Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3457/16.4T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
INCIDENTE DA RECLAMAÇÃO
REMESSA PARA MEIOS COMUNS
SUSPENSÃO DO INVENTÁRIO
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 16, 32 RJPI ( LEI Nº 23/2013 DE 5/3)
Sumário: I -A reclamação contra a relação de bens é processado de cariz incidental, e, assim, pretendendo-se célere e tendencialmente preclusivo, sendo que, após a audiência preparatória, fica, em princípio, vedado aos interessados colocá-la em crise – artº32º nº5 do RJPI.

II - O acordado pelos interessados na conferência preparatória, designadamente quanto à composição dos quinhões e ao reconhecimento das dívidas, vincula-os definitivamente, salvo a superveniência de factos novos.

III - A impugnação da validade de uma doação por o doador não ter a disposição do bem doado e ter incapacidade mental que o impediu de intuir a natureza e alcance do ato, é matéria que, pela sua complexidade factual e jurídica, não pode ser dilucidada pelo Sra. Notária no processado probatório sumário do inventário, mas antes pelo Juiz nos tribunais comuns.

IV - A decisão nesse sentido pela Notária implica – salvo taxativas e invocadas exceções - a suspensão dos termos do inventário, os quais só podem reiniciar-se após aquela decisão do juiz - artº 16º nº1 e nº6 do RJPI.

Decisão Texto Integral:




ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

A (…) instaurou processo de inventário para partilha de herança deixada por óbito de L (…).

O processo seguiu com realização da conferência preparatória  e da conferência de interessados e  com vicissitudes várias, vg., quanto à exclusão/inclusão na relação de bens de dívidas e a remessa dos interessados para os meios comuns quanto ao pedido de sub-rogação do interessado requerente, e, mais tarde, cabeça de casal, na posição de um credor da herança, por a sua mãe, e viúva do de cujus, ter pago a este credor dívida da herança, tendo ficado perante ela com um crédito que lhe foi doado por esta, então, interessada.

A final foi proferida a seguinte decisão:

«Nestes autos de inventário ocorrido por óbito de L (…), falecido em 4 de Dezembro de 2005, nos quais A (…) desempenha as funções de cabeça-de-casal, homologo pela presente decisão a partilha constante do mapa de fls. 480 a 482, adjudicando aos vários interessados os respectivos quinhões, condenando-os ainda no pagamento das dívidas por todos aprovadas.

Custas pelos interessados, na proporção do recebido (art.º 67.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março).

Fixo o valor da causa em 304 300 €.»

2.

Inconformado recorreu o requerente cabeça de casal.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

                (…)

Contra alegou a interessada C...., aduzindo os seguintes argumentos finais:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e  639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Alteração da partilha em função:

a)- da relacionação da verba 1 do activo da (última) relação de bens: direito à posição contratual no contrato-promessa de compra e venda celebrado com H (…) e mulher M (…) e que tem por objecto um armazém, sito em (...) com a área de 1588 m2, a confrontar  do Norte com caminho, Sul com (…), Nascente com estrada e Poente com (…), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...) , concelho de (...) sob o artigo 1691, com o valor patrimonial de €24.649,70."

b)- da determinação do pagamento da dívida a Herdeiros de G (…), no valor de €10.000, relacionada sob a verba 2 do passivo, aprovada por todos os interessados na conferência preparatória;

c)- da admissão da relacionação da dívida a A (…) no valor de €60.000, sem qualquer condição;

d) da consideração do cabeça-de-casal como sub-rogado nos direitos da credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo das Serras de (...) , CRL, relacionada na verba 1 do passivo, nos montantes de €7.466,77 e €550,80.

e) – da consideração do cabeça-de-casal como sub-rogado nos direitos da credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo das Serras de (...) , CRL, relacionada na verba 1 do passivo, no montante de €15.643,34, paga à custa do património da mãe do cabeça-de-casal, doado por esta àquele.

f) da aprovação das despesas/impostos suportados pelo cabeça-de-casal com os bens da herança, no montante de €907,43.

2ª- Remissão, ou não, para os meios comuns.

3ª Em caso afirmativo, suspensão dos termos do inventário.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária.

Como processo que é,  e como é apanágio de qualquer normatividade adjetiva, ele destina-se  a que tal fito  seja  consecutido, não de qualquer  forma e atribiliáriamente, mas antes de uma maneira escorreita, racional, célere e com a maior economia de meios possível.

Em função do que emergem, determinantemente, os  magnos institutos da lealdade e da boa fé processual, e, ainda, os princípios do dispositivo, da auto responsabilidade e da preclusão.

Na verdade:

«O processo civil, por mais ou menos apreço que por ele se tenha, é uma disciplina necessária a observar quer na instauração quer no desenvolvimento quer no conhecimento de um pleito.

Ainda que sem a rigidez do formalismo e o emperrar burocrático, infelizmente comum a tantos organismos e instituições, há sempre um mínimo a respeitar.

Tendo havido uma decisão, e dela não se havendo reagido com êxito, nem se tendo reagido contra os valores da posterior relacionação, não há lugar a deliberação da conferência nos termos e para os efeitos do artº. 1353, n. 4, alíneas a) e c).»  - Ac. do STJ de 05.11.2002, p. 02A3262 in dgsi.pt.

Assim, e desde logo, tal processo encerra uma fase preliminar, de cariz investigatório,  na qual, e para além do mais, se deve  fixar o acervo – passivo e ativo – a partilhar.

Nesta conformidade estatuindo, vg., os artºs 32º, 35º  36º do REGIME JURÍDICO DO PROCESSO DE INVENTÁRIO aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março:

32º

1 - Apresentada a relação de bens, todos os interessados podem, no prazo previsto no n.º 1 do artigo 30.º,(20 dias) reclamar contra ela:

a) Acusando a falta de bens que devam ser relacionados;

b) Requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir; ou

c) Arguindo qualquer inexatidão na descrição dos bens, que releve para a partilha...

5 - As reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas até ao início da audiência preparatória, sendo o reclamante condenado em multa, exceto se demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável.

35.º

1 - Quando seja deduzida reclamação contra a relação de bens, é o cabeça de casal notificado para, no prazo de 10 dias, relacionar os bens em falta ou dizer o que lhe oferecer sobre a matéria da reclamação.

2 - Se confessar a existência dos bens cuja falta foi invocada, o cabeça de casal procede imediatamente, ou no prazo que lhe for concedido, ao aditamento da relação de bens inicialmente apresentada, notificando-se os restantes interessados da modificação efetuada.

3 - Não se verificando a situação prevista no número anterior, são notificados os restantes interessados com legitimidade para se pronunciarem, no prazo de 15 dias, aplicando-se o disposto no n.º 2 do artigo 31.º e decidindo o notário da existência de bens e da pertinência da sua relacionação, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

36.º

1 - Quando a complexidade da matéria de facto ou de direito tornar inconveniente, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º, a decisão incidental das reclamações previstas no artigo anterior, o notário abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios judiciais comuns.

2 - No caso previsto no número anterior, não são incluídos no inventário os bens cuja falta se acusou e permanecem relacionados aqueles cuja exclusão se requereu.

3 - Pode ainda o notário, com base numa apreciação sumária das provas produzidas, deferir provisoriamente as reclamações, com ressalva do direito às ações competentes, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 17.º

Vemos, assim, que a reclamação da relação de bens assume-se, ela própria, como um incidente da instância do inventário, no qual as partes assumem as suas alegações e  apresentam as provas, tendencialmente apenas num articulado e em  prazos que se têm como suficientes para o exercício e defesa dos direitos dos interessados.

E que existe um terminus ad quem, preclusivo, para as mesmas, qual seja, o início da audiência preparatória.

Tanto assim que, após serem «Resolvidas as questões suscitadas que sejam suscetíveis de influir na partilha e determinados os bens a partilhar, o notário designa dia para a realização de conferência preparatória da conferência de interessados » -  Artº 47.º

Ora nos termos do Artigo 48.º

1 - Na conferência podem os interessados deliberar, por maioria de dois terços dos titulares do direito à herança e independentemente da proporção de cada quota, que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos seguintes: …

3 - Aos interessados compete ainda deliberar sobre a aprovação do passivo e da forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança.

4 - Na falta da deliberação prevista no n.º 1, incumbe ainda aos interessados deliberar sobre quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha.

5 - A deliberação dos interessados presentes, relativa às matérias contidas no número anterior, vincula os demais que, devidamente notificados, não tenham comparecido na conferência.

E nos termos do artº 17º:

1 -…, consideram-se definitivamente resolvidas as questões que, no inventário, sejam decididas no confronto do cabeça de casal ou dos demais interessados a que alude o artigo 4.º, desde que tenham sido regularmente admitidos a intervir no procedimento que precede a decisão, salvo se for expressamente ressalvado o direito às ações competentes.

2 - Só é admissível a resolução provisória, ou a remessa dos interessados para os meios judiciais comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar a redução das garantias das partes.

Por conseguinte, tem de concluir-se que se não houver reclamações quanto aos bens que compunham a universalidade do património de cujus, tal questão encontra-se definitivamente decidida entre os interessados.

Tanto assim é que:

«face ao disposto no nº1 deste artigo (1336 do CPC pretérito), devem os interessados no inventário usar da maior cautela no acompanhamento do inventário por forma a evitar que sejam tomadas decisões implícitas…e tornadas definitivas…ou de não ter sido ressalvado o direito às ações competentes» - Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.317

Por outro lado…

As declarações do cabeça de casal não beneficiam de qualquer presunção de fidedignidade.

Consequentemente, elas apenas fazem fé em juízo até serem impugnadas.

Uma vez impugnadas compete ao cabeça de casal fazer a prova do que afirmou, valendo as regras gerais da distribuição do ónus da prova.

Aliás, relativamente a factos sujeitos a prova documental ou específica, as declarações não têm valor sem a apresentação dos respetivos documentos ou títulos, vg. testamentos, convenções antenupciais, escrituras de doação, estados de demência ou ausência, etc. – cfr. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3ª ed. vol.1º, p.301 e sgs. e Ac. da Relação de Coimbra de 26.04.89, BMJ, 386º,523 e  Ac. da Relação de Lisboa de 16.01.2007, dgsi.pt,p.7964/2006-1.

Todavia, se o opoente não se limitar a impugnar tais declarações, mas invocar matéria nova que possa impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pelo autor/requerente, defendendo-se, assim, por exceção, impende sobre o mesmo alegar e provar o que afirma – artº 571º do CPC e 342º nº 2 do CC.

5.1.2.

O caso vertente é paradigmático no sentido da subversão destes princípios e do iter processual, supra referidos, com postergação da racionalização que eles pretendem incutir e  da tendencial preclusão deles dimanante.

Na verdade, e em síntese, parece que toda a problemática do acervo a partilhar – maxime, e no que para o caso interessa, no atinente aos bens , direitos e dívidas que agora estão em causa nesta instância recursiva -  ao invés de ser dilucidada e fixada no tempo ante audiência preparatória, foi, na sua essencialidade relevante, colocada já após tal audiência.

 E colocada em requerimentos e contra requerimentos sucessivos, ao longo dos meses, sem que os interessados tenham, minimamente, cumprido  a limitação de articulados e os prazos da instância, meramente incidental,  repete-se, da reclamação da relação de bens, e, valha a verdade, sem que a Srª Notária tenha posto cobro a tal prolixidade.

E com a agravante de os interessados, maxime, na economia do recurso, o ora recorrente, lavrarem em algumas contradições.

Efetivamente, apresentada pela cabeça de casal inicialmente nomeada, G (...) , cônjuge do de cujus, a respetiva relação de bens, na qual não constavam, vg. a dívida ao (…), o ora recorrente dela não reclamou.

Quem reclamou foi a interessada M (…)  a qual, para além do mais, acusou a falta de relacionação de tal dívida.

Habilitada que foi a interessada C (…), em substituição da cabeça de casal, foi nomeado cabeça de casal o ora recorrente.

Ora este apresentou relação de bens – fls. 162 e sgs - a  qual, em muitos deles, não coincidiu com a anterior, não obstante desta ele não ter reclamado.

 Tendo, inclusive, e relativamente à dita dívida ao A (…) defendido, em resposta à reclamação da  interessada M (…), que não a reconhecia – fls.184.

Após tal reclamação foi proferido despacho no qual se ordenou a eliminação da verba nº10 do ativo, armazém inscrito na matriz sob o artº 1691.

E, considerando-se que existia possibilidade de acordo na conferência preparatória  designou-se a data de 01.10.2015 para a sua realização.

Esta opção é aceitável: ou seja, em vez de proceder à produção de prova no incidente da reclamação de bens, a Sr. Notária, imbuída da  convicção de que o consenso seria possível, designadamente quanto à composição da relação de bens, decidiu-se pela convocação desta conferência.

Ora, como é evidente, tudo o que os interessados nela consensualizassem quanto a tal composição, ficaria assente e arrumado, sem necessidade de ulterior apreciação.

E na ata desta conferência  consta, no que ora releva:

«Foi deliberado por unanimidade:

-Excluir da relação de bens as verbas nº e nº10…

Foram aprovadas por unanimidade as dívidas passivas relacionadas sob as verbas  nº1 (dívida à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo  das Serras de (...) …no montante de 15.164,19) e nº3 (dívida a Herdeiros de G (…)…no montante de 10.000,00 euros».

O recorrente apresentou nova relação de bens na qual, e para além do mais,  relacionou, sob a verba nº1 a verba 10 da anterior relação, «por ter sido prometida vender  verbalmente aos ora herdeiros»

5.1.3.

Aqui chegados cumpre apreciar, de per se, a consideração, ou não,  na partilha, dos bens, dívidas e direitos supra referidos nas als. a) a f).

5.1.3.1.

Quanto ao bem da al. a) e como emerge do já supra referido, ele não pode ser atendido.

Ele foi excluído da relação de bens por todos os interessados, incluindo o recorrente.

Pelo que não poderia ele advogar, logo a seguir e quase em ato contínuo, e em venire contra factum proprium, a sua inclusão na relação de bens.

O argumento de que foi excluído como direito de propriedade e agora é incluído como direito de crédito, por artificioso, não colhe.

O que releva é a essência e consistência económica e jurídico material.

Ora nesta vertente, o bem imóvel é o mesmo: um armazém, com certas caraterísticas físico materiais.

Por outro lado, a consequência jurídico-prática do cumprimento do contrato promessa é a realização do contrato prometido, e, assim, a entrada na esfera jurídica da herança da propriedade do bem.

Propriedade esta que os interessados já anuíram que não lhe pertencia.

Seria, passe o plebeísmo, querer fazer entrar pela janela o que não se conseguiu fazer entrar pela porta.

Ademais, impugnada a existência de tal crédito oriundo do invocado contrato promessa, cumpria ao cabeça de casal provar a existência e validade do mesmo.

Ora  estando nós perante um contrato promessa de compra e venda, a sua validade apenas emergiria se fosse celebrado por escrito – artº 410º nº2 do CC .

 Pelo que a invocação de mero contrato verbal queda insuficiente para provar e validar o direito invocado.

5.1.3.2.

No atinente à dívida a herdeiros de G (…), no valor de 10.000,00€.

Aqui assiste razão ao recorrente.

 Na verdade, e como se viu, esta dívida, foi aprovada por todos os interessados na conferência preparatória.

Assim sendo, tal dívida  «considera(m)-se reconhecida(s), devendo o seu pagamento ser ordenado por decisão do notário.» - artº 38º nº1 do RJPI.

 E deveria ter ela sido considerada aquando no despacho determinativo da forma da partilha de  fls. 475 a 482.

Mas não o foi, tendo, inclusive,  nele sido consignado -fls. 479 – que «não foi… considerado qualquer passivo…».

Assim, e versus o defendido pelo recorrente, mais do que uma nulidade por omissão de pronúncia existe uma ilegalidade.

Certo é que tal afirmação, contrária às evidências e vinculações processuais – decorrentes do anuído na conferencia preparatória -, devia ter  sido impugnada em recurso, anterior e autónomo.

 Pois que, nos termos do atº 57º nº4 do RJPI:

« Do despacho determinativo da forma da partilha é admissível impugnação para o tribunal da 1.ª instância competente, no prazo de 30 dias, a qual sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.»

Não tendo o recorrente exercido atempadamente tal direito seria defensável o entendimento que a questão estava precludida e arrumada.

Porém, bem vistas as coisas, tal posição da Srª Notária alcança-se  mais como um lapso material, o chamado lapsus calami.

Ademais,  parece que os demais interessados- desde logo a recorrida C (…) - assim o entendem e defendem.

Tal passivo, porque aprovado por todos os interessados, terá de ser pago por todos e cada um deles proporcionalmente ao seu quinhão, não acarretando quaisquer outras consequências na partilha.

Mostrar-se-ía, assim, sensato e razoável o impetrado pela referida interessada: que o montante deste passivo se dê como existente e relevante e ele fosse tomado em consideração no mapa da partilha, retificando-se este em conformidade.

Porém, e em função do infra a decidir, que implicará a elaboração de uma nova partilha, tal mostra-se prejudicado.

5.1.3.3.

No que tange à admissão da relacionação da dívida a A (…) no valor de €60.000, sem qualquer condição.

Pelo que já supra se expendeu, esta pretensão é, meridianamente, de rejeitar.

Nem a primitiva  cabeça de casal, nem o ora recorrente, enquanto  investido, posteriormente, em tal qualidade, relacionaram esta dívida.

Apenas a interessada M (…) pugnou, inicialmente, pela sua inclusão, parecendo que, posteriormente,  desistiu dessa sua pretensão.

O recorrente opôs-se à relacionação da dívida dizendo expressamente que não reconhece a sua existência e que a pretensão da sua inclusão na relação de bens  por banda da interessada M (…) é extemporânea porque posterior à conferência preparatória - fls. 287

Mesmo após ter sido decidido, numa primeira fase – fls. 298 – que tal dívida tinha de ser relacionada, enquanto não ocorra o seu pagamento, o recorrente apenas se insurgiu contra tal decisão, na medida em que ela foi relacionada sob condição.

 Entendendo que devia ser apurado se a dívida é, ou não, da herança, relacionando-se naquele caso e não se relacionando neste – fls. 339.

Formalmente não se apurou a natureza e a quem deve ser imputada a dívida.

Mesmo que, como alega a recorrida/interessada C (…), a dívida seja comum do anterior casal formado pelo de cujus e pela G (…), e  ela tenha sido paga por bem próprio  desta – sua meação - certo é que ela não é interessada nestes autos, pois que vendeu a meação aquela interessada C (…).

Pelo que, se alguém está prejudicado é a G (…) ficando, como o próprio recorrente admite, os interessados do inventário beneficiados.

Também por isto nem sequer se alcança o interesse em agir e a legitimidade do recorrente para poder levantar esta questão.

Mal se compreende, pois, que o recorrente, dando o dito por não dito e mesmo contra o dito – e, mais uma vez em clara contradição – tivesse depois, sem justificação bastante, alterado a sua posição.

Até porque na conferência preparatória foi, como se viu, tomada posição quanto ao passivo e nela ele não colocou em equação esta dívida.

5.1.3.4.

No que tange à sub-rogação pelos valores de 7.466,77 e €550,80 e de €15.643,34.

Foi aprovada pelos interessados na conferência preparatória este último montante  de €15.643,34 como dívida da herança.

Resulta dos autos, e é aceite pelos interessados, que tal montante respeita a dívida à Caixa de Crédito Agrícola e que se reporta à ação executiva nº27/14.5TBANS.

Assim, e bem interpretada a vontade dos interessados, tem de  concluir-se que  os 15.643,34 euros era o montante que, à data da conferência, eles consideraram ser devido em tal ação e que eles consideraram como dívida da herança  todos os valores que em tal ação fossem pagos.

O recorrente alegou e provou que, no âmbito de tal ação, pagou mais os  restantes montantes de  7.466,77 e €550,80.

Tendo o recorrente provado que aquelas quantias foram satisfeitas quer por conta  do  remanescente da meação e do quinhão hereditário da G (…), quer  diretamente por si, aos mesmos  tem direito de reembolso por banda da herança, pois que, como alega, ficou sub rogado nos direitos da G (…) ex vi da doação que ela lhe fez do remanescente da meação.

No entanto a interessada M (…) invocou a invalidade da doação, quer porque a G (...) não tinha a disponibilidade da meação pois que esta estava arrestada, quer porque já não se encontrava em estado mental bastante que lhe permitisse entender o sentido e alcance do ato.

O recorrente pugna que enquanto a doação não for declarada inválida, ela é válida e eficaz, pelo que a sub-rogação, nela alicerçada, deve desde já operar e os créditos serem considerados.

Mas não lhe assiste razão.

Na verdade e tal como ele propugna, importa atentar no disposto no artº 16º do RJPI, a  saber:

1 - O notário determina a suspensão da tramitação do processo sempre que, na pendência do inventário, se suscitem questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário, remetendo as partes para os meios judiciais comuns até que ocorra decisão definitiva, para o que identifica as questões controvertidas, justificando fundamentadamente a sua complexidade…

6 - O notário pode autorizar, a requerimento das partes principais, o prosseguimento do inventário com vista à partilha, sujeita a posterior alteração, em conformidade com o que vier a ser decidido, quando:

a) Ocorra demora injustificada na propositura ou julgamento da causa prejudicial;

b) A viabilidade da causa prejudicial se afigure reduzida; ou

c) Os inconvenientes no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como provisória.

E, ainda, no disposto no artº 36º:

1 - Quando a complexidade da matéria de facto ou de direito tornar inconveniente, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º, a decisão incidental das reclamações previstas no artigo anterior, o notário abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios judiciais comuns.

2 - No caso previsto no número anterior, não são incluídos no inventário os bens cuja falta se acusou e permanecem relacionados aqueles cuja exclusão se requereu.

Destarte, verifica-se que quando o notário  remeter as partes para os meios comuns, tal, ipso facto implica, imediata e imperativamente, a suspensão da tramitação dos autos.

A qual apenas pode continuar, a pedido das partes, e nos taxativos casos das alíneas do nº6 do artº 16º.

O que, no caso sub judice ,não se verificou.

Decorrentemente, e suspenso que seja o processo, obviamente que neles não se podem praticar atos, salvo os urgentes destinados a evitar dano irreparável – artº 275º nº1 do CPC.

Ademais, releva, determinantemente, o nº2 do artº 36º.

Ora o caso dos autos subsume-se na sua primeira parte.

Pois que não  estando ainda tais créditos considerados no inventário, rectius na relação de bens, eles não podem ser atendidos enquanto a questão da (in)validade da doação não for resolvida nos meios comuns.

Resta é apurar se estamos perante um caso de suficiente complexidade justificativo de remessa para os meios comuns.

O que se apreciará na seguinte questão.

5.1.3.5.

Finalmente o valor de 907,43 euros.

A Srº Notária entendeu remeter para os meios comuns quanto a esta verba.

Mas, em função do que se dirá na questão seguinte, esta matéria não assume complexidade bastante para tal.

Urge, pois, decidir, perante a prova apresentada e o direito aplicável.

Assim e no que tange às verbas de 219,02 e 198,10 euros elas não podem ser consideradas pois que tendo, alegadamente, sido pagas pelo recorrente em 23.07.2015, ele não as reclamou até à data da realização da audiência preparatória – 01.10.2015 -, e esta, como se viu, constitui prazo final preclusivo para a sua reclamação – artº 32º nº5 do RJPI.

Quanto à despesa de 203,20 euros pela limpeza dos terrenos, ela também não pode ser considerada pois que do documento junto pelo interessado não dimana que ela tenha sido feita em terrenos pertencentes à herança.

Já as restantes quantias impetradas, elas são concedíveis pois que dos documentos apresentados emerge, com a suficiência exigível e ainda dentro da margem de álea em direito probatório permitida, que foram feitas por causa da herança.

O alegado pela interessada M (...) no sentido de que as despesas não devem ser consideradas pois que foram pagas com dinheiro da herança não releva: trata-se de argumentação de cariz excetivo, a qual, assim, tinha de ser provada pela alegante, o que não fez.

Assiste, pois, ao recorrente, jus ao crédito de  287,11 euros.

5.2.

Segunda questão.

O critério legal vai no sentido de que, por princípio, no processo de inventário devem ser decididas todas as questões, de facto e de direito, de que a partilha dependa.

Porém, a natureza e finalidade do inventário não se compadecem com indagações profundas e morosas, pelo que a decisão das questões relevantes para a partilha, apenas  nele pode/deve  ser prolatada  se tais questões não se assumirem, factual e/ou juridicamente, vastas e/ou complexas.

Assim:

« O juiz, para remeter os interessados para os meios comuns, no processo de inventario, não e obrigado a produzir todas as provas oferecidas, mas tem de ter no processo elementos bastantes para reconhecer que a questão posta exige mais larga, variada e cuidada indagação do que a sumaria instrução do inventario.» -Ac. do STJ de 09.05.1978, p. 067220

«Em processo de inventário o juiz deverá remeter os interessados para os meios comuns ante a falta de prova, no incidente, dos factos alegados sobre questão controvertida - doações feitas por pessoa falecida -, se for de admitir que nos meios comuns tais factos poderão ser mais largamente investigados.  - Ac. do STJ de 24.10.1996, p. 96B544

«podendo os simuladores arguir a nulidade do negócio simulado e estando vedada a prova testemunhal quando a simulação seja invocada pelos simuladores em relação a negócios celebrados através de documentos autênticos na parte em que este têm força probatória plena, a prova a efectuar, mesmo só por documentos, não se compagina com a índole sumária da indagação no processo sumário.» - Ac. do STJ de 16.12.1999, p. 99B995

«Em processo de inventário, as questões relativas à relação de bens que demandem outras provas, além da documental, só devem ser objecto de decisão definitiva quando for possível a formulação de um juízo, com elevado grau de certeza, sobre a existência ou inexistência desses bens.

II- Na ausência dessa prova, devem os interessados ser remetidos para o processo comum ou deve ser ressalvado o direito às acções competentes.» - Ac. do STJ de 11.01.2000, p. 99A1014, todos in dgsi.pt.

Ora se este entendimento já se assumia como pacífico na legislação anterior, perante a atual, ele deve ser perspetivado, por maioria de razão, mais abrangentemente.

Na verdade, atribuindo a lei aos Srs. Notários o poder/dever de apreciar e decidir, em primeira instância, nomeadamente quanto à composição da  relação de bens e no mais que pode influir na partilha,  e considerando, sem desprimor, que eles,  pelo menos em tese, não se encontram tão bem apetrechados, como o juiz, para, juridicamente, escalpelizarem e decidirem certas questões de direito mais intrincadas,  deve a apreciação destas ser conferida ao juiz do tribunal comum.

 No caso vertente assim é.

Efetivamente, a questão quanto à validade da doação é, pelo menos juridicamente, complexa.

A interessada M (…) opôs-se à mesma quer defendendo que o bem doado já não estava na disponibilidade da doadora, quer, principalmente e no que para o caso releva, argumentado que a doadora, devido à quebra das suas faculdades mentais, não atingiu o significado sobre a natureza e alcance do ato jurídico.

Destarte, é medianamente evidente que a questão assume foros de complexidade factual e jurídica, cuja análise e decisão não se compadece quer com a estrutura probatória sumária do processo de inventário, quer com os (não) exigíveis conhecimentos  na matéria por parte da Sra. Notária.

É, pois, o presente caso, como por ela bem decidido, um dos quais em que é admissível, e até exigível, a remessa para os meios comuns.

5.3.

Terceira questão.

A esta questão já se deu resposta em 5.1.3.4. no sentido de que a suspensão dos termos do processo era de decretar.

Acrescenta-se agora que tal opção é percetível: vale mais esperar – razoavelmente, que não desmesuradamente, caso em que, regem, a fortiori as previsões do nº6 do artº 16º para se  poder impetrar o reinício da instância – pela decisão da questão nos meios comuns do que se avançar, temerariamente, para uma partilha, provisória e com a espada de Dâmocles em cima e que poderá ser invalidada, com a retirada de eficácia e proficuidade aos atos praticados e com as inerentes perdas: de tempo e de meios.

Assim sendo o processo tinha de ser suspenso a partir da decisão que remeteu as partes para os meios comuns para apreciação da validade da doação, ou seja, a partir de 11.03.2016 – fls.395.

Não o tendo sido, com o entendimento de que não era caso para isso porque a partilha podia ser mais tarde emendada, foi, porque decidido contra legem e os princípios jurídicos convocáveis, cometida ilegalidade.

Em termos estritos a consequência da constatação de tal ilegalidade seria a anulação dos atos praticados após a sua verificação, ou seja, após a data de 11.03.2016, os quais incluíram a conferência de interessados e atos posteriores.

No entanto certo é que eles já foram praticados.

 E, se a doação for considerada inválida a partilha apenas é afetada no por ora decidido quanto à dívida de dez mil euros, a suportar por todos os interessados, e pelo crédito reconhecido ao recorrente de pouco mais de 287 euros.

Nesta conformidade, e considerando o princípio da concentração dos atos processuais e razões de celeridade e economia de meios, não se decreta tal anulação.

E devendo os atos já praticados posteriormente a 11.03.2016 serem aproveitados na medida do possível, em função, especialmente, do que vier a ser decidido quanto à (in)validade da doação.

(Im)procede, parcialmente, o recurso.

6.

Sumariando- artº 663º nº7 do CPC.

I -A reclamação contra a relação de bens é processado de cariz incidental, e, assim, pretendendo-se célere e tendencialmente preclusivo, sendo que, após a audiência preparatória, fica, em princípio, vedado aos interessados colocá-la em crise – artº32º nº5 do RJPI.

II - O acordado pelos interessados na conferência preparatória, designadamente quanto à composição dos quinhões e ao reconhecimento das dívidas, vincula-os definitivamente, salvo a superveniência de factos novos.

III - A impugnação da validade de uma doação por o doador não ter a disposição do bem doado e ter incapacidade mental que o impediu de intuir a natureza e alcance do ato, é matéria que, pela sua complexidade factual e jurídica, não pode ser dilucidada pelo Sra. Notária no processado probatório sumário do inventário, mas antes pelo Juiz nos tribunais comuns.

IV - A decisão nesse sentido pela Notária implica – salvo taxativas e invocadas exceções - a suspensão dos termos do inventário, os quais só podem reiniciar-se após aquela decisão do juiz - artº 16º nº1 e nº6  do RJPI.

7.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso parcialmente procedente, determina-se a, oportuna, consideração da dívida aludida de dez mil euros e do mencionado crédito a favor do recorrente de 287,11 euro,  declarando-se suspensa a instância até decisão, nos meios comuns, da (in)validade da doação.

No mais se confirmando o decidido.

Custas recursivas a final em função/proporção do aí determinado.

Coimbra, 2017.04.27

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos