Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31156/10.3YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
PRESSUPOSTOS
VÍCIOS
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MÁ FÉ
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 344º, Nº 2 DO C. CIVIL; 456º CPC.
Sumário: I – Só há lugar à inversão do ónus da prova se o onerado não pode produzi-la por uma culpa da contraparte, de que tenha resultado, para o vinculado, a impossibilidade ou, ao menos, a grave dificuldade dessa prova.

II - A inversão do ónus da prova não implica que o facto controvertido se tenha por verdadeiro, mas apenas que a prova da falta de realidade dele passa a competir à parte contrária não onerada com a respectiva prova.

III - Os vícios da decisão da matéria de facto não constituem causa de nulidade da sentença, mesmo nos casos em que aquela decisão se contém formalmente na sentença, estando sujeitos a sistema de impugnação e de reparação diferenciados.

IV - Só se justifica a reponderação da decisão da matéria de facto no tocante a factos principais relevantes para a decisão da causa, segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção.

V - A escrita comercial, ainda que regularmente arrumada, não tem força probatória plena e a sua desarrumação não torna processual ou materialmente proibida a invocação de outros meios de prova nem a proibição de valoração pelo tribunal destes outros meios de prova.

VI - Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, as partes estão adstritas a um dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (artºs 266º, 266º-A e 456º nºs 1 e 2 a) a e) do CPC).

VII - A litigância de má fé deve deixar incólume o direito e a liberdade das partes na discussão e na interpretação dos factos.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

A ré, M…, apelou da sentença da Sra. Juíza de Direito do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu que, julgando parcialmente procedente a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias, resultante da reconformação de procedimento de injunção, requerido por C…, Unipessoal, Lda., que a condenou a pagar a esta a quantia de € 5 443,22, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento, à taxa de juros moratórios de que são titulares empresas comerciais, resultante da aplicação da Portaria nº 597/95, de 19/7 e sucessivos avisos publicados pela Direcção Geral do Tesouro, contabilizados desde a data de vencimento de cada uma das facturas constantes dos factos provados, e até efectivo pagamento.

A recorrente – que pede no recurso a sua absolvição do pedido ou subsidiariamente, ao menos, a dedução aos 5.441,25 Euros, do valor de 940,00 Euros, relativo à factura nº 2942, e a condenação da recorrida por litigância de má fé, em multa a favor da recorrente, nunca inferior a 1.000,00 Euros - rematou a sua alegação com estas pródigas conclusões:

Na resposta, a recorrida concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

2. Factos provados.

2.1. O Tribunal de que provém o recurso julgou provado, na sentença final, os factos seguintes.

2.2…

2.3. O Tribunal a quo adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1., esta motivação:

Com especial relevância para a decisão da causa, foi, desde logo, ponderado o acordo colhido dos articulados apresentados por ambas as partes, dada a ausência de impugnação dos fornecimentos alegados, com excepção daqueles a que se reportam as facturas nºs 4219 e 4064 – cfr. artigo 490º, nº 2, 1ª parte Código de Processo Civil.

De tal acordo resultou o apuramento de todos os fornecimentos mencionados nos factos provados.

Para além do que antecede, a convicção do tribunal, no que se reporta à factualidade apurada, resultou da conjugação e análise crítica dos meios de prova produzidos e examinados nos autos.

- Foi analisado o teor do relatório pericial junto a fls 290 a 298, interpretado de forma conjugada com os esclarecimentos prestados no início da audiência pela perita.

Tal meio de prova contribuiu para a reafirmação do estabelecimento de relações contratuais entre ambas as partes, tendo resultado dos esclarecimentos prestados pela perita em audiência que os mesmos, de harmonia com os elementos contabilísticos que ponderou, se estabeleceram até Maio de 2008. Porém, neste aspecto, prevaleceu o que resultava do acordo colhido dos articulados das partes, dado a ré ter situado tais relações comerciais entre Abril de 2007 e Outubro de 2008 (embora a autora tenha defendido que tais relações se prolongaram até Outubro de 2009). Julgamos ainda que tal divergência não abalou o inequívoco valor técnico do relatório pericial, elaborado com base em contabilidade que padece de inúmeras deficiências como é aí apontado.

Foi analisada a prova documental junta a fls:

- 43 a 70, documentos estes constituídos pelas facturas em discussão nos autos;

- recibos, cheques venda a balcão, e extractos de conta, cujas cópias constam de fls 110 a 119 e 130 a 170 e 200 a 205 que, na sua objectividade, confirmam o estabelecimento de relações comerciais entre ambas as partes e a realização de vários pagamentos, embora, pelas razões que de seguida se analisarão não permitam concluir pelo pagamento dos montantes peticionados nestes autos;

- facturas de fls 338 e ss das quais resulta que nas ocasiões aí exaradas a autora adquiriu flores para comercialização a entidade diversa da ré;

- documentação clínica extensa junta aos autos relativa a problema de saúde vivido pela ré.

Da conjugação de tal documentação com a prova testemunhal produzida, resultou que a ré, a partir de 26/9/2009, e na sequência de intervenção a que foi submetida, recebeu a indicação clínica de se manter, por dois meses, em isolamento no domicílio, adoptando determinadas práticas de higiene, de cuidados com a confecção de alimentos e evitando a frequência de lugares públicos, como centros comerciais. Tal “recomendação” resultou da circunstância de a ré se encontrar com o sistema imunitário fragilizado e, na perspectiva do Tribunal, não a impediu de a continuar a gerir o seu estabelecimento comercial, ainda que com o auxílio de terceiros, como se apurará a propósito da análise da prova testemunhal.

Foi também ponderado o depoimento das seguintes testemunhas:

...

2.4. O Tribunal recorrido justificou o julgamento referido em 2.2., nestes termos:

A factualidade não apurada resultou da ausência de prova que a permitisse sustentar.

Assim, para além do acordo colhido dos articulados não foi possível apurar a verificação dos fornecimentos mencionados na factualidade não apurada.

De facto, julgamos que os mesmos não podem extrair-se da simples emissão de facturas, acto unilateral da autora que não a dispensa do respectivo ónus probatório que, naquela matéria, não foi cumprido. Ou seja, ainda que a testemunha … tenha declarado, relativamente à factura nº 27, que a encomenda em questão lhe foi efectuada directamente pela ré, a conjugação de toda a prova produzida não permitiu concluir pela verificação de tal encomenda. Desde logo, decorria o prazo de dois meses após a alta clínica concedida à ré, durante o qual foi aconselhada a manter-se isolada, no domicílio, recomendação esta que acatou como resultou da prova testemunhal que indicou nos autos. E ainda que se tenha apurado que, também naquele período, a ré continuava a dar orientações quanto à exploração do seu estabelecimento, certo é que o fazia através da sua irmã, a testemunha …, não estabelecendo, em face da prova produzida, contactos directos com os fornecedores.

Acresce que a ré juntou prova documental evidenciadora de que se forneceu para a época dos finados de 2009 no estabelecimento “F…” (cfr. fls 338 e ss), tendo sido referido pela testemunha … que o volume da transacção aí documentada se mostrava adequado à modesta extensão do estabelecimento e do volume de negócios da ré.

Consequentemente, estabeleceu-se uma dúvida inultrapassável quanto à verificação dos fornecimentos mencionados nos factos não provados, o que, a par com a impugnação de tal matéria efectuada pela ré, determinou a resposta negativa dada.

Idêntico raciocínio foi efectuado quanto ao não apuramento dos pagamentos alegados pela ré, por inexistência de prova consistente e credível que os sustentasse.

A este propósito, salienta-se que, apesar do seu carácter eminentemente técnico, não foi possível ultrapassar tais dúvidas pela análise do relatório pericial junto. De facto, ainda que a perita aí tenha afirmado que as 27 facturas cujo pagamento é peticionado nestes autos constam da contabilidade da autora, certo é que a perícia por si dirigida não permitiu apurar que os respectivos montantes estejam pagos ou em dívida. Como a perita esclareceu, de forma desinteressada, equidistante e objectiva em audiência, na contabilidade da autora, à data em questão, os recibos não tinham qualquer tratamento contabilístico, não se conseguindo extrair a que fornecimentos é que os pagamentos são imputados. Ou seja, a contabilidade não traduz os recebimentos o que, segundo explicou, se deve ao facto de as entregas de dinheiro não serem lançadas na conta do cliente, como deveriam ser, mas na “Conta Caixa”. Assim, não se tendo apurado que a relação contratual que se estabeleceu, segundo a perita entre Fevereiro de 2007 e Maio de 2008, se tenha reduzido apenas à que pode extrair-se das 27 facturas cujo pagamento é peticionado, também não pode afirmar-se que os pagamentos efectuados pela ré se reportassem a estas ou a outras facturas.

Em síntese, a manifesta incorrecção da contabilidade da autora, aliada a práticas comerciais desadequadas e pouco profissionais (fornecimentos e pagamentos com remissão para “talões” que não configuram documentos válidos contabilisticamente) foi determinante para a consideração como apurada apenas da factualidade não impugnada, tendo sido considerados como não provados os fornecimentos relativamente aos quais foi cumprido o ónus de impugnação especificada, bem como os pagamentos excepcionados.

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

O objecto do recurso é triplamente delimitado: pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados na instância recorrida; pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante; pelo próprio recorrente que pode limitar esse objecto, quer no requerimento de interposição do recurso, que nas conclusões da sua alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão recorrida e das alegações de ambas as partes, são, fundamentalmente, três, as questões objecto do recurso: a nulidade da decisão recorrida; o error in iudicando da matéria de facto alegada; a litigância de má fé da recorrida.

Correspondentemente, as questões concretas controversas que o acórdão deve resolver consistem em saber se a sentença impugnada se encontra ferida com o vício da nulidade substancial e se a decisão da matéria de facto deve ou não ser modificada - por o tribunal da audiência ter incorrido, por erro na apreciação da prova, num erro de julgamento - e se, face a essa modificação, deve revogar-se a sentença apelada e absolver-se a recorrente do pedido – in totum ou, ao menos, em parte, e a condenar-se a apelada como litigante de má fé.

A resolução destes problemas exige, evidentemente, a exposição ainda que breve das causas de nulidade da decisão judicial representadas pela falta de fundamentação e pela contradição entre essa fundamentação e a decisão, a aferição dos poderes de controlo desta Relação sobre a decisão da 1ª instância relativa à matéria de facto e os pressupostos da condenação por litigância de má fé.

Entre a matéria de direito e a matéria de facto existe uma interdependência que se verifica na sua delimitação recíproca, em especial na sua confluência para a obtenção da decisão de um caso concreto. Dado que a delimitação da matéria de facto é feita em função da matéria de direito – visto que os factos são recortados e escolhidos segundo a sua relevância jurídica, i.e., segundo a sua importância para cada um das soluções plausíveis da questão de direito - justifica-se, metodologicamente, que a exposição subsequente se abra com a determinação da natureza jurídica do acordo de vontades concluído entre a recorrida e a recorrente e a ponderação do modo como se distribui, entre uma e outra parte, o ónus da prova.

3.2. Qualificação do acordo de vontades concluído entre a recorrida e a recorrente e distribuição, por uma e outra parte, do encargo da prova.

De harmonia com a matéria de facto julgada provada pelo tribunal da audiência – a que, neste segmento, não é assacado qualquer error in iudicando – a recorrida, na prossecução do seu objecto social de venda, por grosso de flores, forneceu à recorrente, por solicitação desta, por um preço em dinheiro, flores, que a última destinou à venda, em arranjos florais e ao molho, ao público.

 Estes factos subsumem-se, sem dificuldade, a um típico contrato de compra e venda – e a um típico contrato de compra e venda comercial, dado que lhe subjaz um intuito de lucro (artºs 874 e 875 do Código Civil, 463 e 464 do Código Comercial).

Do contrato de compra e venda emergem no Direito Português, três efeitos primordiais: o efeito translativo do direito; a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço (artºs 408 nº 1 e 879 do Código Civil).

Não oferece dúvida a qualificação deste contrato como bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida umas das outras e ambas suportando esforço económico.

A distinção mais importante entre as modalidades do contrato de compra e venda é que cinde a compra e venda de coisa, quer dizer, do direito de propriedade sobre a coisa – da compra e venda de direito.

No caso, estamos nitidamente perante a primeira modalidade.

Do contrato de compra e venda emerge tipicamente para o comprador a obrigação de pagar o preço (artºs 875 e 879 c) do Código Civil).

Os contratos devem ser pontualmente cumpridos (artº 405 nº 1 do Código Civil).

Se o comprador se constituir, no tocante ao cumprimento da obrigação de pagamento do preço, em mora, fica adstrito a uma outra obrigação: a de reparar os danos causados ao vendedor com o retardamento do cumprimento (artºs 804 nºs 1 e 2 e 805 nº 1 do Código Civil).

A indemnização moratória consiste, dada a natureza pecuniária da obrigação, aos juros contados desde a constituição do comprador em mora (artº 806 nº 1 Código Civil).

Esses juros são os legais, salvo se antes da mora for devido juro mais elevado ou se se houver estipulado um juro moratório diferente do legal (artº 806 nº 2 do Código Civil).

Se o credor for uma empresa comercial e o crédito constituir a remuneração de uma transacção comercial, essa taxa de juro corresponde à aplicada pelo BCE na sua mais recente operação de refinanciamento, sucessivamente divulgada por aviso Direcção Geral do Tesouro (artºs 102 §§ 3º e 4º do Código Comercial e 1 e 2 da Portaria nº 597/2005, de 19 de Julho, com efeitos reportados a 1 de Outubro de 2004, ex-vi artºs 2 nº 1 e 4 nº 1 do DL nº 32/2003, de 17 de Fevereiro)[1].

O Código Civil ao fixar o princípio geral da matéria do ónus da prova apelou, nitidamente, à natureza funcional dos factos perante o direito do autor.

Assim, ao autor cabe a prova, não de todos os factos que interessem à existência actual do direito alegado – mas somente dos factos constitutivos dele; a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito, incumbe à parte contrária, aquele contra quem a invocação do direito é feita (artº 342 nºs 1 e 2 do Código Civil).

Portanto, ao autor cabe a prova dos factos constitutivos do seu direito – dos momentos constitutivos do facto jurídico, simples ou complexo, que represente o título ou causa desse direito; ao réu não compete provar que tais factos não são verdadeiros, mas já lhe compete a prova, v.g. dos factos extintivos do direito do autor – dos momentos constitutivos dos correspondentes títulos ou causas extintivas, como, por exemplo, o cumprimento.

Numa questão de facto de que dependa o julgamento, a lei dá sempre a uma das afirmações alternativas que a compõem o carácter privilegiado de ser tomada como base da decisão em dois casos: se for provada em si ou então em caso de dúvida insanável ou irredutível; a afirmação contrária só será tomada em conta se for provada.

Assim, numa acção de condenação – como é justamente o caso do recurso – na questão de facto vendi – não vendeu, a primeira afirmação só é tomada em conta se for provada; a segunda é tomada em conta se for provada e ainda no caso de dúvida irredutível.

De maneira que se o autor se propõe valer declarar e valer um direito ao preço, e se o demandado lhe opõe que não celebrou com o demandante o contrato de compra e venda, a aplicação daquele princípio resolve-se nestas regras: ao primeiro impõe-se o ónus de provar os elementos estruturais – constitutivos – do seu direito à prestação – a celebração do contrato entre as partes e a inclusão da prestação exigida entre os efeitos do contrato a cargo do devedor; o segundo está apenas adstrito a um simples ónus da contraprova, de tornar incerto o facto alegado pelo autor.

Em tal caso, o demandado não tem de criar no espírito do juiz uma convicção positiva, de persuadir o juiz de que o facto em causa – o contrato de compra e venda – não é verdadeiro: é suficiente deixar no ânimo do juiz um estado de dúvida ou incerteza, uma convicção negativa sobre a realidade daquele facto (artº 346 do Código Civil).

E isto é assim, dado que a dúvida sobre a existência do contrato – facto constitutivo favorável ao autor - resolve-se contra ele visto que é a parte onerada com a prova.

Todavia, se o demandado alega que cumpriu – que já pagou o preço – então compete-lhe a prova desse facto extintivo, ficando o autor vinculado a um simples ónus da contraprova, de tornar incerto o facto peremptório alegado pelo réu.

Nesta hipótese, o autor não tem de provar que o facto do pagamento não é verdadeiro, bastando torna-lo duvidoso ou incerto.

O que bem se compreende, uma vez que a dúvida sobre a existência do cumprimento – facto extintivo favorável ao demandado – resolve-se contra este, parte onerada com a respectiva prova.

A fase da instrução da causa decorre sob o signo estrito da cooperação intersubjectiva, desde logo na relação entre as partes (artº 266 nº 1 do CPC).

No caso de recusa de colaboração, se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente, o valor da recusa para efeitos probatórios, o que significa que a recusa vale como princípio de prova (artº 519 nº1, 2ª parte, e 357 nº 2 do Código Civil).

Todavia, se a parte tiver culposamente tornado impossível a prova à contraparte onerada com a prova, o ónus correspondente inverte-se: a parte que impossibilitou a prova passa a ficar onerada com a demonstração da não verificação do facto (artº 519 nº 2, 2ª parte, e 344 nº 2 do Código Civil).

Não seria justo, realmente, que ficasse exposto às consequências da falta de prova o onerado que não pode produzi-la devido a culpa da outra parte[2].

Note-se que a circunstância de a contraparte tornar, com culpa, a prova impossível, não importa que o facto controvertido se tenha por verdadeiro – mas apenas que a prova da falta de realidade dele passa a competir à parte contrária[3].

A lei é terminante na exigência que a contraparte tenha tornado impossível a prova pelo onerado – o que inculca que a prova que foi inviabilizada seja a única possível para demonstrar a realidade do facto[4] – embora a jurisprudência se mostre mais flexível, equiparando a impossibilidade à grave dificuldade da prova[5].

Assim, por exemplo, se uma parte pretende utilizar como prova documento em poder da parte contrária, requererá que ela seja notificada para o apresentar no prazo que lhe for assinado pelo tribunal (artº 528, nº 1, 2ª parte, do Código Civil).

Se o notificado não apresentar o documento, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios – recusa que deve ser valorada como um princípio de prova (artº 519 nº 2, 1ª parte, ex-vi artº 529 do CPC).

Mas se com a recusa – culposa – de não apresentação do documento, o recusante tornar impossível à parte contrária, onerada com a prova, essa mesma prova, opera-se a inversão do ónus da prova, com a consequente inversão do sentido da decisão (artº 519 nº 2, 2ª parte, ex-vi artº 529 do CPC).

Todavia, como decorre deste enunciado, para que ocorra essa inversão são evidentemente necessárias três condições: que a parte que tem em seu poder o documento seja notificado para o apresentar e não o apresente; que essa omissão de apresentação seja culposa e tenha tornado impossível a prova à parte onerada com o ónus correspondente.

Na espécie do recurso, a recorrente sustenta na sua longuíssima alegação e nas fartas conclusões que dela extraiu, que o ónus da prova do facto do pagamento se deve inverter – passando a competir à recorrida a prova do contrário - por esta não haver junto os talões.

Simplesmente a recorrente não alega – nem lhe seria lícito fazê-lo, dado que o processo não o documenta – que a recorrida tivesse sido notificado para apresentar os referidos talões.

Ergo, falta a condição primeira para que se dê a inversão do apontado ónus.

De resto, mesmo que se devesse assentar na recusa – e na recusa censurável - da apresentação de tais documentos, ainda assim não haveria razão para que concluísse por aquela inversão do ónus da prova.

É que mesmo nessas condições, a recorrente não ficaria impossibilitada ou sequer constituída em grave dificuldade de cumprir o ónus da prova que a vulnera, já que lhe seria lícito utilizar qualquer outro meio de prova legalmente admitido (artºs 341 e 345 do Código Civil).

Realmente, o facto do pagamento não é um facto de prova vinculado, sendo admissível a sua prova por qualquer meio legal ou contratualmente admissível ou não excluído por convenção das partes.

À recorrente sempre seria possível livrar-se daquele ónus através da produção de outra prova documental, ou da prova pericial ou da prova pessoal – por confissão ou por testemunhas.

Esta conclusão está, aliás, em harmonia com o ponto de vista da recorrente, ela mesma, visto que sustenta, veementemente, na sua alegação, que o decisor de facto só concluiu pela falta de prova do facto do pagamento, por ter incorrido, na valoração da prova documental, pericial e testemunhal produzida, num error in iudicando.

De tudo isto, pode, pois, retirar-se esta conclusão: o ónus da prova do facto do pagamento do preço vincula a recorrente.

A recorrida está apenas adstrita a um ónus da contraprova. Ónus da contraprova e não da prova do contrário: basta-lhe tornar incerto o facto discutido e não tornar certo não ser verdadeiro o facto já demonstrado (artº 346 do Código Civil).

E é normalmente através da chamada quitação – declaração do credor, demonstrativa do recebimento da prestação - que o devedor observará esse ónus da prova, sobretudo quando estiverem em causa obrigações pecuniárias ou de prestação de coisa.

Para evitar o pedido de novo cumprimento, o devedor tem todo o interesse em obter aquela declaração.

A lei reconhece-lhe mesmo um verdadeiro direito de a exigir, no momento do cumprimento ou posteriormente à sua realização, e estabelece forma pelo qual deve ser processada – normalmente o recibo ou a factura – e declara a licitude do incumprimento por parte do devedor, enquanto a quitação não for dada (artº 787 nºs 1 e 2 do Código Civil).

Independentemente do exercício do direito de exigir a quitação, o devedor prudente e ordenado – como deve exigir-se ao devedor que, por exemplo, seja comerciante e, portanto, exerça profissionalmente uma actividade comercial e seja sujeito de uma obrigação de contabilidade – realizará o cumprimento através de um meio que lhe disponibilize uma prova documental, v.g., cheque, transferência bancária, etc.

Caso não adopte essa cautela e, por exemplo, pague manualmente em dinheiro ao credor, poderá ver-se no embaraço grave de ter de se livrar do ónus da prova que o vincula, por recurso provas menos fiáveis e, portanto, particularmente contingentes, como, por exemplo, a prova testemunhal.

Seja como for, no caso, a impugnação da recorrente dirige-se, fundamentalmente, contra a decisão da matéria de facto.

E isto mesmo no tocante a um dos fundamentos do recurso: a nulidade substancial da decisão recorrida. Mesmo relativamente a este fundamento da impugnação o que está verdadeiramente em causa é o julgamento da questão de facto já que, no ver da recorrente, aquele valor negativo radica na falta de fundamentação daquela decisão e na contradição dessa decisão com a respectiva fundamentação.

Mas este fundamento da impugnação deve ter-se, de todo, por improcedente.

3.3. Nulidade da decisão recorrida.

Como é extraordinariamente comum, a recorrente assaca à sentença impugnada o vício grave da nulidade substancial.

E, de harmonia com a sua alegação, esse vício radicaria numa dupla causa: a falta de fundamentação e a contradição intrínseca.

Toda e qualquer decisão do tribunal – despacho, sentença, acórdão – comporta, sempre, dois elementos essenciais: os fundamentos e a decisão.

Os fundamentos incluem a matéria de facto relevante e o regime jurídico que lhe é aplicável; a decisão em sentido estrito contém a conclusão que se extrai da aplicação do direito aos factos.

Uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do bom fundamento da decisão.

A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão.

Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes.

Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelos tribunais de recurso[6].

A motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita - de garantia do direito ao recurso.

A exigência de fundamentação decorre, pois, desde logo, da necessidade de controlar tanto a coerência interna como a correcção externa da decisão.

A coerência ou justificação interna da decisão reporta-se à sua coerência com as respectivas premissas de facto e de direito, dado que a decisão não pode ser logicamente válida se não for coerente com aquelas premissas.

A correcção ou justificação externa da decisão diz respeito à correcção da construção das suas premissas de facto e de direito: ainda que a decisão se mostre coerente com aquelas premissas e, por isso, seja logicamente válida, a decisão não pode ser correcta se aquelas premissas não tiverem sido obtidas correctamente.

Todavia, o dever funcional de fundamentação não está orientado apenas para a garantia do controlo interno - partes e instâncias de recurso - do modo como o juiz exerceu os seus poderes.

O cumprimento daquele dever é condição mesma de legitimação da decisão.

Na motivação da decisão o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as boas razões que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para toda a comunidade jurídica.

Na motivação, o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do julgamento.

Da motivação deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial[7].

Dito doutro modo: a decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão[8].

A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade.

Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.

Por isso que as decisões sobre qualquer pedido controvertido ou sobre qualquer, dúvida suscitada no processo serão sempre fundamentadas (artºs 208 nº 1 da Constituição da República Portuguesa, 158 nº 1 e 659 nº 2 do CPC).

Ora, é exactamente da violação, pela decisão impugnada, deste dever de fundamentação, que a recorrente se queixa, e de que decorre, no seu ver, o vício grave da nulidade substancial que lhe assaca.

A falta de motivação ou fundamentação verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão.

A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais (artº 208 nº 1 da CRP e 158 nº 1 do CPC).

No entanto, quanto a este ponto, há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação – da motivação deficiente, medíocre ou errada.

O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (artº 158 nº 1 do CPC)[9].

O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade[10].

Depois, o tribunal não está vinculado a analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as considerações, todas as razões jurídicas produzidas pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários á decisão da causa[11].

Se a decisão invocar algum fundamento de facto ou de direito – ainda que exasperadamente errado - está afastado a nulidade, no tocante à justificação fáctica e jurídica da decisão.

A decisão é igualmente nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória, isto é, quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, logicamente, a uma conclusão oposta ou, pelo menos diferente daquela que consta da decisão (artº 669 nº 1 c) do CPC)[12].

Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial.

O quadro dos valores negativos da sentença está nitidamente pensado para um sistema de cisão entre a decisão da matéria e aquela sentença (artºs 653 nº 2, 658 e 659 nºs 1 a 3 do CPC).

Num contexto de um sistema de césure entre o julgamento da matéria de facto e a sentença, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório[13].

Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: aquela decisão é impugnável por meio de reclamação, acto contínuo à sua publicação, e não é autonomamente recorrível, i.e., apenas pode ser impugnada no recurso que for interposto da sentença final, podendo, neste caso o controlo sobre o julgamento da matéria de facto ser feito pela Relação, nos termos gerais (artºs 653 nº 4, 2ª parte, e 712 do CPC)

No caso, porém, por força do procedimento no qual foi proferida a sentença – a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias resultante da reconformação do procedimento de injunção – a sentença contém, em simultâneo, a decisão da matéria de facto e a decisão final da causa (artº 4 nº 7, ex-vi artº 17 do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro).

Mas mesmo face a essa concentração, deve entender-se que qualquer vício que afecte a decisão da matéria de facto não constitui realmente causa de nulidade da sentença.

Assim, a falta ou insuficiência da fundamentação da decisão da questão de facto, dá lugar a uma forma mitigada do uso de poderes de cassação: a Relação pode ordenar, a requerimento da parte, que o tribunal de 1ª instância fundamente a sua decisão sobre a matéria de facto, mesmo que, para isso, tenha de repetir a produção da prova (artº 712 nº 5 do CPC).

Na espécie do recurso, a recorrente apesar de arguir o vício da falta de fundamentação daquela decisão, não formulou tal requerimento, pelo que, mesmo que a arguição se devesse ter por exacta, ela seria falha de consequências.

No plano da decisão matéria de facto, a contradição relevante é a que se verifica entre a decisão dos diversos pontos de facto – e não a colisão entre essa decisão e a respectiva fundamentação (artºs 653 nº 4 e 712 nº 4 do CPC).

Todavia, mesmo aquela contradição não constitui causa de nulidade da sentença – dando apenas lugar à actuação pela Relação dos seus poderes – de resto, subsidiários – de cassação da decisão da matéria de facto (artº 712 nº 4 do CPC).

Mas ainda que o contrário, ex-adverso, se devesse entender, é seguro que não se verificaria a nulidade da sentença acusada pela recorrente.

Por várias razões, de resto.

Na impossibilidade de submeter a apreciação da prova a critérios objectivos - como são, decerto, os que exigem uma demonstração por leis científicas - a lei apela à convicção íntima ou subjectiva do tribunal. Essa convicção exigida para a demonstração do facto é uma convicção que, para além de dever respeitar as leis da ciência e do raciocínio, pode assentar numa regra máxima da experiência.

A convicção sobre a prova do facto fundamenta-se em regras de experiência baseadas na normalidade das coisas e aptas a servirem de argumento justificativo dessa convicção.

Essas regras de experiência podem corresponder ao senso comum ou a um conhecimento técnico ou científico especializado.

A convicção do tribunal extraída dessas regras da experiência é uma convicção argumentativa, isto é, uma convicção demonstrável através de um argumento.

A regra de experiência que o tribunal pode utilizar para fundamentar a sua convicção sobre a prova realizada é a mesma que pode ser usada pela parte como argumento para a formação dessa convicção. Quer dizer: a máxima de experiência que pode convencer o tribunal da veracidade do facto é a mesma que pode ser utilizada para a fundamentação da decisão desse órgão sobre a apreciação da prova[14].

A decisão da matéria de facto deve, pois, especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz sobre a prova – ou falta dela – dos factos, para que, através das regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (artº 653 nº 2 do CPC).

A apreciação do meio de prova pressupõe o conhecimento do seu conteúdo - v.g., o teor do documento ou a depoimento da testemunha – a determinação da sua relevância – que pode ser muita ou nenhuma – e a sua valoração – como, por exemplo, a credibilidade da testemunha ou do relatório pericial.

A recorrente acha que a sentença – na parte em que contém a decisão da matéria de facto – é nula, dado, de um aspecto, que não fundamentou a convicção e valoração da prova documental, e, de outro, que a fundamentação dessa decisão está em oposição com a fundamentação em que se apoia. Mas não.

No tocante á prova documental, a sentença impugnada, depois de a identificar – a factura, o cheque, o talão, etc., e, por esse, modo tornar patente que conheceu do seu conteúdo – indicou a sua relevância e procedeu à ponderação do seu valor probatório.

De falta de fundamentação da apreciação da prova é, portanto, coisa de que não se pode falar. Manifestamente, a recorrente esquece que no procedimento em que foi proferida a sentença, a lei exige apenas que esta seja sucintamente fundamentada (artº 4 nº 7 do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro).

E basta ler a motivação adiantada pelo decisor de facto para justificar o seu julgamento para se concluir que excedeu, largamente, o dever de fundamentação a que a lei o vinculava.

A lei exigia-lhe uma fundamentação sucinta, breve, leve: a sentença foi notoriamente além dessa exigência, podendo, mesmo, dizer-se, que foi particularmente pródiga ou loquaz na justificação da decisão da questão de facto.

Quanto aos pagamentos alegados pela recorrente, a sentença impugnada observou que inexistia prova consistente e credível que os sustentasse.

Em estrita coerência, não julgou provado este facto capital: o pagamento das facturas referidas no ponto 3.3 dos factos provados.

Ora, desde que no ver da decisão recorrida, a prova relativa ao facto do pagamento do preço não conduzia à demonstração deste facto – por não ser consistente nem credível – e o julgou não provado, não há qualquer colisão entre a decisão e os fundamentos em que se apoia, dado que os fundamentos invocados pelo decisor da 1ª instância não conduzem, logicamente, à declaração daquele facto como provado, mas à decisão inversa nela expressa.

Não se verifica, portanto, na construção da sentença, na parte relativa à decisão da matéria de facto, qualquer vício lógico que comprometa, irremediavelmente, a sua coerência interna.

A contradição intrínseca dessa decisão verificar-se-ia, sim, se depois de assinalar que a prova produzida impedia uma convicção sobre a veracidade do facto – o julgasse provado.

Decerto que o decisor de facto da 1ª instância pode ter-se equivocado na valoração, v.g., da prova documental produzida.

Mas nesta hipótese, o caso é de error in iudicando da matéria de facto – e não seguramente, de error in procedendo - de contradição intrínseca entre essa decisão e os respectivos fundamentos – como é aquele que está na origem da nulidade substancial da decisão.

A decisão impugnada não se encontra, pois, ferida com o vício da nulidade que a recorrente lhe assaca.

De resto, a arguição da nulidade da sentença não toma em devida e boa conta o sistema a que, no tribunal ad quem, obedece o seu julgamento.

O julgamento, no tribunal hierarquicamente superior, da nulidade obedece a um regime diferenciado conforme se trate de recurso de apelação ou de recurso de revista.

Na apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve conhecer do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 do CPC).

No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 e 731 nº 1 do CPC).

Contudo, nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objecto do recurso.

Exemplo desta última eventualidade é disponibilizado pelo recurso subsidiário.

O vencedor pode, na sua alegação, invocar, a título subsidiário, a nulidade da decisão impugnada e requerer a apreciação desse vício no caso de o recurso do vencido ser julgado procedente (artº 684-A nº 2 do CPC).

Neste caso, o tribunal ad quem só conhecerá da nulidade caso não deva confirmar a decisão, regime de que decorre a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso, sem o julgamento daquela arguição.

Raro é o caso em que o recurso tenha por único objecto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação.

Sempre que isso ocorra admite-se que o tribunal ad quem possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida. Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar-se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada (artº 137 do CPC).

A arguição da nulidade da decisão – embora muitas vezes assente numa lamentável confusão entre aquele vício e o erro de julgamento – é uma ocorrência ordinária.

A interiorização pelo recorrente da irrelevância, no tribunal ad quem, que julgue segundo o modelo de substituição, da nulidade da decisão impugnada, obstaria, decerto, à sistemática arguição do vício correspondente.

Por este lado do recurso é, portanto, infundado.

Resta, por isso, saber se como a apelante sustenta veemente e longamente na sua alegação, o tribunal de que provém o recurso incorreu, no julgamento da matéria de facto alegada, num error in iudicando por erro na valoração ou apreciação dos meios de prova produzidos.

3.4. Poderes de controlo da Relação relativamente ao julgamento da matéria de facto do tribunal recorrido.

É indiscutível a afirmação de que, a par da utilização de um processo justo e da escolha e interpretação correctas da norma jurídica aplicável, um dos fundamentos de uma decisão justa é o da verdade na reconstituição dos factos objecto do processo.

De nada vale ao juiz uma compreensão exacta da norma aplicável ao caso se, do mesmo passo, se deixa equivocar na apreciação da matéria de facto.

O error in judicando da questão de facto traz consigo, inevitavelmente, um erro de direito; erro esse que, nem por ter aquela causa, resultará menos sensível para os destinatários lesados.

A reconstrução da espécie de facto, o saber na realidade como as coisas são ou se passaram, quando este conhecimento dependa de elementos de prova cuja apreciação é deixada ao prudente critério do juiz, é uma actividade extraordinariamente delicada – que ele terá de levar a cabo sem nenhuma ou quase nenhuma ajuda, pode dizer-se, da ciência do direito, que, nada ou quase nada, lhe pode dizer[15].

As dificuldades do controlo da exactidão do julgamento da questão de facto resultam, fundamentalmente, da falta de homogeneidade da assunção das provas pelo tribunal de 1ª instância e pela Relação e da natureza da actividade de julgamento da questão de facto.

A Relação é normalmente um tribunal de 2ª instância.

Pela sua própria índole, a Relação tem competência para apreciar e conhecer tanto de questões de direito como de questões de facto.

O recurso de apelação é precisamente aquele que, segundo a sua natureza de recurso amplo, deveria ter eficácia e alcance para submeter à consideração da Relação toda a matéria da causa.

A atribuição ao recurso de apelação da natureza de recurso verdadeiramente global e, correspondentemente, a possibilidade de a Relação conhecer da matéria de facto, pressupõe que a esse Tribunal são garantidas, pelo menos, as mesmas condições que são asseguradas ao tribunal recorrido.

O sistema actual de recursos procurou conciliar as garantias da oralidade e da imediação – que contribuem decisivamente para o bom julgamento da causa, em especial, no que se refere à apreciação da matéria de facto – com algumas exigências práticas.

Estas exigências conduzem, por exemplo, a que o controlo sobre um decisão relativa ao julgamento de um facto supostamente provado pelo depoimento de uma testemunha, não requeira a presença dessa testemunha perante o tribunal ad quem.

É suficiente, na lógica da lei, que seja disponibilizado a este tribunal o registo ou a gravação desse depoimento ou a sua transcrição (artºs 685-B nºs 1 a 4 e 712 nºs 1, a) e b), e 2 do CPC).

O registo dos actos de produção da prova é feito por gravação, em regra, por meios sonoros (artºs 522-B e 522 C) nºs 1 e 2 do CPC).

Essa gravação é efectuada, também em regra, por equipamentos existentes no tribunal e por funcionário de justiça (artºs 3 nº 1 e 4 do Decreto Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro).

O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância, pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida.

A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto da matéria em causa ou se, tendo havido registo da prova pessoal, essa decisão tiver sido impugnada pelo recorrente ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova (artº 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC).

Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in iudicando[16].

O recurso ordinário de apelação em caso algum perde a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame.

Mas para que a Relação altere e, portanto, substitua, a decisão da matéria de facto da 1ª instância não é suficiente um qualquer erro.

Este erro há-de ser manifesto, ostensivamente contrário às regras da ciência, da lógica e da experiência, que aponte, decisiva e inequivocamente, para, o julgamento do facto, um sentido diverso daquele que lhe imprimiu o decisor da 1ª instância - e não, simplesmente, que se limite a sugerir ou a tornar provável ou possível esse outro sentido[17].

Nem, aliás, é difícil explicar a exactidão de um tal entendimento dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto que a lei adjectiva actual reconhece à Relação.

De um aspecto, porque esse controlo e a reponderação correspondente da matéria de facto é efectuado, em regra, a partir da reprodução de registos sonoros, rectior, gravações áudio, de depoimentos, ou da leitura fria e inexpressiva da sua transcrição.

Ora, é irrecusável que depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode alguma vez ser medido pelo tom em que foram proferidos; a palavra é simultaneamente um meio de exprimir conteúdos de pensamento e de os ocultar; todas as formas de comunicação não-verbal do depoente influem, quase tanto como a sua expressão oral, na força persuasiva do seu depoimento[18].

Realmente, a expressão oral é apenas uma parte bem diminuta da comunicação e, por isso, existem aspectos e reacções dos depoentes que apenas podem ser apreendidos e apreciados por quem os constata presencialmente e que a gravação sonora, e muito menos a transcrição, não tem a virtualidade de registar e que, por isso, são irremissivelmente subtraídos à apreciação do último tribunal relativamente ao qual ainda seja lícito conhecer da questão correspondente[19].

Tratando-se de prova pessoal, rectius, testemunhal, o registo – sonoro ou escrito - comporta o risco de tornar formalmente equivalentes declarações substancialmente diferentes, de desvalorizar depoimentos só aparentemente imprecisos e de atribuir força persuasiva a outros que só na superfície dela dispõem.

A decisão da matéria de facto, respeita, por definição, à averiguação de factos – i.e., a ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, a qualquer mudança do mundo exterior, ao estado, qualidade ou situação real das pessoas e coisas[20] – e o resultado dessa actividade pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa.

Todavia, essa actividade não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção, não é uma operação pura e simplesmente lógico-dedutiva – mas uma formação lógico-intuitiva.

As dificuldades que daqui decorrem para o controlo dessa actividade são meramente consequenciais.

Por último, convém ter presente que o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada numa audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (artºs 652 nº 3 e 655 nº 1 do CPC)[21].

Decerto que liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional – mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros.

Mas não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente.

O procedimento desenvolvido para estabelecer os factos sobre os quais o tribunal deve construir a sua decisão não é puramente cognitivo, o que explica a inevitável relatividade da certeza histórica de um facto que a prova disponibiliza.

Contudo, esse procedimento, na medida em que assenta num esquema lógico, permite estabelecer uma regra de valoração da prova que se analisa nas proposições seguintes: a valoração da prova é uma operação mental que resolve num silogismo em que a premissa maior é a fonte ou o meio de prova – o depoimento, o documento, etc. - a premissa menor é uma máxima de experiência e a conclusão é a afirmação da existência ou a inexistência do facto que se pretendia provar; as regras de experiência são juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos.

Deste ponto de vista, a única diferença entre um sistema de prova livre e um sistema de prova legal, consiste no facto de na última, a máxima de experiência, que constitui a premissa menor do silogismo, ser estabelecida ou objectivada pelo legislador, ao passo que, no primeiro, se deixa ao juiz a determinação da máxima de experiência que deve aplicar no caso.

Em ambos os casos, o método de valoração da prova não deve ser contrário à lógica, devendo antes ser actuado de harmonia com um critério de normalidade jurídica, derivado do id quod plerumque accidit - daquilo que normalmente sucede[22].

Nestas condições, a apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference.

Os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[23].

O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis – a realidade ou a inveracidade de um facto – tem menor probabilidade de não ser a correcta.

Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, no sentido já apontado.

É o caso, por exemplo, da prova testemunhal (artº 396 do Código Civil).

Essa apreciação baseia-se – já se notou – na prudente convicção do tribunal sobre a prova produzida, quer dizer, em regras de ciência e de raciocínio e em máximas de experiência (artº 655 nº 1 do CPC).

Neste contexto, nada impede, por exemplo, que a convicção do juiz se funde no depoimento de uma única testemunha[24].
Constitui património comum dos operadores judiciários a extraordinária cautela com que deve ser manejada a prova testemunhal, dado o perigo da sua infidelidade, seja ela involuntária – v.g., por erro de percepção ou de retenção do facto – ou voluntária – por vício de parcialidade.
Dadas todas as possíveis causas de erro que actuam sobre a prova testemunhal, é natural uma atitude de desconfiança e desânimo por parte de quem se vê forçado a decidir sobre a base de semelhante prova e uma atitude de desconforto por banda de quem tem de controlar uma decisão assente numa prova a que se associa uma tão larga falibilidade.
O desencanto é tanto mais lamentável quanto é certo que na prática dos tribunais a prova por testemunhas vem à cabeça de todas as outras, é a prova de uso mais frequente porque é, na maioria dos casos, a única que se pode produzir.
Considerada a enorme variedade de causas que podem dar lugar a que a testemunha não possa ou não queria dizer a verdade, deve usar-se de grande cautela em relação a esta prova e só a sua valoração sob o signo estrito da oralidade e da imediação permite estabelecer, adequadamente, o efeito persuasivo que, em cada caso, lhe deve ser assinalado.
De resto, aquele princípio e este seu corolário são comprovadamente adequados a extirpar um dos maiores males da prova testemunhal: a mentira.
Como já se reparou, o resultado da actividade de julgamento da matéria de facto pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa.
Contudo, essa verdade não é uma verdade absoluta ou ontológica, sendo antes uma verdade judicial, jurídico-prática.
No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis.
Está nestas condições, notoriamente, a prova testemunhal.
A prova de um facto não visa, pois, obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação desse facto.
A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas, para convencer o decisor, conhecer das realidades do mundo e das regras de experiência que nele se colhem, da verificação da realidade do facto[25].

As provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida.

Nestas condições, uma prova, considerada de per se ou criticamente conjugada com outras, é suficiente para demonstrar a realidade – não ontológica mas jurídico-prática – de um facto quando, em face dela seja de considerar altamente provável a sua veracidade ou, ao menos, quando essa realidade seja mais provável que a ausência dela.

3.4.1. Reponderação da decisão relativa à matéria de facto da 1ª instância.

3.4.1.1. Delimitação do objecto da impugnação e da reponderação.

A recorrente reputa de incorrectamente julgados, dos factos julgados provados, os identificados na sentença impugnada com os algarismos 6 e 9 e dos declarados não provados, todos eles - com excepção do primeiro.

Mas é claro que não há que reponderar o julgamento de todos estes pontos de facto.

De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa[26].

Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.

Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção.

E relativamente aos factos que correspondam aos possíveis enquadramentos jurídicos da causa, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos principais ou essenciais e não sobre os instrumentais.

É que se o facto principal for julgado provado ou não provado, os respectivos factos instrumentais tornam-se irrelevantes.

Se, feita a reponderação das provas, se dever concluir pela veracidade do facto do pagamento, a absolvição da recorrente é irremissível; inversamente, caso se conclua pela falta de realidade daquele mesmo facto, a improcedência do recurso é meramente consequencial.

Nestas condições, de todos os factos objecto da impugnação da recorrente, apenas há que reponderar o julgamento deste facto principal: o facto do pagamento do preço constante das facturas, que o tribunal da 1ª instância julgou não provado.

E que provas é que, segundo a recorrente, foram incorrectamente valoradas?

Todas as que foram produzidas - a prova pericial, a prova testemunhal e a prova documental, embora estas duas últimas apenas em parte.

3.4.1.2. Prova pericial.

Um dos aspectos que a recorrente verbera asperamente à decisão recorrida respeita à indiferença do decisor de facto pela violação, pela apelada, das obrigações contabilísticas que a vinculam.

Convém, portanto, que se deixe claro o valor probatório da escrituração mercantil.

Tanto a recorrente como a recorrida são comerciantes (artº 13, 1º e 2º do Código Comercial).

Estavam ambas, por isso, vinculadas a uma obrigação de escrituração mercantil – que consistia no registo, em livros adequados, de actos e operações dos comerciantes que pudessem influir sobre a sua fortuna. Abstraindo dos livros de actas, aqueles livros serviam para arquivar as operações aí lançadas pela sua descrição sintética e pelo seu valor – como o livro de inventário o livro de balanço, o diário e a razão – ou reproduziam actos dos comerciantes – como o livro copiador (artºs 29 e 31 do Código Comercial).

Todos estes livros eram livros de escrituração – mas só os primeiros eram propriamente livros de contabilidade, que consiste na técnica de escriturar livros de contas, em ordem a que a escrituração comercial preencha a sua finalidade.

Em 2006, porém, através do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, o legislador alterou profundamente[27] toda a lógica da escritura comercial, através da modificação dos artºs 29º, 30º, 31º, 35º, 39º, 40º, 41º, 42º e 43º e da revogação dos artºs 32º, 33º, 34º e 36º, todos do Código Comercial.

Assim, eliminou-se o objectivo da escrituração e o seu sigilo e desapareceu a obrigatoriedade da legalização dos livros, a escrituração do livro de inventário e balanços, que deixou de ser obrigatória, a escrituração do diário e o copiador.

Manteve-se apenas a obrigatoriedade da escrituração mercantil efectuada de acordo com a lei, a liberdade da organização da escrita, a obrigação de conservar a correspondência e a escrituração mercantil pelo prazo de 10 anos e a norma reguladora da força probatória da escrituração (artºs 29º, 40º e 44º do Código Comercial).

As leis fiscais vinculam, porém, a uma contabilidade organizada.

A contabilidade exerce, realmente, uma função fiscal básica no domínio da tributação directa das pessoas colectivas e entidades a elas equiparadas – dado que o lucro tributável é determinado pelo recurso à contabilidade das empresas - o que explica a sua sujeição a obrigações contabilísticas (artºs 17º nºs 1 a 3 e 123º do CIRC).

De resto, a introdução entre nós do Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA – forçou a generalidade das empresas e dos sujeitos produtores de bens e de serviços sujeitos a este imposto a organizar a sua contabilidade (artºs 29º nº 1 g) e 44º do CIVA).

O IRC e o IVA assentam, portanto, em contabilidades organizadas, embora os respectivos códigos não vinculem a sistemas específicos de contabilidade, antes repousando na prestação de contas comercial, fixando, porém, regras particulares quando se trate de passar das contas comuns para o cálculo do imposto.

Neste domínio, o IVA é, aparentemente, mais exigente, uma vez que, pela sua própria natureza, obriga a calcular, de modo específico, os elementos que operação a operação, permitem o cômputo do imposto.

Como consequência lógica e regulativa da matéria atinente à escrituração mercantil, surge a prestação de contas, que nas sociedades comerciais assume, naturalmente, um papel mais vincado (artº 65º do Código das Sociedades Comerciais).

Essa prestação assenta na escrituração comercial.

As exigências de normalização, porém, reclamam um esquema idêntico para todas as entidades de modo a tornar perceptível o estado real retratado pelas contas e a sua comparação - o que explica a aprovação, pelo Decreto-Lei nº 410/89, de 21 de Novembro[28], do Plano Oficial de Contabilidade (POC) no qual surgem ordenados – para a finalidade obter uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados da empresa – os princípios contabilísticos da continuidade, da consistência, da especialização (ou do acréscimo), do custo histórico, da prudência, da substância sobre a forma e da materialidade (4 a) a g).

As características da informação da informação proporcionada pelas demonstrações financeiras são, por sua vez, orientadas pelos princípios da relevância, fiabilidade, e comparabilidade (3.2.).

Com a transposição pelo Decreto-Lei nº 35/2005, de 17 de Fevereiro da Directriz nº 2003/51 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho, relativas a contas anuais e a contas consolidadas das sociedades, determinou-se a passagem das sociedades portuguesas do regime do POC para o das NIC – Normas Internacionais de Contabilidade – já previstas, de resto, no Regulamento nº 1606/2002, de 19 de Julho.

O sistema actual em matéria de contabilidade é, em resumo, o seguinte: NIC para as sociedades abertas, cotadas, e para as restantes que, tendo certificação de contas, façam essa opção; POC para as restantes; POC e demais regras, para todas, para efeitos fiscais, com as alterações impostas pelas leis tributárias.

Tanto a recorrente como a recorrida estão obrigadas, por força das regras fiscais, a uma contabilidade organizada.

Pergunta-se: qual é o exacto valor probatório dessa contabilidade, rectius, da escrituração correspondente, quando esta é invocada nas questões entre comerciantes e por factos do seu comércio?

A lei vincula a um distinguo, consoante a escrita se encontra ou não regularmente arrumada, i.e., conforme obedeça ou não às exigências estabelecidas na lei[29] (artº 44º do Código Comercial).

Assim, há que considerar separadamente três casos: a escrituração não está regularmente arrumada; a escrituração está regularmente arrumada; a escrita de um ou uns está e a de outro ou outros não está regularmente arrumada.

No primeiro caso, a escrituração de cada um faz prova contra ele, mas a outra parte que dela se quiser aproveitar, deverá igualmente aceitar o que lhe seja prejudicial, salvo prova em contrário; na segunda hipótese, a escrituração de cada um faz prova não só contra, mas também a favor do comerciante a que pertença e, se houver divergência entre as escritas regularmente arrumadas, será esta resolvida por outros meios de prova; na última hipótese, a escrituração arrumada faz prova contra e favor do comerciante a quem pertença; a que não estiver regularmente faz prova contra a quem pertença e, havendo divergência entre o que constar da regularmente arrumada e da escrita que o não está, prevalece sobre esta, salva sempre a possibilidade que assiste ao comerciante cuja escrituração não está regularmente arrumada de invocar outros meios de prova.

O Código Comercial não esclarece se um comerciante pode invocar outros meios de prova contra o que constar da sua escrita.

Na falta de disposição especial a este respeito vale a regra geral da lei civil, que decide em sentido afirmativo (artº 380º do Código Civil).

Este regime vincula a duas conclusões: a escrita, ainda que regularmente arrumada, não tem força probatória plena, já que à outra parte e ao próprio comerciante é lícito invocar outros meios de prova em contrário; a desarrumação da escrituração não torna processual ou materialmente proibida – e, portanto, ilícita – a invocação de quaisquer outros meios de prova, e, correspondentemente, qualquer insusceptibilidade de valoração, pelo tribunal, destes outros meios de prova, que, por isso, podem servir de fundamento à respectiva decisão.

A perícia à escrituração da recorrida tornou patente a sua desconformidade com o quadro regulativo aplicável – divergência que, como é comum, surge ordenada pelo propósito punível de subtracção à obrigação de imposto.

Mas sejam quais forem as consequências no plano penal, contraordenacional ou tributário, essa ilicitude é, no plano da prova, falha de consequências.

De resto, não deixa se sublinhar-se, por um lado, o facto de a recorrente se não ter socorrido como meio de prova, da sua própria contabilidade – já que caso esteja arrumada prevaleceria sobre a da recorrida – e, por outro, que também ela partilha, como decorre da sua alegação, da ilicitude que repetidamente assaca à recorrida: é que o recurso, por esta, à contabilidade paralela lhe permitiu subtrair-se a uma obrigação de imposto que a vincula: a de pagar o IVA (artºs 1º nº 1 a) e 2º nº 1 a) do CIVA).

Seja como for, estas considerações mostram o sem razão da argumentação repetida da recorrente assente na ilicitude da contabilidade da recorrida.

Apesar dessa ilicitude àquela não estava vedado o recurso a qualquer meio de prova para dar satisfação ao ónus da contraprova – e não da prova - a que está adstrita, de modo a tornar incerto o facto capital do pagamento cuja prova compete, indubitavelmente, à apelante.

Como consequência da eliminação do sigilo da escrita mercantil, tornaram-se vulgares as perícias à contabilidade dos comerciantes (artº 42º do Código Comercial).

Uma tal perícia, como qualquer outra, constitui, muito simplesmente, um meio de prova, relativamente à qual vale, por inteiro - de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos - o princípio da livre apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz (artº 389º do Código Civil)[30].

Deste princípio decorre, naturalmente, a impossibilidade de considerar os pareceres do perito ou peritos que procederam á diligência como contendo verdadeiras decisões, às quais o juiz não possa, irremediavelmente, subtrair-se.

Uma tal conclusão só se explicaria por um deslumbramento face à prova científica de todo inaceitável e incompatível com os dados, que relativamente à perícia, a lei coloca à disposição do intérprete e do aplicador.

Significa isto que nada impõe que a avaliação deva prevalecer, de modo absoluto, sobre qualquer outro meio de prova, ou dito de outro modo, que se lhe deva reconhecer força de prova plena.

Na verdade, não deve excluir-se a possibilidade de o perito ou peritos serem induzidos em erro pelos seus sentidos e de, portanto, o resultado da diligência se formar a partir de percepções individuais inexactas.

Estando fora de dúvida que a perícia é assinaladamente eficaz para esclarecer um facto que interessa à decisão da causa – o pagamento pela recorrente do preço das coisas vendidas - ainda assim não deve excluir-se, por inteiro, a possibilidade de se censurar o erro do perito na produção dessa prova, opondo-lhe outros meios idóneos para rectificar percepções individuais erróneas e para corrigir equívocos ou a violação, na valoração dos resultados a que perícia o conduziu, de regras de ciência, de lógica ou de experiência.

Agora convém não esquecer o peculiar objecto a prova pericial: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388 do Código Civil).

Deste modo, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal.

Assim, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo técnico ou científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente técnica ou científica.

Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo técnico científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva[31] (artº 653º nº 2 e 659º nº 2, in fine, do CPC).

Dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida[32].

Até algumas décadas, poucos saberes técnicos – como a mecânica ou à construção - e só um número restrito das chamadas ciências duras – como a química, a engenharia, a física ou a matemática eram levados em conta no domínio da prova pericial.

Actualmente, porém, o espectro das ciências que pode disponibilizar provas periciais é bem mais alargado.

De um aspecto, as denominadas ciências duras são cada vez mais complexificadas e especializadas; de outro, as chamadas ciências moles ou sociais, como a psicologia, a psiquiatria, a sociologia, a economia, etc. – são consideradas, frequentemente, como fontes de prova em processo civil.

O alargamento do espectro das provas periciais torna particularmente complexo[33] o problema do controlo da fiabilidade dessa espécie de prova, a que, naturalmente, a ciência jurídica não ficou indiferente.

É neste contexto que surge, por exemplo, a distinção entre perícia científica e perícia de opinião[34].

A primeira produz certeza, no sentido de que, perante o estado actual do saber científico, o resultado da perícia deve ser idêntico para todas as pessoas, i.e., só é possível um resultado: se houver resultados divergentes, é porque um deles está, necessariamente, errado.

Está nessas condições, por exemplo, a determinação da área de uma superfície ou da composição química de uma coisa.

A perícia de opinião, essa, produz convicção: não se trata já de verificar a exactidão de uma determinada afirmação de facto – mas de valorar um facto ou alguma circunstância desse mesmo facto, valoração que traz implicada a emissão de um juízo de valor.

Neste caso, podem existir laudos divergentes e mesmo contraditórios.

Serve de exemplo a determinação do valor de um imóvel.

Esta distinção traz implicada toda uma constelação de consequências.

Perante uma perícia científica, não é admissível que o juiz se afaste, arbitrariamente, do seu resultado, com o argumento de que esse resultado não o convence ou de que tem opinião contrária.

Não é concebível, por exemplo, que o juiz discorde da conclusão pericial de que a água é composta por uma molécula de oxigénio e duas de hidrogénio.

Diversamente, na perícia de opinião, o juiz deve ser particularmente prudente, sendo-lhe exigível um juízo de valor sobre o seu conteúdo, a idoneidade do perito e o resultado que disponibiliza, em função do seu objecto.

No caso do recurso, estamos face um exame à contabilidade e, por isso, face a uma perícia de opinião[35]. Não está, por isso, inteiramente vedado ao juiz, o controlo, de harmonia com a norma jurídica aplicável, das operações e dos resultados da perícia, e, portanto, a actuação da sua competência de peritus peritorum.

Não deve, no entanto, confiar-se, de forma ilimitada, no efeito prático do ditame de que o juiz o perito dos peritos.

Dado que a prova pericial supõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é difícil que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objectivo para o qual não dispõe de meios subjectivos.

Isto significa que, a não ser que sobrevenham novos e seguros elementos de prova, maxime, uma nova perícia, a liberdade do juiz não o autoriza a estabelecer, sem o concurso do perito ou peritos, as razões da sua convicção.

Por mais que se afirme a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente na decisão da causa.

No nosso caso, um primeiro facto que o relatório da perícia que teve por objecto a contabilidade da autora – realizado pela Dra. M...., licenciada em gestão de empresas e membro da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e da Ordem dos Economistas - torna patente é a desarrumação da contabilidade da recorrida e a existência de duas contabilidades: uma contabilidade oficial; uma contabilidade paralela.

Esta contabilidade paralela assenta num sistema de talões, que – como a perita salienta - não cumprem as regras contabilísticas exigidas pela lei fiscal e que permitiram a subtracção da apelada à satisfação das obrigações tributárias de IVA e de IRC.

Todavia, já sabemos que, do ponto de vista da prova, este facto é inteiramente asséptico.

Todavia, a conclusão mais expressiva do relatório da perícia é esta: a de que a contabilidade da autora não permite aferir quais os valores em dívida dos clientes, quer de forma global quer em detalhe.

E nos esclarecimentos que prestou na audiência, a autora do relatório pericial – no interrogatório a que foi sujeita pela Sra. Juíza de Direito – foi peremptória em reafirmar aquela conclusão.

Realmente, perguntada se da contabilidade a Sra. Dra. não retira, nem das facturas que lhe enviei que a Dra. analisou que estejam pagas nem que estejam por pagar, e se podia com segurança dizer que estão pagas nem quais não estão pagas, a perita respondeu: não estou, e penso que nenhum outro colega; a contabilidade não traduzia.

E depois de observar que há inúmeras empresas em que a contabilidade não traduz os valores em aberto com os clientes e é o próprio dono que tem o seu controlo nos meios auxiliares, rematou o seu depoimento com esta afirmação: a contabilidade (da recorrida) não traduz as coisas.

A perícia é, portanto, para a prova do facto controverso relevante – o facto do pagamento – inteiramente inconclusiva.

Num duplo sentido: no sentido que nem convence do pagamento nem da falta dele.

E sendo este resultado, quanto ao valor desta prova, absolutamente homótropo àquele a que chegou o decisor de facto da 1ª instância, pode dizer-se, de forma segura, que aquele não incorreu, na respectiva, valoração em qualquer error in iudicando.

3.4.1.2. Prova testemunhal.

3.4.1.3. Prova documental.

Um dos documentos cujo valor probatório, segundo a impugnante, não foi devidamente valorado pela decisão recorrida, é o extracto de conta corrente incluso a fls. 55, que no seu ver – e no ver do seu contabilista – prova que em 19 de Agosto de 2008, as contas entre as partes estavam saldadas.

Neste ponto, o conjunto da alegação da recorrente não é coerente.

Depois de sustentar, longa e veementemente o nenhum valor probatório da contabilidade da recorrida por força da sua patente desarrumação – por ser suportada em documentação ilegal – pretende agora que se dê provado o facto do pagamento – com um desses documentos.

Daquele extracto parece, realmente, resultar que em 19 de Agosto de 2008, as contas estariam saldadas. Mas esse documento não se compagina com os extractos contabilísticos que imediatamente o precedem nem com a prova testemunhal que a recorrente reputa de consistente e credível – o depoimento de J...

Esta testemunha asseverou, repetidamente, que o acto de pagamento, pela recorrente, das facturas teve lugar em Setembro.

Todavia, se a recorrente realizou o acto de pagamento em Setembro é porque em Agosto as contas não estavam saldadas.

Patentemente fica a dúvida, irremovível, sobre a fidelidade daquele extracto para retratar o estado das contas entre as partes.

E quanto a este ponto há que reverter à conclusão conspícua da perícia: a de que a contabilidade da autora não permite aferir quais os valores em dívida dos clientes, quer de forma global quer em detalhe.

Nestas condições, não há razão para assacar à decisão recorrida qualquer erro na aferição do valor probatório do referido documento.

Não assim quanto aos documentos inclusos a fls. 108 e 109 - os datados de 31 de Agosto de 2007 e 6 de Novembro de 2007, inclusos a fls. 108 e 109 que documentam que para pagamento da factura nº 2942, emitida em 3 de Abril de 2007, no valor de € 920,51, a recorrente entregou à recorrida as quantias de € 431,55 e 125,00, respectivamente, ficando por regularizar – como se lê no segundo daqueles documentos - a de € 363,96.

A decisão recorrida julgou não provado o pagamento da factura nº 2942.

Mas aqueles documentos - dado que não foram objecto de impugnação e contém uma inequívoca declaração de quitação – provam o pagamento – embora parcial – daquela factura.

Importa, por isso, alterar quanto a esse ponto a decisão de facto, declarando-se provado que da factura nº 2942, a recorrente pagou a quantia de € 556,55.

Em absoluto remate: apesar da distância entre esta Relação e as provas e o modo como conheceu de algumas delas – através da audição do registo sonoro dos depoimentos prestados em audiência, conjugado com a leitura dos extractos desses depoimentos constantes da alegação da recorrente – não há razão para concluir – excepto quanto aos documentos inclusos a fls. 109 e 109 – que a decisão recorrida tenha incorrido num error in iudicando das provas e, correspondentemente, para modificar - excepto no ponto considerado – esse julgamento.

O sentido da decisão é dado pelos factos fornecidos pelo processo com consideração do princípio da aquisição processual e da análise do ónus da prova (artºs 515º e 516º do CPC e 346º, 2ª parte, do CPC).

E como a recorrente apenas em parte do ónus da prova do facto do pagamento que a vinculava, há que decidir contra ela a dúvida correspondente e, por isso, julgar não provado – excepto no segmento apontado – esse facto.

Ergo, o recurso deve proceder – mas apenas nessa parte.

Resta, por isso, resolver a última questão colocada pela recorrente à atenção desta Relação: a de condenação da recorrida como litigante de má fé.

3.5. Pressupostos da condenação por litigância de má fé.

Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, as partes estão adstritas a um dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (artºs 266º, 266º-A e 456º nºs 1 e 2 a) a e) do CPC).

A infracção do dever de honeste procedere pode, pois, resultar de uma má fé subjectiva, se é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objectiva, se resulta a violação dos padrões de comportamento exigível.

O dever de cooperação assenta, quanto às partes, no dever de litigância de boa fé (artº 266º-A do CPC). Sobre as partes recai um dever de verdade, não como mero dever moral - mas como verdadeiro dever jurídico.

Insiste-se neste ponto, uma vez que a observação da realidade judiciária, mostra que as partes parecem, às vezes, comportar-se como se lhes fosse inexigível o cumprimento do dever de verdade ou mesmo como se lhes assistisse um direito de mentir, que servisse como causa justificativa da falsidade.

Note-se, no entanto, quanto ao dever de verdade, que ele apenas implica a obrigação para a parte de apresentar os factos tal como, em sua opinião, eles ocorreram, de modo que, para aferir a boa fé da parte o que releva é, portanto, uma verdade subjectiva, dado que só litiga de má fé a parte que alega o que não conhece ou que omite o que conhece.

A litigância de má fé apresenta especificidades quer quanto à conduta sancionada, quer quanto à culpa e quanto às consequências.

No tocante à conduta reprimida, comporta três tipos de actuação substancial e uma de conduta processual. Tem a ver com a primeira a dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não se deva ignorar, a alteração dos factos ou a omissão de factos relevantes para a decisão da causa e a omissão grave do dever de cooperação (artº 456º nºs 2 a) a c) do CPC); no domínio da conduta processual, o tipo legal relata um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com um de três fins: conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, protelar, sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão (artº 456º nº 2 d) do CPC).

Portanto, a má fé processual tanto pode ser substancial como instrumental.

É substancial se a parte infringir o dever de não formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa (artº 456º nº 2 a) e b) do CPC); é instrumental nos casos restantes (artºs 456º nºs 1 e 2 c) e d) e 720º do CPC).

O dano não é pressuposto da má fé: castiga-se a litigância de má fé independentemente do resultado; apenas releva o próprio comportamento mesmo que, pelo prisma do prevaricador, ele não tenha conduzido a nada[36].

Só se penaliza a conduta cometida com dolo ou com negligência grave[37]; a negligência comum não releva.

Além disso, o alargamento da relevância da negligência grave ou grosseira restringe-se às prevaricações substanciais (artº 456º nº 2 d) do CPC); nas processuais apenas releva o dolo[38].            

A litigância de má fé opera oficiosamente; apenas a indemnização – que está sujeita a regras mais restritivas de que o princípio geral do direito das obrigações – exige um pedido da parte[39] (artº 456º nº 1 e 457º do CPC e 562º e ss. do CC)[40].

A indemnização deve ser fixada na própria acção, não podendo a sua liquidação se relegada para momento ulterior[41] e pode ser simples ou agravada (artº 457º nº 1 b), 2ª parte, in fine, do CPC).

É simples quando consiste apenas no reembolso das despesas a que a má fé obrigou a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos (artº 457º nº 1 a) do CPC); é agravada quando consiste no reembolso daquelas despesas e na satisfação dos demais prejuízos sofridos pela parte contrária (artº 457º nº 1 b) do CPC).

A opção pela indemnização limitada ou plena cabe ao tribunal que deve, na escolha, ter em conta, por exemplo, a intensidade do dolo da negligência do litigante de má fé (artº 457º nº 1 b), 2ª parte, do CPC).

A multa processual tem por limite mínimo 0,5 UC e por limite máximo 5 UC, excepto em casos excepcionalmente graves, em que pode elevar-se até 10 UC[42] e a fixação do quantum deve ocorrer sempre sob o signo estrito do princípio estrito da proibição de excesso, na sua composição tripartida de exigência de adequação, necessidade e de proporcionalidade ou de justa medida (artº 27º nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais, ex-vi artº 27º nº 3 c) do DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro)[43].

A situação económica do litigante de ma fé deve ser considerada na determinação do valor da multa, mas nenhuma influência deve exercer sobre a questão da indemnização: quando a esta releva apenas a conduta do litigante.

Sempre que a indemnização compreenda, por exemplo, os honorários do advogado, a parte que a pede – e a decisão que a fixa – deve naturalmente individualizar os critérios que presidiram à fixação do seu valor.

É claro que o mandato forense exercido pelos Exmos. Advogados dos apelados se presume oneroso quando é exercido no âmbito da sua profissão[44] (artºs 1157º e 1158º nº 1 do Código Civil).

Sendo o mandato oneroso, ao mandatário assiste o direito à remuneração devida pela execução do mandato, remuneração que, quanto à sua medida, não havendo acordo das partes, é determinada pelas tarifas profissionais, na sua falta, pelos usos, e na falta daquelas tarifas e destes usos, por juízos de equidade (artº 1158º nº 2 e 1167º b), 1ª parte, do Código Civil).

Relativamente ao advogado, aquela medida, ou melhor, os seus parâmetros, são dadas pela sua lei estatutária (artº 100º nºs 1 a 3 do EOA, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro).

Nestas condições, na falta de ajuste prévio, a fixação dos honorários obedece aos seguintes parâmetros: a importância dos serviços prestados; a dificuldade e urgência do assunto; a importância do serviço prestado; o grau de criatividade intelectual da sua prestação; o resultado obtido; o tempo despendido; as responsabilidades assumidas pelo advogado e os demais usos profissionais (artº 100º, nº 3 do EOA).

A lei estatutária actual, ao contrário da anterior - o DL nº 84/84, de 16 de Maio - sucessivamente pela Lei nº 6/86, de 26 de Março, pelos DL nºs 119/86, de 29 de Maio e 325/88, de 23 de Setembro e pelas Leis nºs 33/94, de 6 de Setembro, 30-E/2000, de 20 de Dezembro e 80/2001, de 20 de Julho – entretanto revogado pela Lei nº 12/2005, de 26 de Janeiro de 2005 (artº 206º) – não individualiza, como parâmetros de determinação dos honorários do advogado a praxe do foro e o estilo da comarca, nem impõe ao menos explicitamente, ao advogado, na fixação do seu valor, um dever de moderação[45] (artº 65º, nºs 1 e 4 do DL nº 84/84, de 16 de Maio).

É lícito, porém, ao advogado ajustar previamente com o se cliente os honorários que lhe são devidos pelo exercício do patrocínio, mas proíbe-se que o acordo consista numa quota litis[46] ou torne o direito à remuneração dependente dos resultados da demanda ou do negócio.

Maneira que, numa indemnização por má fé que tenha por objecto os honorários devidos ao advogado da parte contrária pelo exercício do mandato forense, compete a esta parte alegar e fazer a prova da existência de acordo sobre valor dos honorários e, na falta desse acordo, ou de prova dele, recai sobre essa mesma parte o ónus de alegar e demonstrar todos os factos relevantes para uma adequada concretização e densificação dos critérios legais de fixação desses mesmos honorários[47].

Não é, por isso, sequer suficiente, para uma justa fixação do seu valor, aludir ao conjunto das tarefas que o mandato envolveu, importando fazer a prova do tempo despendido, da complexidade do processo ou das actividades realizadas, dos usos profissionais, do nível de honorários praticados e da condição económica do mandante, para se concluir da sua importância e dificuldade e do esforço despendido pelo advogado[48].

Só uma alegação com um tal grau de especificação permitirá ao juiz julgar da razoabilidade do valor dos honorários pedidos, a título de indemnização, e o uso, se for caso disso, da faculdade de redução dos honorários apresentados aos justos limites (artº 457º, nº 2, in fine, do CPC).

Estas considerações valem, mutatis mutandis, relativamente a qualquer outro dano ou despesa que indemnização pela litigância de má fé deva reparar.

A recorrente pede que a recorrida seja condenada a pagar-lhe uma multa a seu favor – pedido que, decerto, deve ser interpretado com o sentido de condenação a sua favor – mas de uma indemnização (artº 236º, nº 1 do Código Civil). Mas não individualiza sequer o dano que deva ser reparado com a indemnização que julga ser-lhe devida.

Um dos corolários mais relevantes do princípio instrumental do dispositivo - que determina que o processo se encontra na disponibilidade das partes – é decerto o da disponibilidade privada sobre o objecto desse processo que, por sua vez, determina que incumbe às partes à definição desse objecto e a realização da prova dos respectivos factos.

O princípio da disponibilidade privada implica, assim, dois ónus distintos: o ónus de alegação, que respeita à invocação dos factos integrantes da causa de pedir ou da excepção, e o ónus de prova, que se refere à realização da prova desses factos se os mesmos forem controvertidos (artºs 342º e 346º do Código Civil e 516º do CPC)

Simplesmente, do facto de uma parte não ter conseguido livrar-se do ónus da prova que a vincula, relativamente à causa petendi alegada ou à excepção invocada, não decorre, como corolário que não possa ser recusado, que adulterou a realidade de que tinha necessário conhecimento, alegando, por exemplo, um conjunto de factos inteiramente supostos.

A circunstância de a parte não ter demonstrado um facto ou factos que tenha alegado, não é, inelutavelmente, sinónimo de violação do dever de verdade, antes constitui, frequentemente, simples consequência do carácter contingente - e mesmo aleatório – da prova[49].

A litigância de má fé deve deixar incólume o direito das partes de discutirem e interpretarem livremente os factos.

Assim, não é suficiente, para que a parte seja irremediavelmente considerada litigante de má fé, uma qualquer divergência ou desarmonia entre os factos, tal como a parte os descreve e como, ulteriormente, vêm a ser julgados provados e qualificados[50].

Entendimento diverso conflituaria, nitidamente com o direito, de matriz constitucional, de acesso ao direito.

O processo tem por objecto uma relação comercial ao longo de anos, desenvolvida através de múltiplas operações, sem um adequado suporte documental e contabilístico, circunstância que tornou extraordinariamente complexa a prova dos factos relevantes, feita por recurso a provas reconhecidamente dotadas de pouca fiabilidade.

É exacto que a recorrida não demonstrou a realização de alguns dos fornecimentos que alegou e reclamou mesmo o pagamento de uma quantia que a recorrente demonstrou já se encontrar paga.

Mas desta circunstância não decorre, irremissivelmente, a conclusão de que violou, dolosamente ou com negligência grave, o dever de honeste procedere e, por isso, que deva ser estigmatizada com o ferrete da má fé.

Se assim fosse, então também a recorrente deveria ser irremissivelmente condenada por litigância de má fé, dado que também ela não demonstrou, em larga extensão, o facto do pagamento que longa e veementemente invocou.

Não há, assim, razão para que se deva condenar a recorrida – ou a recorrente – como litigante de má fé.

O recurso deve proceder, mas apenas parcialmente.

Expostos todos argumentos afirma-se em síntese que:

- Só há lugar à inversão do ónus da prova se o onerado não pode produzi-la por uma culpa da contraparte, de que tenha resultado, para o vinculado, a impossibilidade ou, ao menos, a grave dificuldade dessa prova;

- A inversão do ónus da prova não implica que o facto controvertido se tenha por verdadeiro, mas apenas que a prova da falta de realidade dele passa a competir à parte contrária não onerada com a respectiva prova;

- Os vícios da decisão da matéria de facto não constituem causa e nulidade da sentença, mesmo nos casos em que aquela decisão se contém formalmente na sentença, estando sujeitos a sistema de impugnação e de reparação diferenciados;

- Só se justifica a reponderação da decisão da matéria de facto no tocante a factos principais relevantes para a decisão da causa, segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção;

- A escrita comercial, ainda que regularmente arrumada, não tem força probatória plena e a sua desarrumação não torna processual ou materialmente proibida a invocação de outros meios de prova nem a proibição de valoração pelo tribunal destes outros meios de prova;

- A litigância de má fé deve deixar incólume o direito e a liberdade das partes na discussão e na interpretação dos factos.

As custas do recurso deverão ser satisfeitas, dada a sucumbência recíproca da recorrente e da recorrida, por uma e outra parte, na proporção dessa sucumbência (artº 446º, nºs 1 e 2 do CPC).

Dada a pouca complexidade do tratamento processual do objecto do recurso, a respectiva taxa de justiça deve ser fixada nos termos da Tabela I-B que integra o RCP (artº 6º, nº 2 deste diploma legal e 8º, nº 1 e 9 nº 1 da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso e, consequentemente:

a) Modifica-se, nos termos supra referidos a decisão da matéria de facto;

b) Revoga-se, em parte, a decisão recorrida, e consequentemente, condena-se a recorrente, M… a pagar à recorrida, C…, Unipessoal Lda., a quantia de € 4 886,67, acrescida dos juros moratórios, à taxa sucessivamente aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a data do vencimento de cada um das facturas, constantes dos factos provados, até ao pagamento, com excepção da factura nº 2942, em que os juros, calculados àquela taxa, serão contados sobre € 920,51, desde o vencimento até 31 de Agosto de 2007, sobre € 488,96, desde esta data até 6 de Novembro de 2007, e, desde então, até ao pagamento, sobre € 363,96.

Custas pela recorrente e pela recorrida, na proporção do vencido, devendo a taxa de justiça ser fixada nos termos da Tabela I-B, integrante do RCP.

                                                                                                                            

                                                                                                              Henrique Antunes (Relator)

                                                                                                              José Avelino Gonçalves

                                                                                                              Regina Rosa


[1] José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 234 a 240.
[2] Vaz Serra, Provas (direito probatório material), BMJ nº 110, pág. 160
[3] Rita Lynce de Faria, A Inversão do Ónus da Prova no Direito Civil Português, Lisboa, Lex, 2001, pág. 51.
[4] Rui Rangel, O Ónus da Prova em Processo Civil, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 191.
[5] Acs. da RP de 18.05.78, CJ, 78, III, pág. 847 e 09.10.79, CJ, 79, IV, pág. 1276 e do STJ de 17.02.83, BMJ nº 324, pág. 584.
[6] Ac. do STJ de 09.12.87, BMJ nº 372, pág. 369.
[7] Michele Tarufo, Páginas sobre justicia civil, Marcial Pons, 2009, pág. 53.
[8] Michele Tarufo, cit., págs. 36 e 37.
[9] Acs. do STJ de 08.07.87, BMJ nº 369, pág. 481, da RP de 06.01.94, CJ, 94, I, pág. 197 e da RL de 03.11.94, CJ, 94, V, pág. 90.
[10] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, 1984, pág. 139 e 140 e Acs. da RP de 06.01.94 e da RL de 03.11.94 e 17.1.91, CJ, 94, I, págs. 197, 94, V, pág. 90 e 91, I., pág. 121, respectivamente.
[11] Ac. do STJ de 26.09.95, CJ, 95, III, pág. 22 e da RE de 24.11.94, BMJ nº 441, pág. 420.
[12] Acs. da RC de 11.01.94, BMJ nº 433, pág. 633, do STJ de 21.10.88, BMJ nº 380, pág. 444 e de 30.05.89, BMJ nº 387, pág. 456 e da RC de 21.01.92, CJ, I, pág. 86.
[13] V.g., Ac. do STJ de 31.01.91, BMJ nº 403, pág. 382 e 09.04.92, BMJ nº 416, pág. 558.
[14] Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, Lex, 1995, pág. 239.
[15] Manuel de Andrade, Sentido e Valor da Jurisprudência, BFDUC, Vol. XLVIII, Coimbra, 1972, pág. 227.
[16] Ac. do STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130 e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271.
[17] Acs. da RL de 10.11.05 e de 19.02.04, www.dgsi.pt. e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 150.
[18] Eurico Lopes Cardoso, BMJ nº 80, págs. 220 e 221.
[19] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 3ª edição, Almedina, 2000, págs. 273 e 274.
[20] Acs. do STJ 08.11.95, CJ, STJ, 95, III, pág. 293 e da RP de 20.02.01, www.dgsi.pt.
[21] Ac. do STJ de 29.09.95, www.dgsi.pt.
[22] Juan Montero Aroca, Valoración de la prueba, regras legales, Quaderni de “Il giusto processo civile”, 2, Stato di diritto e garanzie processualli, a cura di Franco Cipriani, Atti delle II Giornate internazionali de Diritto processualle civile, Edizione Scientifiche Italiene, 2008, págs. 44 e 45.
[23] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[24] Ac. da RC de 18.05.94, BMJ nº 437, pág. 598.
[25] Antunes Varela, RLJ Ano 116, pág. 330.
[26] Ac. da RE de 09.06.94., BMJ nº 438, pág. 571.
[27] Fala-se mesmo no fim ou na supressão do Direito da escrituração mercantil: Cfr. António Menezes Cordeiro, Introdução ao Direito da Prestação de Contas, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 75 e 76.

[28] Sucessivamente alterado pelos Decretos-Lei nºs 238/91, de 2 de Julho, 127/95, de 1 de Junho, 79/2003, de 23 de Abril e 35/2005, de 17 de Fevereiro. A versão actualizada do POC está disponível no sítio da CNC – Comissão de Normalização Contabilística – www.cnc.min-finanças.pt/POC/POContabilidade.
[29] Fernando Olavo, Direito Comercial, volume I, 2ª edição, Coimbra, 1979, págs. 365 e 366.
[30] Acs. da RP de 29.03.93 e da RE de 11.11.94, BMJ nºs 425, pág. 627 e 441, pág. 421. Cfr., contudo, em sentido aparentemente contrário, o Ac. da RP de 29.4.98, BMJ nº 476, pág. 489.
[31] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 263 e 264.
[32] Carlos Lopes do Rego, O Ónus da Prova nas Acções de Investigação da Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação, in, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, págs. 789 e 780.
[33] Michel Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, 2008, págs. 97 e 98.
[34] Adolfo Alvarado Velloso, La Prueba Judicial, Tirant lo Balanch, Valencia, 2006, págs, 54 a 56 e Montero Aroca, La Prueba en el Proceso Civil, 5ª edição, Thomson, Civitas, 2007, pág. 346.
[35] Ac. da RL de 29.11.10, que neste segmento da exposição, se seguiu de perto, www.dgsi.pt
[36] Ac. da RE de 21.03.00, BMJ nº 495, pág. 381.
[37] Que é entendida como a imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um. Cfr., v.g., o Ac. do STJ de 06.12.01, www.dgsi.pt., portanto, em termos muito restritivos.
[38] Ac. da RL de 4.05.00, BMJ nº 497, pág. 433. Comparativamente com o regime anterior – artºs 456 nº 3 e 457 nº 1 b) do CPC de 1961 – e à corrente maioritária da jurisprudência – v.g. Acs. da RP de 26.02.90, BMJ nº 394, pág. 528, do STJ de 16.04.91, ActJ, 18 (1992), pág. 17 e RP de 14.11.94, CJ, 94, V, pág. 264 – alargou-se justificadamente o âmbito da má fé processual aos casos de negligência grave. Basta assim, uma falta grave de diligência para justificar a má fé da parte.
[39] É, porém duvidoso, se esse pedido só pode ser feito no processo em que a litigância de má fé tem lugar. Neste sentido, Acs. da RC de 22.04.94 e 27.5.97, BMJ nºs 434, pág. 701 e 467, pág. 637, respectivamente; contra, porém, sustentando a possibilidade de a parte de boa fé poder intentar acção autónoma - onde é possível apreciar, ou não, a existência de responsabilidade civil da parte deduziu pretensão infundada ou litigou incorrectamente, causando com isso danos – cujo objecto seja a apreciação da má fé da contraparte em processo com decisão passada em julgado, Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual por Litigância de Má fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 65 e 66 e Ac. do STJ de 26.02.35, RLJ, Ano 67, pág. 360.
[40] Por tudo isto, a má fé surge, assim, como um instituto processual, de feição pública e que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil que pretenda suprimir danos ilícita e culposamente causados a outrem, através de actuações processuais.
Esta razão explica a parca aplicação jurisdicional do instituto.
Preocupados com uma pax processual imediata e confrontados com a estrita configuração legal do instituto, os tribunais só em casos absolutamente gritantes aceitam sancionar a litigância de má fé - Cfr. António Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa in Agendo, 2006, pág. 29.
[41] Ac. da RC de 12.12.98, BMJ nº 482, pág. 304.
[42] Entretanto, estes limites foram modificados, por força da superveniência da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, para 2 e 100 UC, respectivamente. Todavia, deve entender-se, de harmonia com norma de direito transitório de que aquela Lei se fez acompanhar, que aqueles limites apenas são aplicáveis aos actos que revelem a má fé da parte posteriores à data do início da sua vigência – 29 de Março de 2012 (artº 8º, nº 2).
[43] Este princípio da proporcionalidade possui um claro fundamento constitucional. A faculdade de impor uma multa processual, estabelecida no artº 456º, nº1, às partes representa, evidentemente, uma agressão a um património alheio e, portanto, ao direito de propriedade constitucionalmente consagrado, pelo que uma interpretação conforme à constituição daquele preceito, impõe o respeito da proporcionalidade consagrada no artº 18º, nº2 da CRP quanto às restrições aos direitos, liberdades e garantias (artº 62º, nº 1 da CRP). Além disso, a actividade dos tribunais – particularmente àquela que possui carácter sancionatório – é aplicável, pelo menos por analogia, o princípio da proporcionalidade imposto pelo artº 266º, nº 2 da CRP aos órgãos e agentes da administração.
[44] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 74.
[45] Mas essa moderação é tanto mais exigível quanto é certo que no ordenamento jurídico português vigora em matéria de custas, ainda que de forma limitada, a chamada american rule – segundo a qual a parte que perde a acção não tem de reembolsar as despesas efectuadas pela parte vencedora (artºs 33º, 40º e 41º do CC Judiciais).
[46] Este sistema de fixação da remuneração do advogado em função das horas gastas por esse mandatário na preparação e defesa da acção e não segundo a percentagem do montante obtido na acção - contingent fee - que pode ser entendido como a contrapartida da existência de um sistema público de apoio judiciário, não é isento de inconvenientes, dado que premeia o esforço em vez do resultado, embora também não deixe de ser verdade que o sistema da contingent percentage conduz a que o advogado invista menos do que seria necessário para conseguir a maior probabilidade de êxito na acção.
Note-se, que a proibição da quota litis não tem por ratio a tutela do ciente - mas do advogado.
[47] Ac. do STJ de 24.04.11, www.dgsi.pt.
[48] Ac. do STJ de 29.09.09, www.dgsi.pt.
[49] Ac. do STJ de 28.05.09, www.dgsi.pt.
[50] Acs. do STJ de 09.07.98, 27.02.03 e 05.05.05, www.dgsi.pt e Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 353.