Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
145/10.9GCLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA
Descritores: INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Data do Acordão: 05/30/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 410º, N.º 2, AL. A), DO C. PROC. PENAL
Sumário: A matéria de facto provada tanto pode ser insuficiente quando não permite a subsunção efectuada em termos de imputação de determinado crime, como quando não permite uma opção fundamentada entre penas não privativas e privativas da liberdade, entre pena de prisão efectiva e penas de substituição desta ou um juízo inteiramente fundamentado sobre o doseamento da pena, suposto que o tribunal podia investigar os factos em falta e não investigou.
Decisão Texto Integral: I. Relatório
No processo comum singular 145/10.9GCLSA do Tribunal Judicial da Lousã o arguido A..., devidamente identificado nos autos, após julgamento realizado na sua ausência, foi condenado pela autoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 204º, nº 2, alínea e) e 202º, alínea e) do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.
Foi ainda condenado a pagar ao demandante B... indemnização no valor de 240 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação até integral pagamento.

Inconformado com a decisão, dela recorreu o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
A) Não obstante a gravidade dos factos e as elevadas exigências de prevenção geral associadas ao tipo de ilícito criminal em apreço, afigura-se-nos que não deveria ter sido afastada, como foi, a possibilidade de aplicação de uma pena de substituição da pena de dois anos de prisão aplicada ao arguido, designadamente a suspensão da execução da mesma nos termos do art. 50° do Código Penal.
B) Com efeito, tal como assinalado na douta sentença em recurso, resultaram diminutas as consequências da conduta do arguido (atento o valor dos bens subtraídos e dos danos causados).
C) Por outro lado, os antecedentes criminais registados no seu CRC (três) são por crimes de diferente natureza, tendo-lhe sido aplicadas sempre penas de multa.
O) Ademais, os factos que aqui lhe foram imputados foram praticados antes de duas das referidas condenações (e antes do trânsito em julgado de todas), pelo que o arguido não tinha ainda sido confrontado com a solene advertência ínsita nas decisões judiciais em apreço.
E) É certo que o arguido se demarcou pela total ausência do processo, em nada contribuindo para melhor compreendermos as circunstâncias em que os factos foram praticados e nada trazendo a juízo que nos permitisse contextualizar a sua vida pessoal, familiar e económica.
F) Mas se tal circunstância impedia o Mmº Juiz de formular o necessário juízo de prognose ditado pelo art. 50º do Código Penal para decidir (ou não) suspender a execução da pena aplicada, então deveria, a nosso ver, socorrer-se dos elementos de prova que a lei lhe permite obter para compensar a insuficiência dos elementos carreados pela acusação ou pela defesa, ao abrigo do disposto no art . 340º do Código de Processo Penal e em particular do art. 370º do mesmo diploma legal.
G) Assim averiguava dos factos necessários à escolha e determinação da sanção, nos termos do art.. 71°, n.º 2, do Código Penal e das condições substâncias que permitiam formular uma decisão sustentada em matéria de substituição (ou não) da pena de prisão aplicada.
H) Não o tendo feito decidiu a questão sem a necessária sustentação probatória, legitimadora do afastamento desta pena de substituição, assim ficando a douta sentença em impugnação ferida do vício contemplado no art. 410º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal ­insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Nestes termos e nos demais de Direito, que doutamente se suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que, mediante prévia averiguação das condições económicas e sociais do arguido e da sua personalidade, pondere a suspensão da execução da pena de dois anos que lhe foi aplicada, assim se fazendo INTEIRA JUSTIÇA!

Igualmente inconformado recorreu o arguido A..., extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1 - O presente recurso diz respeito apenas à matéria de direito;
2- O recorrente devida e legalmente notificado (com prova de depósito), não compareceu às sessões de julgamento, o que motivou que o mesmo fosse realizado na sua ausência, ausência que determinou a impossibilidade do Tribunal a quo efectuar qualquer juízo de prognose favorável no sentido de que a mera censura do facto e a ameaça de prisão fossem susceptíveis de realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e, por isso, lhe suspender a execução da pena aplicada;
3- Mais se refere na Douta Sentença em recurso que, e no mesmo sentido, se encontra inviabilizada qualquer outra medida de substituição da pena de prisão as quais pressupõem sempre o conhecimento das condições do arguido, ora recorrente;
4- Apesar de o recorrente ter antecedentes criminais, mas por crimes de natureza diferente, este é o único contra o património que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado, sendo, no entanto diminutas as consequências da sua conduta, dado o valor dos objectos furtados tal como é igualmente referido na Douta Sentença em recurso;
5- Ao não estar presente nas sessões de julgamento, o recorrente não quis, de modo algum, furtar-se a ter de enfrentar as consequências dos seus actos, tanto mais que, e como melhor decorre dos actos de inquérito, confessou de imediato e sem reservas os factos que lhe eram imputados e colaborou com as autoridades sempre que para o efeito foi solicitado;
6- Uma vez em Portugal apresentou-se de imediato às autoridades onde foi notificado da Douta Sentença em recurso,
7- Procurou trabalho, disposto a fazer o que lhe aparecer, encontrando-se a trabalhar quer no corte de madeira, quer como pedreiro, quer ainda ajudando a mãe em trabalhos agrícolas, tendo ainda promessa de contrato de trabalho para o inicio do próximo ano no carte de madeira;
8- Apesar de pautado a sua actuação pela total ausência pelas razões expostas, recorrente entende que foi prejudicado na aplicação da medida concreta da pena, uma vez que lhe foi aplicada pena de prisão efectiva, quando podia a pena de prisão ser suspensa na sua execução;
9- O arguido/recorrente confessou todos os factos pelos quais foi condenado em sede de inquérito, o que voltaria a fazer em sede de julgamento, encontra-se a trabalhar e, acima de tudo, com vontade de o continuar a fazer, bem como se encontra familiar e socialmente integrado, vive com a mãe, pessoa doente e com parcos rendimentos (€ 246,38 mensais de pensão por invalidez) e que necessita da sua ajuda;
10- Por outro lado, desde a data da prática dos factos não voltou a delinquir, nem os que cometeu antes têm a natureza destes não tendo, por isso, processos pendentes;
11- Pelo que, entende que a simples ameaça da pena é suficiente para o afastar da prática de novos crimes, e que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem como satisfaz, quer as razões de prevenção especial, quer as de prevenção geral;
12- Estão verificados os requisitos do regime de suspensão da execução da pena de prisão previstos no artigo 50°. C. Penal, suspensão simples ou sujeita a condições, com deveres ou regras de conduta nos termos dos artigos 51°. e 52°. do mesmo diploma legal;
13- O Tribunal a quo ao não suspender a execução da pena aplicada ao arguido/recorrente, violou o disposto no artigo 50°. do Código Penal e, consequentemente os princípios, penal e constitucionalmente consagrados, da proporcionalidade e da adequação.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, consequentemente, ser a Douta Sentença recorrida revogado na parte em que aplicou pena de prisão efectiva ao ora recorrente, assim se fazendo A COSTUMADA JUSTIÇA.

Não ocorreu resposta aos recursos.
Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer do seguinte teor:
Pela nossa parte, concordamos inteiramente com a argumentação aduzida pelo Magistrado do MºPº na 1ª instância, que subscrevemos e entendemos que a decisão sub judice padece do vício de contradição insuficiência da matéria de facto para a decisão, p. na a) do artº 410° n° 2 do C.P.P. e ainda da nulidade a que se refere o artº 379º nº 1 c) por referência ao artº 374° nº 2 do C.P.P ..
I. Vício da decisão
a) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Na verdade, características comuns a todos os vícios previstos nas diversas alíneas do artº 410° n° 2 do C.P.P., são o de fundamentarem o reenvio do processo para outro julgamento quando insanáveis no tribunal de recurso (artº 426° e 436° do C.P.P.) e o de resultarem do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum.
Como se refere no Ac. STJ de 12/11/97, in Proc. 325007 in www.dgsi.pt , trata-se de "... vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei.
Vícios de decisão, não de julgamento como frisa Maria João Antunes (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, pág 121)
Enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida"
Seguindo o mesmo aresto, agora no que tange à definição concreta do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, temos que a al. a) do nº 2 do artº 410º do C.P.P. refere-se à insuficiência que decorre da omissão de pronuncia, pelo Tribunal, sobre factos alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da decisão da causa que sejam relevantes para a decisão, isto é, decorre da circunstância de o tribunal na factualidade vertida na decisão em recurso quando se verifica que faltam elementos que, tendo resultado da discussão podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação, e em que termos, ou de absolvição.
O MºPº na 1ª instância alega nas "conclusões" da Motivação apresentada, que não constando da matéria de facto provada qualquer facto sobre as condições pessoais, económicas e sociais do arguido, se está perante o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada p. na a) do artº 410° nº 2 do C.P.P .. e com razão.
Efectivamente, na matéria de facto provada, relativamente às condições pessoais e económicas dos arguidos, nada consta, parecendo-nos que, uma vez que o arguido não esteve presente em audiência, o tribunal a quo não investigou como podia e devia a situação pessoal e sócio-económica do arguido, solicitando, por ex, a elaboração de relatório social, de modo a poder formular um juízo fundamentado sobre a escolha da pena e dentro desta qual a mais adequada a aplicar ao arguido pela prática do referido crime e se seria ou não de aplicar uma pena de substituição.
O facto de se dizer que o arguido não sofreu condenações anteriores, é do nosso ponto de vista, insuficiente para se poder determinar qual a personalidade do arguido e poder afirmar qual é a sua atual situação sócio-económica e em consequência qual a pena mais adequada para lhe aplicar, em função dessa personalidade.
E, tratando-se de crime punido com pena de prisão, o tribunal não indagou como podia e devia, quer através do pedido e junção aos autos de documentos, designadamente, declaração de IRS, elementos constantes da Segurança Social, inquirição de testemunhas, ou socorrendo-se da elaboração de relatório social, que deveria ter sido junto aos autos antes do julgamento, de elementos para poder decidir em função das circunstâncias pessoais, sociais e económicas e da personalidade do arguido, qual a pena mais adequada a aplicar ou esclarecer a razão porque elencando as penas de substituição, optava pela sua não aplicação.
Entendemos, pois que a decisão sub judice, padece do vício a que se refere o artº 410° nº 2 a) do C.P.P., devendo, nesta parte, proceder-se a reenvio parcial dos autos para julgamento, relativamente à questão da situação pessoal e sócio-económica do arguido, que, em nosso entender, deveria ser apurada.
II. Nulidade da decisão
Como é sabido, a omissão de pronúncia decorre da violação da lei quanto ao exercício do poder jurisdicional. Há assim omissão de pronúncia quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar.
O art. 50° do C. P. determina também que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, desde que possa concluir que a "simples censura do facto e a ameaça da prisão" realizam as finalidades da punição.
Está assim imposto ao juiz o dever de indagar e justificar a razão porque aplica ou o que impõe o afastamento da suspensão da execução da pena de prisão.
Nos termos do art. 379º nº 1 c) do C. P. P. é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo que tal nulidade pode ser arguida em recurso da sentença (n.º 2 do mesmo preceito).
Ora, o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, como sucede com a suspensão ela execução da pena.
Uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de ponderar e aplicar uma pena de substituição e fundamentar a razão porque a aplica.
O tribunal "a quo" considerou, apenas de forma sumária, que a substituição da pena de prisão aplicada pela suspensão da execução da pena não encontrava fundamento sem indicar as razões de tal afastamento, a verdade é que não ponderou nem fundamentou a razão porque optava por essa possibilidade de substituição da pena aplicada.
Ora, seguindo a jurisprudência do STJ e de outros arestos neste sentido, não tendo o tribunal "a quo" emitido pronúncia acerca da eventual aplicação da pena ele substituição, entendemos que cometeu a nulidade prevista no art. 379º n.º 1 c) do C.P.P..
Assim, emitimos parecer no sentido de que os recursos merecem provimento, devendo proceder-se ao reenvio parcial dos autos para julgamento, afim de se apurar a situação pessoal e sócio-económica do arguido e anular-se a decisão proferida devendo proferir-se outra que se pronuncie sobre todas as questões suscitadas, designadamente, a equação da eventual aplicação de uma pena de substituição.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo ocorrido réplica.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
***
II. Fundamentos da Decisão Recorrida
Da decisão recorrida constam os seguintes fundamentos de facto e de direito:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Factos Provados da Acusação Pública e do Pedido Cível
Entre as 00: 15 e as 9:00 horas do dia 18 de Junho de 2010, o arguido deslocou-se ao "Café …", situado em … , Miranda do Corvo, explorado por C..., com o propósito de se apoderar de dinheiro e outros objectos de valor económico que ali encontrasse.
Para tanto, deslocou-se no veículo de marca e modelo Renault Clio e matrícula … , propriedade de sua mãe, mas de que o mesmo era utilizador habitual, munido com os seguintes objectos, os quais se encontravam no interior do referido veículo e foram apreendidos:
- uma serra de cortar ferro, com lâmina de 31 cm;
- uma chave de fendas com cabo de cor preta e vermelha, com o comprimento total de 26 cm;
- um martelo com cabo em madeira, com 36,5 cm;
- um par de luvas em borracha de cor amarela.
Chegados ao local, enquanto o outro indivíduo, o arguido dirigiu-se à grade de protecção da sala de jogos do estabelecimento acima identificado e, com o auxílio da serra de cortar ferro antes descrita, cortou a referida grade, partiu o vidro da janela, destrancou-a e entrou.
Já no interior do estabelecimento e com o auxílio da chave de fendas com cabo vermelho e preto e do martelo já referidos o arguido abriu o cofre de uma máquina de jogos que ali se encontrava, propriedade de … , retirando as moedas que se encontravam no seu interior no valor de € 40,00.
Deslocou-se depois à zona do café, de onde retirou do expositor de brindes, que se encontrava colocado na parede sobre o balcão, dois telemóveis e dois relógios cuja marca não se logrou identificar, propriedade de ....
De cima do balcão retirou a máquina de brindes, também propriedade de … , a qual foi aberta pelo outro indivíduo, já no exterior do estabelecimento, utilizando para o efeito o martelo e o serrote já identificados, apoderando-se de seguida de diversos outros brindes que se encontravam no seu interior.
O valor global dos brindes subtraídos ascende pelo menos a € 240,00.
A máquina de brindes, assim arrombada, foi deixada no chão, na parte de trás do estabelecimento.
Da caixa registadora foram subtraídos cerca de € 50,00 em dinheiro.
Entre os objectos que ficaram na posse do arguido consta o telemóvel Alcatel com o IMEI … , de cor preta e verde, o qual lhe foi apreendido a 8 de Agosto de 2010, contendo no seu interior o cartão Optimus … .
Nas proximidades do local foram localizados por populares uma carteira de cartão da Optimus, um cartão de telemóvel desta operadora com o número 110119372854 e o PIN 5504, um folheto de instruções de um telemóvel Alcatel e um panfleto de contactos TCT Mobile Contact Center da Alcatel, que diziam respeito a um dos telemóveis subtraídos.
O arguido actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que os objectos acima identificados e de que se apoderou não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade dos seus legítimos donos.
O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei como ilícito criminal.

Por sentença datada de 8.6.2010 transitada em julgado em 9.7.2010, foi o arguido condenado na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros pela prática em 31.7.2008 de um crime p. e p. pelo artigo 212º do C. Penal (processo nº 245/08.5GCLSA).
Por sentença datada de 7.7.2010 transitada em julgado em 24.9.2010, foi o arguido·condenado na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 6,00 Euros pela prática em 27.1.2010 de um crime p. e p. pelo art.º 348º, nº 1, al. b) do C. Penal (Processo n.º 21/10.5GCLSA).
Por sentença datada de 7.7.2010 transitada em julgado em 24.9.2010, foi o arguido condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 6,00 Euros pela prática em 7.2.2010 de um crime p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, al. b) do C. Penal (Processo n.º 50/10.9GBLSA).

Factos Não Provados
O arguido fez-se acompanhar de outro individuo que ficou nas proximidades em vigilância, agindo em comunhão de esforços e intenções com outra pessoa que não se logrou identificar.
Na posse do dinheiro e dos objectos assim subtraídos, o arguido e o outro indivíduo, procederam à sua divisão.

CONVICÇÃO DO TRIBUNAL:
A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional "puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação" (Prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1,43).
Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.
Ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos: - a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência, - é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo principio da busca da verdade material, - a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana, - assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente - aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação - e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio "in dubio pro reo" (cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004,8544 e ss.).
É conhecida a clássica distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária - cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II vol., p. 99. Aquela incide directamente sobre o facto probando, enquanto esta - também chamada de prova "circunstancial", "de presunções", de "inferências" ou "aberta" - incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.
Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, como acima se disse, terá que ser sempre objectivável e motivável.
A prova indirecta incide sobre factos diversos do tema de prova (sujeita à livre apreciação nos termos do art. 127º do CPP) mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.
Como refere o Acórdão da Relação da Relação de Coimbra de 9.2.2000, « ( ... )/1 - São dois os elementos da prova indiciária: - o indício, que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado, e - a presunção, que é a inferência que, obtida do indício, demonstra um facto distinto. /II - A prova indiciária realiza-se em três operações: em primeiro lugar, a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento, faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento. IV - Nada impede que a prova indiciária, por si, permita fundamentar uma condenação.» (in CJ, ano XXV, T.I, p. 51).
Trata-se aliás de prova especialmente apta para dilucidar os elementos do tipo subjectivo do crime que de outra forma seriam impossíveis de demonstrar a não ser pela confissão. Não incidindo directamente sobre o facto tema de prova exige-se um particular cuidado na sua apreciação, sendo certo que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis ­dr. Germano Marques da Silva, Curso cit., II vol., p. 100/1001.
Na avaliação da prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do julgador - sendo do mesmo passo, mais relevante do que em qualquer outro meio de prova mais ou menos tarifado, o contacto directo e a imediação do julgador com a sua produção, para aquilatar a sua credibilidade. Sendo tanto mais consistente quanto menores os factores externos que possam perturbar a verificação do facto probando.
Não faz a nossa lei processual qualquer referência a requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária. Pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável. Nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios, por si e de acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação (neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra de 18.8.2004, processo 1937/04, in www.dgsi.pt)
Por fim e como refere o Acórdão do S.T.J. de 15.2.2007, «O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções. O recurso às presunções naturais não viola o princípio in dubio pro reo, pois elas cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto, pelo que aquele princípio constitui o limite àquele recurso.» (in www.dgsi.pt).
No caso em apreço o arguido não esteve presente em qualquer das sessões de audiência de julgamento, sendo certo que não foi o mesmo apanhado em flagrante delito nem ninguém testemunhou directamente os factos por ele praticados.
Todavia, conforme resulta dos autos de busca e apreensão de fls. 44 a 48 foram apreendidos na viatura do arguido uma serra de cortar ferro, o martelo, uma chave de fendas, umas luvas e um telemóvel. Quanto aos primeiros objectos os mesmos são idóneos a terem sido utilizados para a prática dos factos referidos, uma vez que a as barras de ferro foram serradas, e as máquinas abertas com um instrumento que pode ser uma chave de fendas. Por fim, o telemóvel apreendido ao arguido pertencia ao expositor de brindes, conforme referido pela testemunha José Cordeiro que havia colocado os mesmos naquele café. Por esta testemunha foi confirmado que o telemóvel apreendido fazia parte daquele expositor, sendo que o valor dos objectos apreendidos rondaria os 240,00 Euros.
Este facto a nosso ver é prova mais que suficiente para colocar o arguido naquele dia e àquela hora praticando os factos conforme resulta da acusação. Nessa medida, ficou o tribunal plenamente convencido que o foi o arguido (não havendo qualquer prova de ter sido acompanhado por outra pessoa) que entrou no café através da janela, serrando as barras de ferro e dele retirou os referidos objectos.
Quanto aos objectos retirados o tribunal atendeu ao depoimento da testemunha C...Rodrigues, proprietária do café "Retiro da Serra" que referiu que no dia anterior quando saiu do café por volta da meia noite e quando chegou no dia seguinte viu que havia entrado lá alguém uma vez que estavam as grades serradas da janela da sala de jogos; o vidro estava partido e uma parte da janela aberta. A janela situa-se a cerca de 2 metros do lado de fora. Viu o cofre de uma máquina de jogos aberta, tendo forçado a fechadura da máquina e dai retirado as moedas (a testemunha José Cardoso Coelho referiu que tinha uma máquina de jogos em exploração no referido café e que estimava que a mesma tivesse 40,00 Euros, valor que era habitual a mesma ter naquela altura).
Depois seguiu para a zona do balcão e faltava uma máquina que dá brindes e o cartaz dos prémios também não estava. Essa máquina era de .... O cartaz tinha pelo menos dois telemóveis de marca Alcatel; havia isqueiros, porta-chaves e relógios. A máquina de brindes foi encontrada na rua junto ao café, tendo a parte debaixo serrada. Por fim referiu ter ficado sem 50,00 Euros de fundo da caixa registadora. Não faltou mais nada.
No que diz respeito aos antecedentes criminais, o Tribunal atendeu ao teor de fls. 154 a 156.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Para que o arguido seja censurado é necessário que o acto a censurar seja simultaneamente típico, ilícito e culposo. Se a tipicidade reconduz-se ao próprio tipo legal de crime, devendo a conduta do agente preencher os seus elementos constitutivos, objectivos e subjectivos, já a ilicitude consubstancia um juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar ou pôr em perigo bens jurídicos de relevância criminal. Por fim a culpa, ao exprimir um verdadeiro juízo de reprovabilidade sobre a vontade do agente no momento em que actua, pode revestir as formas de dolo ou de negligência.
No caso em apreço, vem o arguido acusado da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ss 203º, n.º1 e 204º, n.º 2, al. e) do C. Penal.
Em conformidade com a previsão contida no referido preceito incriminador,
Artigo 203º do C. Penal
«1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa»
Artigo 204º, n.º 2, al. e) do C. Penal
«Quem furtar coisa móvel alheia: ( ... ) penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado por arrombamento, escalamento ou chaves falsas é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos».
O art.º 204º do C. Penal prevê uma modalidade agravada da incriminação prevista no art.º 203º do mesmo diploma, de onde resulta que o primeiro se encontra numa relação de especialidade com o segundo, o que desde logo impõe que a subsunção jurídica de uma conduta ao disposto no art.º 204º do C. Penal, implica que o agente praticou os factos previstos no art.º 203º do C. Penal, preenchendo os demais elementos subjectivos previstos nesta norma. Por outro lado, há que referir, que essas circunstâncias são de funcionamento automático, ou seja, não é necessário averiguar, para que elas possam operar, se a sua verificação indicia uma especial gravidade do crime ou uma especial perigosidade ou censurabilidade do agente e, em segundo lugar, pode suceder que o agente, pela sua conduta, preencha várias circunstâncias qualificativas aí elencadas.
Estamos no domínio dos crimes contra a propriedade que são a espécie de ilícito penal que põe em perigo ou ofende qualquer bem, interesse ou direito economicamente relevante, privado ou público, e em que o que se pretende proteger é o património (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, CP anotado, 1996, 2º Vol., pág. 423), sendo um crime comum, isto é, pode ser cometido por qualquer pessoa.
São elementos constitutivos do crime em apreço:
- a subtracção de uma coisa móvel, e que tal coisa seja alheia [elementos objectivos);e como elemento subjectivo a ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem da coisa.
A subtracção não se esgota com a mera apreensão da coisa alheia, é necessário que o agente subtraia a coisa da posse exercida pelo lesado e a coloque à sua disposição ou à disposição de terceiro. A subtracção consiste, tal como refere Beleza dos Santos, "na violação do poder de facto que tem o detentor de guardar o objecto do crime ou de dispor dele, e a substituição desse poder pelo do agente" ( in RLJ, n.º 58- p. 252).
A subtracção não se tem por completamente integrada com a simples contrectatio, ou mesmo com a aprehensio rei, pois, certamente, veríamos excluída da previsão do furto todas as situações em que a posse não fora sequer violada. Do mesmo modo, não se nos afigura curial exigir-se a ablatio, isto é, a deslocação da coisa de um lado para o outro pelo agente do furto a fim de consolidar a apropriação (Maia Gonçalves in ob. e loc. cit., pago 604).
Assim, imprescindível será que o agente subtraia a coisa do domínio de facto anteriormente exercido sobre ela e a coloque à sua disposição ou de terceiro.
O crime de furto consuma-se com a entrada da coisa furtada na esfera patrimonial do agente ou de terceiro, ou seja, o tipo basta-se com a consumação formal ou jurídica, desprezando a doutrina da posse pacífica ou consumação material (cfr. Ac. STJ de 26.01.95, CJ-ST J, 1. I, pág. 190 e Ac. STJ de 22.05.97, CJ-ST J, til, pág. 224).
Coisa móvel, para efeitos penais e de crime de furto, é toda a substância corpórea, material, susceptível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha um qualquer valor, mas juridicamente relevante. O facto de ser traduzível em dinheiro constitui a nota predominante do elemento patrimonial, porém, "também se dizem patrimoniais aquelas coisas que, embora sem valor venet, representam uma utilidade ainda que simplesmente moral (valor de afeição), para o seu proprietário.
Por outro lado, a coisa deve ser alheia, no sentido de o agente não ser titular de qualquer direito de gozo, fruição ou guarda sobre a coisa. Como refere J. A. Barreiros "não é necessário que se determine quem é em concreto o proprietário ou legítimo detentor da coisa furtada, basta que o dono dela ou o seu legítimo detentor não seja o agente do crime" (in Crimes Contra o Património no Código Penal de 1995, pág. 29).
Quanto ao elemento subjectivo, ou seja, a ilegítima intenção de apropriação, é preenchido pelo dolo especifico, traduzido na intenção de o agente, contra a vontade do proprietário ou detentor da coisa furtada, a haver para si ou para outrem, comportando-se relativamente a ela com animo sibi rem habendi, integrando-a na sua esfera patrimonial (in, entre outros Ac. RE. de 29/11/94, CJ, T V, p. 292). A ilegitimidade traduz-se "no conhecimento ou consciência que tem de que a coisa é alheia, pertencente a outrem e de que não detém qualquer direito ou título para a possuir". Estamos, pois, perante um delito de realização intencionada.
O complexo fáctico apurado nos autos, permite-nos indubitavelmente concluir pela verificação do elemento objectivo e subjectivo do tipo de crime de furto.
Com efeito, o arguido retirou do café os objectos expostos no painel de brindes, bem como as moedas existentes quer na máquina de jogos, quer na caixa registadora e fez seus apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário.
Em resumo, encontram-se assim preenchidos os descritos elementos objectivos e subjectivo do tipo, na medida em que o arguido agiu da forma supra descrita, voluntária, livre e conscientemente - dolo directo - com a intenção de se apropriar de coisa móvel alheia, como efectivamente veio a suceder - intenção de apropriação -, bem sabendo, não lhe pertencer e que actuava contra a vontade do legítimo dono - ilegítima.
Conforme já se referiu, o crime de furto qualificado, constitui um tipo especial face ao tipo base previsto no art.º 203º do C. Penal.
Com efeito, o legislador entendeu que em face do modo de execução do crime, dos meios utilizados, do objecto do crime, do resultado, ou ainda em função da habitualidade da prática, a conduta deveria ser punida de forma mais severa, atendendo ao maior desvalor da acção ou do resultado, revelado pelos factores atrás referidos.
No entanto, o arguido vem acusado de ter cometido um crime de furto qualificado p.p. pelo art. 204, nº2, al. e) do CP.
O conceito de arrombamento vem definido no art. 202º, al. d) do CP, como sendo «O rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou a impedir a entrada, exterior ou interior, de casa ou de lugar fechado» e o escalamento na al. e) como sendo «a introdução em casa ou lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraço ou varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas, ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou a impedir a entrada ou passagem».
Ora, a introdução em habitação, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado" por arrombamento, escalamento ou chaves falsas, aparecendo, em geral, como elemento lateral ou acidental revelador da especial gravidade do facto ou da maior perigosidade do seu agente, constitui, nos termos da alínea e) do n.º2 do art. 204º, uma circunstância modificativa agravante cuja verificação, implicando uma alteração da moldura penal prevista no art. 203º, converte o furto simples em furto qualificado.
Assim, sempre que, para subtrair coisa móvel alheia, venha o agente a introduzir-se em habitação ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado por arrombamento, escalamento ou chaves falsas, deixará de funcionar a moldura simples prevista no art. 203º, devendo a responsabilidade criminal ser consequentemente determinada no interior da moldura penal agravada prevista no n.º2 do art. 204º do mesmo diploma legal.
Integram os factos provados, fora de qualquer dúvida, os elementos constitutivos do crime de furto qualificado que a acusação lhe imputa. De facto, o arguido subtraiu coisas móveis alheias, com ilegítima intenção de apropriação, assim preenchendo os 3 elementos que integram o "tipo". Por sua vez, para executar tal furto, penetrou em espaço fechado, por escalamento (entrou por uma janela situada a cerca de 2 metros do chão; isto é, entrou num recinto fechado através de uma via não destinada a tal finalidade - Cfr. Ac. STJ de 2-3-1983, in BMJ 325º, p.385) e forçou um dispositivo destinado a fechar ou a impedir a entrada, exterior ou interior, de casa ou de lugar fechado (serrou as barras de ferro da janela e forçou a janela partindo o vidro).
Assim sendo, a conduta do arguido preencheu a factualidade ínsita na qualificação prevista no art.º 204º, n.º 1, al. e) do Código Penal.
Sendo assim, não restam quaisquer dúvidas que, no caso em apreço, o arguido cometeu um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e ) do C. Penal.

ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA:
Moldura Penal e Escolha da Pena:
Cumprida a tarefa de qualificação jurídico-penal dos factos provados, importa proceder à escolha da pena e determinar a respectiva medida a aplicar ao arguido.
O crime de furto qualificado, é punível com pena de prisão de 2 a 8 anos.
Sendo certo que ao crime imputado ao arguidos é, tão-só, aplicável pena de prisão, não terá, aqui, lugar a operação do art.º 70º do Código Penal, segundo o qual o tribunal deverá dar preferência às medidas não privativas da liberdade, sempre que estas realizem de modo adequado e suficiente as finalidades da punição e sempre que, naturalmente, estejam previstas em alternativa às penas privativas da liberdade.
É entre tais limites que deve ser determinada a medida concreta da pena.
Para esta determinação, o julgador deve socorrer-se, em primeira linha, dos art.ss 40º e 71º do C. Penal.
Desde logo, de acordo com o disposto no art.º 40º, n.º 1 e 2 do C. Penal a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a qual em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa. Com este preceito, o ordenamento penal reflecte de forma clara o princípio da culpa, segundo o qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena, como seu limite máximo (art.ss 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1 CRP).
Desta forma, a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em 1º lugar, o da culpa do agente que fixa o limite máximo inultrapassável da pena, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção, especial e geral (a chamada margem de liberdade) (Ac. STJ, 24/5/95, CJST J, T.II, p. 210 e Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p. 40). O limite mínimo da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo (cf. Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210).
Tais critérios devem ser aplicados num acto uno, em que interagem de forma dialéctica.
No juízo de culpa parte-se de uma concepção de culpa, referida ao facto, em que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico e o fundamenta (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p. 40).
Tal entendimento não afasta a possibilidade de o julgador se socorrer também, de factores estranhos ao facto (strictu sensu), os quais são indubitavelmente necessários à correcta determinação da medida da pena, quais sejam, entre outros, os atinentes à personalidade do agente e todos os demais que do n.º2 do art.º 71º do C. Penal constam. Porém, o juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p. 40).
No caso em apreço, constata-se que é média a culpa do arguido porquanto por um lado o dolo foi intenso, manifestado no modo de execução, mas por outro lado são diminutas as consequências das suas condutas, dado o valor dos objectos furtados.
No que diz respeito à prevenção geral positiva, entendida, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida (Ac. STJ, 11/1/96, CJSTJ, T.I, p.176), as frequentes situações de furto a estabelecimentos comerciais exigem das autoridades uma repressão intensa de tais comportamentos de molde a não deixar quaisquer dúvidas sobre o desvalor das mesmas. Há ainda que atender ao facto que os bens foram todos recuperados.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de protecção dos bens jurídicos (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.214).
No caso concreto, o arguido tem antecedentes criminais de natureza distinta dos presentes autos.
Por fim há que atender ao facto de o arguido ter pautado a sua actuação pela total ausência.
Tudo ponderado, tem-se por proporcionado, adequado e suficiente condenar o arguido na pena de 2 anos de prisão.
Tendo presente que nada se sabe da vida do arguido, não é possível efectuar qualquer juízo de prognose favorável, isto é, que a mera censura do facto e a ameaça da prisão são susceptíveis de realizarem de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, pelo que não pode o tribunal suspender a execução. No mesmo sentido encontra-se inviabilizada qualquer outra medida de substituição da pena de prisão as quais pressupõem sempre o conhecimento das condições do arguido.
Nestes termos, terá o arguido que cumprir a pena de 2 anos de prisão.

PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL:
O legislador consagrou no art. 71º do Cód. Proc. Penal o princípio da adesão obrigatória. Havendo um lesado pela prática de um crime, tem de deduzir necessariamente o pedido de indemnização cível no processo penal respectivo, salvas as excepções consagradas nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 72º daquele diploma legal.
Por outro lado, e em conformidade com o disposto no art. 129º do Cód. Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, o que se reporta ao estatuído nos arts. 483º e ss. do Cód. Civil, excluindo-se assim a responsabilidade contratual e por factos lícitos, consagradas na lei civil.
Isto porque a responsabilidade contratual - rectius obrigacional - decorre do incumprimento de obrigações decorrentes da celebração de negócios jurídicos, tendo um regime próprio, em muitos aspectos não coincidente com o da responsabilidade delitual. Por outro lado, e no que tange à responsabilidade por factos lícitos, não está em causa a apreciação de um qualquer comportamento ilícito do suposto lesante.
A ideia básica do legislador é permitir, segundo ideias de celeridade e de economia processual, que, sendo apreciada a responsabilidade criminal de um determinado indivíduo ao qual é imputada a prática de um facto susceptível de integrar um ilícito criminal, seja igualmente decidido o aspecto da responsabilidade civil eventualmente existente e cuja apreciação seja suscitada.
A relação de dependência da acção cível e acção penal decorre, como se vê, do simples facto de ambas provirem da mesma causa material, isto é, o facto ilícito criminal, ainda que, do ponto de vista conceptual, sejam autónomas.
Em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 483º do Cód. Civil, ''aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Para que preencha esta norma legal, é necessário que se verifiquem diversos pressupostos.
Em primeiro lugar, tem de estar em causa um facto voluntário do lesante, dominável pela vontade.
Esse comportamento tem, igualmente, de ser ilícito, podendo essa ilicitude consistir na violação do direito absoluto de outrem ou na infracção de norma destinada a proteger interesses alheios, caso em que há um desrespeito de leis que, não conferindo um direito subjectivo, tutelam interesses particulares, ou que, protegendo interesses colectivos, não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes.
Tem ainda de se verificar um nexo de imputação do facto ao lesante, ou seja, é necessário que o agente tenha actuado com culpa. A culpa traduz-se num juízo de censura ou reprovação do direito em relação à conduta do agente, na medida em que tinha capacidade, ante as circunstâncias concretas, de actuar de uma outra forma, segundo o critério do bom pai de família.
Em virtude desse comportamento têm de ser produzidos danos, sejam eles patrimoniais, que se podem traduzir em danos emergentes ou lucros cessantes; ou não patrimoniais, isto é, prejuízos sobre bens que não integram o património do lesado.
Por fim, é essencial que se verifique um nexo de causalidade entre o facto e o dano, isto é, que o dano possa ser considerado consequência do facto praticado.
Tal como já atrás foi referenciado, o arguido actuou voluntariamente e ilicitamente, causando com a sua actuação os danos no demandante traduzido no valor das coisas furtadas. A actuação do arguido foi culposa, já que lhe era exigível que actuasse doutra forma, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial de 240,00 Euros.
Estão assim provados todos os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no artigo 483º do Código Civil, pelo que será aquele o valor da sua condenação a título de obrigação de indemnizar.
***
III. Apreciação do Recurso
Embora os actos da audiência hajam sido objecto de documentação, os recorrentes não impugnam alargadamente a matéria de facto em que assentou a decisão recorrida, restringindo o recurso a alegação de vício do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal e a matéria de direito, pelo que este Tribunal conhece apenas nesses termos, sem prejuízo de demais matéria do conhecimento oficioso.
Ou seja, a matéria de facto dada como provada na primeira instância deve ter-se por assente, só podendo ser sindicada por este Tribunal se e na medida em que se deva conhecer dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal (cfr. jurisprudência de uniformização do S.T.J. – Acórdão nº 7/95 de 19.10.1995 in BMJ 450, pag. 72).
Fixado o âmbito dos poderes de cognição desta Relação, cumpre conhecer dos recursos interpostos sintetizando as questões que colocam para apreciação. Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal). Resulta das conclusões dos recursos interpostos que se colocam para apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
- Se a decisão recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (recuso do Ministério Público);
- Se a pena de prisão em que o arguido foi condenado deve ser suspensa na sua execução (recurso do arguido).

Apreciando:

Na sentença recorrida foi o arguido condenado em pena de prisão de dois anos efectiva, tendo-se afastado a aplicação de penas de substituição porque "Tendo presente que nada se sabe da vida do arguido, não é possível efectuar qualquer juízo de prognose favorável, isto é, que a mera censura do facto e a ameaça da prisão são susceptíveis de realizarem de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, pelo que não pode o tribunal suspender a execução. No mesmo sentido encontra-se inviabilizada qualquer outra medida de substituição da pena de prisão as quais pressupõem sempre o conhecimento das condições do arguido."
No caso e dado que a pena aplicada é superior a um ano, apenas seria aplicável a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão (cfr. artigos 43º, nº 1, 44º, nº 1, 45º, nº 1, 46º, nº 1 e 50º, nº 1 do Código Penal).
O Ministério Público no seu recurso invoca que a sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal, posto que, em suma, o Tribunal a quo nada fez para averiguar das condições pessoais do arguido quando podia e devia fazê-lo, como resulta do dispostos nos artigos 340º e 370º do Código de Processo Penal.
Vejamos então em que termos se deve configurar a existência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Preceitua o artigo 410º, nº 2, a) do Código de Processo Penal que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da sentença recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;».
A insuficiência a que se reporta a citada alínea a) é um vício que ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal deixou de apurar a matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objecto do processo, tal como este está circunscrito pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique. Tal vício consiste na formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 4ª edição, pag. 70 e Acórdão do S.T.J. de 13.1.99 citado na mesma obra).
Sendo o objecto do processo delimitado pela acusação/pronúncia, pela contestação e pelos factos que resultarem da prova produzida em audiência (cfr. artigo 339º, nº 4 do Código de Processo Penal) e estando Tribunal obrigado a enumerar os factos provados e não provados (cfr. artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal) esta enumeração respeita aos factos alegados pela acusação e pela defesa que sejam essenciais para a caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes e os factos provados que resultem da prova produzida em audiência que sejam relevantes para a questão da culpabilidade e determinação da sanção a aplicar (cfr. artigos 368º e 369º do Código de Processo Penal).
Para de um ponto de vista substancial sedimentar a obrigação do tribunal de investigar todos os factos relevantes ainda que não alegados e ainda que as partes não ofereçam prova sobre eles, o artigo 340º do Código de Processo Penal impõe ao tribunal a obrigação de ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (consagrando-se, assim, na fase de julgamento, o primado do princípio da investigação – poder-dever que incumbe ao tribunal de investigar autonomamente os factos, para além das contribuições de acusação e defesa). E o artigo 369º já citado impõe ainda que o tribunal reabra a audiência se a matéria factual investigada for insuficiente para a determinação da espécie e medida da sanção.
Assentemos que a matéria de facto tanto pode ser insuficiente quando não permite a subsunção efectuada em termos de imputação de determinado crime, como quando não permite uma opção fundamentada entre penas não privativas e privativas da liberdade, entre pena de prisão efectiva e penas de substituição desta ou um juízo inteiramente fundamentado sobre o doseamento da pena, suposto que o tribunal podia investigar os factos em falta e não investigou.
Todos os dispositivos legais citados fazem sentido se for possível alargar a investigação, colmatar a insuficiência factual. Na verdade eles apenas se podem dirigir à prova que é possível realizar e não àquela que por qualquer razão não é atingível.
O facto de a lei processual penal permitir que se realizem, em diversas situações, julgamentos na ausência do arguido, como ocorreu no caso, não derroga o disposto nos indicados artigos 340º, 368º e 369º do Código de Processo Penal. Com efeito, as declarações do arguido em audiência não são o único meio de prova que permite alcançar o conhecimento da sua situação pessoal, podendo o tribunal socorrer-se de outros meios. Assim, a sentença, na falta de prova dos factos respectivos, terá de expressar e justificar a impossibilidade do seu conhecimento, se relevantes para a boa decisão da causa. Só esta interpretação do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal é compaginável com a demonstração do cumprimento daqueles artigos e de que a mesma não padece de insuficiência factual para a decisão.
Na verdade, o vício em apreço há-de resultar do texto da própria decisão, como expressamente se refere no preceito que o prevê e sempre se poderá revelar a existência desse vício quando da sentença não conste justificação para a falta de investigação de tal matéria, sendo a mesma relevante para a boa decisão da causa.
Ora manifesto é no caso que a opção pela aplicação do regime de suspensão implica a formulação de um juízo de prognose que não pode prescindir de um conhecimento circunstanciado das condições pessoais do arguido, para além de um juízo sobre a adequação de tal regime a realizar as finalidades da punição. Em geral, a escolha e o doseamento da pena não podem, em princípio, prescindir do conhecimento desse tipo de factualidade.
Pelo exposto se conclui que a sentença recorrida padece do invocado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão o que, nos termos do artigo 426º, nº 1 do Código de Processo Penal, tem como consequência que o processo deva ser reenviado para novo julgamento, restrito, porém, à averiguação da situação pessoal do arguido nas suas diversas vertentes.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal ainda sustentou a nulidade da sentença recorrida por insuficiência da sua fundamentação no que se refere à rejeição da aplicação de penas de substituição nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal. Cremos, porém, que no contexto em causa a insuficiência de fundamentação (cfr. artigo 374º, nº 2 do mesmo diploma que ditaria a nulidade do artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal) deriva do vício de insuficiência, não adquirindo autonomia. Ademais as consequências do vício de insuficiência maior latitude do que as que derivariam do vício de nulidade, importando a reabertura da audiência e a prolação de nova sentença com suprimento da parte viciada, enquanto os efeitos da nulidade se repercutiriam exclusivamente na sentença.

Como decorrência do exposto fica prejudicada a apreciação do recurso interposto pelo arguido que, depois de proferida nova sentença, terá reeditado o direito ao recurso quanto à questão suscitada se a nova sentença não lhe for favorável.
***
IV. Decisão
Nestes termos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, nos termos do artigo 426º, nº 1 do Código de Processo Penal, ordenar o reenvio do processo para novo julgamento restrito à investigação dos factos acima mencionados relativos à situação pessoal do arguido, ficando prejudicada a apreciação do recurso do arguido.
Não há lugar a tributação em razão dos recursos.
***
Maria Pilar Pereira de Oliveira (Relatora)
José Eduardo Fernandes Martins