 70º reporta-se às consequências da movimentação do solo que já são conhecidas;

d) Os arts. 24º, 28º (parte), 41º a 46º, 47º (parte), 49º, 50º (parte), e 51º (parte), 52º a 54ª, 56º, 57º, 67º (parte) e 68º (parte), respeitam todos a alegação causal dos danos provocados na moradia relacionados com a compactação do solo, parede divisória na cave e nível das fundações, que a A. imputou à R. apelada. Esta matéria acaba por não ter o relevo que aparenta, face ao direito a aplicar, pela justificação que abaixo se apresentará no ponto 4.1.        

3.4. Defende a A. que resulta do Alvará nº ...42, do IMOPPI, constante do ANEXO 4 do relatório da UON (junto como Doc. 4 com a p.i.), que a R. não possuía a habilitação para movimentação de terras, pelo que não tinha competências técnicas, nem legais, para realizar este tipo de trabalhos, nem para analisar as condições do terreno, o que devia ter sido dado como provado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 607º, nº 4, do NCPC (cfr. conclusões de recurso 10. e 12.). E de facto assim é, como decorre de fls. 34 dos autos, pelo que o correspondente facto tem de ser dado como provado, ao abrigo do citado normativo, sua 2ª parte. Pelo que passará a constar dos factos provados sob 26. (a negrito), com a seguinte redacção:

26. A Ré não tinha alvará para proceder a trabalhos de movimentação de terras.

4. Na sentença escreveu-se que:

“A segunda nota e que determina o âmbito de apreciação das questões acima assinaladas é a de que a autora atua por via da sub-rogação legal que invoca. O que significa que não está a exercer um direito novo nascido com o pagamento ao seu segurado, mas sim a exercer o direito que originariamente cabia ao seu segurado.

Na verdade, como com a clareza habitual ensinava Antunes Varela que “A sub-rogação pode assim definir-se, segundo um critério puramente descritivo, como a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento.

Trata-se de um fenómeno de transferência de créditos, que a lei regula no capítulo da «transmissão de créditos e de dívidas»”.3Das Obrigações em Geral, Vol. II pp. 294 e 295. Para desenvolvimentos v. pp. 293 e segs.

(…)

“A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo.”4Op. Cit. p. 306.

E ainda “(…) importa reconhecer que sub-rogação e direito de regresso são duas figuras essencialmente diferentes.

A primeira e uma forma de transmissão do crédito, enquanto o segundo constitui um crédito novo, que nem sequer tem o mesmo objecto do direito extinto.

Além disso, a sub-rogação envolve a transmissão de todas as garantias e outros acessórios do credito (arts. 594-° e 583 .°)” 5Cf. Das Obrigações em Geral, Vol. I, pp. 813 e 814 , v. ainda, Vol. II pp. 245 e segs. e 293 e segs.

Na doutrina e na jurisprudência tal entendimento é pacífico (cf., por todos, o AC. STJ de 12-09-2013) 6Rel. Cons. Moreira Alves e disponível in www.dgsi.pt. Sobre a distinção entre o direito de regresso, cf., ainda, Ac. STJ de 22.4.2020 (Rel. Cons. Ferreira Girão) também disponível in www.dgsi.pt.).

Perante tal conclusão importa, desde já, apreciar a caducidade invocada pela ré.

Entende a ré que qualquer eventual direito a indemnização por defeito de construção já estaria prescrito uma vez que a obra foi aceite pelo dono da mesma em meados de 2008 e os danos ocorrerem em fevereiro de 2014, Donde decorre que os danos ocorreram há mais de 5 anos contados desde a data da entrega da obra por parte da ré e sua aceitação pelo proprietário.

Está em causa um contrato de empreitada, como reconhecem as partes, sendo a única divergência o âmbito desse contrato. Estabelece o art. 1225.º (Imóveis destinados a longa duração), no seu n. 1, que “Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza alonga duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente”.

O referido artigo 1225.º do Código Civil contempla três prazos de caducidade:

1º o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao dono da obra ou ao adquirente;

2º o prazo de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia;

e 3º o prazo de 1 ano, subsequente à denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a ação destinada a exercitar o direito à eliminação dos defeitos ou à indemnização.

O primeiro prazo limita no tempo a responsabilidade do construtor pelo aparecimento de defeitos: qualquer defeito conhecido após o prazo de 5 anos está excluído da responsabilidade de reparação.

O segundo desses prazos refere-se ao tempo da comunicação a denúncia, a auel tem que ocorrer dentro do ano em que se teve conhecimento do defeito.

O terceiro é o prazo para a instauração da ação o qual deve ocorrer dentro do ano seguinte à denúncia.

Como se refere no Ac. STJ de 14.1.2014: 7Rel Cons. Moreira Alves e disponível in http://www.dgsi.pt/jstj

Convém notar que, diferentemente do que parece defender a A., o direito de acção não tem, necessariamente, de ser exercido no prazo de garantia.

Dentro desse prazo apenas se tem de revelar o defeito, o que é completamente diferente.

Assim, se o vício apenas surge ou é conhecido pelo adquirente do prédio após o decurso do prazo de garantia, já não poderá ser exercido o direito de denúncia da acção, uma vez que, do contrário, ficaria o vendedor/construtor indefinidamente sujeito à obrigação de reparar o vício, sendo certo que foi exactamente essa vinculação indefinida que o legislador pretendeu evitar com a fixação de um prazo de garantia”.

Assim, atento tal prazo de 5 anos e a data de entrega da obra e data da entrada em juízo da ação (31.8.2016, com citação da ré em 6.9.2016), caducou o prazo em que o sub-rogado podia invocar defeitos na construção, tal como invocado pela ré.

Significa que é escusado apurar se os danos foram provocados por defeitos na construção (embora a matéria de facto provada e não provada já indique que tal não ocorreu).

Contudo, a autora alega, ainda, que a responsabilização da ré decorre não apenas da sua condição de empreiteiro, mas sim (e/ou também) por via da responsabilidade civil extracontratual, por violação da legis artis.

Como se sabe, não é pacífico, nem na doutrina nem na jurisprudência, a integração da violação da legis artis no âmbito da responsabilidade contratual ou extracontratual 8Cf., por todos, o Ac. STJ de 1.10.2015 (rel. Cons. Maria dos Prazeres Beleza) com ampla doutrina e jusrisprudência sobre a referida questão quanto à responssabilidade médica, e disponível im ww.dgsi.pt.

Entendemos que o apuramento de tal âmbito depende dos concretos factos alegados e apurados.

Ora, no caso, esta alegação da autora (de existência de responsabilidade civil extracontratual) não se encontra na causa de pedir que concretamente alegou. A qual foi, cremos, e ressalvado o devido respeito por opinião contrária, unicamente a responsabilidade contratual da ré na deficiente execução de uma obra.

No entanto, ainda que assim não se entendesse, não se demonstraram todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (ou delitual). A saber: o facto; a ilicitude; a culpa efetiva ou presumida; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e dano.

Designadamente não se demonstrou 9De resto, como já referimos, entendemos, até, que não foi alegada a ilicitude de qualquer facto imputado à ré, por ação ou por omissão, para além do que resultava do contrato de empreitada. qualquer facto ilícito por parte da ré. Na verdade, a ré procedeu à realização da obra tal como constava do projeto devidamente licenciado pelas autoridades competentes. Projeto esse que não foi elaborado pela ré, nem foi a ré que introduziu quaisquer alterações à revelia ou em violação do projeto. De igual modo, não omitiu a realização de qualquer ato que a lei impusesse 10Se ocorreu alguma omissão de acordo com o que resultaria das boas práticas é já questão de responsabilidade contratual que, vimos já, caducou.

Afastada a responsabilidade contratual (por caducidade) e a extrancontratual da ré (por ausência de prova dos seus pressupostos) torna-se desnecessário apura se a autora tem direito a haver da ré as quantias pedidas por via da sub-rogação a qual, já referimos, é limitada pelos termos do cumprimento.

Assim, e em conclusão a ação improcede totalmente quanto a esta ré (O..., LDA).

Por via da intervenção provocada, a “E... Limited (Sucursal em Portugal)” intervém nos autos como parte principal associada da ré, pelo que se impõe apreciar se a autora logrou demonstrar factos que obriguem esta ré a pagar-lhe a quantia pedida.

Resulta dos, poucos, factos respeitantes a esta ré que foi quem elaborou o projeto de construção da moradia a pedido do dono da obra.

Provou-se que do projeto constavam as indicações e as omissões descritas em 11 a 15 dos factos provados.

Para que esta ré seja condenada torna-se necessário que a autora tenha demonstrado ou incumprimento contratual ou a prática de atos ou omissões geradores de responsabilidade civil extracontratual.

Nenhum facto vem alegado com respeito à responsabilidade contratual desta ré, pelo que resta a apreciação de eventual responsabilidade civil extracontratual, escusando-se de repetir os seus pressupostos.

Ora, apreciando os factos provados não se alcança em qualquer deles, isoladamente ou em conjunto, qual o ilícito praticado por esta ré. Tal como já referimos na fundamentação à matéria de facto, as eventuais omissões do projeto não eram, objetivamente, exigíveis à data nem legalmente impostas. Sendo que a ilicitude traduz-se na violação de um direito subjetivo (tipicamente com proteção da ofensa de direitos absolutos) ou na violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios 11Cf., por todos, na jurisprudência o recente Ac. STJ de 26-11-2020 (Rel. Cons. MARIA DA GRAÇA TRIGO) e disponível in www.dgsi.pt, e na doutrina Almeida Costa, Direito das Obrigações, Obrigações (9 Ed. - 2005), pp. 514 e segs.. Violação essa que, no concreto não se verifica, em qualquer das suas modalidades.

Assim, improcede, igualmente, a ação quanto a esta ré.”.

A apelante discorda desta fundamentação, contrapondo que existirá responsabilidade civil extracontratual das RR (cfr. conclusões de recurso 9., 11. a 18.). Discordamos, e vamos justificar.

4.1. Importa recordar que a A., fundada em sub-rogação legal, invocou, na p.i., a responsabilidade contratual da R./recorrida, única pessoa que demandou, tendo alegado factos que a substanciam e que exclusivamente imputa à apelada – o que articulou até ao art. 74º, e 88º a 91º.

Ora, toda esta responsabilidade contratual da recorrida (prevista no art. 1225º, nº 1, do CC), designadamente a referente a obra que por vício do solo ou da construção, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir parcialmente, ou apresentar defeitos, se mostra consumida pela caducidade que objectou e que o tribunal verificou e decretou. Questão que a recorrente não controverte, e que por isso se mostra arrumada definitivamente.

A argumentação actual da A. agora é outra, é que existe responsabilidade extracontratual (à qual dedicou o art. 92º da p.i.). Isto com base em omissão de estudos geológicos ou deficiente ou inexistente compactação do terreno previamente à construção, implantação de uma parede divisória na cave e nível das fundações, aquando da execução do contrato (pois não foi a recorrida a autora dos projectos das diversas especialidades da obra, apenas mera executora).

Este tipo de alegação podia conduzir-nos à figura dos chamados deveres acessórios ou laterais de conduta, que têm a ver com o princípio da boa fé no cumprimento da obrigação, previsto no art. 762º, nº 2, do CC. São deveres como os de informação, de conselho, de advertência, segurança, protecção, lealdade, etc, que inobservados, dentro do contexto da lei ou do convencionado, podem dar lugar a um cumprimento defeituoso contratual (vide A. Varela, D. Obrigações, Vol. II, 2ª Ed., págs. 11/13 e CC Anotado, Vol. II, 3ª Ed., notas 2. e 3. ao mencionado artigo, págs. 3/4, Menezes Cordeiro, Tratado, Parte II, D. Obrigações, Tomo I, 2009, págs. 477/485, em especial 480/482 e 484/485, e Tratado, Vol. XII, Contratos em Especial (2ª Parte), págs. 877/879, e P. Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, págs. 252/257).   

No nosso caso temos o cumprimento da obrigação de um contrato de empreitada, cuja execução, segundo a lei (art. 1208º do CC) e o convencionado entre as partes obriga, além do mais, que o empreiteiro entregue a obra isenta de vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato. Esta estatuição aplica o princípio da boa fé, acabado de assinalar, segundo o qual o devedor no cumprimento da obrigação deve proceder segundo as regras da arte que respeitem, além do mais á segurança, à estabilidade e à utilidade da obra. O empreiteiro, por exemplo, numa construção em terreno movediço, terá assim de observar processos técnicos especiais na construção das fundações e na própria estrutura do edifício, ou contar com as numerosas regras que em matéria de construção urbana constam de leis ou regulamentos especiais. De tudo se conclui que o empreiteiro não fica necessariamente isento de responsabilidade pelo facto de ter executado fielmente o projecto da obra. Como perito que é, ou deve ser, ao empreiteiro incumbe, nos termos do aludido art. 762º, nº 2, avisar o dono da obra dos defeitos que note no projecto, quer antes de iniciada a obra quer durante a sua execução. E pode mesmo, independentemente da culpa dos autores do projecto, responder pelos defeitos que não descubra, mas que lhe incumbisse descobrir e apontar. O não cumprimento das obrigações referidas no art. 1208º, dos seus deveres acessórios de conduta, dá, por isso, lugar a várias sanções por violação contratual, como ser compelido à eliminação dos defeitos (art. 1221º), redução do preço ou resolução contratual (art. 1222º) ou indemnização pelos danos (arts. 1223 e 1225º) – vide neste sentido A. Varela, ob. cit., Vol. II, 2ª Ed., notas 2. e 3. ao mencionado artigo 1218º, págs. 706/707).

Responsabilidade contratual, portanto.         

A responsabilidade extracontratual poderá ocorrer se o empreiteiro originar danos na pessoa do dono da obra, noutros bens do dono da obra, que não o objecto da prestação, e em terceiros, os denominados danos extra rem (P. Romano Martinez, ob. cit., págs. 260/274, em especial págs. 266/271).  

O que não é nenhuma das nossas hipóteses, pois os danos aconteceram circa rem, na coisa objecto da prestação, no âmbito da responsabilidade contratual, que, contudo, se mostra consumida, face à atrás constatada caducidade.

Daí que, é ocasião de relembrar, como antes se sublinhou, se tornasse não relevante apurar factualmente o que consta dos arts. 24º, 28º (parte), 41º a 46º, 47º (parte), 49º, 50º (parte), e 51º (parte), 52º a 54ª, 56º, 57º, 67º (parte) e 68º (parte) da p.i. da A., porque todos respeitantes a alegação causal dos danos provocados na moradia, relacionados com estudo geológico e compactação do solo, parede divisória na cave e nível das fundações, eventualmente imputáveis à apelada empreiteira no âmbito da execução do indicado contrato de empreitada.      

Pelo exposto não se vê fundamento legal para responsabilizar a recorrida, pois não se divisa a sua responsabilidade extracontratual, como invoca a recorrente.

4.2. Quanto à R. chamada, impõe-se, de novo, relembrar, que a A., fundada em sub-rogação legal, invocou, na p.i., a responsabilidade contratual da R./recorrida, única pessoa que demandou, tendo alegado factos que a substanciam e que exclusivamente imputou à apelada – o que articulou até ao art. 74º, e 88º a 91º.

A argumentação actual da A. agora é outra, é que existe responsabilidade extracontratual (à qual dedicou o art. 92º da p.i.). A da recorrida está afastada, como concluímos. Vejamos essa hipotética responsabilidade da R./chamada, que a recorrente diz decorrer da circunstância de a mesma, como projectista, ter de justificar o dimensionamento do projecto de fundações, o que não fez, e resulta dos factos provados 14. e 15. (cfr. as conclusões de recurso 13. e 14.).

O projecto de estabilidade foi da autoria da chamada (factos 21. e 24.). Tendo-se provado, igualmente, que o projecto não especifica as cotas de fundação para as sapatas, limitando-se a memória descritiva deste a indicar que “os caboucos serão cheios com betão ciclópico até a altura da viga de fundação e com a profundidade achada conveniente de acordo com a natureza do terreno quer para a cave, r/chão e muros” e a profundidade e detalhe do projecto de estabilidade, nomeadamente a memória descritiva e justificativa, não justifica os valores aplicados ao cálculo de dimensionamento das fundações, nada sendo referenciado quanto à caracterização dos solos de implantação da moradia, nem sendo explicado de que forma foi definido o valor de tensão admissível, nem tão pouco é dada qualquer explicação à escavação a realizar em termos de profundidade e definição do nível freático (factos 14. e 15.).

Como é sabido, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual são (art. 483º, nº 1, do CC): o facto; a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e dano.

Ora, considerando os factos provados 14. e 15. não se vislumbra qual o ilícito praticado pela chamada (salvo o eventualmente contratual, que não está em jogo, ora em recurso).  Sendo que a ilicitude se traduz na violação de um direito subjetivo (tipicamente com proteção da ofensa de direitos absolutos) ou na violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, violação essa que em concreto não se descortina em ambas as modalidades. Muito menos, da factualidade apurada, decorrendo a comprovação de nexo de causalidade entre esses factos da chamada e os danos ocorridos na moradia (aliás, embora dos factos provados não conste quais as causas do deslocamento da moradia elas vêm indicadas na motivação da decisão de facto, supra transcrita, “A causa dos danos sofridos pela moradia foi o deslizamento rotacional da superfície/massa de solo com início a Poente da construção, sobre a camada profunda do solo, (slump) induzido/potenciado pela elevada precipitação atmosférica”, e, segundo a autora do referenciado Parecer Técnico, a probabilidade da causa se dever “à instabilização da encosta em que a moradia se insere” afastando a “insuficiente capacidade resistente das sapatas”, o que afasta tal nexo de causalidade).   .

Terá, assim, de improceder, igualmente, o pedido da A. contra esta R.

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

(…)

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.  

*

Custas pela A.

*

                                                                   Coimbra, 26.4.2022

                                                                  

                                                                   Moreira do Carmo

                                                                   Fonte Ramos

                                                                   Alberto Ruço