Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
156/24.7T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HUGO MEIRELES
Descritores: AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
AGENTE DE EXECUÇÃO
VENDA EM LEILÃO ELETRÓNICO
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 549.º, N.º 2, 837.º, 929.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E 17.º, N.ºS 2 E 6, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário: Ao agente de execução nomeado, no âmbito de uma ação especial de divisão de coisa comum, para realizar a venda de um imóvel na modalidade de venda leilão eletrónico em conformidade com o artº. 837º do Código de Processo Civil (ex vi do art.º 549º, n.º 2 do mesmo código), não é devida a remuneração variável prevista no art.º 17º, n.º 2 e 6 do Regulamento das Custas Processuais.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Recorrente: AA
Recorridos:   BB, CC, DD e EE

                                   
I. Relatório

BB e mulher CC intentaram contra DD ação especial de divisão de coisa comum relativamente ao prédio rústico, composto por terra de cultura e vinha, com oliveiras, árvores de fruto e pinhal, sito na ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...33/..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...14 da União das Freguesias ..., ..., ... e ..., com o valor patrimonial atual €108,22.

Alegam que são comproprietários do referido imóvel, na proporção de ½, sendo os requeridos também comproprietários de tal imóvel em idêntica proporção, e que pretendem colocar termo à indivisão. Mais sustentam que o imóvel em causa é divisível em substância, inexistindo qualquer ao obstáculo legal à divisibilidade do mesmo – que, na prática, já se encontra realizada, por acordo entre os comproprietários - pelo que pretendem cessar a compropriedade, nomeadamente, através de uma operação de destaque camarário que formalize a divisão já efetuada.


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Uma vez citados, os requeridos não contestaram.

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Por decisão de 7 de março de 2024, o tribunal de primeira instância decidiu que o prédio objeto dos autos é insuscetível de ser dividido em substância e fixou os quinhões dos interessados, designando data para a realização da conferência a que alude o art.º 929º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

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Na conferência de interessados, realizada no dia 18 de abril de 2024, foi proferido o seguinte despacho:

Não tendo sido possível obter o acordo dos interessados quanto à adjudicação do bem, os autos prosseguirão para a venda deste, podendo os consortes concorrer à venda, conforme previsto no artigo 929.º, n.º 2 do Código do Processo Civil.

D.N. à junção de certidão de registo predial atualizada e à citação de credores para abertura do concurso de credores - artigo 549.º, n.º 2 do Código do Processo Civil.

Notifique.


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Por requerimento de 3 de junho de 2024, as partes, de comum acordo, vierem requerer que a venda fosse efetuada por leilão eletrónico (e-leilões) e que o valor base do bem a vender fosse fixado em €1.000.000,00.

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No dia 5 de junho de 2024, foi proferido o seguinte despacho:

Por força do disposto no n.º 2 do artigo 549.º do Código do Processo Civil, quando haja lugar a venda de bens nos processos especiais (como é o caso do presente, de divisão de coisa comum) incumbe ao oficial de justiça a prática dos actos que, no âmbito do processo executivo, são da competência do agente de execução.

Assim, deverá o Oficial de Justiça proceder em conformidade, desempenhando as tarefas que lhe estão legalmente cometidas, apreciando e decidindo a(s) questão(ões) posta(s) e notificar a sua decisão às partes, da qual, em caso de discordância, caberá reclamação para o Juiz, como é a regra no processo executivo – artigos 719.º, 722.º e 723.º do Código do Processo Civil.


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Em 25 de setembro de 2024, pela Srª. Oficial de Justiça foi decidido, nos termos art.º 812º do Código de Processo Civil, que o bem seria vendido Leilão eletrónico (e-leilões), pelo valor base de €1.000.000,00 (um milhão de euros), mais determinando a notificação das partes para indicarem um único Solicitador de Execução para proceder à venda

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Ambas as partes vieram indicar, de comum acordo, a Agente de Execução AA, com a cédula profissional ...39 e domicílio profissional na Rua ..., ..., ... ... ..., para proceder à venda determinada.

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A 18 de novembro de 2024, a Sr.ª Agente de execução notificou as partes nos seguintes termos:

Ex.mo(a) Senhor(a):

Fica, desta forma, notificado(a) de que se encontra agendado novo leilão, uma vez que no anterior o requerente se encontrava, erradamente, identificado como executado, o que impossibilitada a apresentação de propostas.

Assim, o novo Leilão eletrónico é o seguinte:

- o leilão online ...24 do processo 156/24.... foi iniciado pela administração da plataforma.

Link: https://www.e-leiloes.pt/evento/...24

Datas:

Início: 17-11-2024 00:00

Fim: 12-12-2024 10:30


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Com data de 13 de janeiro de 2025, a Sr.ª Agente de execução juntou aos autos a seguinte decisão:

Terminado o leilão eletrónico ...24 verifica-se que a melhor proposta, no valor de €1.545.451,50, é superior a 85% do valor base, conforme certidão de encerramento do Leilão que se anexa.

Estão assim reunidas condições para que se concretize a adjudicação do bem à proponente, logo que:

a) Não sejam exercidos direitos de preferência, no prazo de 10 dias, sem prejuízo de eventuais direitos de remissão (artigo 842º do CPC).

b) O proponente deposite o preço, o que deverá fazer após notificação a realizar pela Agente de Execução, para o efeito, (nº2 do artigo 824º do CPC); e demonstre o cumprimento das obrigações fiscais, designadamente a liquidação do IMT (Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) e IS (Imposto de Selo).

A demonstração da liquidação do Imposto de Selo e IMT é feita pela entrega ao agente de execução do duplicado da declaração modelo 1 de IMT/IS, a respetiva liquidação e o comprovativo de pagamento.

Uma vez que se trata de venda judicial, a liquidação de IMT/IS é feita junto de qualquer serviço de finanças, devendo o adquirente juntar ao serviço de finanças a presente decisão.

Proponente:A..., S.A. NIPC ...71, com sede na Avª ..., ... ...

Requerentes / vendedores: DD nif ...90 e mulher EE nif ...81, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua ..., ..., ...; e Requeridos / vendedores: BB nif ...21 e mulher CC nif ...90, casados sob o regime de comunhão geral, residente na Rua ..., ..., ...

Valor: € € 1.545.451,50 (um milhão, quinhentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e um euros e cinquenta cêntimos)

Bem a ser adjudicado:

PÉDIO RÚSTICO, sito em ..., União das Freguesias ..., ..., ... e ..., concelho ..., composto de terra de cultura e vinha com oliveiras, árvores de fruto e pinhal, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...33 / freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...14 daquela União de freguesias.


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No dia 23 de janeiro de 2025, a Sr.ª Agente de execução apresentou no processo a comunicação com o seguinte teor:

AA, Agente de Execução nos presentes autos vem informar que o proponente já procedeu ao deposito do preço, assim como ao pagamento dos impostos, conforme documentos que se anexam.

A signatária vai proceder à emissão do Titulo de Transmissão.

Pede deferimento,


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No mesmo dia juntou aos autos, título de transmissão com o seguinte teor:

AA, Agente de Execução titular da cédula profissional ...39, nif ...92, com escritório na Rua ..., ..., ..., designada nos autos supra identificados para proceder à venda através do Leilão Eletrónico do prédio rústico, composto de terra de cultura e vinha com oliveiras, árvores de fruto e pinhal, sito na ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...33 / ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...14 da União das Freguesias ..., ..., ... e ..., declara, para os devidos efeitos, mormente nos previstos nos artigo 827 do Código do Processo Civil e artigo 2º do Código do Registo Predial, o seguinte:

1- A referida venda foi realizada através do Leilão ...24 e pelo preço de € 1.545.451,50 (um milhão, quinhentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e um euros e cinquenta cêntimos), constante da proposta, apresentada pela proponente A... SA, NIPC ...71, com sede na Avª ..., ..., conforme certidão do leilão que se anexa.

2- Aquela proposta foi aceite por decisão de 13.12.2024, que se anexa, não tendo sido objeto de reclamação de qualquer natureza.

3- A proponente procedeu ao deposito do preço, em 10.01.2025, através de referência multibanco com - entidade ...37 e referência ...06, encontrando-se o valor à ordem dos presentes autos.

4- Foram liquidados os respetivos impostos, conforme DUC de IMT ...35 e DUC Imposto do Selo ...83 conforme documentos juntos aos autos, cujas cópias se anexam.

5- Nos termos do disposto no artº 827º do Código do Processo Civil, o prédio rústico, acima identificado, é adjudicado, nesta data, à identificada proponente A... SA, NIPC ...71».


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Em 19 de fevereiro de 2025, a Sr.ª Agente de execução apresentou nos autos o seguinte requerimento:

AA, agente de execução, tendo sido nomeada encarregada de venda, para proceder à venda do prédio rústico descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...33/ ..., pelo valor base de 1.000.000,00 (um milhão de euros).

Após a nomeação, a signatária deslocou-se ao local a fim verificar as características e localização do imóvel, obter fotografias e constituir-se fiel depositária, conforme Auto de diligência e Constituição de Fiel Depositário juntos aos autos.

Inseriu toda a identificação do imóvel, plantas de localização, fotografias, registo predial e caderneta, na plataforma e.leilões e pagou a respetiva taxa, para que o mesmo fosse aprovado pelo gestor da referida plataforma.

Quando o leilão iniciou, contactou, telefonicamente e pessoalmente vários empresários e mediadores imobiliários do ramo da construção civil, a fim de divulgar o leilão, e assim se poder obter o máximo de propostas, prestando todas as informações que foram solicitadas relativamente ao imóvel e suas características, promovendo o mesmo.

Este leilão obteve 34 propostas, conforme se poderá verificar no print que se anexa.

A primeira proposta teve o valor de € 875.000,00 e a última o valor de € 1.545.451,50.

Após o término do leilão, emitiu decisão e aceitação da proposta, notificou as partes, notificou o proponente para o deposito do preço, encontrando-se o valor à ordem dos presentes autos, emitiu o título de transmissão e apresentou o registo na Conservatória do registo Predial.

A signatária suportou as despesas inerentes ao desempenho das suas funções, sem apresentar qualquer despesa ao processo de forma a agilizar os procedimentos tendentes á concretização da referida venda.

Assim, face ao exposto e de acordo com o nº 2 e 6 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais, requer se digne fixar os honorários em 4% do valor da venda, acrescido de IVA à taxa legal. (sublinhado nosso)

Em anexo junta comprovativos do pagamento à ordem do IGFIJ- DUC com refª ...25 – do valor de € 1.545.451,50, referente à venda realizada.

Apesar das diversas tentativas levadas a cabo pela AE e devidamente comunicadas, telefonicamente, a este Tribunal, só hoje foi possível proceder ao pagamento daquele valor, por constrangimentos decorrentes entre as plataformas da OSAE e Millennium BCP.


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Em 24 de fevereiro de 2025, o requerido veio apresentar requerimento com o seguinte teor:

DD, requerido nos autos acima referenciados, notificado do d. requerimento da senhora Agente de Execução de 19.02.2025, para que lhe sejam fixados os honorários em 4% do valor da venda acrescido do IVA à taxa legal, vem pronunciar-se nos seguintes termos:

A senhora Agente de Execução foi nomeada única e exclusivamente para proceder à venda por leilão eletrónico, não tendo realizado quaisquer outras diligências relativas às diversas fases de um processo de execução.

Foi efetuada a venda por leilão eletrónico nos termos normais, sem incidentes.

Não houve necessidade de notificação de preferentes.

A fase de venda foi simples e linear.

4% do valor da venda corresponderia a 61.818,06 € + 14.218,15 € de IVA, que totalizaria 76.036,21 €, valor que é manifestamente desproporcionado ao tempo e ao trabalho despendido pela senhora Agente de Execução.

Nestes termos opõe-se ao valor de 4% requeridos.

Propõe que lhe sejam fixados os honorários em 20.000,00 € acrescidos de IVA.

(…).


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Notificada do teor o antecedente requerimento, a Srª Agente de Execução pronunciou-se nos seguintes termos:

 AA, encarregada de venda, no âmbito dos autos supra identificado, tendo sido notificada para o efeito, vem expor e requerer a V.Exa:

1. A signatária atua nos presentes autos na qualidade de Encarregada de venda, cargo que contém especificações próprias, não podendo ser confundido com o facto da aqui signatária ser também Agente de execução.

2. Nessa qualidade, solicitou, em cumprimento com o nº 6 do artº17 do Regulamento das Custas Processuais, a fixação de 4% sobre o valor da venda, abaixo do valor máximo previsto legalmente.

3. Ora, vem o ilustre mandatário dos requeridos, invocar que a signatária apenas foi nomeada para proceder à venda invocando que não realizou outras diligências executivas, comparando o incomparável.

4. Mais alega que foi realizada venda com normalidade, sem notificações de preferentes, todavia olvida que a notificação de preferentes decorre da lei e, quando aplicável, é um procedimento comum, não justificando qualquer padrão insólito.

5. A venda ocorreu com as diligências impostas por lei, praticadas com todo o rigor e zelo, que a função e a prossecução da justiça impõem, a fim de tornar o processo o mais célere possível.

6. O ilustre mandatário opõe-se aos 4% requeridos, e ainda não fixados, por V.Exa. propondo de forma discricionária um valor, sem qualquer base legal, sem qualquer fundamento.

7. O regulamento das custas impõe uma percentagem, ora se fosse para ser um valor tabelado, não estaria estipulado na lei outra coisa.

8.Foram encetados todos os esforços para que da venda resultasse o maior valor possível. Esforços esses desenvolvidos pela signatária, a fim de cumprir da melhor forma o propósito de que foi incumbida.

9. Para a realização da tarefa que foi incumbida a aqui signatária promoveu diligências prévias à colocação no e-leilões, durante a vigência da sua publicação e após a sessão de encerramento, já explanadas no anterior requerimento. Diligências essas dotadas de extrema responsabilidade.

10. Não foi sua postura uma inerte colocação num site online e espera de um qualquer resultado.

11. Esforço, esses, s.m.o, que devem ser valorizados, na fixação da percentagem a ordenar por V.Exa.

Pede deferimento e espera a compreensão de Vª Exª


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Após proferir sentença que considerou cessada a indivisão, face à concretização da venda judicial do imóvel em divisão nos autos, a Mmª Juiz a quo proferiu a seguinte decisão:

Remuneração da Encarregada da Venda:

Com o devido respeito, afigura-se excessiva a quantia peticionada pela própria, de 4% do valor da venda, traduzida em €61.818,06 + IVA à taxa legal de 23%, perfazendo o montante global de €76.036,21, por desproporcional ao tempo despendido e ao trabalho concretamente realizado.

A lei não confere à Encarregada da Venda o direito a qualquer percentagem sobre o valor da venda, nem a um valor fixo ou tabelado, antes define um limite máximo, um tecto - até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos, se este for inferior – a atender pelo Tribunal na fixação da quantia em causa.

Também não está legalmente prevista qualquer majoração em função do resultado obtido, justamente por esse resultado, via de regra, não estar directamente relacionado com o trabalho desenvolvido que importa remunerar. Ainda que esse resultado, assim como a celeridade da concretização da venda, possam ser factores atendíveis na ponderação do Tribunal.

No caso, a circunstância de o bem ter sido vendido pelo valor de €1.545.451,50, significativamente superior ao seu valor patrimonial tributário com base no qual foi provisoriamente fixado o valor da causa no despacho saneador (€108,22) prende-se com as características do prédio – mormente a sua localização e área, que objectiva e intrinsecamente o tornam apetecível a promotores imobiliários e, como tal, facilmente vendável - e não tanto com as diligências de promoção da venda desenvolvidas pela Exma. Agente de Execução, na veste de Encarregada da Venda.

Atentas as concretas diligências efectuadas – venda de um prédio rústico através de leilão electrónico, com recurso à plataforma E-Leilão, numa única sessão, procedimento simples e linear, sem incidentes nem contratempos registados – fixo o valor da remuneração devida à Exma. Agente de Execução, na veste de Encarregada da Venda, na importância de €5.000,00 (cinco mil euros) + IVA à taxa legal aplicável, ajustado ao tempo despendido e ao trabalho concretamente desenvolvido, com o rigor e zelo exigíveis ao cumprimento da função, premiando adequadamente o resultado obtido na parte em que se possa considerar relacionado com as diligências empreendidas pela própria – artigo 17.º, n.º s 1, 2 e 6 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado com a Tabela IV anexa.

De resto, já bastante superior ao valor fixado, em situações similares, por idêntico trabalho (venda de imóvel através de leilão electrónico, com recurso à plataforma E-Leilão), no âmbito de processos que correm termos neste J1 do Juízo Local Cível de Leiria – exemplificativamente, na acção de divisão de coisa comum n.º 2253/20.9T8LRA, no qual foi fixada de remuneração à Exma. Agente de Execução, na veste de Encarregada da Venda, a quantia peticionada pela própria, na importância de €1.360,37 + IVA à taxa legal aplicável.


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Notificada desta última decisão, dela veio interpor recurso a Sr.ª Agente de Execução, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

(…).


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II. Objeto do recurso
A única questão colocada para apreciação desta Relação consiste em determinar se a recorrente tem direito ao valor de retribuição que reclama.

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III. Fundamentação de facto
Os factos necessários ao conhecimento do presente recurso emergem do acima relatado.

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IV. Apreciação do recurso

Cumpre então apreciar e decidir se, em face do circunstancialismo factual acima descrito, na venda efetuada no âmbito de uma ação de divisão de coisa comum, a Senhora Agente de Execução, nomeada para proceder à venda do imóvel indiviso em leilão eletrónico, tem ou não direito ao montante remuneratório que peticiona – equivalente a 4% do valor da venda, acrescido de IVA à taxa legal - com fundamento no disposto no art.º 17º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais.

Estamos perante uma ação especial de divisão de coisa comum, regulada nos artigos 925º e segs. do Código de Processo Civil, na qual, após constatada a indivisibilidade do imóvel dela objeto, na sequência da falta de acordo sobre a sua adjudicação, na conferência de interessados, foi determinada a venda do mesmo a terceiro, tendo em vista a subsequente repartição do produto da venda na proporção das quotas de cada um dos consortes (cfr. 929.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

No âmbito das disposições específicas que regulam este processo especial, nada se dispõe quanto ao procedimento a observar para a venda de bens indivisíveis.

Temos, por isso, de socorrer-nos das disposições reguladoras do processo especial, e concretamente no n.º 2 do artigo 549.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual, “(q)uando haja lugar á venda de bens, esta é feita pelas formalidades estabelecidas para o processo de execução e precedida das citações ordenadas no art. 786º, observando-se quanto a reclamação e verificação de créditos as disposições dos artigos 788º e seguintes, com as necessárias adaptações, incumbindo ao oficial de justiça prática dos atos que, no âmbito do processo executivo, são da competência do agente de execução(sublinhado nosso).

O mesmo é dizer que, nos processos especiais, o legislador deferindo ao oficial de justiça a competência para a prática dos atos atinentes à venda de bens, que no âmbito do processo executivo são da competência do agente de execução, afasta a competência-regra deste para a prática de todas as diligências deste específico processo executivo, incluindo a venda de bens, como previsto no art.º 719.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Não obstante, à venda de bens no processo especial de divisão de coisa comum, aplicam-se as disposições relativas às modalidades de venda estabelecidas para o processo de execução, enunciadas no art.º 811.º do Código de Processo Civil, e concretamente na alínea g), que prevê a venda em leilão eletrónico.

Estipula o art.º 837º do Código de Processo Civil (Venda em Leilão Eletrónico):

“1 - Exceto nos casos referidos nos artigos 830.º e 831.º, a venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita preferencialmente em leilão eletrónico, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

2 - As vendas referidas neste artigo são publicitadas, com as devidas adaptações, nos termos dos n.ºs 2 a 4 do artigo 817.º,

3 - À venda em leilão eletrónico aplicam-se as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão em tudo o que não estiver especialmente regulado na portaria referida no n.º 1”.

Conforme se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-03-2020 deste Tribunal de 14.03.2019[1] «como resulta do n.º 1 deste artigo, esta é a modalidade da venda que foi erigida pelo legislador como preferencial quando esteja em causa a venda de bens móveis ou imóveis, como é o caso, tendo o legislador remetido a definição dos termos da modalidade da venda para portaria do membro do Governo responsável para a área da justiça. Em conformidade com esta habilitação legal veio a Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto (diploma que regula vários aspectos das acções executivas cíveis), regulamentar nos artigos 20º a 26º os termos em que se processa a venda por leilão electrónico, prevendo o dito artigo 20º que o leilão electrónico “… se processa em plataforma electrónica acessível na Internet, nos termos definidos na presente portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça”, e, o n.º 1 do artigo 21º, que “[a] entidade gestora da plataforma electrónica, a qual é definida por despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça, disponibiliza a todos os interessados, em sítio da Internet de acesso público definido nas regras do sistema, a consulta dos anúncios de venda de bens que decorra através de leilão electrónico bem como as regras do sistema.”.

Nesta sequência, foi publicado o Despacho n.º 12624/2015, de 9 de Novembro, que definiu como entidade gestora da plataforma de leilão electrónico www.e-leiloes.pt a Câmara dos Solicitadores, com efeitos reportados a 19 de Setembro de 2015, e homologou as regras do sistema www.e-leiloes.pt, anexas a este despacho, tal como aprovadas pela Câmara dos Solicitadores, na qualidade de entidade gestora do referido sistema, por deliberação do seu Conselho Geral de 19 de Setembro de 2015».

Não obstante o mencionado Despacho n.º 12624/2015, de 9 de novembro, publicado na 2.ª Série do Diário da República, n.º 219, a 9 de novembro de 2015, tenha definido como entidade gestora da plataforma a então Câmara dos Solicitadores (hoje Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução), o mesmo não deixou de ponderar que “deve ainda assegurar-se que esta plataforma poderá ser utilizada para a realização de leilões no contexto de outros processos, estando preparada para acolher a atividade de outros profissionais, como sejam os administradores judiciais e os oficiais de justiça que atuem como agentes de execução”, prevendo o n.º 3 do seu artigo 1º “[p]odem ainda ser colocados à venda na plataforma www.e-leiloes.pt, nos termos do disposto no artigo 17.º, quaisquer bens cujas regras de venda devam ou possam ser sujeitas às regras estabelecidas no presente regulamento”.

O art. 17º do referido Despacho, que dispõe sobre a utilização da plataforma no âmbito de outros processos (de execução em que tenha sido designado agente de execução), prevê no seu n.º 1 que tal plataforma “pode ainda ser utilizada em processos distintos dos previstos no n.º 2 do artigo 1.º ou noutros âmbitos em que se justifique a utilização de uma plataforma de leilões eletrónicos”, designadamente nos processos de execução em que tenha sido designado oficial de justiça [alínea a)], fazendo depender a utilização da plataforma nesses casos, da celebração de protocolo entre a Câmara dos Solicitadores e a entidade responsável ou representante dos responsáveis pela venda ou encarregue da regulamentação da atividade dos responsáveis pela venda (n.º 2).

Na situação em apreço, decidida a venda do imóvel e realizada a citação de credores a que alude o art.º 786º do Código de Processo Civil, por expressa determinação da Mmª Juiz a quo (despacho de 5 de junho de 2024), a Sr.ª Oficial de Justiça, após ouvir as partes, decidiu sobre a modalidade da venda, optando pela venda em leilão eletrónico, e sobre o valor base do bem a vender, que fixou em €1.000.000,00. Ao mesmo tempo, ordenou a notificação das partes para indicarem um único solicitador da execução para proceder à venda.

Apesar de não se descortinarem os motivos que, no caso, levaram à nomeação de solicitador da execução para proceder à venda em leilão eletrónico, tanto mais, que, como se disse, o art.º 17º do Despacho n.º 12624/2015, de 9 de Novembro prevê o recurso à plataforma de leilões eletrónicos em processos, como o vertente, em que haja lugar à venda de bens e não seja caso de nomeação de agente de execução, a verdade é que a Sr.ª Oficial de Justiça a quem estavam atribuídas as competências para proceder à venda determinou que fosse nomeado agente de execução para efetivar a venda do imóvel por leilão eletrónico, tendo sido nomeada a ora apelante, que foi expressamente notificada para realizar a venda do imóvel nos termos sobreditos.

Concretizada a venda na modalidade de leilão eletrónico e adjudicado o imóvel ao proponente que apresentou a proposta mais alta, veio a agente de execução nomeada, fazer apelo ao disposto no art.º 17º, n.º 2 e 6 do Regulamento das Custas Judiciais e requerer que lhe fosse fixada a retribuição de €61.818,06, correspondente a 4% do valor do bem vendido, acrescida de IVA à taxa de 23%.

Dispõe o artigo 17.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais, que “os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal”.

Diz-nos o Conselheiro Salvador da Costa[2] que “(o) n.º 6 da mencionada norma estabelece a remuneração devida aos liquidatários, aos administradores e aos encarregados de vendas extrajudiciais. Não se aplica ao agente de execução encarregado da venda por negociação particular, a que se refere o art. 833º, n.º 2, do CPC, nem ao administrador judicial no âmbito do processo de insolvência, cuja remuneração consta do respetivo estatuto. Só se aplica no caso de a venda não ser realizada por agente de execução; se o for, aplica-se o disposto na Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto”.

De facto, quando o agente de execução é simultaneamente encarregado da venda, por negociação particular, a mencionada Portaria estabelece expressamente para si a remuneração fixa, específica por tal ato, de 1% sobre o valor da venda (anexo VII, ponto 1.3.).

Acontece que, no caso, a agente de execução recorrente não exerceu as funções de encarregada da venda por negociação particular, nem foi essa a modalidade da venda determinada nos autos.

Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-12-2022[3], cujo entendimento vimos seguindo de perto, “(…) percorrendo esse diploma, e o referido despacho ministerial, não vemos qualquer remuneração acrescida quando a venda ocorre por via de leilão eletrónico, e não cremos que tal constitua alguma lacuna a integrar. Corolário dessa ideia, é o disposto no artigo 11.º, que rege sobre o agente de execução que certifica o leilão, prevendo no seu n.º 4, que “o agente de execução que certifica a conclusão do leilão é remunerado pela Câmara dos Solicitadores com o valor de: a) 0,75 UC quando um dos seus escritórios se situe no mesmo concelho do local onde tem lugar o ato de certificação de conclusão do leilão previsto no n.º 2 do artigo 8.º;b) 1 UC, fora dos casos previstos na alínea anterior, quando um dos seus escritórios se situe no mesmo distrito ou em concelho confinante àquele onde tem lugar o ato previsto no n.º 2 do artigo 8.º;c) 1,5 UC nas demais situações”.

Isto dito, vemos que nem na Portaria, nem no subsequente despacho ministerial, que expressamente se debruçam sobre esta modalidade ágil de venda, foi previsto um pagamento adicional quando a venda é feita por esta via.

De facto, tal compreende-se se tivermos em conta o que se afirmou no ponto V daquele despacho onde se verifica que este tipo de venda foi prevista para “criar uma solução que, com custos reduzidos para as partes, assegure a total transparência e independência do ato da venda, criando condições para a maximização do valor dos bens, a fim de beneficiar todos os agentes processuais”.

Assim, não havendo nenhuma lacuna, nem qualquer violação do princípio da igualdade, por estarmos perante situações diversas, ao contrário do que invocou a Apelante, o que não faz sentido, nem literal nem sistemicamente, era a possibilidade de os tribunais entenderem recorrer a esta norma da Portaria 282/2013, excecional e manifestamente pensada para outro tipo de processo, ou a regras gerais estatuídas para vendas com contornos diversos, para atribuir a agente de execução cuja intervenção no processo se limitou à venda de um imóvel indiviso por leilão eletrónico, uma remuneração adicional que visa premiar a sua diligência na recuperação de créditos, ou uma remuneração que ocorre no decurso de diligências várias para a concretização de uma venda, onde o seu encarregado não tem ao dispor uma plataforma com as características da e-leilões. Por isso, não se vê como concluir que, pese embora com intervenção direta da AE, que cumpriu com diligência as funções decorrentes da sua nomeação, a venda do imóvel indiviso por esta via, dê lugar a remuneração maior do que o pagamento das suas despesas e honorários pelos atos praticados, nos termos do artigo 43.º da mencionada Portaria”.


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Isto posto, concluímos que a recorrente, nomeada para promover a venda em estabelecimento de leilão, determinada pelo oficial de justiça a quem no caso compete decidir da modalidade da venda e a fixação do respetivo valor base (art.º 812º, n.º 1 ex vi do art.º 549º, n.º 2 do Código de Processo Civil) não tem direito à retribuição variável prevista no art.º 17º, n.º 2 e 6 do Regulamento das Custas Processuais (nem tampouco à retribuição fixa prevista no ponto 1.3 da tabela IV anexa à Portaria n.º 282/2013).

É certo que a decisão recorrida fixou à ora recorrente, “na veste de encarregado da venda” (sic), uma retribuição de €5.000,00, acrescida de IVA, com fundamento no disposto na mencionada norma do art.º 17º, n.º 2 e 6 do Regulamento das Custas Processuais.

O recurso em causa tem por fundamento o entendimento da recorrente segundo o qual as circunstâncias do caso concreto impunham que tal retribuição fosse fixada em valor próximo do limite máximo da retribuição variável ali prevista, mas concretamente, o correspondente a 4% do valor da venda, acrescido de IVA.

Independentemente do entendimento acima exposto, no sentido da inaplicabilidade, no caso, da referida retribuição variável, a verdade é que nenhuma das partes do processo recorreu da decisão.

Daí que deva manter-se a decisão recorrida, nos seus precisos termos, em conformidade com o disposto no n.º 5 do art.º 635º do Código de Processo Civil.

É que, como nos diz o sumário do Acórdão do STJ de 3-03-2021[4], “I. A decisão do tribunal não pode ser mais desfavorável para o recorrente que a decisão impugnada, e da qual a parte contrária não recorreu, atento o princípio da proibição da “reformatio in pejus” (art.º 635º, n.º 5, do CPC)”


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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil):
(…).

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V. Decisão
Em face do exposto, decide julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.
Notifique.
Coimbra, 11 de novembro de 2025
Assinado eletronicamente por:
Hugo Meireles
Francisco Costeira da Rocha
Emília Vaz Botelho

(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam)


[1] Proc. n.º 2708/12.9TBPTM-A.E1, in www.dgsi.pt
[2] As Custas Processuais, Almedina, 10ª Edição, pag. 172.
[3] Processo n.º 68/14.2T8VRS-B.E1 (Rel Albertina Pedroso), in www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 1310/11.7TBALQ.L2.S1, in www.dgsi.pt