Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
681/10.7TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: INJUNÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE FORNECIMENTO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 12/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 269/98 DE 1/11, DL Nº 32/2003 DE 17/2, ART.814 CPC
Sumário: 1. O contrato de fornecimento de bens, não é um contrato de execução continuada ou reiterada, mas antes de execução instantânea, sendo aliás exemplo deste tipo de contratos, o contrato de compra e venda, que se consuma na altura da sua celebração, ainda que possa ser acordado para momento posterior o pagamento do preço dos bens adquiridos.

2. Não há quanto a estes contratos qualquer restrição, como a que se verifica para os contratos de execução continuada, aplicando-se o novo regime processual previsto no artº 7 do DL 32/2003 de 17 de Fevereiro, tendo o credor o direito a recorrer à injunção, quanto às obrigações pecuniárias vencidas antes do início da vigência de tal diploma, independentemente do valor da dívida.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

J (…) vem deduzir oposição à execução que contra ele é intentada por A (…), Ldª, pedindo a extinção da execução e o levantamento da penhora sobre o seu vencimento, ou caso assim não se entenda, a sua redução ao mínimo legal.

Invoca, em síntese, a inexequibilidade do título executivo, referindo que o mesmo é nulo, por ter sido utilizado o processo de injunção que não é o próprio, tendo em atenção o valor do pedido. No requerimento de injunção não é indicada a data a partir da qual são contabilizados os juros, indicando-se a taxa de 0%, sendo por isso a fórmula executória nula. Por outro lado a notificação que lhe foi feita, foi por carta simples quando devia ter sido por carta registada com aviso de recepção. Invoca ainda a irregularidade da penhora, por ter sido penhorado 1/3 do seu salário, sendo que não tem qualquer outro rendimento, tem dois filhos menores e a mulher desempregada, devendo ser reduzido o seu valor.

Devidamente notificado o exequente vem contestar, concluindo pela improcedência da oposição e pedindo a condenação oponente como litigante de má fé. Alega que a partir do DL 38/2003 a injunção passou a ser possível no caso de dívida comercial, independentemente do montante; que o mesmo foi notificado por carta registada com aviso de recepção, conforme documento que o comprova. Pede ainda a condenação do oponente como litigante de má fé .

O oponente veio responder, pedindo a improcedência de tal pedido.

Foi proferido despacho a remeter para a Srª Agente de Execução a apreciação da questão da redução da penhora do vencimento do Executado, nos termos do artº 824 nº 4 a 9 do C.P.C., na redacção do DL nº 226/2008 de 20 de Novembro, aplicável às acções intentadas a parte de 31/03/2009.

Foi proferido despacho saneador, onde foi apreciado o mérito da oposição, tendo-se concluindo pela improcedência da mesma, por não se verificarem as nulidades do título executivo invocadas e tendo-se absolvido o oponente do pedido de condenação como litigante de má fé.

Não se conformando com a sentença proferida, vem o oponente interpor recurso de apelação de tal decisão, apresentando as seguintes conclusões:

1. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” viola o artº 814 nº 1 al. a) e nº 2 do C.P.C. ao julgar com falta de fundamento legal os argumentos utilizados na oposição à Execução de falta de exequibilidade do título executivo.

2. A sentença proferida pelo Tribunal “ a quo” viola o art. nº 1 e nº 7 do DL nº 269/98 de 01/11 ao admitir como título executivo válido e exequível a fórmula executória aposta em requerimento de injunção cujo valor excedia a alçada do Tribunal de 1ª instância.

3. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” viola o art. 14º nº 3 do DL nº 269/98 de 01/09 ao admitir como título executivo válido e exequível a fórmula executória aposta em requerimento de injunção cujo valor excedia a alçada do Tribunal de 1ª instância quando aquele dispositivo obrigava o Sr. Secretário Judicial a recusar apor fórmula executória ao requerimento de injunção.

4. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” viola o artº 9 do DL 32/2003 de 17 de Fevereiro ao admitir como título executivo válido e exequível a fórmula executória aposta em requerimento de injunção cujo valor excedia a alçada do Tribunal de 1ª instância com base neste diploma, quando o mesmo ainda não se encontrava em vigor.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 a 3 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.

As questões a decidir são essencialmente:

- da nulidade do processo de injunção, pela inaplicabilidade do DL  269/98 de 1 de Novembro, por não se ajustar ao valor do pedido e do DL 32/2003 de 17 de Fevereiro por não estar em vigor na data do vencimento das facturas cujo pagamento é reclamado na injunção.

- da inexequibilidade do título executivo, nos termos do artº 814 nº 1 a) do C.P.C., por o mesmo provir de processo nulo.

III. Fundamentos de Facto.

São os seguintes os factos provados, com interesse para a decisão, considerando os documentos juntos aos autos, em concreto a certidão de fls. 75 ss. e o acordo das partes e nos termos dos artº 713 nº 2 e 659 nº 3 do C.P.C.

- O título executivo é constituído por um requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória pelo Sr. Secretário.

- O requerimento de injunção foi apresentado em 18/08/2009 pelo Requerente A (…), Ldª contra o Requerido J (…), solicitando o pagamento da quantia total de € 28.548,75 sendo € 19.602,24 a título de capital e € 8.870,01 a título de juros de mora.

- Aí é invocado um contrato de fornecimento de bens ou serviços, com a data de 30/09/1999 referindo-se ao período de 30/09/1999 a 15/03/2002.

- Na exposição dos factos que fundamentam a pretensão, é referido: “Entre a requerente e o requerido foi celebrado um contrato de fornecimento de bens do qual resultou as seguintes facturas: 2012, 136, 447, 1051, 1624, 1769, 210363, 211652, 220243, 220257, 220285, 220386 que se encontram por liquidar. O material foi encomendado pelo requerido e por este foi recebido. Pese emboras as diversas notificações e cartas o requerido ainda não procedeu ao pagamento do montante em dívida razão pela qual não resta outra solução do que intentar a presente injunção, pese embora que sempre que confrontado com o pagamento se reconheça devedor e prometa que irá pagar, ainda há cerca de seis meses, reconheceu a dívida incluindo juros e prometeu pagar logo que lhe fosse possível.”

- No requerimento de injunção é referido “sim”, onde se pergunta se a obrigação é emergente de transacção comercial (D.L. nº 32/2003 de 17 de Fevereiro).

IV. Razões de Direito

- da nulidade do processo de injunção, pela inaplicabilidade do DL  269/98 de 1 de Novembro, por não se ajustar ao valor do pedido e do DL 32/2003 de 17 de Fevereiro por não estar em vigor na data do vencimento das facturas cujo pagamento é reclamado na injunção.

Importa apurar, em primeiro lugar, da situação da nulidade do título dado à execução, invocando o Recorrente que o processo de injunção não podia ser utilizado, na medida em que o regime do DL 269/98 de 1 de Novembro se destina apenas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do Tribunal de 1ª instância, conforme dispõe o artº 1º do diploma preambular. Devia assim ter sido recusada a aposição da fórmula executória, nos termos do artº 14 nº 3.

Verifica-se, no entanto, que o procedimento em causa foi intentado no dia 18/08/2009 ao abrigo e na vigência do DL 32/2003 de 17 de Fevereiro, que veio alargar o âmbito de aplicação daquele diploma ao pagamento de dívidas emergentes de transacções comerciais, independentemente do seu valor, ao dispor no seu artº 7º nº 1 que: “o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere o direito a recorrer à injunção independentemente do valor em dívida.”

O DL 32/2003 de 17 de Fevereiro, conforme consta do seu preâmbulo, transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva nº 2000/35/CE a qual estabelece medidas de luta contra o atraso de pagamento nas transacções comerciais.

Por sua vez, o art. 8° do DL 32/2003 veio alterar os artº. 7°, 10°, 11°, 12°, 12°-A e 19° do anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro.

O art. 7° deste último diploma passou a ter a seguinte redacção:
“Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1° do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro”.

A questão que se põe e que é suscitada pelo Recorrente, tem a ver com a aplicação deste diploma no tempo, alegando o mesmo que, na data do vencimento das facturas relacionadas no requerimento de injunção, tal diploma não estava em vigor, apenas se podendo aplicar aos contratos celebrados a partir da data da sua entrada em vigor, ou àqueles que, sendo anteriores, as suas prestações apenas se vencessem após tal data, o que não é o caso, já que as prestações reclamadas venceram todas em 15/03/2002.

As normas que regulamentam o procedimento injuntivo são de natureza processual ou adjectiva. Como tal, a sua aplicação é imediata, atenta a natureza instrumental do processo e o princípio expresso no artº 12 nº 1 do C.Civil de que a lei só rege para futuro- vd. neste sentido, Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, ed. 1963, pág. 43. Esta regra é aliás expressa no artº 142 nº 2 do C.P.C. que estabelece que a forma de processo aplicável determina-se pela lei vigente à data em que a acção é proposta. Isto só não será assim se o legislador expressamente o disser no texto da lei nova.

O artº 10º nº 1 do DL 32/2003 de 17 de Fevereiro dispõe que o diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, com excepção do disposto no nº 2 que prevê que os artº 7º e 8º entram em vigor no trigésimo dia posterior à sua publicação, o que aponta para o dia 19 de Março desse ano.

Nestes termos, as normas do DL 32/2003, a partir de 19 de Março de 2003, passaram a aplicar-se às situações em que se verificava atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos do art. 7°.

A excepção está prevista no artº 9º que com a epígrafe, “aplicação da lei no tempo”, dispõe que: “o presente diploma só se aplica às prestações de contratos de execução continuada ou reiterada que se vençam a partir da data da sua entrada em vigor”.

Importa assim distinguir os contratos de execução continuada, dos contratos de execução instantânea. No que se refere aos contratos de execução instantânea, cuja execução se esgota num único momento, o regime processual previsto é de aplicação imediata; quanto aos contratos de execução continuada ou reiterada, cuja execução se desenvolve por um período de tempo mais ou menos longo, apenas se aplica relativamente às prestações que se vençam após o seu início de vigência.

Ora, o contrato invocado no procedimento de injunção, de fornecimento de bens, não é um contrato de execução continuada ou reiterada, mas antes de execução instantânea, sendo aliás exemplo deste tipo de contratos, o contrato de compra e venda, que se consuma na altura da sua celebração, ainda que possa ser acordado para momento posterior o pagamento do preço dos bens adquiridos.

Ainda que o contrato de compra e venda tenha sido celebrado antes da entrada em vigor deste novo regime, pode ser objecto de requerimento do injunção. Vd, neste sentido, Salvador da Costa, in. A Injução e as Conexas Acção e Execução, pág. 195, onde refere que: “As normas concernentes ao regime do procedimento de injunção são adjectivas e, por isso, aplicam-se aos requerimentos de injunção apresentados em juízo depois da sua entrada em vigor, por exemplo, no caso de o atraso de pagamento de preço relativo a contratos de compra e venda ou de prestação de serviços anteriormente celebrados.

Não há quanto a estes contratos qualquer restrição, como a que se verifica para os contratos de execução continuada, aplicando-se o novo regime processual às obrigações pecuniárias vencidas antes do início da sua vigência; vd. também neste sentido, Ac. Tribunal da Relação do Porto de 05/07/2006, in. www.dgsi.pt

O contrato em causa é um contrato de fornecimento de bens, cuja execução se consuma imediatamente com a entrega da coisa e o pagamento do preço, sendo assim qualificado como de execução instantânea, na medida em que o comportamento exigível do devedor se esgota num só momento: o do pagamento do preço.

O fornecimento dos bens e a sua facturação foi feita no período que se situa entre 1999 e 2002 e à data da instauração do procedimento de injunção, o preço ainda estava por liquidar. Nestes termos, dúvidas não restam de que, verificando-se o incumprimento, que se reporta ao atraso no pagamento da transacção comercial à data do requerimento da injunção, não há qualquer obstáculo à utilização de tal meio processual.

- da inexequibilidade do título, nos termos do artº 814 nº 1 a) e nº 2 do C.P.C., por o mesmo provir de processo nulo.

Conclui o Recorrente que o título executivo dado à execução é nulo, porque nasce de procedimento que não é o próprio e devia ter-lhe sido negada a fórmula executória, integrando por isso a previsão do artº 814 nº 1 a) do C.P.C.

Já se vê que a apreciação desta questão fica prejudicada com a decisão relativa à questão anterior, na medida em que não podendo concluir-se pela inaplicabilidade do processo de injução e invocada nulidade, não existe assim a situação que fundamenta a alegada inexistência do título executivo.

V. Sumário:

1. O contrato de fornecimento de bens, não é um contrato de execução continuada ou reiterada, mas antes de execução instantânea, sendo aliás exemplo deste tipo de contratos, o contrato de compra e venda, que se consuma na altura da sua celebração, ainda que possa ser acordado para momento posterior o pagamento do preço dos bens adquiridos.

2. Não há quanto a estes contratos qualquer restrição, como a que se verifica para os contratos de execução continuada, aplicando-se o novo regime processual previsto no artº 7 do DL 32/2003 de 17 de Fevereiro, tendo o credor o direito a recorrer à injunção, quanto às obrigações pecuniárias vencidas antes do início da vigência de tal diploma, independentemente do valor da dívida.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se o recurso intentado por J (..) improcedente, confirmando-se, a decisão recorrida.

Custas pelo oponente.

Notifique.

                                                           *

                                                                                                         

Maria Inês Moura (relatora)

Luís Cravo (1º adjunto)

Maria José Guerra (2º adjunto)