Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
148/07.0GTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
VIOLAÇÃO GROSSEIRA DOS DEVERES
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 01/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA- OLIVEIRA DO BAIRRO – JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 58º, 59º, Nº 1 B) CP
Sumário: I - Para que se consubstancie a violação grosseira dos deveres, como causa de revogação da decisão que aplicou a pena de trabalho a favor da comunidade, não basta o tribunal atender ao aspeto meramente formal daquela violação;

2.- Tal avaliação deixa ao critério do julgador a fixação dos seus contornos, sendo que para essa apreciação não se poderão esquecer os ensinamentos sobre o que constitui negligência grosseira: a culpa temerária, o esquecimento dos deveres gerais de observância, a demissão pelo agente dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado, no qual é arguido:
A..., devidamente identificado nos autos, foi proferido despacho de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
É do seguinte teor, o referido despacho:
Nos presentes autos o arguido A... foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292, nº 1 do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, por sentença já transitada em julgado.
A fls. 97-100 foi elaborado relatório de caracterização trabalho a favor da comunidade, tendo sido proferido despacho em 12.04.2010 a determinar o cumprimento de tal pena de prestação de trabalho, conforme consta em tal relatório.
A fls. 118-120 veio a DGRS juntar ao processo relatório de anomalias, informando que o arguido "tem dificuldades em cumprir o plano de trabalho, verificando-se irregularidades ao nível da assiduidade, algumas vezes sem qualquer aviso prévio".
A fls. 141 o arguido foi ouvido em declarações, referindo que "não tem cumprido com as restantes horas de trabalho a favor da comunidade por falta de disponibilidade de tempo".
Foi solicitado novo relatório à DGRS, tendo sido informado o processo que "o arguido cumpriu 56 horas de trabalho para a comunidade das 120 determinadas. Justificou algumas das suas ausências com motivos de ordem profissional e de saúde, que foram aceites pela Entidade. Desde 22 de Janeiro passado que não comparece na Entidade para prestar trabalho para a comunidade, não estabelecendo qualquer tipo de contacto para justificar as ausências.
Face ao exposto, estamos perante um caso de incumprimento, situação que levou a EBT a manifestar a sua indisponibilidade e a dar por terminada a sua colaboração no processo em causa".
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O Ministério Público teve vista no processo, promovendo a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade.
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Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 59, nº 2, al. b) do Código Penal "o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado".
Das declarações prestadas pelo arguido (fls. 141) resulta que o mesmo se encontra a trabalhar, há cerca de um ano, com horário de trabalho de 2ª Feira a Sábado, das 9 horas às 19 horas.
Por outro lado, ao arguido foi dada a oportunidade de participar na elaboração do plano de trabalho, tendo posteriormente tido uma reunião com a entidade beneficiária do trabalho, em 16 de Dezembro de 2010, onde foram clarificados os papéis de cada um dos intervenientes, e ao arguido dadas indicações/orientações de modo a que passasse a cumprir o plano de trabalho homologado - vide fls. 147.
Também consta do relatório de anomalias que o arguido teve um fraco empenho e responsabilização no cumprimento da pena, faltando com frequência à instituição e às entrevistas marcadas pela DGRS.
Acontece, todavia, que o arguido desde o dia 22 de Janeiro de 2011 não voltou a comparecer na entidade para prestar trabalho a favor da comunidade, não respondendo às várias convocatórias que lhe têm sido dirigidas.
Já decorreu um longo período de tempo, pois o arguido iniciou a prestação de trabalho a favor da comunidade em 19 de Junho de 2010, sem contudo completar tal trabalho, sendo certo que apenas teria de cumprir 120 horas de trabalho.
A conduta do arguido demonstra que a sua culpa é intensa, evidenciando uma personalidade indiferente à reacção criminal, pelo que é forçoso concluir que os pressupostos que estiveram na base da substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade não foram alcançados, e, portanto, que o único meio possível para que o arguido interiorize tal ilicitude terá de passar pelo cumprimento da pena de prisão.
Pelo exposto, e nos termos do artigo 59, n° 1, al. b) do Código Penal, o Tribunal decide revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, e, em consequência ordena-se o cumprimento da pena de 4 meses de prisão determinada na sentença.
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Inconformado, deste despacho interpôs recurso o arguido.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação e que delimitam o âmbito do mesmo:
1.O Arguido foi condenado nos presentes autos “a pena de 4 meses de prisão, aplica ao arguido seja substituída por prestação de trabalho a favor de comunidade, exigida pelo art. 58 n.º 5 do Código Penal"
2.Inconformado com o despacho de revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade proferida pela Mmª Juiz a fls. … e ss., dela recorre o arguido supracitado, por entender que o douto despacho recorrido apreciou erroneamente facto relevantíssimo para aferir do juízo de censurabilidade da sua conduta, não considerou as dificuldades sentidas por aquele na execução do trabalho e não omitindo completamente à possibilidade de substituição de trabalho a favor da comunidade, designadamente com a advertência solene, e até a eventual circunstâncias que fundamentariam a prorrogação da suspensão da execução da pena que lhe foi imposta.
3.A falta de ocupação efectiva no local onde devia prestar o trabalho a favor da comunidade, não revelou desinteresse nem desrespeito pelo Arguido mas sim falta de motivação.
4.Atente-se ao facto dos serviços de limpeza serem contratados a empresa exterior e o responsável dos serviços de mecânica não desempenhar as suas funções ao Sábado, dia convencionado para o Arguido comparecer no local.
5.Houve algumas dificuldades em efectuar o controlo técnico da prestação de trabalho através do supervisor dado que a pessoa responsável tinha de se deslocar propositadamente ao Sábado, dia de descanso da mesma.
6.A sua prestação do trabalho a favor da comunidade estava limitada, apesar do condenado já ter sido bombeiro voluntário naquele quartel durante cerca de 5 (cinco) anos.
7.Ora, caso tais importantes circunstâncias tivessem sido sopesadas no douto despacho, com certeza que o mesmo teria decidido pela suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.
8.O recorrente obedeceu às orientações do supervisor quanto à forma como as tarefas devem ser executadas;
9.O condenado à prestação de trabalho cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial
a)A frequência do curso de educação e segurança rodoviária
b)Tratamento e apresentação aos exames de controlo de consumo de bebidas alcoólicas.
c)A pena acessória durante o período de 12 (doze) meses de inibição de conduzir.
10.Respondeu às convocações do tribunal;
11.Podemos já constatar que as restantes injunções já produziram os efeitos pretendidos em virtude da consciencialização, ou seja, a sua finalidade foi alcançada, em virtude de ausência de condenações de crimes em data posterior como contra-ordenações da mesma natureza no seu registo individual de condutor.
12.O douto tribunal a quo não deveria ter revogado imediatamente a prestação do trabalho a favor da comunidade.
13.Conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4 de Novembro de 2004, proc. n.º 4858/04 - Secção Criminal: "Pese embora, o incumprimento parcial da obrigação imposta e a solene advertência para o futuro incumprimento, o arguido voltou a eximir-se a essa obrigação, sem justificação, tanto mais que se encontrava desempregado e podia perfeitamente cumprir o ordenado. Face à indesculpável actuação do arguido, mais não resta ao tribunal, a não ser proceder à revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade
14. Mesmo que se entendesse verificar um incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos, bem como do plano individual de readaptação social, o tribunal deveria ter adoptado as seguintes providências:
a.Fazer uma solene advertência;
b.Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c.Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação;
d.Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano de forma a exceder o prazo máximo de suspensão.
15.Caso não entendessem que estas formas de cumprimento realizasse de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, deveria então fundamentar a não aplicação gradual, prisão domiciliária com vigilância electrónica, o regime de prisão por dias livres ou de semi-detenção.
16.O tribunal a quo omitiu qualquer uma das possibilidades indicadas, sem atender à personalidade do agente, às condições de sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
17.Dir-se-á desde logo que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
18.O que não se registou até à presente data, decorridos 5 (cinco) anos após a prática dos factos.
19.Assim sendo, conclui-se que as restantes injunções já produziram os efeitos pretendidos em virtude da consciencialização, ou seja a sua finalidade foi alcançada, em virtude de ausências da condenação de crimes em data posterior como no seu registo individual de condutor.
20.Neste sentido, em alternativa, devia ter entendido o tribunal a quo optado pela modificação da prestação de trabalho, nos termos do art. 498 n.º 4 do CPP ex vi 59 CP - alterando o plano de execução.
21.O seu agregado familiar é constituído por três pessoas, que sobrevive à custa do salário da esposa, como técnica de contabilidade, no valor de 600€ (seiscentos euros), sendo que o valor do condenado é incerto.
22.Com o salário supramencionado suporta todos encargos normais à sua sobrevivência do seu agregado familiar, designadamente a prestação do empréstimo contraído para aquisição da habitação (350€) as despesas de alimentação, água, electricidade, condomínio e gás (150€) e infantário da filha menor (50€).
23. Acresce que, a pena aplicada causar-lhe-á inúmeros prejuízos, que podem colocá-lo numa situação de absoluta carência económica, atentas as despesas a seu cargo.
24.Não se pode esquecer, "como princípio orientador da matéria, o que desde o início se acentuou a propósito desde regime legal: dever fazer-se apelo a uma certa liberdade, reclamada pela situação humana concreta, de modo a que, ainda assim, não se perca a finalidade última da recuperação do delinquente. "-Ac. RP,lO.03.2004, disponível em www.dgsi.pt
25. Efectivamente, "A revogação da suspensão da pena embora não obrigatória e dependente da verificação da actuação culposa, de modo grosseiro ou repetido, não pode nem deve deixar de ter em conta se é ela o único meio de atingir as finalidades da pena (defesa dos bens jurídicos em causa e reintegração do agente) ." - Ac. RC, 24.01.2002, acessível através de www.dgsi.pt.
26.Na verdade, o arguido só deve cumprir a pena efectiva de prisão, em que foi condenado, se esta for a única forma de alcançar as finalidades visadas com a punição, ou, como refere Figueiredo Dias. ob. Cit., 115, se a privação de liberdade for o único meio adequado de "estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na vigência da norma violada, podendo, ao mesmo tempo servir a socialização do arguido".
27.In casu, há que considerar que ainda não estão esgotadas as possibilidades de alcançar os fins visados com a suspensão, sobretudo se reforçadas as garantias de cumprimento, através do recurso aos meios previstos no art. 55 do CP.
28.Por outro lado, as finalidades de aplicação da pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade.
29.Acresce que, o recurso às penas privativas de liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, não se mostrem adequadas as sanções não detentivas, dando-se, assim, realização aos princípios político-criminais da necessidade proporcionalidade e subsidariedade da pena de prisão.
30."São exigências de prevenção geral e de adequação à culpa que, sobretudo na criminalidade grave, continuam a justificar a aplicação de penas de prisão efectivas e contínuas: o que vale por dizer que, nomeadamente no que se refere às penas de prisão de curta e média duração, os seus inconvenientes superam de muito as vantagens que lhe podem ser assinaladas. "- F. Dias, Direito Penal Português, 53., desde logo porque, pela sua curta duração, não permitem a concretização de nenhum projecto de reinserção, não lhes sendo reconhecidos efeitos educativos visíveis.
31.Aliás, é precisamente na área do Direito Estradal que mais se têm tecido críticas à aplicação de penas curtas de prisão. E assim porque, em primeira linha, nos delitos de trânsito as penas privativas de liberdade não parecem ter dado o resultado esperado, daí que se ponha, hoje, em causa, cada vez mais, a sua eficácia e se opte por aplicar outro tipo de penas
32.Além do mais, o infractor típico no direito estradal não pertence a estratos sociais ditos marginais e, por isso, não precisa, propriamente, de tratamento penitenciário, uma vez que as suas perspectivas de reinserção social são muito diferentes dos demais condenados.
33.Assim, no caso concreto, com a revogação da prestação do trabalho a favor da comunidade e o consequente cumprimento pelo arguido, de uma pena de prisão de 2 (dois) meses e 3 (três) dias, esta pena terá certamente efeitos muito gravosos, não só para o próprio como, quem sabe, no futuro, para toda a comunidade.
34.Aliás, ela terá efeitos inversos aos pretendidos, designadamente no que se prende com a ressocialização do arguido e a sua reintegração na sociedade, operando-se, assim, uma "dessocialização" e uma "desintegração" na sociedade do arguido".
DEVE O RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA,
- ser revogado o despacho do Tribunal a quo e determinada a continuação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade,
- Fazer uma solene advertência, e se assim entender, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; ou impondo novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; ou, ainda a prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano de forma a exceder o prazo máximo de suspensão.
Foi apresentada resposta pelo Magistrado do Mº Pº, que conclui:
1-Nos presentes autos, foi o arguido A... condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelo artigo 292, n.º 1 do Código Penal, numa pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, por sentença transitada em julgado em 14-12-2009.
2- A fls. 97-100 dos autos, consta o relatório da DGRS respeitante à caracterização do trabalho a favor da comunidade, tendo sido proferido despacho, em 12.04.2010, a determinar o cumprimento de tal pena de prestação de trabalho, conforme consta em tal relatório.
3- A fls. 118-120, a DGRS informou os autos que o arguido "tem dificuldades em cumprir o plano de trabalho, verificando-se irregularidades ao nível da assiduidade, algumas vezes sem qualquer aviso prévio",
4- Conforme consta a fls. 141-142 dos autos, o arguido foi ouvido pelo Tribunal e declarou, em suma, que "não tem cumprido com as restantes horas de trabalho a favor da comunidade por falta de disponibilidade de tempo".
5- Na sequência das declarações prestadas pelo arguido, foi solicitado novo relatório à DGRS, resultando, de fls. 148, que "o arguido cumpriu 56 horas de trabalho para a comunidade das 120 determinadas. Justificou algumas das suas ausências com motivos de ordem profissional e de saúde, que foram aceites pela Entidade. Desde 22 de Janeiro passado que não comparece na Entidade para prestar trabalho para a comunidade, não estabelecendo qualquer tipo de contacto para justificar as ausências.
Face ao exposto, estamos perante um caso de incumprimento, situação que levou a EBT a manifestar a sua indisponibilidade e a dar por terminada a sua colaboração no processo em causa".
6- Face à informação prestada pela DGRS, por douto despacho de fls. 152, foi determinado que o arguido se pronunciasse sobre o teor daquele documento, nata tendo o arguido vindo esclarecer aos autos no prazo de 10 dias, apesar de pessoalmente notificado -cfr. fls. 152-157.
7- Ao contrário do que se defende no recurso ora em causa, o Tribunal não revogou imediatamente a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, pois, como supra se teve a possibilidade de explanar, foi sempre dado cumprimento ao princípio do contraditório ao arguido.
8- O que resulta inequivocamente dos autos é que o arguido agiu com indiferença perante a condenação sofrida. As dificuldades que o arguido vem agora alegar terem ocorrido, por ocasião do cumprimento daquela pena, não foram por ele anteriormente referidas - muito embora tivesse a oportunidade de o fazer, nem tão-pouco resultam dos demais elementos trazidos para os autos pela DORS.
9- Refira-se, ainda, que não resultam dos autos quaisquer elementos respeitantes a anomalias ou quaisquer outras circunstâncias que permitissem ao Tribunal optar pela alteração à modalidade concreta da prestação de trabalho. O que resulta dos autos é que o arguido, sem apresentar qualquer justificação, deixou de cumprir aquela pena, pelo que é inaplicável o disposto no art. 498, n.º 4, do Código de Processo Penal.
10- Nos termos do art. 70 do Código Penal, o Tribunal deve dar preferência às penas não privativas da liberdade, sempre que estas realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Nesta linha de raciocínio, o Tribunal, por ocasião da prolação da sentença, optou por uma pena de substituição, ou seja, substituiu a pena de 4 meses de prisão por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do art. 58, n.º 1, do Código Penal.
11- Teve já anteriormente o Tribunal em atenção, na escolha da pena, as condições pessoais do arguido, designadamente a sua idade, a sua situação familiar e o apoio médico no tratamento da dependência ao álcool. O Tribunal entendeu assim ser de optar por aquela pena de substituição, atentas as necessidades de integração social do arguido, e não obstante a condenação sofrida no processo sumário n.º 71/08.1GBOBR, numa pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, por factos praticados após aqueles por que foi condenado nestes autos.
12- Não obstante, o arguido, de forma injustificada, não cumpriu integralmente com aquela pena de substituição, pelo que se demonstra que as finalidades que subjazeram à condenação naquela pena não lograram alcançar o seu escopo.
Por todo o exposto, deve manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Conhecendo:
A questão a analisar no presente recurso é a de analisar da existência de fundamentos, ou não, para a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
É esta a questão, apesar de o recorrente, em vários momentos do recurso se reportar a revogação da suspensão da execução da pena.
No que ao caso em apreço interessa, refere o art. 59 nº 2, do Cód. Penal que, o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:
a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;
b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou
c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Donde resulta logo que, no caso de haver revogação é ordenado o cumprimento da pena de prisão determinada e, não como pretende o recorrente a aplicação de outra pena de substituição.
No caso vertente estará em causa o fundamento de revogação previsto na referida alínea b)citada.
No caso de incumprimento ou de violação grosseira dos deveres decorrentes da pena, há que saber qual a razão da falta de cumprimento dessa obrigação, e só com esse conhecimento se decidirá sobre a revogação.
No caso concreto verifica-se que:
Foi estabelecido e homologado o plano de prestação, pelo arguido, de trabalho a favor da comunidade.
Tendo o arguido iniciado o cumprimento da pena em 19-06-2010.
Em 7-12-2010 é enviada ao processo informação dando conta das “dificuldades por parte do arguido em cumprir o plano de trabalho, verificando-se várias irregularidades”.
Foi ordenada a notificação do arguido para se pronunciar, mas nada veio dizer.
Foi designada data para audição do arguido, o que ocorreu em 2-05-2011, fls. 141, tendo este referido que “não tem cumprido… por falta de disponibilidade de tempo”, por trabalhar de segunda a sábado das 9,00 horas às 19,00 horas.
Foi solicitado relatório à DGRS sobre a situação actual de cumprimento por parte do arguido.
No relatório e no capitulo referente a “propostas de alteração”, a DGRS apenas refere que o arguido não tem cumprido, sem dar qualquer justificação para as ausências e que a entidade onde o arguido devia prestar trabalho manifestou a sua indisponibilidade para continuar a dar a sua colaboração.
O Mº Pº propôs a revogação da pena.
Foi ordenada a notificação do arguido para alegar o que tivesse por conveniente e, nada dizendo foi proferido o despacho ora recorrido.
Deste historial se verifica que o arguido deixou de cumprir, foi ouvido e justificou o motivo, falta de disponibilidade de tempo.
Assim que se não entenda o fundamento para que o arguido se viesse pronunciar sobre um relatório onde se dá conta de que a entidade onde deveria prestar o trabalho já não estava interessada em colaborar.
Como fundamento no despacho de revogação (recorrido), refere-se o facto de ter havido uma reunião (fls. 147) em 16 de Dezembro de 2010 com a entidade beneficiária do trabalho e com o arguido, onde foram clarificados “os papeis de cada um dos intervenientes” e que o arguido deixou de cumprir em 22 de Janeiro de 2011.
Porém, olvida-se que o arguido foi ouvido em 2 de Maio de 2011 onde se justificou com a falta de tempo para cumprir (fls. 141).
No despacho recorrido seguiu-se a ordem do processo, fls. 141 e depois fls. 147, quando a ordem cronológica dos acontecimentos factuais é inversa, acontecendo primeiro os referidos a fls. 147 e depois a justificação de fls. 141.
O arguido referiu que trabalhava de segunda a sábado das 9 às 19 horas, sem que tal fosse colocado em crise.
O art. 58 nº 3 do CP refere que o trabalho a favor da comunidade não pode prejudicar a jornada normal de trabalho.
Por outro lado, o art. 59 nº 1 do mesmo CP refere que a prestação de trabalho pode ser suspensa por motivo de ordem profissional.
Embora entendendo que não é o comportamento mais correcto, o seguido pelo arguido, quer para com o tribunal, quer para com a DRGS, quer para com a entidade beneficiária da prestação do trabalho, temos que face à justificação dada pelo arguido e não colocada em crise, não se verifica recusa sem justa causa, nem infracção grosseira dos deveres decorrentes da pena.
No despacho recorrido não se considera o comportamento do arguido como de recusa sem justa causa.
E, a violação grosseira dos deveres decorrentes da pena, cuja apreciação deve ser feita de forma cuidada e criteriosa, embora a lei a não defina, deixando ao critério do julgador a fixação dos seus contornos, nem por isso se poderão esquecer os ensinamentos sobre o que constitui negligência grosseira: a culpa temerária, o esquecimento dos deveres gerais de observância, a demissão pelo agente dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos. A violação grosseira de que se fala há-de ser uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo ser tolerada, conforme se entendeu no Ac. desta Relação de 21-04-2010, no processo nº 59/04.1TAOBR.C1.
A jurisprudência tem entendido que, a infracção dos deveres impostos não opera automaticamente como causa da revogação da pena, como medida extrema que é, não devendo o tribunal atender ao aspecto meramente formal daquela violação, mas, prevalentemente, ao desejo firme e incontroverso de incumprimento das obrigações.
Assim que se entenda não haver fundamento para se decretar a revogação da pena de substituição aplicada.
Antes se entende que deveria haver readaptação do plano de prestação do trabalho à situação profissional do arguido ou, seguir-se o estatuído pelo nº 6 do art. 59 do CP.
Conforme jurisprudência do STJ em situações de revogação da suspensão da execução da pena, aqui aplicável, "III- Por outro lado, como resulta do art. 50 da versão originária do CP, o mero incumprimento dos deveres impostos com a suspensão, não conduz logo e irremediavelmente à revogação da suspensão, que surge antes como a última das hipóteses que exige, aliás, a culpa do condenado". (Acórdão do STJ de 31/01/2002, Proc. n. 4006/01) (sublinhado nosso).
Por outro lado, se já antes se entendia ser necessário ouvir o arguido antes da decisão de revogação, mais nítido se tornou tal obrigação com as alterações operadas pela Lei nº 48/07 e, na presença do técnico. “O tribunal decide por despacho, depois de… ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento da suspensão” nº 2 do art. 495 do CPP, aplicável, in casu, por força do art. 498 nº 3 do mesmo diploma (sublinhado nosso).
Formalidade esta não cumprida.
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Decisão:
Acórdão no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal em, julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogar o despacho recorrido que, deve ser substituído por outro que adapte o plano de trabalho dos autos à nova situação profissional/laboral do condenado ou que pondere a aplicação a este do disposto nas alíneas a) ou b), do n.º 6, do artigo 59, do Código Penal.
Sem custas

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins