Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4911/18.9T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: INCIDENTE DA CONTRADITA
MEIO DE PROVA
RECURSO AUTÓNOMO
AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
DIRECTOR DE FINANÇAS
REPRESENTAÇÃO
LEGITIMIDADE
SEGREDO PROFISSIONAL
ADVOGADO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 12/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 417, 521, 615, 644 Nº2 C) CPC, ART.334, 342 CC, ARTºS 2º Nº2 AL. C), 3º Nº2 DO DL N.º 118/2011, DE 15.12 E ART.1º DA PORTARIA N.º 320-A/2011, DE 30.12., ART.92 EOA
Sumário: I - A recusa do incidente de contradita consubstancia rejeição de meio de prova, pelo que o recurso da atinente decisão tem de ser interposto autonomamente, nos termos do artº 644º nº2 al. c) do CPC.

II - Porque o deferimento da contradita constitui um acentuado desmerecimento para os direitos de personalidade da testemunha, com grave afetação da sua presumida idoneidade/probidade, ele apenas pode ser decretado se factos com dignidade/gravidade e força bastante assim o impuserem.

III - A invocação da exceção de ilegitimidade em sede de alegações orais é extemporânea, pelo que o seu conhecimento na sentença, fere esta de nulidade, na parte respetiva, por conhecimento de questões de que não podia conhecer- - artº 615º nº1 al. d) do CPC.

IV - Os Diretores de Finanças, em representação das Direções de Finanças, e sendo estas unidades orgânicas desconcentradas de âmbito regional da Autoridade Tributária a quem são atribuídas competências na matéria, podem, estas por sua vez em representação da AT, instaurar ações destinadas, vg. a assegurar a liquidação e cobrança dos impostos – artºs 2º nº2 al. c), 3º nº2 do DL n.º 118/2011, de 15.12 e artigo 1º da Portaria n.º 320-A/2011, de 30.12.

V - Se as partes estão de acordo quanto a certo facto com prova tarifada, se atuam processualmente em função do mesmo, e se a sua veracidade é patente perante o tribunal, ele pode ser dado como provado sem a presença de tal prova.

VI - Até porque da não prova de um facto não resulta a prova do facto seu contrário, antes, e apenas, tal facto não podendo ser considerado, queda inútil e inadmissível pugnar pela simples eliminação do facto não provado; e antes sendo admissível pugnar pela sua prova, incindindo este ónus sobre o réu, ao menos se ele respeitar a defesa por exceção – artº 342º nº2 do CC.

VII - O segredo profissional deve ceder perante outros valores ou direitos superiores, como seja, p.ex., o apuramento do cumprimento de obrigações tributárias.

VIII - A conclusão sobre a existência de abuso de direito na modalidade do venire contra factum propium exige a prova de factos dos quais possam dimanar os seus elementos, objetivo e subjetivo, a saber: uma anterior conduta que, objetivamente considerada, é idónea a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, com tal conduta; a adesão do confiante ao facto gerador de confiança.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

Direção de Finanças de ViseuAutoridade Tributária e Aduaneira instaurou contra A (…) a presente ação especial de suprimento do consentimento.

Requereu:

Seja concedido o levantamento do sigilo profissional invocado pela ré suprindo-se o consentimento recusado e atribuindo-se a necessária autorização judicial à autora para acesso a conta bancária titulada pela ré.

Para tanto disse, em resumo:

Na sequência de uma denúncia por suspeita de omissão de faturação e consequente omissão de rendimentos declarados pela sociedade C (…), Lda desencadeou um procedimento inspetivo à sobredita sociedade.

A requerida é filha do legal representante de tal sociedade, que é advogada e que o seu domicílio profissional se localiza nas mesmas instalações das da referida sociedade.

 Face a tal conclui pela existência de uma relação especial entre a requerida e a sociedade em causa, o que justifica o acesso às informações bancárias da primeira e relativas ao ano de 2013, já possuindo para tanto autorização da Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, carecendo apenas da respetiva derrogação do sigilo profissional, dado que notificada a ré para identificar as contas bancárias afetas à sua atividade profissional a mesma declarou que todas as suas contas se encontram adstritas a tal atividade.

A requerida contestou.

Disse que a requerente não demonstrou qualquer indício objetivo de que as suas contas bancárias foram utilizadas para encobrir rendimentos não declarados pela C (…) Lda e que a mera possibilidade de nas suas contas bancárias existirem documentos relacionados com a sua atividade de advogada configura causa suficiente para impossibilitar a derrogação do sigilo bancário, como terceiro.

Pede  a improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A ré apresentou o articulado superveniente de fls. 355 a 512, o qual foi admitido.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«o Tribunal julga a presente acção totalmente procedente e, em consequência, autoriza-se a Autoridade Tributária e Aduaneira, nas pessoas dos seus funcionários devidamente credenciados, a consultar todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que seja titular a aqui requerida A (…) e referentes ao período compreendido entre 01/01/2013 a 31/12/2013.»

3.

Inconformada recorreu a requerida.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. O Diretor de Finanças de Viseu instaurou contra a ré o presente processo de suprimento em que formula o seguinte pedido:

“… deverá ser concedido o levantamento do sigilo profissional invocado pela R, suprindo-se o consentimento recusado, e atribuindo-se a necessária autorização judicial à Autora…”

2. O Sr. Diretor de Finanças, como mero funcionário Tributário, não tem capacidade judiciária para instaurar a ação que moveu e em que pede, anacronicamente, que a autorização deve ser dada a uma autora desconhecida e que eventualmente será a Autoridade Tributária.

3. Reconhece, contudo, que o que se pretende é levantar o sigilo profissional da ré, que é advogada, sem acautelar as normas do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e sem o que esta ação, mesmo que notificada materialmente, não poderia proceder.

4. Quanto à matéria de facto fixada deve eliminar-se o registo de que a ré é filha de (…) uma vez que não foi feita prova da filiação nos termos do artigo 211º do Cod. Reg. Civil, uma vez que a prova dos factos sujeitos a registo só pode ser feita pelos meios previstos nesse mesmo Código, ou seja, pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão do registo civil.

5. E deste modo não é possível considera-se existir uma relação especial, nos termos da alínea c) do nº 4 do art.º 63 do CIRC.

6. E deverá eliminar-se a designação de requerente e requerida quando reportadas nos presentes autos em vários factos, porquanto a ré é mesmo ré e a requerida não existe porque em seu lugar há um autor, que é o Diretor de Finanças.

7. A matéria de facto fixada não contempla a referência a factos relevantes, comprovados nos autos, ou seja, o facto de no processo 139/17.3BELRS, ter sido concedido provimento ao recurso da C (…) que é a sociedade investigada, de derrogação do seu sigilo bancário.

8. E igualmente no processo 31/17.1BEVIS, que julgou improcedente o levantamento do sigilo bancário do gerente da sociedade, A (…).

9. Por outro lado, a Sr.ª Juiz devia ter dado como provados os factos das Sras. Inspetoras, (…)terem tido a faculdade, de que não usaram, de falar com a ré nos dias 29 e 31 de agosto do ano de 2016, porquanto, foram alegados no requerimento de contradita e confessados, pelo menos, pela Inspetora (…)

10. Relativamente à matéria não provada ela deverá ser eliminada na medida em que era prova que cabia ao autor; ou

11. Tinha que se aceitar a declaração da ré, em como as contas que movimenta são todas elas utilizadas e afetas à sua atividade profissional.

12. Pelo facto de as Sras. Inspetoras não terem falado com a ré, quando podiam e deviam ter feito, e terem simulado dificuldade de contato com a mesma, o que se alega na presente ação como causa de pedir, o pleito encontra-se eivado de completo e manifesto abuso de direito, na modalidade venire contra facto próprio, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.

13. Por estas razões e por violação do disposto no artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, artigo 63.º e 63.º-B da Lei Geral Tributária, artigo 1.º da Portaria 320-A/2011, de 30 de dezembro e o artigo 3.º do Decreto Lei 118/2011, de 15 de dezembro, deve a presente ação ser julgada improcedente, absolvendo-se a ré do pedido.

14. A não se entender assim, deve então revogar-se a decisão de não admissão das contraditas, admitindo-se as mesmas e revogando-se tudo o demais processado, inclusivamente a decisão impugnada.

Contra alegou a requerente pugnando pela manutenção do decidido.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica, teleológica e coerentemente,  as seguintes:

1ª -  Ilegalidade da decisão de não admissão das contraditas, com consequente anulação da sentença.

2ª -  Falta de capacidade judiciária do  Diretor de Finanças de Viseu para instaurar a ação.

3ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

4ª - Improcedência da ação.

5ª- Abuso de direito da autora.

5.

Apreciando.

Liminarmente.

A questão da terminologia usada: requerente/autor - requerida/ré é totalmente  minudente/despicienda/anódina/inócua/irrelevante.

Não se antolham quais as diferentes e inaceitáveis consequência jurídico-práticas para a impetrante, do uso de um ou de outro termo.

Nem esta, sequer, as aduz.

Versus o alegado pela recorrente, para a  clarificação, e, diremos nós, compreensão, da matéria de facto, ou de direito, é irrelevante referir-se «autor(a)» em vez de «requerente», ou «ré», em vez de «requerida.»

Ademais, os termos «requerente» e «requerida» têm vindo a ser utilizados no processo desde há longa data, e só agora, em sede recursiva, vem a demandada a colocar esta oca questão, o que se  vislumbra como patentemente extemporâneo.

5.1.

Quanto ao cerne.

Primeira questão.

A pretensão não colhe.

Quer por motivo formal, quer por razões substanciais.

Quanto aquele, e tal como defendido pela, o recurso revela-se extemporâneo.

Efetivamente estatui o artº 644º nº2 al. d) do CPC:

2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:

d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;

  O despacho que incide sobre o incidente da contradita e a indefere, tem de considerar-se - quanto mais não seja por virtude de uma interpretação extensiva de tal segmento normativo, na medida em que, se deferida, ela abala ou pode abalar a credibilidade da testemunha e, assim, afetar e condicionar o valor do seu depoimento, com a consequente influência na convicção do julgador para a prova ou não prova dos factos relativamente aos quais o depoimento é efetivado -  como uma decisão de rejeição de um meio de prova.

Logo, o recurso incidente sobre tal despacho é recurso autónomo e de subida imediata nos termos de tal preceito.

Ora tendo o despacho em crise sido prolatado e notificado em 12.11.2019 e o recurso interposto em 07.02.2020, este alcança-se manifestamente serôdio.

Quanto a estas razões.

Estatui o artº 521º do CPC:

A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer.

 Urge  ter presente que no incidente de contradita:

 «faz-se um ataque, não ao depoimento propriamente dito, mas à pessoa do depoente; não se alega que o depoimento é falso, que a testemunha mentiu; alega-se que, por tais e tais circunstâncias, exteriores ao depoimento, a testemunha não merece crédito. Só quando a contradita se dirige contra a razão de ciência invocada pela testemunha, é que as declarações desta são postas em causa; mas ainda aqui não se atacam directamente os factos narrados pelo depoente, só se ataca a fonte de conhecimento que ele aponta.»

- Alberto dos Reis  in CPC, Anotado, Vol. IV, Pág. 45. (sublinhado nosso)

Ou seja, visa este incidente questionar a credibilidade da própria testemunha, pondo em causa a sua isenção e não diretamente a veracidade do seu depoimento (embora, tal possa acontecer indiretamente, pois que procedendo o incidente, esta veracidade possa ficar inquinada pela falta de credibilidade ou isenção da testemunha em causa).

Acresce que:

«pode invocar-se como fundamento da contradita qualquer circunstancionalismo que afecte a razão de ciência invocada pela testemunha (…) ou afecte a credibilidade que a testemunha mereça. Entre os fatores capazes de afectarem a fé ou a credibilidade da testemunha encontram-se: o estado; a vida e costumes da pessoa; o interesse no pleito; o parentesco ou relacionamento com as partes» -  Luis Filipe Pires de Sousa in a Prova Testemunhal,  p. 269.

            Afetando este incidente a índole pessoal da testemunha, a sua idoneidade/probidade, está bom de ver que ele não pode ser deferido de ânimo leve e «por dá cá aquela palha», passe o plebeísmo; antes sendo exigível a prova de factos  gravosos que permitam e justifiquem a perniciosa afetação dos seus direitos de personalidade.

No caso vertente, os factos e as razões aduzidos pela recorrente não assumem dignidade e força bastantes para implicar tal gravoso ditame para a pessoa da testemunha (…)

Na verdade, tratam-se de meras vicissitudes relatadas pela recorrente – e nem sequer cabalmente provadas para além do admitido pela testemunha -  relativamente aos contactos desta testemunha e outra com, nuclearmente,  a recorrente e o representante da C (…) vicissitudes essas minudentes, eivadas de conclusões subjetivas por banda da recorrente, vg. relativas a pretensão de humilhação por banda da testemunha, e sem que se saiba porque reais razões os encontros e desencontros acontecerem e quem efetivamente contribuiu, ou mais contribuiu, para que eles não acontecessem – note-se que a recorrente disse, que  várias vezes, esteva impedida de contactar a testemunha por razões profissionais e até familiares -,  ou acontecessem com improficuidade e com outras decorrências para além daquela que, ao que parece, os contactos se destinavam, qual seja, a recolha de informação e a notificação da recorrente para  o assunto que ora nos ocupa.

 5.2.

Segunda questão.

Esta pretensão outrossim fenece e, mais uma vez, por motivos formais e de substancia.

 Quanto aqueles, e como ressuma da sentença, a questão da ilegitimidade foi abordada apenas na sequencia da invocação desta exceção pela recorrente «em sede de alegações orais».

Efetivamente plasma-se na decisão:

«Em sede de alegações orais a requerida invocou factos integradores da excepção em epígrafe, sustentando que a legitimidade para a demandar pertence apenas à Autoridade Tributária e Aduaneira, sem possibilidade de delegação na Direcção de Finanças, concluindo pela ilegitimidade do autor e para tanto invocando o disposto no n.º 4 do art. 63º-B da Lei Geral Tributária.»

Ora esta sede e momento processual eram já tardios para invocar tal matéria.

Os factos integradores da causa petendi e das exceções devem ser invocados, em respeito dos princípios da substanciação, do dispositivo, da auto responsabilidade e da preclusão, nos articulados – iniciais ou supervenientes – mas já não, por princípio, posteriormente e, muito menos, em sede de alegações finais orais.

Por conseguinte,  não apenas o eventual pedido  da recorrente neste sentido efetuado em sede de alegações é extemporâneo, e, assim, inadmissível, como a sentença, neste particular,  se pronunciou  excessivamente, para além do que podia ser pedido, pelo que, neste específico conspeto, é nula – artº 615º nº 1 al. d), in fine, do CPC.

Depois porque, conforme dimana da sentença, nela decidiu-se sobre a ilegitimidade da requerente/autora.

Já no recurso a recorrente pugna que O Sr. Diretor de Finanças, como mero funcionário Tributário, não tem capacidade judiciária para instaurar a ação.

Ora os conceitos de ilegitimidade e de capacidade  judiciária  são diversos.

A  legitimidade  dimana do interesse direto do autor em demandar ou do interesse direto do réu em contradizer, aferindo-se tal interesse pelo modo como aquele define a relação controvertida introduzida em juízo – artº 30º do CPC.

Já a capacidade judiciária consiste na suscetibilidade de estar, por si, em juízo,  suscetibilidade esta delimitada em função da capacidade de exercício de direitos – artº  15º do CPC.

Assim sendo, considerando tal diversidade e autonomia, as quais, obviamente, acarretam efeitos diversos, tendo na sentença sido decidido sobre a ilegitimidade, e invocando a recorrente a incapacidade judiciária, então a recorrente  insurgiu-se contra questão não decidida e, assim, insindicável por via de recurso.

Pois que, como é consabido, este destina-se a reponderar/reapreciar questões decididas e não a apreciar ex novo  questões antes não  apreciadas.

 Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, relevam argumentos de cariz substancial.

O caso não é de incapacidade judiciária do Sr. Diretor de Finanças.

Ele tem capacidade judiciária, pois que, por si,  - e porque, vg., não é  de menoridade e não está física ou juridicamente incapacitado/diminuído, p. ex. por anomalia psíquica – pode estar em juízo.

A questão, como bem aduz a recorrida, é de representação, ou seja, saber se a AT está devidamente representada em juízo.

Aliás, bem vista e interpretada a sentença neste particular, nela se coloca o cerne nesta vertente da  regularidade da representação, pois que, não obstante taxar a questão de ilegitimidade, o que pode induzir no sentido de dilucidação desta figura no sentido supra exposto no âmbito do  artº  30º do CPC,  nela acaba por se decidir, em função dos normativos citados, que «os Directores de Finanças, face às suas estruturas nucleares, enquanto unidades orgânicas desconcentradas de âmbito regional, têm legitimidade para representar, em juízo, a Autoridade Tributária e Aduaneira…face à sua estrutura nuclear, enquanto unidade orgânica desconcentrada de âmbito regional.»

E assim é.

Obviamente que o Sr. Diretor de Finanças de Viseu não queria, porque não podia, instaurar a ação em seu nome, como parte, ele próprio,  e no seu  interesse pessoal.

A alegação da recorrente neste sentido é, pois, artificiosa.

Assim sendo, bem interpretada a petição inicial, tem de entender-se que o que o Sr. Diretor queria dizer é que instaurava a ação  não em seu nome pessoal e no seu interesse, mas em nome, em  representação  e no interesse da AT e, em última análise,   no interesse da Fazenda Pública.

Possibilidade esta que, como se diz na sentença é conferida  por lei, pois que a Direção de Finanças de Viseu constitui uma  unidade orgânica desconcentrada de âmbito regional da AT  à qual são atribuídas competências nesta matéria.

É o que dimana das normas citadas pela julgadora, a saber: artºs 2º  nº2 al. c),  3º  nº2 do DL n.º 118/2011, de 15.12 que aprova a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira e  Artigo 1º da  Portaria n.º 320-A/2011, de 30.12 que aprovou a Estrutura Nuclear da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

Os quais estatuem:

Artigo 2.º

Missão e atribuições

1 - A AT tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território aduaneiro nacional, para fins fiscais, económicos e de protecção da sociedade, de acordo com as políticas definidas pelo Governo e o Direito da União Europeia.

2 - A AT prossegue as seguintes atribuições:

a) Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas do Estado ou de pessoas colectivas de direito público;

b) Exercer a acção de inspecção tributária e aduaneira, garantir a aplicação das normas a que se encontram sujeitas as mercadorias introduzidas no território da União Europeia e efectuar os controlos relativos à entrada, saída e circulação das mercadorias no território nacional, prevenindo, investigando e combatendo a fraude e evasão fiscais e aduaneiras e os tráficos ilícitos, no âmbito das suas atribuições;

c) Exercer a acção de justiça tributária e assegurar a representação da Fazenda Pública junto dos órgãos judiciais;

Artigo 3.º

Órgãos

1 - A AT é dirigida por um director-geral, coadjuvado por 12 subdirectores-gerais, cargos de direcção superior de 1.º e 2.º graus, respectivamente.

2 - As direcções de finanças e as alfândegas são dirigidas, respectivamente, por directores de finanças e directores de alfândegas, cargos de direcção intermédia de 1.º grau.

Artigo 1.º

Estrutura nuclear da Autoridade Tributária e Aduaneira

A Autoridade Tributária e Aduaneira, abreviadamente designada por AT, estrutura-se nas seguintes unidades orgânicas nucleares:

a) Direções de serviços, Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros e Unidade dos Grandes Contribuintes, nos serviços centrais;

b) Direções de finanças e alfândegas, que constituem serviços desconcentrados da AT.

Nesta conformidade, também esta pretensão se revelaria substantivamente inadmissível.

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

Finalmente, e como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

Até porque constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, do  pertinente/atinente acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de  29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.3.2.

No caso vertente pretende a recorrente  desde logo a não prova do facto 5, dizendo que a sua qualidade de filha relativamente a A (…) apenas pode ser provada por documento nos termos do artº 211º do CRC.

A julgadora, neste particular, fundamentou nos seguintes termos:

«…considerámos, além da prova produzida em sede de julgamento, a posição assumida pela ré na sua contestação, mormente a matéria não impugnada, por via do que se considerou aceite, o que sucedeu desde logo quanto à sua filiação, filiação esta que em momento algum foi por si posta em crise pois que em momento algum negou ser filha de (…), o gerente da sociedade visada na actividade inspectiva. A filiação trata-se, em todo o processado observado dos autos, incluindo todos os requerimentos atravessados nos mesmos pela requerida, de questão jamais questionada e suscitada pela própria requerida, que contudo a veio a suscitar em sede de alegações orais.

E sendo embora certo que dos autos não consta certidão de assento de nascimento da requerida a ausência de tal não tem, contudo e face às razões já enunciadas e as ainda a enunciar, a virtualidade de fazer considerar não provada a filiação da requerida pois que, e no essencial, se trata de matéria aceite por si ao longo de todo o processado, sendo matéria confessada.

Acresce que a filiação resultou também do depoimento de (…), que aos costumes se identificou como pai da requerida, na sequência do que até foi advertido de que se poderia recusar a depor.

Pelo exposto nenhumas dúvidas nos restaram quanto à filiação da aqui requerida. »

Nada há a censurar a esta postura.

A prova, pela via formal documental postulada pela recorrente vale para situações prototípicas em que inexiste uma certeza, ou existe uma incerteza, quanto a facto com prova tarifada e em que tal incerteza é assumida/defendida, ao menos por interessado a quem tal facto possa afetar.

Já  nas situações em que todo o circunstancialismo envolvente aponta para a prova do facto, vg. porque  as partes o aceitam e confessam, porque atuam processualmente e se defendem tendo tal facto como certo, porque ele dimana de outros documentos – no caso sub judice, dimana de sentenças juntas - e porque o tribunal está razoavelmente convencido da sua veracidade, então, sob pena de venire contra factum proprium, indiciador de litigância matreira e exacerbadamente formalista – quiçá apenas na parte que lhe convém -, e sob pena de violação de princípios como o da celeridade e o da economia de meios, então não se alcança como tal facto não possa ser dado como provado. 

Como se expende nas recentes reformas civilistas, o direito probatório não deve ser considerado, anquilosada e formalísticamente, um fim em si mesmo, mas antes deve ser perspetivado e utilizado como um meio,  uma alavanca, para se alcançar a verdade material e a justiça no mais curto lapso de tempo e com a maior economia de meios possível.

Mais pretende a recorrente que se considere  provado «que no processo 139/17.3BELRS,  (foi) concedido provimento ao recurso da C(…), que é a sociedade investigada, de derrogação do seu sigilo bancário.

E igualmente no processo 31/17.1BEVIS, (se) julgou improcedente o levantamento do sigilo bancário do gerente da sociedade, A (…).»

A Julgadora entendeu que tais factos eram irrelevantes considerando-os matéria estranha ao objeto destes autos, porque se reporta a outros sujeitos que não a requerida e sociedade visada na atividade inspetiva.

Devem ser considerados os factos essenciais alegados pelas partes e os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa – artº 5º do CPC.

E devem ser considerados os factos que tenham interesse segundo as  várias plausíveis/possíveis hipóteses de subsunção/decisão jurídica da causa.

Assim sendo, verifica-se que tais factos ainda que digam respeito a sujeitos processuais passivos diversos da presente causa, relacionam-se/conexionam-se com a matéria aqui discutida, podendo, de algum modo, relevarem ou terem influência/repercussão na decisão de direito.

 Por conseguinte não se afigura inadmissível ou excessivo que eles sejam considerados, pelo que tal prova é de conceder.

Mais pretende a recorrente que seja dado como apurado terem tido das Sras. Inspetoras, R (...) e M (...) , a faculdade, que não usaram, de falar com a ré nos dias 29 e 31 de agosto do ano de 2016.

Provados e considerados devem ser apenas os que tenham interesse para a decisão da causa, segundo as possíveis interpretações/soluções jurídicas para a questão.

Este facto não tem relevância para a causa, desde logo porque  irreleva para a apreciação do seu thema decidendum: saber se o segredo profissional da ré deve ser levantado.

Parece que nele a recorrente se alcandora para invocar abuso de direito da recorrida.

Mas ele seria insuficiente para este efeito.

O abuso de direito, como infra se verá, exige factos dos quais se possa retirar muito mais  negatividade e censurabilidade da atuação da recorrida do que a decorrente de tal singela matéria.

 Como, vg., factos dos quais se possa concluir pela alegada atuação persecutória e humilhante por banda das Srªs inspetoras da recorrida.

Factos estes que não foram dados como provados nem a insurgente pugna pela sua prova.

Finalmente pretende a insurgente que « a matéria não provada ela deverá ser eliminada na medida em que era prova que cabia ao autor.»

Tal matéria não provada tem o seguinte teor:

a) Todas as contas bancárias de que a requerida era titular em 2013 estavam afetas à sua atividade de advogada.

Neste conspeto diz a recorrente que:

«se a ré alegou que todas as contas bancárias que movimenta dizem respeito à sua atividade profissional não lhe competia provar que determinadas contas não pertenciam à sua atividade profissional.

Esta questão ou era provada pelo autor, e nada foi dito, ou então tinha que se aceitar a declaração da ré.»

 Este discurso enferma de raciocínio ilógico e incoerente desde logo  perante as regras do ónus da prova.

Em primeiro lugar cumpre ter presente que da não prova de um facto não resulta a prova do facto seu contrário.

Tal não prova apenas lança o facto alegado para o mundo da inutilidade/irrelevância jurídica.

Por isso queda,  outrossim, completamente despiciendo a simples pretensão da simples eliminação de tal facto do campo dos não provados.

Depois porque ninguém lhe exigiu a prova de que «determinadas contas não pertenciam à sua atividade profissional. », até porque não é tal matéria que consta no teor da aludida alínea não provada.

Em  terceiro lugar  é evidente  que tal matéria foi alegada pela recorrente em sede de defesa.

Se ela se inserir em sede de defesa apenas por impugnação – direta ou motivada -  relativamente a factos invocados pela recorrida, então, em princípio, nem necessita de ser provada por ninguém.

E apenas se impondo à recorrida o ónus de provar a matéria por ela alegada atinente ao aludido facto impugnante da recorrente.

 Pois que a consideração deste facto e, ainda, de tal matéria impugnante, seria desnecessária e «excrescente»  na terminologia do Mestre Alberto dos Reis.

Efetivamente, a sorte da ação seria a mesma, independentemente da consideração, ou não, de tal factualidade impugnante: se a autora/recorrida provar a sua alegação ganha; se não provar, perde; isto, repete-se, mesmo que se considerasse a factualidade impugnante da ré.

Já se esta matéria constituir defesa por exceção, ou seja, assumir o jaez de facto novo invocado pela ré/requerida, que, a provar-se, possa impedir, modificar ou extinguir os efeitos jurídicos dimanantes dos factos invocados pela autora/requerente, então o ónus da sua prova impenderia sobre a invocante ré – artº 342º nº2 do CC.

Daqui se concluindo que, nunca em caso algum, o ónus da prova deste facto pode incidir sobre a autora, mas, quando muito, apenas podendo incidir sobre a recorrente.

Ora ela  não invocou meios probatórios para consecutir tal prova, não bastando, como é obvio, e versus o que a recorrente parece entender – conclusão 11 -  a afirmação/declaração de tal facto apenas por si própria.

5.3.3.

Nesta conformidade e no parcial deferimento desta pretensão recursiva, os factos provados a considerar são os seguintes, indo a bold os aditados:

1. Em 25/05/2016 e na sequência de uma denúncia anónima a Direção de Finanças de Viseu deu início ao procedimento inspetivo externo com o n.º OI201600154, visando o sujeito passivo sociedade C (…) Lda.

2. Tendo em vista verificar se a indicada sociedade emitiu todas as facturas referentes aos serviços de contabilidade prestados aos seus clientes no ano de 2013 a Direção de Finanças realizou, no âmbito da inspecção referida, dois testes.

3. Na sequência dos mencionados testes a Direcção de Finanças concluiu pela possibilidade de haver rendimentos, nesse exercício de 2013, em sede de IRC e em IVA não refletidos na contabilidade da empresa.

4. O único sócio e gerente da indicada sociedade C (…), Lda inscrito na Conservatória de Registo Comercial de Viseu, é A (…) titular do NIF (…) gerência que vem exercendo desde o início da actividade.

5. A requerida é filha de A (…)

6. A requerida é advogada, encontrando-se nessa qualidade inscrita no Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados desde 08/11/2006, usa o nome profissional de A (...) e é titular da cédula profissional n.º (…)

7. À data da inspecção realizada e pelo menos desde 2013, a requerida tinha o seu domicílio profissional na Rua (…) em Viseu, aí recebendo os clientes tendo, à data, o seu nome publicitado no vidro frontal das instalações.

8. As instalações da sociedade C (…), Lda situam-se, como se situavam já à data da inspecção e pelo menos desde 2013, na morada indicada em 7.

9. O domicilio fiscal da requerida é Rua (…) Viseu.

10. Na sequência da frustração das demais diligências efectuadas pela requerente e tendentes a notificar a requerida, por contacto pessoal, para esta informar se autorizava ou não o acesso da Autoridade Tributária às suas contas bancárias, incluindo a notificação por hora certa, a requerente procedeu à afixação da notificação na porta do seu domicilio fiscal e depositou um exemplar do mesmo na caixa do correio, constando dessa notificação que a mesma, no prazo de 10 dias e em declaração escrita, deveria manifestar se autorizava ou não a Autoridade Tributária a consultar/aceder a todas as suas contas bancárias de que fosse titular e/ou cotitular relativo ao período compreendido entre 01/01/2013 e 31/12/2013.

11. A requerida considera-se notificada do referido em 10. no dia 19/09/2016.

12. Decorrido o prazo de 10 dias concedido na notificação mencionada a requerida nada comunicou à requerente.

13. Na sequência de lhe ter sido solicitado, pela Direcção de Finanças, o acesso a todas as informações e documentos bancários referentes à requerida e do ano de 2013 a Directora Geral da Autoridade Tributária determinou, em 23/12/2016, se procedesse à notificação da requerida, na qualidade de terceira, para exercer o direito de audição.

14. Na sequência da frustração das demais diligências efectuadas pela requerente e tendentes a notificar a requerida, por contacto pessoal, para esta exercer o direito de audição relativamente à matéria indicada em 13., a requerente procedeu à afixação da notificação na porta do seu domicilio fiscal e depositou um exemplar do conteúdo da notificação na caixa do correio, constando dessa notificação que a mesma deveria exercer tal direito no prazo de 15 dias.

15. Decorrido o prazo de 15 dias concedido a requerida não exerceu o direito de audição.

16. Por decisão datada de 17/04/2017 a Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira autorizou os funcionários da Inspeção Tributária, devidamente credenciados, a aceder diretamente a todos os documentos, contas e demais informação bancária existente em instituições bancárias, sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que seja titular passivo a requerida com referência ao período compreendido entre 01/01/2013 a 31/12/2013.

17. Em 26/04/2017, através do oficio n.º 4040, a requerente notificou a requerida da decisão indicada em 16., mais a informando que da mesma podia recorrer judicialmente.

18. Notificada de tal decisão a requerida da mesma recorreu, recurso esse que não logrou provimento em 1ª instância.

19. Inconformada com a decisão judicial proferida em 1ª instância a requerida interpôs recurso para o TCA Norte, o qual também não mereceu provimento.

20. A requerente, por oficio n.º 2520, de 06/04/2018, notificou a requerida para identificar as contas bancárias afectas à sua atividade profissional de advogada no ano 2013.

21. Em resposta a requerida respondeu, em 18/04/2018, que todas as contas bancárias de 2013, de que era titular, estavam afetas à actividade de advogada.

22. No processo 139/17.3BELRS, foi concedido provimento ao recurso da C (…), que é a sociedade investigada, de derrogação do seu sigilo bancário.

23. No processo 31/17.1BEVIS,  julgou-se  improcedente o levantamento do sigilo bancário do gerente da sociedade, A (…)

5.4.

Quarta questão.

A julgadora decidiu, de jure, a causa aduzindo o seguinte, nuclear, discurso argumentativo:

«Decorre do art. 1000º do Código de Processo Civil que “1 – Se for pedido o suprimento do consentimento, nos casos em que a lei o admite, com o fundamento de recusa, é citado o recusante para contestar. (…). 4 – Não havendo contestação o juiz resolve, depois de obter as informações e os esclarecimentos necessários.”

Do normativo transcrito resulta que é a lei substantiva que fixa os casos em que a recusa do consentimento pode ser suprida judicialmente, como sucede com a derrogação  do sigilo profissional, que carece de autorização judicial, conforme resulta do disposto nos arts. 63º n.ºs 2 e 3 e 63º-B n.ºs 2 e 4 da Lei Geral Tributária.

Como é sabido o sigilo bancário pode e deve ser derrogado pela Autoridade Tributária e Aduaneira desde que verificados os pressupostos para o efeito. Na verdade, e no que ao caso interessa reza o art. 63º-B da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe Acesso a informações e documentos bancários, no seu n.º 2 que “a administração tributária tem, ainda, o poder de aceder diretamente aos documentos bancários e aos documentos emitidos por outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte”…

No caso ajuizado, atendendo a que a decisão da Exma. Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datada de 17/04/2017, dada como provada em 16., se mostra definitiva tem a mesma a virtualidade de produzir os seus efeitos, a significar que a presente acção especial não versa sobre a derrogação do sigilo bancário, dado que este se mostra já valida e plenamente derrogado pela apontada decisão, já definitiva, repete-se…

Não fora a circunstância da requerida ser advogada, como se apurou ser, na data em causa – ano de 2013 – e tal decisão seria bastante para que a requerente pudesse, sem mais, aceder aos elementos e informações bancárias da requerida e referentes ao ano de  2013…

…razão pela qual nenhum relevo jurídico há a extrair das decisões proferidas no âmbito dos processos instaurados contra outros sujeitos passivos que não a requerida e que na sequência das impugnações judiciais aí apresentadas tiveram como consequência a revogação das autorizações aí também concedidas pela Directora Geral…

Já a derrogação do sigilo profissional carece de autorização judicial, conforme resulta do disposto nos arts. 63º n.ºs 2 e 3 e 63º-B n.ºs 2 e 4 da Lei Geral Tributária.

Na verdade o mencionado n.º 2 do art. 63º da identificada lei prevê que o acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável…

O segredo profissional do advogado mostra-se plasmado no art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro…

No Parecer n.º 49/91 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República expressa-se, em síntese, que “(…) o segredo profissional é a proibição de revelar factos ou  acontecimentos de que se teve conhecimento ou foram confiados em razão e no exercício de uma actividade profissional (…)”.

O segredo profissional do advogado não interessa apenas ao confidente e ao cliente mas à sociedade inteira....

…conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 74º da Lei Geral Tributária e 342º do Código Civil, impende à requerente o ónus de alegação e prova da existência dos pressupostos para acesso aos documentos bancários do contribuinte, em causa no procedimento inspetivo, do qual a decisão de derrogação do sigilo bancário é instrumental.

…a factualidade apurada impõe se considere a aqui requerida como familiar/terceira numa relação especial com o contribuinte, o que motiva, como motivou, que a Autoridade Tributária tivesse derrogado o seu sigilo bancário, face à previsão do n.º 2 do art. 63º-B da Lei Geral Tributária. Com efeito, além da requerida ser filha do legal representante da sociedade visada na actividade inspectiva, demonstrou-se ainda, em 6. e 7., que à data da inspecção realizada e pelo menos desde 2013, a requerida tinha o seu domicílio profissional na Rua (…), em Viseu, aí recebendo os clientes tendo, à data, o seu nome publicitado no vidro frontal das instalações e que as instalações da sociedade C (…), Lda situam-se, como se situavam já à data da inspecção e pelo menos desde 2013, na morada indicada em 7…

Apreciemos agora os motivos que, não obstante a derrogação do sigilo bancário, obstaram ao conhecimento dos elementos bancários, nomeadamente se as contas  bancárias da requerida se encontram afectas à sua atividade profissional de advogada, conforme invocou, e em consequência protegidas pelo segredo profissional.

…nos termos do n.º 1 do art. 417º do Código de Processo Civil, “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.”

Porém, a recusa da colaboração solicitada só será legítima – logo, não sancionável e incoercível, nem mesmo pelo Tribunal, como prevê o n.º 2 – se a obediência à ordem importar, entre outros efeitos, “Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.”

Aliás, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 497º do Código de Processo Civil, “Devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se neste caso o disposto no nº 4 do artigo 417.º”.

…conforme se colhe do n.º 20 dos factos provados, a requerente, por oficio n.º 2520, de 06/04/2018, notificou a requerida para identificar as contas bancárias afectas à sua atividade profissional de advogada no ano 2013, tendo-lhe a requerida respondido, em 18/04/2018, que todas as contas bancárias de 2013, de que era titular, estavam afetas à actividade de advogada – n.º 21 dos factos provados.

A resposta dada pela requerida e dada como provada em 21 configura recusa de acesso dos seus elementos bancários.

Perante tal recusa a requerente apenas está legitimada a prosseguir com a consulta dos elementos bancários para efeitos inspetivos se obtiver autorização judicial, conforme resulta do disposto na al. b) dos n.ºs 5 e 6 do art. 63 da Lei Geral Tributária.

Mas a predita resposta, apresentada pela requerida e dada como provada em 21., é igualmente susceptível de consubstanciar factualidade impeditiva dos factos constitutivos do direito invocado pela requerente, razão pela qual, e nos termos do n.º 2 do art. 342º do Código Civil, competia à requerida provar …

Da factualidade dada como não provada em a) é patente que a requerida não logrou provar …

…não tendo a requerida logrado demonstrar que a sua recusa em autorizar a consulta dos seus documentos bancários, no período em referência, é legítima, deverá ser proferida decisão nesse sentido, julgando-se totalmente procedente a presente acção.

E não se objecte a esta conclusão argumentando-se, como fez a requerida em alegações orais, que não está na sua disponibilidade autorizar a consulta às suas contas bancárias, conforme dispõe o n.º 4 do art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, carecendo sempre a autorização a facultar pelo advogado de prévia autorização do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, com possibilidade de recurso para o Bastonário.

É que …da leitura do disposto no n.º 2 do art. 63º da Lei Geral Tributária, a autorização está dependente de autorização judicial, como repetidamente temos vindo a referir, não sendo suficiente para o efeito o parecer a proferir pela Ordem Profissional.

E apesar da requerida afirmar que a simples possibilidade de existirem nas suas contas bancárias documentos relacionados com a sua actividade de advogada é motivo para fundamentar a sua recusa entendemos não lhe assistir razão sob pena de, a ser assim, se estar a violar o já citado art. 13º da Constituição da República Portuguesa, impondo-se, ao invés, que a mesma demonstrasse que as suas contas bancárias, ou alguma delas, estão efectivamente afectas à sua actividade profissional, o que aquela não provou.

Não menos relevante é que a requerida deveria, em conformidade com o estatuído no Estatuto da Ordem dos Advogados, possuir uma conta afecta à sua actividade bancária, pelo que a resposta que apresentou e reflectida em 21. contraria também o estatuído no Estatuto que a rege e cujo estrito cumprimento evitaria a presente demanda.

De notar também que os funcionários da Autoridade Tributária, aqueles que terão acesso às informações bancárias em caso de procedência do pedido, também se mostram adstritos ao dever de guarda de segredo profissional, não podendo, pois, livremente dar a conhecer o conteúdo das informações que de tomarão conhecimento sob pena de incorrerem em procedimento disciplinar e até criminal, apenas podendo usar as informações funcionalmente e no âmbito da inspecção em curso.»

Este discurso apresenta-se, em tese, curial, e, atentos os contornos fáctico circunstanciais do caso, adequado.

Pelo que urge corroborá-lo e chancelá-lo.

Como é bom de ver, a procedência da pretensão recursiva estaria, ao menos determinantemente, dependente da não prova da qualidade de filha da recorrente relativamente a A (…), e,  bem assim,  como dependente da prova de que as suas contas bancárias estão adstritas- e apenas adstritas -  à sua atividade de advogada.

Ora a recorrente não consecutiu tal não prova nem esta prova.

A recorrente insiste no recurso com uma tese que, pelos vistos, apenas invocou nas alegações orais e, assim, extemporaneamente, de que o caso é da competência dos órgãos da OA e do Tribunal Administrativo, e não dos Tribunais Comuns.

Tal posição, para além de intempestiva, mostra-se legalmente desacobertada, como decorre dos normativos citados na sentença, quer da Lei Geral tributária, quer do CPC.

A questão essencial é, mais uma vez, substantiva, e não meramente processual formal; sendo caso para dizer, usando um ditado popular, que «quem não deve não teme».

Em todo o caso, e jurídico processualmente,  passa por se apurar se no caso vertente, o segredo profissional deve, ou não deve, ceder.

Ora como é consabido e pacificamente aceite, este segredo, como qualquer outro, como seja o bancário, não encerra ou é protegido por um direito absoluto, pelo que deve ceder  perante  situações  em que direitos ou valores de maior dignidade e magnitude sobrevenham.

Efetivamente: (o segredo profissional) «Deve, porém, ceder, excepcionalmente, perante outros valores que, no caso concreto, se lhe devam sobrepor, designadamente, quando os elementos sob segredo se mostrem imprescindíveis para a protecção e efectivação de direitos ou interesses jurídicos mais relevantes.» - Ac. STJ de 15.02.2018, p. 1130/14.7TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

No caso  em apreço tal segredo conflitua com o direito da administração fiscal a exigir da  Ilustre advogada uma atuação consonante com a  verdade e a justiça fiscais, no concreto sentido de se apurar se as contas bancárias que ela alega servirem para a sua atividade profissional – e note-se, devem servir apenas para isso e não somente também para isso – estão a acobertar atividade não consentida vg. atinente ou conexionada com a C (…)

Oro o  princípio constitucional e legal de uma exigível  atuação escorreita, em sede tributária, a todos os cidadãos, de sorte a que   eles paguem os legais tributos, de um modo  justo, proporcional e equitativo, em função dos seus rendimentos realmente auferidos e das atividades efetivamente desenvolvidas, deve, numa interpretação sensata e razoável, clamar a conclusão de  que a proteção  de tal segredo deve ceder perante a desejável concretização deste desiderato.

A prova dos factos adicionais aditados nesta instância a tal não obvia.

É que naquelas ações   estão envolvidos sujeitos diversos da aqui recorrente e, no presente processo, a questão está já num plano diverso e ulterior: não na do segredo bancário, já definitivamente decidida  no sentido de que este tem de ceder, mas já na do segredo profissional, dilucidado nos termos que ora vêm sendo expostos.

5.5.

Quinta questão.

5.5.1.

O abuso de direito é um postulado axiológico-normativo do direito positivo, que não precisaria sequer de ser afirmado em lei para se aceitar a sua vigência.

Surge como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam, por forma considerada justa pela consciência social.

O art. 334º consagra uma conceção objetiva ou objetivista: não só tem o excesso cometido no exercício do direito de ser manifesto como não é necessária a consciência do abuso bastando que o seja na realidade.

 São seis  as tipologias ou situações em que tem sido colocada a ocorrência do abuso do direito: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

No venire contra factum proprium está em causa uma atuação do titular contraditória com um comportamento passado.

Trata-se de uma aplicação do princípio da responsabilidade pela confiança, de uma concretização do princípio ético-jurídico da boa fé.

Efetivamente, o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamental, e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens; e assegurar expectativas é uma das funções primárias do direito.

A proibição do venire tem, antes de mais, como pressuposto principal, uma situação objetiva de confiança – uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objetivamente considerada, é idónea a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de certa maneira.

Requer-se,  porém, e assim, ainda um elemento subjetivo: o de que o confiante adira realmente ao facto gerador de confiança.

Evidenciam-se quatro elementos para a caracterização do venire contra factum proprium: comportamento, geração de expectativa, investimento na expectativa gerada e comportamento contraditório.

A proibição do venire surge quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada.

Para que se verifique uma relação de causalidade entre o facto gerador da confiança e o «investimento» dessa contraparte é preciso que esse «investimento» haja sido feito com base na dita confiança.

Se esta não influenciou as decisões da contraparte, porque ela, por outros motivos, as teria igualmente tomado, não se verifica a necessidade de fazer intervir o princípio da proteção da confiança.

E, finalmente, exige-se a boa fé da contraparte que confiou.

 Vale dizer que nos casos em que a intenção aparente do responsável pela confiança diverge da sua intenção real, a confiança da contraparte só merece proteção jurídica quando esta estiver de boa fé (por desconhecer aquela divergência).

5.5.2.

No caso vertente, e como dimana dos factos provados, claramente inexiste lastro factual minimamente suficiente para alicerçar a conclusão de que a recorrida, através dos seus funcionários, atuou com abuso de direito na modalidade referida, ou noutra modalidade.

Efetivamente, perante tal acervo, facilmente se verifica que nenhum dos elementos da figura do abuso de direito na modalidade do venire,  quer o objetivo quer o subjetivo, está presente.

Como já supra se aludiu, mesmo que se provasse  terem tido das Sras. Inspetoras(…) a faculdade, que não usaram, de falar com a ré nos dias 29 e 31 de agosto do ano de 2016., tal, só por si e sem mais, não era o bastante para poder imputar à recorrida uma atuação em abuso de direito.

Efetivamente, não se antolha como este facto pudesse criar na ré qualquer confiança no sentido de a autora se dever comportar de certa maneira que, não tendo sobrevindo, lhe frustou tal confiança e a prejudicou.

Antes pelo contrário, dimana dos factos apurados que a autora teve bastantes dificuldades para contactar a ré, sendo que estas dificuldades foram, ao menos em parte, criadas pela própria recorrente, a qual admitiu que algumas das tentativas de contactos  não se  concretizaram por impedimentos seus, quer de índole profissional, quer de jaez pessoal e familiar.

Improcede esta questão e o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº 7 do CPC.

I - A recusa do incidente de contradita consubstancia rejeição de meio de prova, pelo que o recurso da atinente decisão tem de ser interposto autonomamente, nos termos do artº 644º nº2 al. c) do CPC.

II - Porque o deferimento da contradita constitui um acentuado desmerecimento para os direitos de personalidade  da testemunha, com grave afetação da sua presumida idoneidade/probidade, ele apenas pode  ser decretado se factos  com dignidade/gravidade e força bastante assim o impuserem.

III - A invocação da exceção de ilegitimidade em sede de alegações orais é extemporânea, pelo que o seu conhecimento na sentença, fere esta de nulidade, na parte respetiva, por conhecimento de questões de que não podia conhecer- - artº 615º nº1 al. d) do CPC.

IV - Os Diretores de Finanças, em representação das Direções de Finanças,  e sendo estas unidades orgânicas desconcentradas de âmbito regional da Autoridade Tributária a quem são atribuídas competências na matéria, podem,  estas por sua vez em representação da AT, instaurar ações destinadas, vg. a assegurar a liquidação e cobrança dos impostos – artºs 2º  nº2 al. c),  3º  nº2 do DL n.º 118/2011, de 15.12 e  artigo 1º da  Portaria n.º 320-A/2011, de 30.12.

V - Se as partes estão de acordo quanto a certo facto com prova tarifada, se atuam processualmente em função do mesmo, e se a sua veracidade é patente perante o tribunal, ele pode ser dado como provado sem a presença de tal prova.

VI - Até porque da não prova de um facto não resulta a prova do facto seu contrário, antes, e apenas, tal facto não podendo ser considerado, queda inútil e inadmissível pugnar pela simples eliminação do facto não provado; e antes sendo admissível pugnar pela sua prova, incindindo este ónus sobre o réu, ao menos  se ele respeitar a defesa por exceção – artº 342º nº2 do CC.

VII - O segredo profissional deve ceder perante outros valores ou direitos superiores, como seja, p.ex., o apuramento do cumprimento de obrigações tributárias.

VIII -  A conclusão sobre  a existência de abuso de direito na modalidade do venire contra factum propium  exige a prova de factos dos quais possam dimanar os  seus elementos, objetivo e subjetivo,  a saber: uma anterior conduta que, objetivamente considerada, é idónea a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, com tal conduta;  a adesão do confiante ao facto gerador de confiança.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2020.12.14.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos