Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
139/96.5TATND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: ACESSO AO DIREITO
ACESSO AOS TRIBUNAIS
NOMEAÇÃO
DEFENSOR
PEDIDO
ESCUSA
RECURSO
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 39º NºS 1 E 10, 41ºNº 3, 42º Nº3 DA LEI Nº 34/2004, DE 29/7 E 66º Nº 4 DO CPP
Sumário: 1.- A nomeação de defensor em processo penal é regulada pelas normas do Código de Processo Penal;
2.- O prazo de interposição de recurso não se suspende com o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

1.

Por sentença de 18-3-2013 foi o arguido A... condenado na pena de 200 dias de multa, à taxa de 5 €, pela prática de um crime de abuso de confiança.
Foi, ainda, condenado a pagar à assistente a quantia de 5.398,58 € a título de indemnização civil.

O arguido e a sua defensora estiveram presentes na leitura da decisão.

Em 27-3-2013 a defensora nomeada pediu escusa de continuar a intervir no processo, pedido que foi atendido.

Em 2-4-2013 o arguido informou o processo de que pretendia recorrer da condenação e pediu que fosse declarada a suspensão do prazo de interposição de recurso até que lhe fosse nomeado novo defensor.

Em 8-4-2013 foi nomeada ao arguido nova defensora.

Por ofício de 14-5-2013 a Delegação de Viseu da Ordem dos Advogados informou o processo que a defensora entretanto nomeada também tinha pedido escusa de patrocinar o arguido e comunicou a identidade do novo defensor nomeado ao arguido.

2.
Por despacho de 20-5-2013 foi proferido o seguinte despacho, sobre o pedido do arguido de suspensão do prazo de interposição de recurso:
«… constata-se que a sentença foi depositada no dia 18/03/2013 (fls. 943), pelo que, atento o disposto no artigo 411º, nº 1, al. b), do C.P.P., o prazo de recurso iniciou-se no dia 18/03/2013.
A defensora oficiosa do arguido, a fls. 946, veio aos autos informar que havia pedido escusa, tendo a AO informado a fls. 949 que tal pedido havia sido deferido.
Posteriormente a AO informou os autos de que em substituição da indicada defensora foi nomeada ao arguido a dr. Leonor Nascimento, sendo que tal defensora também formulou pedido de escusa, o qual também foi deferido – cfr. fls. 961 e 963.
O arguido, por requerimento apresentado no dia 02/04/2013 – cfr. fls. 950 e 951, veio aos autos informar que pretendia interpor recurso da sentença condenatória e requerer que desde o dia 21/03/2013 de declarasse interrompido o prazo para a interposição do recurso.
A Exma. Magistrada do Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido, nos termos da promoção que antecede cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Cumpre apreciar e decidir.
Como bem refere a exma. Magistrada do Ministério Público, a este propósito, já se pronunciou o acórdão do S.T.J. de 23/06/2005, proferido no processo nº 225/05, 5ª secção, in BMJ, o qual decidiu que: “Se, em geral, a nomeação de patrono se inclui no âmbito do apoio judiciário, já o correspondente regime geral é inaplicável à nomeação de defensor ao arguido, dispensa e substituição de patrono no âmbito do processo penal, dada a especialidade que decorre dos artigos 42º a 47º deste diploma …[D.L. 387/B/87 de 29-12] e, antes, dos art. 42º e ss. (Disposições especiais sobre processo penal) da Lei 30-E/2000 de 20-12. E o mesmo se diga do pedido de escusa (ou, em processo penal, de dispensa de patrocínio: art. 66º, nº 2, do CPP) do defensor nomeado. Com efeito, a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio, substituição e remuneração são feitas nos termos do Código de Processo Penal (…) (art. 42º, nº 1 da Lei 30-E/2000 e 39º nº 1 da Lei 34/2004 de 29-07).
E o art. 66º, nº 2 e 3 do CPP (que prevê a dispensa de defensor a pedido deste e a substituição do defensor a pedido do arguido), o art. 66º, nº 4 do mesmo diploma (que determina que o defensor nomeado se mantenha para os actos subsequentes do processo enquanto não for substituído) e os art. 42º e ss. da Lei 30-E/2000 (disposições especiais sobre processo penal) e 39º e ss. da Lei 34/2004 (idem) não prevêem, no âmbito do incidente de substituição do defensor, a interrupção dos prazos em curso. Pelo contrário, os art. 42º, nº 3 e 45º, nº 2 da Lei 30-E/2000 e 39º, nº 4 e 42º, nº 3 da Lei 34/2004 dispõem, especialmente, que, em processo penal, o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo e enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.
Daí que não suspenda o prazo de interposição de recurso o pedido de escusa, substituição ou de dispensa do defensor oficioso apresentado, no seu decurso, pelo próprio ou pelo arguido”.
Ora, atentos os argumentos acima expendidos com os quais concordamos diremos que os pedidos de escusa não interrompem o prazo de interposição do recurso, o qual nesta data já decorreu.
Por tudo o exposto, indefere-se o requerido pelo arguido a fls. 950/951 e, em consequência determina-se o cumprimento do trânsito em julgado da sentença, nos termos promovidos …».

3.
Inconformado, o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«1. O despacho recorrido determinou o cumprimento do trânsito em julgado da sentença, nos termos promovidos pelo Ministério Público, quando, pelo contrário, deveria ter notificado o arguido de que se reiniciava o prazo para ele apresentar o seu desejado, manifestado, legítimo e legal recurso, violando, destarte, o fundamental direito ao recurso das decisões desfavoráveis;
2. O tribunal a quo não deu qualquer oportunidade ao ora recorrente de se pronunciar quanto à promoção do Ministério Público, violando, assim, o elementar e constitucional princípio do contraditório;
3. Tal comportamento do tribunal a quo, ou seja, sem curar sequer de dar cumprimento ao contraditório, fere, salvo melhor entendimento, de nulidade o despacho de que agora se recorre;
4. O tribunal recorrido violou, outrossim, o essencial princípio constitucional do direito ao patrocínio judiciário;
5. Deste modo, deve o despacho de que agora se recorre ser revogado, em toda a sua extensão, o qual deverá ser substituído por outro que não estabeleça o cumprimento do trânsito em julgado da sentença em causa e que notifique o recorrente para, no prazo legal, interpor o seu recurso;
6. Ou, em alternativa, tal despacho ser revogado e substituído por outro, que, para além do mais, dê oportunidade ao recorrente, uma vez notificado com prazo a designar, se pronunciar e defender quanto à promoção apresentada pelo Ministério Público.
O despacho de fls. (...), ora posto em crise, violou o exarado nos artigos 61º, nº 1, al. i), 399º a 431º, do C.P.Penal, artigo 32º, nº 1, da C.R.Portuguesa, artigo 34º, nº 2, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, aplicável ao defensor, em processo penal, ex vi artigo 44º, nº 1, do mesmo diploma legal, artigo 42º, nº 3, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, nº 2 do artigo 20º da C.R.Portuguesa, artigo 3º, nº 3, do C.P.Civil, por referência ao artigo 4º do C.P.Penal, artigos 32º, nº 5, e 13º da C.R.Portuguesa, al. b), do nº 1, do artigo 61º e artigos 118º e seg.s do C.P.Penal, sendo que estas normas deviam ter sido interpretadas, pelo tribunal recorrido, no sentido de não estarmos perante o trânsito em julgado da sentença proferida contra o arguido, notificando-se o mesmo para, no prazo legal, interpor o seu recurso, de que tinha de ser dada a este a oportunidade - uma vez notificado em prazo a designar - para se pronunciar e defender quanto à promoção apresentada pelo Ministério Público, e de que o recorrente tinha (e tem) sempre o inalienável direito ao patrocínio judiciário, devendo, como tal, ser revogado o despacho recorrido e proferido novo despacho nos termos acima indicados».

4.
O recurso foi admitido.

   A assistente respondeu, defendendo a manutenção do decidido.
A mesma foi a posição do Ministério Público, que entende que o recurso deve ser rejeitado.

Nesta Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer em sentido contrário, pugnando pelo provimento do recurso, pelas razões invocadas pelo arguido.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

5.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.
 
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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação a questão a decidir respeita à interrupção dos prazos processuais quando ocorra a substituição do defensor do arguido.

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            O arguido defende que com o pedido de escusa do(s) defensor(es) nomeado(s) os prazos processuais em curso – concretamente, o prazo de interposição de recurso -, se interrompe(m), por via do art. 34º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29/7.

            A Lei nº 34/2004, de 29/7, alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais, que constava da Lei nº 30-E/2000, de 20/12, lei esta que, por seu turno, revogou o D.L. nº 387-B/87, de 29/12.

            Conforme o arguido alega, o art. 34º da Lei nº 34/2004, de 29/7, que tem por epígrafe “pedido de escusa”, estabelece no seu nº 1 que «o patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido ao presidente do conselho distrital da Ordem dos Advogados ou ao presidente da secção da Câmara dos Solicitadores, no qual se contenha a alegação dos motivos da escusa».
E diz, depois, o nº 2, que «o pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido …».

Esta norma consta do capítulo III do diploma, que trata da protecção jurídica, que reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário – art. 6º, nº 1.
A secção III deste capítulo trata do apoio judiciário, que compreende a nomeação e pagamento da compensação de patrono (art. 16º, nº 1, al. b)), sendo que o regime do apoio judiciário, nos termos definidos, se aplica em todos os tribunais, qualquer que seja a forma do processo, conforme estabelece o nº 1 do art. 17º.

Daqui poderíamos retirar que, então, a norma do art. 34º se aplicaria, também ao processo penal.

Mas não é assim.
Esta Lei nº 34/2004, de 29/7, tem um capítulo IV, cujo título é “Disposições especiais sobre processo penal”.
Se este capítulo contém as disposições especiais aplicáveis ao processo penal então serão estas as normas aplicáveis às situações especificamente tratadas nestas normas.
            Inicia este capítulo o art. 39º, que trata da nomeação de defensor, e que diz, no seu nº 1, que «a nomeação do defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal e em conformidade com os artigos seguintes».
Acrescenta, no seu nº 10, que «o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo».
Então, temos que a nomeação de defensor em processo penal é regulada pelas normas do Código de Processo Penal e pelas normas constantes dos artigos seguintes ao art. 39º da Lei.
            Dentre estes artigos seguintes conta-se o nº 3 do art. 41º, que estabelece que o defensor nomeado para um ato se mantém para os atos subsequentes.
            Em consonância com este princípio também o nº 3 do art. 42º, que trata da dispensa de patrocínio, diz que «enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo».
            Podemos afirmar, pois, que existe um padrão e que decorre, precisamente, do princípio que impõe que o arguido tem que estar, sempre, acompanhado de defensor, tudo para salvaguardar o seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado.
            Isto mesmo já se verificava no âmbito da Lei nº 30-E/2000, de 20/12 (art. 44º, nº 4, e 45º, nº 2) e do D.L. nº 387-B/87, de 29/12 (art. 45º, nº 2).

Indo às normas do processo penal, isto mesmo resulta do diploma quando se estabelece no art. 61º, nº 1, al. e), de forma expressa, que o arguido goza, em qualquer fase do processo, do direito de «constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor».
            Do mesmo modo dispõe o nº 4 do art. 66º, que, independentemente das vicissitudes que possam ocorrer durante o processo, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo enquanto não for substituído.
            Isto decorre, precisamente, da preocupação que a lei tem de não permitir que o arguido, na pendência de um processo, possa estar, em momento algum, desacompanhado de defensor.
           
Face a tal princípio percebe-se, então, que não exista para o processo penal norma semelhante ao art. 34º, nº 2, que prevê a interrupção do prazo em curso quando ocorra pedido de escusa do patrono (não defensor) nomeado.
É que se assim fosse então, por exemplo, poderia defender-se que um prazo de prisão preventiva em curso seria interrompido caso houvesse substituição de defensor.

            Portanto, a norma do art. 34º, nº 2, da Lei 34/2004, de 29/7, não se aplica ao processo penal.
            Aliás, a sua redação logo fazia intuir esta realidade, quando ali se fala em “patrono”, claramente do “mundo” do processo civil, pois que em processo penal esta figura não existe. O que temos é o defensor.

Então, assim sendo, os prazos em curso no processo penal não se interrompem por via da substituição do defensor.

E não se argumente com a violação do direito ao recurso. O arguido não foi impedido de interpor recurso porque esteve sempre acompanhado de defensor.
Repetindo, a lei não permite hiatos no que respeita ao acompanhamento do arguido por parte de defensor. Precisamente por isso o seu direito ao recurso sempre esteve assegurado, precisamente porque o defensor nomeado mantém-se para os atos seguintes, até ser substituído.

Este mesmo foi o entendimento do S.T.J., no seu acórdão 2251/05, de 23-6-2005, ao decidir que o prazo de interposição de recurso não se suspende com o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor.
            E também assim decidiu a relação de Lisboa, no processo 9829/2008, de 17-12/2008, e 4615/06.5TDLSB, de 21-6-2011.

            Entendimento diferente contrariaria, entendemos, lei expressa.
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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, e na improcedência do recurso, confirma-se a decisão recorrida.
Fixa-se em 4 Ucs de taxa de justiça.


Coimbra, 2013-12-18

Olga Maurício (Relatora)
José Calvário