Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4036/17.4T8VIS-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
APREENSÃO DE BENS
CASA DE HABITAÇÃO
DESOCUPAÇÃO
ENTREGA DE BENS APREENDIDOS
MEIO PROCESSUAL
Data do Acordão: 03/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE VISEU - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 17, 150 Nº5 CIRE, 828, 861, 862, 866 CPC
Sumário: Apreendida, em processo de insolvência, a casa de habitação dos insolventes e adjudicada a um credor, o pedido e as diligências de entrega do bem ao adquirente faz-se no próprio processo de insolvência, por força do art.150 nº5 CIRE, conjugado com os arts.828 e 861 CPC, sem necessidade de instaurar uma acção executiva autónoma para entrega de coisa certa.
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

R (…) e mulher E (…), já identificados nos autos, apresentaram-se, individualmente; ou seja, em processos separados, à insolvência, no seguimento do que, esta, nos presentes autos e o seu cônjuge, nos autos que correm termos no Tribunal recorrido, sob o n.º 3419/17.4T8VIS, foram declarados insolventes por sentenças já transitadas.

Na subsequente tramitação de ambos os processos, foi decretada e consumada a apreensão dos bens de que eram proprietários, em que se incluí a casa onde residiam (e residem).

No âmbito dos autos em que foi declarado insolvente (os supra identificados com o n.º 3419/17), veio o referido R (…), requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 150.º, n.º 5, do CIRE e 862.º a 866.º, do CPC, que lhe fosse permitido permanecer no imóvel onde vive, com a sua esposa e filho, até que lhe fosse atribuída uma habitação social ou, em alternativa, o direito de nela permanecer por prazo não inferior a 5 meses.

No Tribunal recorrido, deferiu-se a requerida desocupação do imóvel pelo prazo de 3 meses a contar do trânsito em julgado dessa decisão.

Desta decisão, interpôs o requerente, recurso, que, neste Tribunal da Relação, cf. Acórdão que antecede de fl.s 26 a 27 v.º, datado de 04 de Junho de 2019, já transitado, foi julgado improcedente, assim, se mantendo a decisão ali recorrida.

De igual forma, a insolvente E (…), nestes autos, formulou idêntico pedido, com análoga fundamentação, que foi deferido, igualmente, pelo prazo de 3 meses, a contar do respectivo trânsito em julgado.

Igualmente, irresignada, com a mesma, interpôs recurso para este Tribunal da Relação, o qual foi, também, julgado improcedente, cf, Acórdão que antecede, de fl.s 29 a 31 v.º, datado de 02 de Abril de 2019, igualmente, já transitado.

Conforme requerimento aqui junto a fl.s 38 e v.º, a C(…), veio alegar que a verba que constitui a casa de habitação dos insolventes lhe foi adjudicado, através da competente escritura pública de compra e venda, outorgada em 15 de Janeiro de 2019 – que se acha junta por certidão de fl.s 39 a 42 v.º.

Mais alega que já decorreu o prazo concedido à aqui insolvente para desocupação do referido imóvel, o que, ainda, não se verificou, em função do que, requereu a notificação da insolvente para proceder à imediata entrega de tal imóvel à reclamante C (…) e que, nesse sentido, fosse proferido despacho a autorizar o agendamento de diligência com arrombamento, se necessário e/ou com ao auxílio da força pública.

Na sequência deste requerimento, foi proferido, nos autos com o n.º 3419/17 – insolvência do cônjuge marido – o seguinte despacho, datado de 11 de Outubro de 2019 (aqui recorrido):

Ref.ª 3732280 [33378905] de 12-09-2019:

1.

É do nosso conhecimento funcional que o cônjuge do insolvente, E (…), foi declarada insolvente no processo n.º 4036/17.4T8VIS deste Juízo de Comércio e que, à semelhança do marido, requereu o diferimento da desocupação do imóvel apreendido para a massa insolvente.

Em ambos os processos foi diferida a desocupação do imóvel, que constitui a habitação dos insolventes, pelo prazo de três meses, a contar do trânsito em julgado da respetiva decisão.

Já decorreu o prazo fixado naquelas decisões.

Por conseguinte, atendendo ao facto de o imóvel ser ocupado por ambos os insolventes, nestes autos e naquele processo, ao qual deverá ser junta cópia deste despacho, notifique os insolventes para procederem à entrega do imóvel adjudicado à C (…) S.A.

2.

Não sendo dado cumprimento à notificação, os Srs. Administradores da Insolvência deverão ter em consideração que a entrega deverá ser efetuada nos termos prescritos no artigo 861.º, devidamente adaptados, ex vi do artigo 828.º do Código de Processo Civil e 150.º, n.º 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e que lhes compete levar a cabo as diligências necessárias para a entrega, aplicando-se com as devidas adaptações, o disposto no artigo 150.º, n.º 4, alínea c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a aqui insolvente, E (…) recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 24), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1º - O despacho recorrido é inexistente ou nulo, ao abrigo do artigo 195º do CPC, por não ter sido emitido nos presentes autos nem ter sido de alguma forma ter sido reproduzido pelo juiz do presente processo, estando, por isso fora do âmbito jurisdicional de onde foi proferido

Sem prescindir,

2º - Todos os direitos sobre o imóvel em causa foram transferidos pela massa insolvente, através da escritura pública celebrada em 15.01.2019, para a C (…), que recebeu o imóvel consciente da ocupação feita pela Recorrente e com

ela se conformou.

3º - A partir da escritura de compra e venda, o imóvel foi substituído na massa insolvente pelo respetivo contravalor, o preço pago pela C (…).

4º Com a venda do imóvel pela massa insolvente à C (…), em 15.01.2019, o juiz deste processo esgotou o seu poder jurisdicional relativamente a esse bem, que deixou de pertencer à massa insolvente.

5º - Só à C (…), enquanto proprietária, cabe pedir à Recorrente a desocupação do imóvel, sendo por isso, ineficaz o despacho recorrido, por violação do disposto nos artigos 408º, 824º, nº 1, 1316º e 1317º do CC.

Ainda sem prescindir,

6º - O despacho em crise fundamenta-se indevidamente no disposto nos arts. 150º do CIRE e 861º do CPC, que são inaplicáveis à fase da liquidação do processo de insolvência, porque exclusivamente previstos, sem extensão analógica possível, para a fase da apreensão dos bens da Insolvente.

Mais ainda sem prescindir,

7º - O despacho recorrido desobedece ao normativo fixado pelo nº 6 do art. 861º do CPC, porquanto não acautela a dificuldade de realojamento da Insolvente junto da Câmara Municipal e entidades assistenciais.

8º - Sobre a Recorrida, sendo uma entidade pública, financiada pelo dinheiro dos contribuintes, impende a obrigação social de proteger a família e de lhe propiciar condições de habitação condigna, que preservem a privacidade e intimidade familiar tal como consagrado na Constituição da República Portuguesa.

9º - O despacho recorrido desrespeita direitos e garantias da Recorrente, constitucionalmente consagradas, designadamente o direito a uma habitação condigna que preserve a intimidade e privacidade familiar e o direito à proteção na doença, tal como estatuído nos arts. 64º, nº 1, 65º, nº 1 e 67 da CRP.

Nestes termos e nos que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se e inutilizando-se na íntegra o despacho recorrido, com o que se fará JUSTIÇA.

Contra-alegando, a credora-reclamante, C(…), pugnou pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:

I. O despacho ora em crise não padece de qualquer nulidade, uma vez que a Recorrente, apesar de não ser parte no âmbito do processo nº 3419/17.4T8VIS, encontra-se na mesma posição processual que o Insolvente, seu marido, à ordem daquele processo;

(…)

III. No mesmo dia em que a Recorrida adjudicou o imóvel, a Insolvente foi aos autos de Insolvência admitir que tinha a consciência de que tinha de abandonar o imóvel e proceder à entrega do mesmo;

IV. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 828º do CPC, aplicável ex vi artigo 17º do CIRE, a ora Recorrida requereu ao Tribunal, no âmbito do processo nº 3419/17.4T8VIS o agendamento de diligência de arrombamento, autorizando-se igualmente, que a referida diligência fosse levada a cabo com auxílio da força pública;

V. Tendo o Tribunal conhecimento de que o imóvel está a ser ocupado por ambos os Insolventes, os mesmos foram notificados para procederem à entrega do imóvel adjudicado à C (…), S.A;

VII. Apesar de o imóvel pertencer à Credora, é ao juiz que cumpre determinar a sua entrega coerciva, encontrando-se o juiz no perfeito exercício das suas funções e do seu poder jurisdicional;

VIII. Cabe aos Insolventes demonstrarem que diligências levaram a cabo para encontrar um outro local para residir, designadamente, que tenham requerido às instituições competentes o arrendamento de habitação social ou qualquer outra alternativa de residência;

IX. Não o tendo feito, é manifesto não haver violação do disposto no artigo 861º nº6 do CPC.

Termos em que, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se na integra o despacho proferido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se o despacho recorrido é inexistente ou nulo, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, do CPC, por não ter sido emitido nos presentes autos, nem nos mesmos ter sido dado como reproduzido pelo juiz do presente processo, estando, por isso, fora do âmbito jurisdicional de onde foi proferido;

B. Se só a C (…), enquanto proprietária, cabe pedir à recorrente a desocupação do imóvel, sendo, por isso, ineficaz o despacho recorrido, por violação do disposto nos artigos 408.º, 824.º, n.º 1, 1316.º e 1317.º, do CC;

C. Se o disposto nos artigos 150.º do CIRE e 861.º do CPC, são inaplicáveis à fase de liquidação do processo, porque exclusivamente previstos, sem extensão analógica possível, para a fase da apreensão dos bens da insolvente;

D. Se o despacho recorrido viola o disposto no artigo 861.º, n.º 6, do CPC e;

E. Se o despacho recorrido viola o disposto nos artigos 64.º, n.º 1, 65.º e 67.º, n.º 1, da CRP.

A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.

A. Se o despacho recorrido é inexistente ou nulo, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, do CPC, por não ter sido emitido nos presentes autos, nem nos mesmos ter sido dado como reproduzido pelo juiz do presente processo, estando, por isso, fora do âmbito jurisdicional de onde foi proferido.

Relativamente a esta questão, alega a recorrente que o despacho recorrido é nulo, porquanto, não foi proferido nos presentes autos, nem aqui foi reproduzido, pelo que, nestes autos, não produz quaisquer efeitos.

Com o devido respeito, sem razão o faz.

Efectivamente, como consta da decisão recorrida, ambos os cônjuges foram declarados insolventes e requereram o diferimento da desocupação da casa onde residem, em conjunto. Isto é, encontram-se, ambos, na mesma situação.

Já terminou o prazo que lhes foi concedido para desocuparem o imóvel em causa, razão pela qual e no seguimento de requerimento para tal, foi ordenada a entrega do referido imóvel, nos termos acima reproduzidos.

É certo que o despacho foi proferido nos autos com o n.º 3419/17, mas como, expressamente, nele se refere, foi ordenada a junção de cópia do mesmo nestes autos, o que se verifica, constando o mesmo, aqui, a fl.s 43 e v.º.

Ou seja, estamos perante a mesma situação fáctica e jurídica, relativamente a ambos os insolventes, tendo-se apreciado a questão sub judice em conjunto e ordenando-se a junção de cópia de tal decisão, nestes autos. Tal equivale à prolação de despacho autónomo, em cada um dos processos de insolvência.

Não vislumbramos qualquer ilegalidade em tal procedimento, designadamente a sua nulidade, com base no disposto no artigo 195.º, do CPC. Não se praticou um acto que a lei não admita, nem a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, nem sequer de um acto que a lei não ordene, caso em que, mesmo assim, não se vislumbra a prática de qualquer nulidade, já que a junção de cópia da decisão recorrida nestes autos não merece a hostilidade da ordem jurídica e, por isso, não merece censura – cf. Lebre de Freiras e Isabel Alexandre, CPC, Anotado, Vol. 1.º, 4.ª Edição, Almedina, a pág. 402.

De referir, ainda, que a reprodução/junção por cópia do despacho, nestes autos, pelos motivos acima já referidos, em nada influi no exame ou na decisão da causa.

Não se verificam, pois, relativamente à decisão recorrida, os vícios que lhe são imputados.

Consequentemente, no que a esta questão concerne, improcede o recurso.

B. Se só a C (…), enquanto proprietária, cabe pedir à recorrente a desocupação do imóvel, sendo, por isso, ineficaz o despacho recorrido, por violação do disposto nos artigos 408.º, 824.º, n.º 1, 1316.º e 1317.º, do CC.

No que a esta questão respeita, alega a recorrente que em virtude de o imóvel em causa já pertencer à C (…), é esta que através da competente acção de reivindicação e só através de tal meio, pode pedir a entrega do bem.

Na decisão recorrida, fundamenta-se o deferimento da entrega com base no disposto nos artigos 828.º, do CPC e 150.º, n.º 5, do CIRE.

Inexistem dúvidas de que se trata da casa de habitação dos insolventes, pelo que é aplicável o disposto no artigo 150.º, n.º 5, do CIRE, que remete para o artigo 930.º-A do CPC (hoje artigo 862.º).

Desde logo, importa realçar que, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE, Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, 2015, a pág. 571 “Os diferendos que possam surgir são resolvidos pelo próprio juiz do processo, que tem competência para todas as questões incidentais do mesmo”.

Assim, tem de se concluir pela desnecessidade de a C(…) ter de recorrer a uma acção, autónoma, para obter a entrega do bem que adquiriu no âmbito do processo de insolvência.

O M.mo Juiz a quo baseou a sua decisão nos artigos 828.º e 861.º do CPC e pensamos que bem, dado que estes são aplicáveis ex vi artigo 17.º do CIRE.

Ora, dispõe o artigo 828.º do CPC (que reproduz o anterior 901.º, apenas com a alteração da remissão que é feita na sua parte final) que:

“O adquirente pode, com base no título de transmissão a que se refere o artigo anterior, requerer contra o detentor, na própria execução, a entrega dos bens, nos termos prescritos no artigo 861.º, devidamente adaptados.”.

Lebre de Freitas, in A Acção Executiva Depois Da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, a pág. 365 defende que “O art. 901 concede ao adquirente dos bens penhorados o direito de requerer o prosseguimento da execução contra quem os detenha, enxertando assim na acção executiva para pagamento de quantia certa um pedido de execução para entrega de coisa certa. Não se trata de uma acção executiva para entrega de coisa certa nem da conversão duma execução para pagamento de quantia certa para entrega de coisa certa.”.

Dando conta (nota 22) da referida pág., do diferente entendimento manifestado por Rui Pinto e Remédio Marques, que defendem que o adquirente tem de recorrer a nova acção executiva para entrega de coisa certa e Teixeira de Sousa, que manifesta a opinião de que a execução se “transforma” numa execução para entrega de coisa certa, o que acolhe desde que se tal “não significar uma verdadeira conversão (como as dos arts 931 e 934), mas apenas a utilização, não exclusiva, da instância (pendente ou extinta) para essa finalidade.”.

Também Lopes do Rego, in Comentários …, Vol. II, 2.ª edição, Almedina, 2004, a pág. 141, opina que “ao procedimento aqui previsto é, de imediato, aplicável o preceituado no artigo 930.º (sem que, como é óbvio) tivessem lugar os actos previstos nos artigos 928.º e 929.º).”.

Como já aflorado, Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, 1998, a pág. 418, defendia, na vigência do anterior CPC (artigo 901.º) que “O adquirente dos bens através da venda executiva pode requerer, utilizando como título executivo o despacho que lhe adjudicou os bens (…), o prosseguimento da execução contra o seu detentor (art.º 901.º). Como o artigo 901.º se refere ao prosseguimento da execução, o requerimento deve ser apresentado ainda na pendência desta. A execução continua, mas não como execução para pagamento; atendendo ao seu objecto, ela transforma-se numa execução para entrega de coisa certa (art.º 901.º in fine).”.

Por seu turno, Rui Pinto, in Manual da execução e Despejo, Coimbra Editora, 1.ª Edição, Agosto de 2013, a pág.s 930 e 931, defende que “se o detentor dos bens não os entregar ao adquirente, pode este instaurar uma execução para entrega de coisa certa, nos termos prescritos no artigo 930.º = art. 861.º nCPC, devidamente adaptados”.

A nível jurisprudencial o Acórdão da Relação do Porto, de 05/12/2016, Processo n.º 1631/14.7TBGDM.P1, disponível no respectivo sítio do itij, que defende a desnecessidade de instauração de uma nova execução para entrega de coisa certa e onde se cita diversa doutrina acerca da questão em apreço.

Com o devido respeito por contrária opinião, entendemos que esta é a solução que melhor se coaduna com o espírito da lei.

Se o bem já é adquirido em resultado da venda promovida num processo de execução e no artigo 828.º do CPC, se permite que o respectivo adquirente, na própria execução, requeira contra o detentor, a entrega do bem, sem mais, deve ser deferida a entrega, sem que se “volte ao princípio”; ou seja, que se exija ao adquirente que instaure uma nova execução, com as consequências daí decorrentes.

O adquirente já beneficia, é detentor, do título de transmissão, o qual é suficiente para promover/requer a entrega do bem.

Tendo a C(…) requerido a entrega do bem, era ao Juiz dos autos que tal pretensão devia, como o foi, ser dirigida.

Pelo que, somos de opinião, não merecer censura a decisão recorrida, a qual é, assim, de manter.

Consequentemente, também, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

C. Se o disposto nos artigos 150.º do CIRE e 861.º do CPC, são inaplicáveis à fase de liquidação do processo, porque exclusivamente previstos, sem extensão analógica possível, para a fase da apreensão dos bens da insolvente.

Relativamente a esta questão, defende a recorrente a inaplicabilidade dos preceitos ora em causa, porque apenas previstos para a fase da apreensão de bens e não da liquidação.

Em primeiro lugar, cumpre referir não se estar em fase de liquidação de bens. O que se trata é que a C(…) adquiriu o bem e, consequentemente, pretende que o bem lhe seja entregue.

É o próprio artigo 150.º, n.º 5, do CIRE que, nestes casos, remete para as disposições previstas no CPC para a execução de coisa imóvel arrendada.

Quanto ao modo como a adquirente do bem pode requerer a respectiva entrega, já na anterior questão nos pronunciámos, pelo que, quanto a tal, nada mais há a referir.

Pelo que, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

D. Se o despacho recorrido viola o disposto no artigo 861.º, n.º 6, do CPC.

Apesar de na anterior questão a recorrente defender a inaplicabilidade ao caso em apreço do disposto no artigo 861.º, do CPC, nesta sede, defende que a decisão recorrida viola o disposto no seu n.º 6, porquanto não acautela a dificuldade de realojamento da insolvente.

Desde logo, para que tal preceito seja aplicável, como do mesmo consta é necessário “que se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado”, o que, como é óbvio, teria de ser alegado pela recorrente, o que não se verifica.

Por outro lado, não se pode esquecer que os insolventes já haviam lançado mão do mecanismo de diferimento da desocupação do imóvel em causa, previsto nos artigos 864.º e 865.º, que lhes foi deferido, nos termos acima já referidos.

Como resulta do disposto no artigo 865.º, n.º 4, em tais casos, é estipulado um prazo máximo, que já se mostra decorrido.

Sem esquecer que a fixação do prazo de diferimento já assentou nas necessidades de alojamento dos requerentes e já se mostra decidida por decisão transitada em julgado, o que nos impede de, quanto a tal, tecer novas considerações – cf. artigo 619.º do CPC.

Assim, quanto a esta questão, improcede o recurso.

E. Se o despacho recorrido viola o disposto nos artigos 64.º, n.º 1, 65.º e 67.º, n.º 1, da CRP.

A protecção dos direitos à saúde, habitação e da família, incumbe ao Estado e não aos particulares, apenas se podendo exigir a estes, quando muito, que não levem a cabo acções que os deneguem e/ou dificultem.

O que não é o caso, uma vez que a CGD apenas pretende ver concretizado um direito que já lhe foi reconhecido.

Por outro lado, uma vez que a decisão recorrida se limita cumprir o já ordenado em anteriores decisões judiciais, já transitadas em julgado, que reconheceu aos insolventes o diferimento da desocupação, nos já assinalados termos, determinando a entrega do imóvel em causa à adquirente, não podem, de novo, com idênticos fundamentos, os insolventes pretender a modificação do anteriormente decidido, valendo, quanto a tal, mutatis mutandis o expendido na anterior questão, acerca dos efeitos do caso julgado.

Consequentemente, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 17 de Março de 2020.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emídio Santos

Catarina Gonçalves