Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
481/03.0TBMLD-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
RELAÇÃO DE BENS
DÍVIDA
COMUNICABILIDADE
EX-CÔNJUGE
Data do Acordão: 05/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1406º, Nº 1, 1691º, NºS 1 E 2, 1693º, Nº 2, 1694º, NºS 1 E 2, E 1697º, Nº 2, TODOS DO CC
Sumário: I – No âmbito do processo de inventário para separação de bens – artº 1406º do CC – são relacionáveis os direitos de crédito do património conjugal comum sobre cada um dos cônjuges (artº 1697º, nº2 do CC).

II – Acresce dever relacionar-se o passivo que onere o património comum, ou seja, o que é da responsabilidade de ambos os ex-cônjuges (artºs 1691º, nºs 1 e 2, 1693º, nº 2, e 1694º, nºs 1 e 2 do CC).

III – Tratando-se de dívidas incomunicáveis de cada um dos ex-cônjuges, as mesmas não são objecto de relacionação no processo de inventário instaurado na sequência da acção de divórcio, regime que se aplica ao inventário para separação de bens por força do disposto no nº 1 do artº 1406º do CPC que remete para o artº 1404º do mesmo código.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

1. Relatório

                Para uma cabal compreensão quer do âmbito deste agravo quer do que nele se discute, na medida em que o apenso é tudo menos claro, vamos transcrever a decisão objecto de recurso[1]:

                (…)

                Vem o credor reclamante e, implicitamente, o exequente, invocar que o cabeça de casal deveria ter relacionado as dívidas existentes em separado e com numeração própria, já que resulta dos autos a existência de pelo menos dois créditos – um da reclamante A..., Lda. no montante de € 155.277,65 e outro da B..., SA no montante de € 19.490,74 que ainda se encontram, por liquidar.

                Insurge-se a interessada/requerente C... que as dívidas referidas não tinham que ser relacionadas pois não são dívidas comuns do casal, não sendo a requerente titular de qualquer das dívidas comuns do casal, que o crédito da A..., Lda. já não será do montante aí indicado, porquanto terá havido dois pagamentos parciais do mesmo.

                No caso em apreço, não está em causa um divórcio, situação em que os efeitos patrimoniais do mesmo se retroagem à data da propositura da acção, nos termos do disposto no artigo 1789º, nº 1 do CC (…). No entanto, entende-se aplicável as mesmas regras atenta a remissão do disposto no artigo 1406º para o artigo 1404º do CPC e deste para os termos das secções anteriores – 1326º e ss. do CPC – pelo que aqui é plenamente aplicável o disposto no nº 3 do artigo 1353º do CPC «à conferência compete ainda deliberar sobre a aprovação do passivo». Assim, sendo controvertida a natureza das referidas dívidas devem as mesmas ser analisadas nestes autos em sede de conferência de interessados e não em sede de incidente de reclamação contra a relação de bens. No sentido de que os créditos de terceiros e entre cônjuges devem ser conhecidos em sede de conferência de interessados, vide (…). E também «as dívidas dos cônjuges entre si, dado que não respeitam ao património comum mas antes ao património individual do cônjuge credor, constituindo em contrapartida, elemento negativo do cônjuge devedor, embora uma vez reclamadas devam ser submetidas a deliberação da conferência de interessados e consideradas no momento da partilha, não têm que ser relacionadas – cf. artigos 1697º, nº 1 do CC e Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3ª ed., III, 391.Em conformidade, decide-se – quanto a este aspecto – manter a relação de bens como apresentada pelo cabeça de casal, sendo tais dívidas analisadas em sede de conferência de interessados.

                Por todo o exposto indefiro o relacionamento adicional das dívidas reclamadas pelo credor reclamante A..., Lda. pelo que se decide manter a relação de bens como apresentada pelo cabeça de casal sendo tais dívidas analisadas em sede de conferência de interessados  


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                Notificada da decisão a A..., Lda. interpôs recurso de agravo que foi admitido – cf. certidão que define o apenso – como agravo com subida em separado e no momento em que se convoque a conferência de interessados – artigo 1396º do CPC

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                A agravante apresentou as suas doutas alegações que rematou formulando as seguintes conclusões:

[….]


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                A agravada não contra alegou.

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                Por despacho de folhas 70 e escorando em acórdão desta Relação datado de 19 de 4 de 2005, CJ 2005, II, 35, o Tribunal a quo sustentou a posição avançada na decisão recorrida.

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               A..., Lda. atravessou nos autos o requerimento de folhas 41 no qual e em síntese alegou que era uma empresa industrial que se dedicava ao fabrico e venda de rações e alimentos compostos. É legítima portadora de uma letra de câmbio aceite pela sociedade D..., Lda. no valor de € 147.027,97 emitida em 22 de Janeiro de 2004 e com vencimento em 21 de Abril de 2004. Conforme resulta do verso da referida letra, encontra-se avalizada por E..., sócio gerente daquela sociedade – D... – garantindo pessoalmente o seu pagamento. Apresentada a pagamento não foi paga nem pela aceitante nem pelo avalista, execução que foi declarada extinta contra a requerida D... nos termos do artigo 88º do CIRE em virtude daquela sociedade ter sido declarada insolvente no âmbito do processo de insolvência nº 602/05.9TBALB do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Albergaria-a-Velha, prosseguindo contra o avalista E.... O crédito da reclamante e juros de mora atingem o montante de € 155.277,65. Como a reclamante, no âmbito da execução, foi notificada que a mulher do reclamado C..., nos termos do artigo 825º do CPC, requereu a junção àqueles autos de uma certidão extraída do inventário destinada à separação de bens, vem reclamar nestes autos o seu crédito sobre a meação do interessado E....

                Deve ser deferida a reclamação e reconhecido e graduado o seu crédito no lugar que lhe competir e no montante de € 155.277,65.


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                Em 22 de Julho de 2009 – acta de conferência de interessados – a Exma. Juiz tomou posição sobre a reclamação de créditos apresentada por A..., Lda. passando a transcrever-se, os fundamentos e pronunciamento decisório, de modo a ter-se uma visão mais completa e abrangente do que se discute no presente agravo:

                (…)

                Como é sabido ao cabeça de casal no processo especial de inventário para separação apenas compete relacionar o passivo que onera o património comum, isto é, o que se considera como de responsabilidades de ambos os cônjuges, responsabilidade a apurar de acordo com os comandos dos artigos 1691º, 1693º, nº 2, 1694º, nºs 1 e 2 do Código Civil. Portanto, apenas tal passivo tem de ser relacionado para se proceder posteriormente à sua aprovação e pagamento, já não assim, as dívidas da responsabilidade de um dos cônjuges – incomunicáveis. Quanto a estas, os credores respectivos farão valer os seus direitos pelos meios próprios, aí obtendo o pagamento do devido e, em virtude dos bens adjudicados ao seu devedor. No caso vertente, em ambas as acções executivas figura apenas como executado o cônjuge marido, ora cabeça de casal, E...porquanto o título executivo só a ele o abrange – artigos 46º, 1, c) e 55º do CPC. Por outro lado, como é sabido a distinção fundamental em matéria de dívidas dos cônjuges coloca, de um lado as dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges – artigos 1691º, nºs 1 e 2, 1694, nºs 1 e 2 – e do outro as que apenas responsabilizam um dos cônjuges – artigos 1692º, 1693º, nº 1, todos do CC.

                (…)

                Compulsados quer os autos de execução em apenso, quer o teor da reclamação de crédito de folhas 122-A /122-W, concluímos que não foram alegados factos consubstanciadores de qualquer situação de comunicabilidade da dívida ao outro cônjuge, designadamente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1691º do CC quer pela credora-exequente, quer pela credora-reclamante – exequente no processo executivo de Albergaria-a-Velha. Assim sendo não poderemos deixar de concluir que se tratam de dívidas próprias do cabeça de casal E...pelos quais respondem apenas os seus bens próprios e subsidiariamente a sua meação nos bens comuns nos termos do nº 1 do artigo 1696º do CC, para além dos bens referidos no nº 2 do artigo 1696º do CC, sendo certo que como já referimos que no processo especial de inventário para separação de meações apenas poderão ser reconhecidas dívidas comuns do casal. Ora, sendo tais dívidas apenas da responsabilidade do cônjuge E...não poderão as mesmas ser aprovadas como dívidas comuns e consequentemente constarem do «lado passivo» da relação de bens deste inventário, sem prejuízo de ulteriormente serem penhorados os bens próprios que couberem ao cônjuge marido executado. (…)

                Em face do exposto, este Tribunal determina o indeferimento da reclamação apresentada pelo credor A..., Lda. e em consequência não procede ao reconhecimento e graduação do respectivo crédito.    


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                Embora a certidão não esteja instruída com o requerimento de interposição de recurso por parte da agravante..., Lda. a verdade é que tal recurso foi admitido como agravo, com subida diferida para o momento em que vier na ser designada nova data para a conferência de interessados com efeito meramente devolutivo – folhas 93A.

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                A agravante atravessou nos autos as suas doutas alegações que rematou formulando as seguintes conclusões:

[…]


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                Não contra alegaram.

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                Embora sem expressão directa quanto à sustentação do decidido, interpreta-se a remessa dos autos a este Tribunal como cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 744º do CPC – cf. folhas 112 e 127.

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                2. Delimitação do objecto do recurso

                A questão a decidir nos agravos e em função da quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

                2.1 – Agravo do despacho de folhas 19

Ø Inventário para separação de meações – Relacionamento do passivo.

2.2 – Agravo do despacho de folhas 73 a 77

Ø Indeferimento da reclamação de créditos apresentada pela..., Lda.


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                3. Colheram-se os vistos e aprecia-se

                3.1 – Agravo do despacho de folhas 19

Os agravantes juntaram aos autos a certidão de uma execução nº 717/04.0TBALB que corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Albergaria-a-Velha assumindo a aqui agravante a posição de exequente e de executados D... e E..., casado, com a aqui agravada/requerente do inventário C.... Serviu de base à execução uma letra no montante de € 147.027,97 com data de vencimento em 21 de Abril de 2004, aceite pela D..., Lda. e avalizada por E.... Claramente, a quantia reclamada e que se pretende ver relacionada no passivo do inventário para separação de meações é justamente a que provém a letra acrescida de juros.

                Como resulta do que acabámos de evidenciar a pretensão da agravante resume-se em ver inscrita no passivo da relação de bens para separação de meações um crédito que recai sobre um dos interessados no inventário – cônjuge marido – em virtude de ter avalizado uma letra, sendo que em momento algum equacionou factualmente a possibilidade de estarmos em presença de uma dívida comunicável nos termos do artigo 1691º do CC daí a apreciação do objecto do recurso não possa desconsiderar tal realidade.

                Será de acolher a pretensão da agravante?

                O processo para separação de bens encontra-se regulado no artigo 1406º do CPC que passamos a transcrever:

1. Requerendo-se a separação de bens nos termos do artigo 825º ou tendo de proceder-se a separação por virtude de falência de um dos cônjuges, aplicar-se-á o disposto no artigo 1404º com as seguintes alterações:

a. O exequente, no caso do artigo 825º, ou qualquer credor, no caso de falência, tem o direito de promover o andamento do inventário.

b. Não podem ser aprovadas dívidas que não estejam devidamente documentadas.

c. O cônjuge do executado ou falido tem o direito de escolher os bens com que há-de ser formada a sua meação; se usar desse direito, são notificados da escolha os credores, que podem reclamar contra ela fundamentando a sua queixa.

2. Se julgar atendível a reclamação, o juiz ordena a avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados.

3. (…).

Por sua vez o artigo 1404º do CPC confere as funções de cabeça de casal ao cônjuge mais velho, seguindo o inventário os termos prescritos nas secções anteriores, o mesmo é dizer que se aplica o disposto nos artigos 1345º e 1353º do CPC.

Em sede geral e de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 1345º do CPC devem ser relacionadas em separado e sujeitas a numeração própria as dívidas, no entanto esta norma não pode deixar de ser aplicada, sem mais, quando o inventário corre para separação de meações e na sequência da citação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 825º do CPC.

Não nos cabendo, por razões óbvias – alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC – conhecer da validade ou não do aval prestado pelo interessado marido à aceitante D..., Lda. a verdade é que no contexto deste processo não podemos deixar de questionar se o cabeça de casal estava vinculado a relacionar uma dívida que só vincula o interessado marido[2], ensinando o Sr. Dr. Lopes Cardoso que «ao cabeça de casal competirá relacionar o passivo, em primeiro lugar aquele que onera o património comum, isto é, o que se considere da responsabilidade de ambos os cônjuges, responsabilidade essa a apurar segundo os comandos dos artigos 1691º, 1693º, nº2, e 1694º, nºs 1 e 2, todos do CC. (…) As dívidas da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges – incomunicáveis – essas não têm que ser relacionadas (…). Os credores respectivos farão valer os seus direitos pelos meios próprios; aí obterão o pagamento devido e, por força dos bens adjudicados ao seu devedor, usando, quando caso disso, do procedimento cautelar adequado»[3].

O acórdão da Relação de Coimbra citado do despacho recorrido[4] aborda uma temática diversa daquela que nos é colocada pela agravante, tratando da questão enunciada no artigo 1697º do CC – compensação devidas pelo pagamento de dívidas do casal – sustentando que neste caso que «devem ser relacionados todos os bens do casal comuns ou próprios de qualquer dos cônjuges» e mais adiante defende que «sendo inquestionável a relacionação de créditos de terceiros, por identidade ou maioria de razão se impõe o mesmo para o crédito do cônjuge credor sobre o outro».

Em nossa modesta opinião, a alusão feita a propósito do relacionamento de créditos de terceiros no processo especial de inventário em consequência do divórcio, não contempla as dívidas da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges e daí que tal situação não seja enquadrada no nº 2 do artigo 1697º do CC, a menos que para o pagamento da dívida tivesse respondido os bens comuns e neste caso tal importância seria levada em conta – compensada – no património comum no momento da partilha.

Mas não é disto que trata o agravo. A questão que nos é colocada esgota-se na vinculação ou não do cabeça-de-casal em relacionar uma dívida que é da sua exclusiva responsabilidade – nada nos autos nos permite admitir situação diversa – e aqui não podemos deixar de chamar à colação os ensinamentos do ao tempo Juiz Desembargador[5] Salvador da Costa ao escrever: devem relacionar-se no processo de inventário os direitos de crédito do património conjugal comum sobre cada um dos cônjuges (artigo 1697º, nº 2 do CC). Acresce dever relacionar-se o passivo que onere o património comum, ou seja, o que é da responsabilidade de ambos os ex-cônjuges (artigos 1691º, nºs 1 e 2, 1693º, nº 2, 1694º, nºs 1 e 2 do CC). Decorrentemente, as dívidas incomunicáveis de cada um dos ex-cônjuges (…) não são objecto de relacionação no processo de inventário instaurado na sequência da acção de divórcio[6] 

Ora, remetendo o nº 1 do artigo 1406º, para o disposto no artigo 1404º ambos do CPC que aborda o inventário em consequência de divórcio, não encontramos razões justificativas que nos levem a alterar a amplitude da relação de bens, por referência a dívidas que são da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, quando abordamos o inventário na sequência do processo de separação de bens motivado pela citação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 825º do CPC.

Embora não possamos deixar de concordar com a alegação/conclusão de que relacionar o passivo e aprová-lo em conferência de interessados são duas realidades completamente distintas e por isso inconfundíveis, também não podemos deixar de vincar que, repete-se, tratando-se de dívida incomunicável como parece sugerir o processo não é no âmbito deste processo que a aqui agravante pode ver o seu crédito reconhecido e pago, existindo, parece-nos, alguma confusão na interpretação por parte do Tribunal a quo ao defender que a agravante não pode relacionar o valor do crédito, mas já o pode levar à conferência de interessados para ser submetido a deliberação e considerado no momento da partilha. Com todo o respeito, não encontramos mecanismo processual que permita levar à discussão de interessados – marido e mulher – uma dívida que se não encontra relacionada e se aprovada ser considerada no momento da partilha – artigo 1697º do CC.

Ora, vincando todo o respeito por tal posição, a verdade é que não estamos no âmbito da compensação de dívidas do casal, como nada emerge dos autos que possibilite a conclusão, antes pelo contrário, que a interessada mulher/agravada tenha permitido, no âmbito deste inventário para separação de bens, que os bens comuns respondam pelo pagamento da dívida resultante do aval prestado pelo seu marido. É que se assim fosse e ao contrário do defendido no despacho recorrido haveria lugar ao relacionamento da dívida, à sua aceitação em sede de conferência de interessados para em sede de partilha levar-se em consideração o disposto no nº 2 do artigo 1697º do CC. Mas não é isto que resulta dos elementos que os autos disponibilizam na medida em que a agravada não só se insurge contra a dívida por não ser uma dívida comum como sustenta ter havido dois pagamentos parciais. De qualquer das formas e no respeito pela delimitação do objecto do recurso, limitamo-nos a dar nota da improcedência do recurso por referência à inclusão na relação de bens de uma dívida incomunicável já que da responsabilidade de o interessado/cônjuge marido.


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3.2 – Agravo do despacho de folhas 73 a 77

                Tivemos o cuidado de dactilografar a parte mais significativa do despacho de folhas 76 a 78, de modo a que os intervenientes processuais possam, sem necessidade de outro tipo de consultas, ter uma visão de conjunto do que se discute, visão que nos é conferida pela transcrição do requerido e do despacho que recaiu sobre tal requerimento e que foi objecto de recurso.

                A questão que nos é colocada coloca-se num plano distinto daquela outra que abordámos no primeiro dos agravos e que podemos sintetizar na seguinte questão:

                Poderá ou não um credor reclamar nos termos do 865º do CPC o pagamento do seu crédito?

                Enquadrando a resposta a dar não podemos deixar de recuar ao momento da penhora dos bens a que se reporta o artigo 825º do CPC e afirmar que esta norma, em nosso modesto ver, não tem quaisquer reflexos ao nível dos eventuais direitos da agravante em ver reconhecido e graduado o seu crédito, na medida em que aborda a questão relativa à citação para a execução do cônjuge do executado quando são penhorados bens comuns do casal com a finalidade do(a) citada requerer a separação de bem ou junta certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação tenha sido requerida. O nº 2 desta mesma norma aborda as questões relativas à aceitação da comunicabilidade da dívida, desde que tenha o exequente alegado que a dívida que consta do título é comum.

                Também as alíneas a) a c) do nº 3 do artigo 864º do CPC a propósito da citação do cônjuge tal sucede quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente; quando recaia – a penhora – sobre bens comuns do casal; e para declarar se for caso disso se aceita a comunicabilidade da dívida.

                Tal como já tivemos oportunidade de mencionar e nada no presente recurso emana que nos permita alterar a posição antecedente, a dívida que a reclamante pretende cobrar é da exclusiva responsabilidade do executado marido, nada existe que nos diga ter a agravada aceite a comunicabilidade de tal dívida e por isso há que dizer que cumprida todas as formalidades das citações e optando o cônjuge não executado pela propositura de incidente para separação de meações, então, no plano estritamente processual e por referência à execução onde se encontram penhorados tais bens, abre-se apenso para a verificação e graduação de créditos respeitantes ao concurso de credores – artigo 865º, nº 6 do CPC.

                Considerando o teor do requerimento de folhas 41, a agravante vem reclamar o seu crédito no âmbito do inventário para partilha – ao invés de o reclamar se é que o já não fez no âmbito da execução/artigo 865º do CPC – o que em nossa modesta opinião não tem suporte legal.

                Já dissemos que no âmbito do processo para separação de meações a dívida reclamada pela agravante não pode ser descrita na relação de bens porque é da exclusiva responsabilidade do executado marido e nada existe nos autos que nos permita considerar que a cônjuge não executado tenha aceite a comunicabilidade o que a verificar-se determinaria a sua inclusão na relação de bens e a final, ou seja, aquando da partilha tomar-se-ia em linha de conta nos termos do nº 2 do artigo 1697º do CC.

                Mas nada isto está provado ou documentado nada valendo em sede de alegações a afirmação – diversas vezes contrariada – que o crédito é comum, sendo tal afirmação para além de conclusiva não suportada por factos que tivessem permitido à agravada em sede própria tomar posição sobre a alegada comunicabilidade.

                Salvo melhor opinião, reafirmamos escorados nos Exmos. Srs. Drs. Lopes Cardoso e Salvador da Costa que tratando-se de uma dívida incomunicável não é possível levá-la à relação de bens nos termos pretendidos pela agravante – nº 2 do artigo 1345º do CPC – como a previsão dos artigos 1406º ex vi 1404º do CPC não abarcam a situação pretendida pela agravante. Não sendo a dívida comum, mas antes da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, a lei coloca ao dispor do credor um conjunto de mecanismos – providência cautelar – que lhe permitem acautelar os seus créditos a partir da meação de bens do devedor. O que nos parece é que considerando a qualidade do crédito – emerge de um aval prestado pelo cônjuge marido – cujo pagamento é da sua única responsabilidade que sem ter havido aceitação de comunicabilidade por parte da agravada que tal crédito possa ser inserido no lado passivo da relação de bens como pretende a agravante.

                Em conclusão:

I. No âmbito do processo de inventário para separação de bens – artigo 1406º do CC – são relacionáveis os direitos de crédito do património conjugal comum sobre cada um dos cônjuges (artigo 1697º, nº 2 do CC).

II. Acresce dever relacionar-se o passivo que onere o património comum, ou seja, o que é da responsabilidade de ambos os ex-cônjuges (artigos 1691º, nºs 1 e 2, 1693º, nº 2, 1694º, nºs 1 e 2 do CC).

III. Tratando-se de dívidas incomunicáveis de cada um dos ex-cônjuges as mesmas não são objecto de relacionação no processo de inventário instaurado na sequência da acção de divórcio, regime que se aplica ao inventário para separação de bens por força do disposto no nº 1 do artigo 1406º do CPC que remete para o artigo 1404º do mesmo Código.


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                Decisão

                Nos termos e com os fundamentos expostos acorda-se em negar provimento aos recursos de agravo e consequentemente mantêm-se as decisões recorridas


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                Custas a cargo da agravante – artigo 446º do CPC.

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                Notifique.

Jacinto Meca (Relator)

Falcão de Magalhães

Regina Rosa


[1] Não integra a certidão o requerimento que motivou que a Exma. Juiz tomasse posição sobre o relacionamento das dívidas – item 2 de folhas 18. 
[2] Em momento algum a agravante alegou em qualquer dos seus requerimentos tratar-se de dívida comunicável à interessada agravada.
[3] Partilhas Judiciais – Almedina 1980 – III volume, pág. 390 e 391.
[4] Acórdão datado de 15.2.2005, proferido no âmbito do processo nº 4018/04, relatado pelo Exmo. Desembargador Jorge Arcanjo, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt
[5] Entretanto nomeado Juiz Conselheiro para o Supremo Tribunal de Justiça.
[6] Ac. RL, CJ, XXVII, I, 111