Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2773/22.0T8ACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INJUNÇÃO
DESCONHECIMENTO DA CITAÇÃO
REQUERIDO COM RESIDÊNCIA HABITUAL NO ESTRANGEIRO
CARTA ENVIADA PARA A RESIDÊNCIA CONHECIDA EM PORTUGAL
NÃO ENTREGA DA CARTA AO DESTINATÁRIO
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA, COM VOTO DE VENCIDO
Legislação Nacional: ARTIGO 12.º, 4, DO REGULAMENTO ANEXO AO DL 269/98
ARTIGOS 5.º, E 2, B); 225.º, 4; 230.º, 1 E 2; 696.º, E) II; 729.º, D) E 857.º, 1, DO CPC
Sumário: i) A expressão legal – “não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável” – referente ao requerido, em procedimento de injunção, contida no art. 696º, e), ii), ex vi do art. 726º, d), do NCPC (falta de intervenção do requerido nesse procedimento), deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, ou seja, quando a conduta dele em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja uma falta de conhecimento da citação;
ii) Residindo, habitualmente, o requerido nos EUA, e ocasionalmente em Portugal, não pode ter-se por efetuada a notificação para oposição à injunção, se tal notificação, devolvida a carta registada com aviso de receção dirigida para residência sita em Portugal, foi intentada para a mesma morada por via postal simples, provando o requerido que não chegou ao seu poder a notificação, se o seu não conhecimento se ficou a dever a razão desconhecida de falha na entrega da carta a terceiro, pessoa que zelava pela vigilância da sua caixa postal, e que assegura, podendo fazê-lo, que não lhe foi entregue a carta de citação.
Decisão Texto Integral:

I - Relatório

1. C... Unipessoal, Lda., com sede nas ..., intentou acção executiva para pagamento de quantia certa, contra AA, residente nas ..., com base em título executivo de Injunção.

O executado deduziu embargos de executado, nos quais alegou, além do mais, que nunca teve conhecimento do procedimento de injunção, onde não houve notificação, pois estava nos EUA onde reside habitualmente há anos, como o gerente da exequente bem sabia. Assim, apesar da aposição de fórmula executória, não existe título executivo

A exequente contestou, alegando que nunca o executado lhe indicou que residia nos EUA e indicou a morada que era do seu conhecimento e que corresponde à morada constantes nas bases de dados (tributária e automóvel) e onde o executado foi citado para a execução, pelo que foi devidamente aposta a fórmula executória, concluindo pela improcedência da oposição.

*

A final foi proferida sentença que julgou improcedente os embargos.

*

2. O embargante recorreu, concluindo que:

1. – Face à prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, aos depoimentos das testemunhas BB e CC, devem ser dados como provados os seguintes factos que o Tribunal a quo deu como não provados:

“a) Sem prejuízo do referido em 6º e 7º, o legal representante da exequente bem sabia e sabe que o executado não residia em Portugal, mas sim nos EUA.

b) Quando na injunção indicou como domicilio a Rua ..., em ..., a ora exequente bem sabia que o ora executado não residia naquele local e que estava nos EUA, pretendendo que não houvesse contestação, o que conseguiu.

c) O executado nunca teve conhecimento do procedimento da injunção.

d) O ora executado informou o legal representante da ora exequente de que residia nos EUA.

e) Sem prejuízo do referido em 6.º e 7.º, o executado mencionou ao legal representante da exequente que tinha sido emigrante nos EUA e que por isso repartia parte do ano entre Portugal e os Estados Unidos da América.”

2. - Na Rua ..., ... em ..., existiam duas caixas de correio, uma própria do inquilino e outra para a arrecadação onde reside o ora recorrente.”

3. – Nos meses de Setembro, Outubro e Novembro do ano 2022 o recorrente não esteve em Portugal.

4. – A testemunha BB durante este período, ia com regularidade quinzenal à caixa de correio do recorrente e nunca viu qualquer notificação do BNI que fosse endereçada ao executado.

5. – Está provado que o recorrente não teve conhecimento da carta enviada pelo BNI.

6. - E que, ao contrário do que decidiu o Mmº Juiz a quo, esse desconhecimento NÃO LHE PODE SER IMPUTÁVEL

7. – A presunção legal da notificação foi elidida.

8. – Há que fazer prova da existência ou não da dívida, só é possível com a procedência deste recurso.

9. – O formalismo da notificação (citação) não pode prevalecer sobre a justiça material – a divida existe ou não existe?

10. – O recorrente não recebeu a notificação (citação) da injunção.

11. – E cumpriu o dever de ter alguém que lhe visse na caixa do correio qualquer comunicação.

12. – Esta pessoa – a testemunha BB – nunca viu na caixa do correio qualquer notificação do BNI.

13. – O ora recorrente, a residir nos EUA quando foi notificado, não podia receber a notificação para deduzi8r oposição à injunção.

14. – Estamos num país de emigrantes que, quando em Portugal, têm uma residência onde não vivem habitualmente e têm uma residência no país de acolhimento.

15. - Como concluiu esse douto Tribunal: “IV – A citação por via postal simples, com prova de depósito da carta foi pensada para os citandos comprovadamente residentes em Portugal, como resulta do elemento sistemático.”– Proc. 523/04 de 22/06/2004, in www.dgsi.pt

16. - No caso concreto provou-se, sem sombra de dúvida, que o ora recorrente não reside em Portugal como decorre, aliás da douta sentença proferida, nomeadamente, dos seguintes factos dados como provados:

“6.º O executado tem residência habitual nos EUA, deslocando-se e permanecendo em Portugal por número de vezes e períodos não concretamente apurados, onde tem residência na morada correspondente à Rua ....

7.º Por ocasião das obras referidas em 5.º, que terminaram em data não concretamente apurada de 2021, anterior a 25/05/2021, o legal representante da exequente tinha conhecimento do referido em 6.º.

8.º Em 10/10/2022 o executado encontrava-se nos EUA.”

17.– Nos presentes autos há falta de citação – artº 188.º, n.º 1, al. e) do C.P.C., pelo que todos os actos subsequentes são nulos – artº 187.º al. a) do C.P.C.

18. - Ao decidir como decidiu - i. e., que o ora recorrente tinha sido regularmente notificado do procedimento de injunção, violou o Meritíssimo Juiz aquo os artigos 187.º, alínea a) e 188.º, n.º 1, alínea e) do C.P.C.

Nestes termos recurso deve ser julgado procedente, declarando V. Exªs que o recorrente não foi devidamente notificado/citado, assim se fazendo JUSTIÇA

3. Inexistem contra-alegações.

II - Factos provados

1.º Nos autos de execução foi apresentado como título executivo o requerimento de injunção que se encontra anexo ao r.e. e aqui se dá por reproduzido, entregue em 09/09/2022 e ao qual foi atribuída força executiva em 11/11/2022, constando a menção “não” em “domicílio convencionado”, para pagamento da quantia total de 5.918,20 €, relativa à factura n.º ...6, de 25/05/2021, e demais acréscimos, nos termos que se encontram descritos na “exposição dos factos”.

2.º O aqui executado, então requerido, foi notificado no âmbito do procedimento de injunção na morada indicada pela requerente, aqui exequente, sita na Rua ..., em ..., através de via postal registada com aviso de recepção, datada de 13/09/2022, tendo sido devolvida ao BNI com a menção “mudou-se”.

3.º Na sequência do referido em 2.º, o BNI efectuou pesquisa nas bases de dados quanto ao requerido (SS, AT e IC), constando nas mesmas a morada Rua ....

4.º Na sequência do referido em 3.º, o executado foi notificado no âmbito do procedimento de injunção na morada ali referida, através de via postal simples com prova de depósito, certificada em 10/10/2022 pelo distribuidor postal.

5.º A exequente e o executado acordaram entre si a realização pela primeira ao segundo de obras de remodelação de imóvel pertença do executado e sito na Rua ..., a que respeita o documento que se encontra anexo à p.i. de oposição (doc. 1) e à contestação (doc. 5) e aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual consta como destinatário “AA Rua ... ...”.

6.º O executado tem residência habitual nos EUA, deslocando-se e permanecendo em Portugal por número de vezes e períodos não concretamente apurados, onde tem residência na morada correspondente à Rua ....

7.º Por ocasião das obras referidas em 5.º, que terminaram em data não concretamente apurada de 2021, anterior a 25/05/2021, o legal representante da exequente tinha conhecimento do referido em 6.º.

8.º Em 10/10/2022 o executado encontrava-se nos EUA.

9.º A exequente indicou no requerimento de injunção a morada do executado que era do seu conhecimento.

*

Factos não provados

a) Sem prejuízo do referido em 6.º e 7.º, o legal representante da exequente bem sabia e sabe que o executado não residia em Portugal, mas sim nos EUA.

b) Quando na injunção indicou como domicílio a Rua ..., em ..., a ora exequente bem sabia que o ora executado não residia naquele local e que estava nos EUA, pretendendo que não houvesse contestação, o que conseguiu.

c) O ora executado nunca teve conhecimento do procedimento de injunção.

d) O ora executado nunca informou o legal representante da ora exequente de que residia nos EUA.

e) Sem prejuízo do referido em 6.º e 7.º, o executado mencionou ao legal representante da exequente que tinha sido emigrante nos EUA e que por isso repartia parte do ano entre Portugal e os Estados Unidos da América.

*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Alteração da matéria de facto.

- Procedência dos embargos, por falta de conhecimento da notificação na injunção.

2. O recorrente impugna todos os factos não provados a) a e), que pretende passem a provados, com base nos depoimentos das testemunhas que indica (cfr. conclusão de recurso 1.).

2.1. Quanto ao facto não provado sobre d) essa pretensão não pode ser alcançada por uma razão adjectiva. Tal facto não provado foi alegado, não pelo apelante, mas pela embargada/exequente no art. 3º da contestação aos embargos.

Agora, o recorrente quer que se prove o contrário. Mas nunca alegou tal facto, ao contrário, como devia, se entendia que ele era essencial ou relevante, nos termos do art. 5º, nº 1, do NCPC. Certo é que o facto que o recorrente pretende seja dado por provado não foi alegado por ele ou pela embargada/exequente. Não foi alegado por nenhuma das partes.  

Sendo facto essencial, então devia ter sido alegado pelo recorrente/embargante. Sendo facto complementar (art. 5º, nº 2, b), do NCPC), não poderia operar pois não foi pelo apelante solicitado ao tribunal a quo que o assim considerasse, nem o tribunal tomou essa iniciativa, com respeito pelo contraditório das partes.

Não procede, esta parte da impugnação.

2.2. Quanto ao facto não provado sobre e), no art. 4º da dita contestação aos embargos, a embargada/exequente admitiu-o expressamente, quando afirmou que “Nas inúmeras conversas que foram mantidas entre o ora executado e o sócio gerente da ora exequente, o executado mencionou de que tinha sido emigrante nos EUA, e que por isso repartia parte do ano entre Portugal e os Estados Unidos da América.”.   

Assim, a impugnação nesta parte procede, passando tal facto a provado sobre 10.º (a negrito, ficando o actual facto não provado a letra minúscula), com a seguinte redacção:

10.º Sem prejuízo do referido em 6.º e 7.º, o executado mencionou ao legal representante da exequente que tinha sido emigrante nos EUA e que por isso repartia parte do ano entre Portugal e os Estados Unidos da América.

2.3. Relativamente aos factos não provados a) e b), constatamos que mesmo das próprias transcrições que o recorrente levou a cabo – no corpo das alegações -, no referente aos depoimentos das testemunhas BB e CC, e desconsiderando até a análise efectuada pelo julgador de facto, não resultam desses depoimentos e dessas transcrições a matéria que o apelante quer provar, a saber, que: o legal representante da exequente bem sabia e sabe que o executado não residia em Portugal, mas sim nos EUA, pois embora o embargante tenha a sua residência habitual nos EUA, também tem residência ocasional em Portugal, na morada indicada; quando na injunção indicou como domicílio a Rua ..., em ..., a ora exequente bem sabia que o ora executado não residia naquele local e que estava nos EUA, pretendendo que não houvesse contestação, o que conseguiu, pelas mesmíssimas razões, o executado tem a sua residência habitual nos EUA, mas também tem residência em Portugal, embora ocasional, por certos períodos.

Portanto, tendo em conta só essas transcrições dos aludidos testemunhos, eles são insuficientes para dar como provada tal matéria, tornando-se assim desnecessário ouvir tais depoimentos quanto a esta factualidade.

É de indeferir, por isso, a impugnação nesta parte.       

2.4. Referente ao facto não provado c), defrontamo-nos perante a seguinte situação. Está provado, em 2.º, 3.º, 4.º e 8.º, que aquando da notificação do embargante, no âmbito do procedimento de injunção na morada indicada pela exequente, sita na Rua ..., em ..., através de via postal registada com aviso de recepção, datada de 13.9.2022, foi a mesma devolvida ao BNI com a menção de “mudou-se”. Na sequência do referido, o BNI efectuou pesquisa nas bases de dados quanto ao requerido (SS, AT e IC), constando nas mesmas a dita morada, motivo pelo qual se notificou o executado, na morada ali referida, através de via postal simples com prova de depósito, certificada em 10.10.2022 pelo distribuidor postal. Só que em 10.10.2022 o executado encontrava-se nos EUA. Ou seja, à partida. indicia-se fortemente que o executado não teve conhecimento do procedimento de injunção

Ouçamos, agora, o depoimento de BB, gravado em CD, sobre tal ponto factual, único que o apelante indica, nesta parte.

O mesmo, que é amigo do recorrente, referiu que ajudava o mesmo em tudo o que ele, normalmente, precisa aqui. Tomo-lhe conta da casa, trato-lhe de alguns papéis, basicamente é isso. Também ia à residência levantar o correio, mais ou menos de 15 em 15 dias. Nunca viu lá na caixa do correio qualquer comunicação do BNI. O recorrente teve conhecimento quando chegou a Portugal, em Dezembro, quando chegou ao banco e se apercebeu que tinha a conta penhorada, não fazendo ideia do porquê. Ele perguntou-lhe se eu sabia de alguma coisa de algum processo que ele tinha, porque ele foi ao banco e que tinha cinco ou seis mil euros penhorados na conta, e que não sabia o porquê. E perguntou-me se eu sabia de alguma coisa, eu disse que não, não sei de nada. A casa do recorrente estava arrendada em 2022. A pessoa que lá estava a morar também, também via a correspondência. Porque aquilo tem duas caixas do correio. Ou seja, quem lá estava a morar, recebia a correspondência. Tudo o que fosse relacionado com o Sr. AA punha numa caixa que está lá, à parte, que era essa que eu iria ver. A primeira caixa era aquela onde o carteiro punha as cartas. E depois é que eram colocadas na outra caixa. Nessa primeira caixa do correio, aquela onde é posta a correspondência pelo carteiro, quem via essa correspondência era a pessoa que lá estava a morar, e depois colocava na segunda caixa do correio tudo o que fosse relacionado com o recorrente, o Sr. AA. À pergunta do Juiz, “Olhe, então aqui no processo consta que em Outubro de 2022, concretamente 10/10/2022, foi colocada uma carta na caixa do correio lá da Rua ..., e isto era uma carta do Balcão Nacional de Injunções. O Senhor quando lá foi, numa dessas vezes ver da correspondência não encontrou lá nenhuma carta destas?”, respondeu não. Se não, teria logo tratado do assunto, tentar perceber o que é que se passava. E o Sr. AA depois não lhe falou alguma coisa disto, desta correspondência.

Em resumo, a correspondência era depositada numa caixa de correio a qual apenas tinha acesso o arrendatário. Era o arrendatário que fazia uma triagem e colocava na 2ª caixa de correio interna a correspondência dirigida ao recorrente.

A testemunha deslocava-se de 15 em 15 dias, aproximadamente para ver a correspondência. Disse claramente que não tinha recebido nenhuma carta do BNI, nem sequer sabia dessa carta, nem o recorrente lhe falou alguma coisa sobre isto, que o mesmo estava surpreendido quando soube que lhe penhoraram a conta bancária, após ir ao Banco. Isto é, o recorrente cuidou de pedir a alguém seu amigo que visse a correspondência com regularidade, mas esse alguém, a testemunha, nunca viu qualquer carta do BNI ou alguém, por exemplo, o arrendatário da casa, lha entregou ou depositou na segunda caixa de correio.

Atente-se, por outro lado, que o julgador na motivação da decisão de facto, reconheceu que “A verdade que surge ao Tribunal é a verdade da audiência, do que nela se passou, já filtrada pelo tempo e pelos depoimentos de pessoas que se conhecem e conhecem as partes, mas não foi possível identificar nas testemunhas ou nas próprias partes (pela postura, etc.) uma evidente intenção de decepção ou de afeiçoar os factos a uma versão que lhes fosse ou às partes mais favorável.

De outra parte, também não se pode pôr de lado a hipótese de uma falha no procedimento habitual do referido arrendatário de depósito na 2ª caixa de correio. Do lado da testemunha esta afirmou que não deixaria de fazer essa comunicação ao recorrente perante carta do BNI.

Em conclusão, conjugando todo este aporte probatório, concretamente o facto provado 8.º, com o conteúdo do depoimento de BB, que demonstra conhecimento directo dos acontecimentos, a credibilidade que a testemunha merece, até o julgador de facto lha atribuiu, a hipótese de uma falha no procedimento habitual do referido arrendatário de depósito na 2ª caixa de correio, certo que a aludida testemunha não deixou de assinalar que não deixaria de fazer comunicação ao recorrente perante carta do BNI, temos como segura a convicção que o executado não teve conhecimento do procedimento de injunção.

É, pois, de conceder a impugnação neste ponto, passando tal c) dos factos não provados a provado, sob o facto 11. (a negrito, passando o anterior facto a letra minúscula).  

11.º O ora executado nunca teve conhecimento do procedimento de injunção.

3. Na sentença apelada, na fundamentação de direito, exarou-se que:

“Como é sabido, nos termos do art. 729.º, alínea d), do CPC, constitui fundamento de oposição à execução (embargos de executado) a falta de intervenção do réu no processo de declaração (ou injunção, por identidade de razão), verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do art. 696.º, as quais são, por sua vez, as seguintes: …; o réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; …

A citação (no âmbito da injunção trata-se de notificação) é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (art. 219.º, n.º 1, do CPC). …

A falta de citação (notificação) gera nulidade, que é de conhecimento oficioso, enquanto não se puder considerar sanada, e tem como consequência a nulidade do processado, sendo que tal falta de citação ocorre nas circunstâncias referidas no art. 188.º do CPC. …

No caso concreto, inexistindo domicílio convencionado (art. 2.º do regime anexo ao DL n.º 269/98), a notificação apenas podia efectuar-se nos termos do art. 12.º do mesmo regime anexo. Resulta do aludido art. 12.º, n.º 1, que a notificação é efectuada primeiramente por carta registada com aviso de recepção, seguindo, assim, o regime regra resultante do art. 228.º, n.º 1, do CPC. Todavia, no caso de se frustrar essa notificação por via postal, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação (n.º 3); se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.ºs 2 a 4 do art. 12.º-A (n.º 4); …

Na hipótese dos autos, conforme resulta da factualidade provada, a notificação do requerimento de injunção mediante carta registada com aviso de recepção frustrou-se, tendo depois o BNI procedido à notificação do ora executado nos termos do referido art. 12.º, n.ºs 3 e 4, mediante notificação expedida para a mesma morada obtida através das bases de dados (que coincidia com a morada original, para a qual foi remetida a notificação inicial com A/R) e que foi concretizada através do depósito da carta nessa mesma morada.

(…)

Importa agora apreciar a falta de conhecimento da citação (notificação) a que respeita o art. 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC e/ou o equivalente art. 696.º, alínea e), item ii), do CPC, não se afigurando que a matéria alegada possa ser enquadrável em outra das hipóteses legais

(…)

Nessa sequência, mostra-se comum a qualquer uma das duas hipóteses acima referidas – art. 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC e/ou o equivalente art. 696.º, alínea e), item ii), do CPC – que o desconhecimento não seja imputável ao citando (“Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”; “o réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável”).

(…)

Portanto, “a notificação efetuada por um dos meios previstos nos n.ºs 3 a 7 do artigo 12.º do RPOP obedece à estrutura de uma presunção jurídica ilidível: (i) se forem observadas as formalidades inerentes àquela notificação e (ii) se a carta (ou uma das cartas) for depositada na residência ou local de trabalho do notificando [facto probatório], então presume-se que este (o notificando) teve dela conhecimento [facto presumido]” (idem).

A esse respeito, está provado que o executado reside habitualmente nos EUA e que estava nos EUA em 10/10/2022, mas importa desde já adiantar que essa residência no estrangeiro, por si só, mesmo que permita equacionar hipoteticamente a falta de conhecimento da notificação, entende-se não ser suficiente para sustentar que esse desconhecimento não é imputável ao ora executado ou, pelo menos, afigura-se que só se poderia considerar diversamente se existisse outro eventual circunstancialismo factual (para além da mera ausência), conforme abaixo se explanará.

Dito de outra forma, entende-se não bastar a causalidade entre a ausência no estrangeiro e o não conhecimento da citação, devendo ver-se o facto não imputável em termos semelhantes aos que se encontram previstos para a situação prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 188.º do CPC, implicando um juízo de não culpa em termos da inexistência de uma conduta do citando que tenha contribuído para a situação verificada.

(…)

Aliás, conforme também referido na motivação de facto, verifica-se que o próprio executado institui diligências para assegurar o conhecimento de eventual correspondência que lhe fosse dirigida para a morada sita em Portugal – mas nada foi alegado ou apurado para sustentar qual a razão do alegado desconhecimento da injunção, visto que está provado que a carta foi depositada pelo distribuidor postal, ou seja, qual a razão da notificação que foi depositada na caixa do correio não ter sido alegadamente conhecida pelo executado (através dos procedimentos instituído para tal efeito, na morada escolhida em Portugal para receber correspondência, conforme referido na motivação de facto – nota-se que o executado também não invocou um conhecimento tardio da notificação, antes o total desconhecimento).

Daqui também resulta que se entende que a mera ausência no estrangeiro, em 10/10/2022, não pode equivaler automaticamente ao desconhecimento, pois o executado teria ao seu alcance conhecer essa notificação, ou seja, o depósito da carta seria suficiente para que o executado pudesse tomar conhecimento (ou, pelo menos, podia ter tomado conhecimento dessa notificação, por se presumir, ainda que através de terceiro que lhe comunicaria a existência da correspondência, agindo diligentemente) - “sobre ele recaía o dever cívico de proceder à consulta regular do mesmo, atuando com a diligência de um bom pai de família. A eleição desse endereço mantém-se atual, como se pode constatar na leitura da petição de embargos e da procuração que o mesmo juntou aos autos” …

(…)

Por outro lado, também não foi provado que a exequente sabia, à data da instauração do procedimento de injunção, que o executado não residia na morada em causa e que estava nos EUA, pretendendo que não houvesse contestação (em abstracto, poderia ser diverso se a exequente tivesse efectivo conhecimento de que o executado, na data da instauração do procedimento de injunção, estava a residir nos EUA e soubesse essa mesma morada, assim como também poderia ser diverso se o executado não tivesse uma qualquer morada em Portugal ou se essa morada não fosse uma sua residência, não a indicando junto das entidades oficiais, etc., mas entende-se não ser equiparável a situação dos autos – em que existe uma residência escolhida em Portugal pelo próprio executado, que a indicou, também apurada pelo BNI e para a qual foi dirigida a notificação, sobre a qual, em si mesma, nada mais foi alegado).

A este respeito, no âmbito da citação pessoal e do art. 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC (anterior art. 195.º do CPC), mas que se afigura aplicável também à hipótese equivalente do art. 696.º, alínea e), item ii), considerou-se no Ac. da RE de 13/09/2018, disponível em www.dgsi.pt, que “Para que a presunção de conhecimento do acto decorrente do envio da carta registada para a morada da ora executada seja ilidida, e se conclua pela falta de citação/notificação do destinatário nos termos do art.º 195.º n.º 1 al. e) do CPC não basta a prova pela embargante de que não teve conhecimento do mesmo, sendo ainda necessário que esta demonstre que a falta de conhecimento da notificação ocorreu por facto que não lhe seja imputável, conforme expressamente exige o segmento final da referida alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º. Tendo-se provado que a Embargante passou a residir em Lisboa sem ter alterado a morada constante de todos os seus documentos oficiais, não podemos concluir, em termos de causalidade objectiva, que a conduta da requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que o acto de notificação da injunção não tenha chegado oportunamente ao seu conhecimento. Assim, não é possível ter-se por preenchida a previsão da alínea e) do n.º 1 do art.º 195.º relativa à falta de citação da embargante, por facto que não lhe seja imputável.”

(…)

Em resumo, entende-se não ser possível concluir pela verificação de hipótese prevista no art. 729.º, alínea d), do CPC, quanto à notificação realização no âmbito do procedimento de injunção, pelo que não se mostra afectado o título executivo e a oposição à execução deverá ser julgada improcedente …”.

O recorrente discorda, pelos motivos que constam nas suas conclusões de recurso (2. a 18.). Vejamos.

Podemos começar por constatar que, diferentemente do entendimento expresso na fundamentação jurídica apresentada na 1ª instância, não temos por adquirido que a notificação do requerimento de injunção ao requerido, por via postal simples, nos termos do aludido art. 12º, nº 4, do regime anexo ao DL 269/98, possa ser interpretado como contendo uma presunção legal de conhecimento da notificação/citação. A lei nada diz expressamente nesse aspecto, e quando pretende que assim seja, di-lo em lugares paralelos (vide os arts. 225º, nº 4, 230º, nº 1 e 2, do NCPC).

Já concordamos com a dita fundamentação quando afirma que o facto de o executado residir habitualmente nos EUA e que estava nos EUA em 10.10.2022, data do depósito da carta, por si só, não seria suficiente para sustentar uma causalidade entre a ausência no estrangeiro e o não conhecimento da citação.

Seja como for, não interessa entrar em mais laboriosas considerações jurídicas, porque é dado adquirido que o executado não teve conhecimento da notificação/citação, ou seja, nunca teve conhecimento do procedimento de injunção (como decorre do facto provado 11.).

Ora, a lei permite, nos termos conjugados dos arts. 857º, nº 1, 729º, d), e 696º e), item ii), a dedução de oposição a execução baseada em requerimento de injunção, com fundamento em falta de intervenção do requerido no processo de injunção, verificando-se a situação de o requerido não ter tido conhecimento da citação por facto que não lhe seja imputável.

Que foi o que aconteceu no nosso caso, comprovadamente quanto ao mencionado não conhecimento da citação por parte do dito requerido, embargante e ora recorrente.

Urge, contudo, saber, se isso ocorreu por facto que não lhe é imputável.

Por um lado, da parte da exequente, conhecemos dos factos provados 6.º a 10.º, que a mesma sabia, através do seu legal representante, que por ocasião das obras referidas em 5.º, que terminaram em data não concretamente apurada de 2021, anterior a 25.5.2021, o executado tinha residência habitual nos EUA, deslocando-se e permanecendo em Portugal por número de vezes e períodos não concretamente apurados, onde tem residência na morada correspondente à Rua .... E que o executado mencionou ao legal representante da exequente que tinha sido emigrante nos EUA e que por isso repartia parte do ano entre Portugal e os Estados Unidos da América. E, ainda, que a exequente indicou no requerimento de injunção a morada do executado que era do seu conhecimento. Não se tendo provado, por sua vez, que o legal representante da exequente bem sabia e sabe que o executado não residia em Portugal, mas sim nos EUA, e que aquando da injunção indicou como domicílio a Rua ..., bem sabendo que o executado não residia naquele local e que estava nos EUA, pretendendo que não houvesse contestação, o que conseguiu.

Ou seja, a exequente soube em determinada ocasião que o executado tinha a residência habitual nos EUA, mas também sabia que o executado, igualmente, tinha residência ocasional em Portugal, na morada indicada, porque o executado lho disse que passava parte do tempo, diversos períodos, no nosso país.

Isto é, não se denota da parte da exequente uma conduta intencional no sentido de, no momento da apresentação do procedimento de injunção, visar impedir que o executado não tivesse conhecimento da notificação/citação do procedimento de injunção. Por isso, não pode a exequente ter contribuído para se concluir por facto não imputável ao recorrente.

Ponderemos do lado deste.

Miguel Teixeira de Sousa (no seu CPC Online, nota 9., (b), ao art. 188º do NCPC), adere ao conceito que o desconhecimento da citação pessoal não é imputável ao citando quando esse desconhecimento não possa ser reconduzido a uma conduta negligente do citando, como defendido no Ac. do STJ de 3.7.2018, Proc.1965/13.8TBCLD-A, em www.dgsi.pt.

Em termos de causalidade objectiva, temos por bom esse entendimento. Quanto às pessoas singulares, basta analisar a situação pela perspectiva da diligência exigida a uma pessoa média colocada nas circunstâncias do caso concreto (art. 487º, nº 2, CC). O bonus pater família.

Circunstancialmente, então, temos que o executado tem residência habitual nos EUA, deslocando-se e permanecendo em Portugal por número de vezes e períodos não concretamente apurados, onde tem como morada a Rua ..., embora venha a Portugal, repartindo parte do ano entre o nosso país e os EUA (factos 6º e 10º).
Da motivação da decisão sobre a matéria de facto, resulta que no contexto, o terceiro responsável pela vigilância da sua caixa de correio, pessoa junto de quem a recorrente pediu a devida diligência, assegurou em julgamento que nunca viu qualquer carta na mesma. Não se sabendo, porventura, se o arrendatário do imóvel, único que tinha acesso à 1ª caixa de correio do imóvel, falhou na entrega a esse terceiro ou falhou no depósito da mesma na 2ª caixa de correio.
Esse terceiro, que é quem pode fazer a prova determinante, está em melhores condições de certificar a entrega ou não do que o citando recorrente de assegurar a não entrega. E esse terceiro mereceu toda a credibilidade do julgador de facto e deste tribunal ad quem. Entendemos, pois, que a declaração desse terceiro é suficiente, na defesa da certeza e segurança jurídicas, para declarar que a mesma não ocorreu.

Estando provado que em 10.10.2022, data do depósito da carta, o executado se encontrava nos EUA e que a pessoa encarregue de verificar a correspondência não a recebeu e, por isso não estava em condições de dar conhecimento da citação ao recorrente, que por esse motivo não teve oportunidade de deduzir oposição no tempo legalmente previsto para o procedimento injuntivo, esta situação, em termos de causalidade objectiva, não é imputável ao apelante.

Na aplicação do direito, não podemos olvidar, também, o impacto da interpretação e aplicação final do mesmo.

No nosso caso, a diferença reside em que a proceder este recurso, em que se discute a validade da notificação, leva apenas a que o Tribunal aprecie, mais tarde, a existência, ou não, da alegada dívida. Como invoca o recorrente, ele não ganha nada porque fica dependente de posterior decisão judicial em sede declarativa. Ele só quer que o Tribunal venha a apreciar se tem fundamento, ou não, o pedido formulado pela exequente. E este certificará a sua pretensão.

Assim sendo, tem razão o recorrente. A situação apurada conduz a falta de notificação, por demonstração de falta de intervenção do requerido no processo de injunção, por não conhecimento do recorrente da mesma por facto que não lhe é imputável (art. 729º, d), do NCPC), e consequentemente à extinção total da execução, por procedência dos embargos de executado (art. 732º, nº 4, do mesmo código).

(…)

IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a decisão recorrida, e, em consequência, se declara extinta totalmente a execução.

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Custas a cargo da exequente.

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Coimbra, 9.1.2024

Moreira do Carmo

Luís Cravo

Alberto Ruço (com voto de vencido)


Confirmaria a decisão pelas seguintes razões:

1 - Foram cumpridos os requisitos da notificação mencionados nos n.º 3 e 4 do artigo 12.º do anexo ao DL n.º 269/98, de 01 de setembro (cumprimento de obrigações emergentes de contratos – injunção): frustração da notificação por via postal, através de carta registada com aviso de receção; averiguações nas bases de dados que confirmaram o mesmo endereço e notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para essa única residência.

Esta provado que a segunda carta, remetida por via postal simples, foi colocada na caixa do correio da residência do requerido.

Também está provado que o requerido não tomou conhecimento da carta.

Cumpre verificar se o não conhecimento da notificação pode ser imputável ao requerido – artigo 188.º do CPC.

2 - A resposta deve ser positiva.

Um cidadão pode ter dois ou mais domicílios como resulta do artigo 82.º do Código Civil.

Se a lei prevê, como é o caso, que em certos casos o notificando possa ser notificado no domicílio, em qualquer um deles, mediante a colocação da carta com a notificação na sua caixa de correio, o cidadão deve tomar as providências adequadas para tomar conhecimento das notificações, seja examinando regularmente a caixa de correio ou incumbindo terceiros de fazerem isso no seu lugar, em caso de ausência ou outro tipo de impossibilidade pessoal.

Claro que esta situação pode revelar-se injusta em certos casos particulares, porque pode ocorrer, como no caso, que seja proferida uma decisão sem que a pessoa tenha participado na sua formação ou saiba sequer da existência do processo.

Porém, socialmente este tipo de riscos é aceitável se se considerar que o comércio jurídico e outras situações da vida coletiva carecem de fluidez e que as mesmas não de alcançam com diligências demoradas para encontrar pessoas que se ausentam dos seus domicílios ou não se ausentando não inspecionam as suas caixas de correio ou examinando-as não abrem as cartas remetidas pelos serviços administrativos do Estado.

Esta posição concorda com situações similares da vida corrente dos negócios jurídicos, pois o n.º 2 do artigo 224.º do Código Civil determina que «É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.»

Como se disse, no caso, provou-se que a carta foi entregue na residência do requerido.

Ou seja, chegou à sua esfera de domínio e, sendo assim, se não tomou conhecimento do seu conteúdo tal situação é-lhe imputável.


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Alberto A. V. Ruço