Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1593/11.2TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: LIVRANÇA
AVAL
CO-AVALISTA
DIREITO DE REGRESSO
Data do Acordão: 05/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.275, 516, 524, 777, 805 CC
Sumário: 1.- A LULL limita-se a regular a responsabilidade do avalista perante os credores cambiários e o exercício do seu direito de reembolso contra o respectivo avalizado ou contra os demais obrigados na cadeia de responsáveis cambiários, nada prevendo quanto ao eventual exercício do direito de regresso entre os diversos avalistas do mesmo avalizado.

2.- O direito de regresso entre os avalistas opera nos termos previstos para as obrigações solidárias, nomeadamente dos arts. 516º e 524º do CC, salvo estipulação em contrário, conforme estabelecido pelo STJ no seu AUJ 7/12, publicado na 1ª série, do DR de 17.7.2012.

3.- Se num contrato de cessão de quotas, datado de Janeiro de 2008, foi acordado que, com a dita cessão de quotas da sociedade, os AA/cedentes transferiram para os RR/cessionários a responsabilidade bancária assumida por aqueles e por eles garantida pessoalmente, bem como se comprometeram os RR a proceder ao pagamento da dívida bancária que a mesma sociedade tinha, ficou estipulado que os RR providenciariam pela substituição da garantia pessoal prestada pelos AA junto do Banco, nada disto tendo feito, e depois em Dezembro de 2008 a referida sociedade, nessa altura detida já pelos RR, contrai empréstimo bancário junto do mesmo Banco com a finalidade de liquidar integralmente a anterior dívida bancária, e para que a sociedade obtivesse o dito crédito, foi necessário que os AA avalizassem juntamente com os RR uma livrança, o que só fizeram porque se consideravam salvaguardados face ao que havia ficado estipulado no referido contrato de cessão de quotas, tendo, no entanto, os RR se comprometido a diligenciar no sentido da extinção do dito aval prestado pelos AA, de toda esta compilada factualidade se retira concludentemente que os RR assumiram a mencionada dívida bancária, que deu origem ao preenchimento da livrança pelo Banco.

4.- O que quer dizer, e face ao art. 516º do CC, que resulta das relações jurídicas existentes entre AA e RR que só estes devem suportar o encargo da dívida, não havendo lugar, assim, à aplicação da presunção de comparticipação na dívida em partes iguais entre AA e RR.

5.- Se num contrato de cessão de quotas de uma sociedade, com dívida bancária garantida por uma livrança avalizada pelos AA/sócios cedentes das quotas, se estipula a transferência dessa responsabilidade bancária destes para os RR/cessionários das quotas, mas dependente da aceitação por parte do Banco se houver substituição do aval dado pelos referidos cedentes por aval prestado pelos cessionários, fica estipulada uma condição negocial - aceitação por parte do Banco da substituição do aval dado pelos AA por aval prestado pelos RR.

6.- Se os RR/cessionários não substituíram o aval, conforme se tinham comprometido, a condição não se verificou por exclusiva culpa dos mesmos; tendo impedido, contra as regras da boa fé, a verificação dessa condição, condição que os prejudicava, esse facto importa a sua verificação, nos termos do art. 275º, nº 2, 1ª parte, do CC.

7.- O direito de regresso contra co-devedor, nos termos do art. 524º do CC, só nasce após satisfação do credor por parte do devedor; pago pelos AA/devedores ao Banco/credor a quantia devida emergente do dito aval nesse momento nasceu o seu direito de regresso contra o co-devedor.

8.- Não tendo sido estabelecido qualquer prazo para o cumprimento dessa obrigação, obrigação pura, portanto, tinham os referidos AA direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da prestação por parte dos RR, nos termos do art. 777º, nº 1, do CC, direito a exercitar mediante a respectiva interpelação (art. 805º, nº 1, do CC).

9.- Não tendo interpelado extrajudicialmente os RR os AA só têm direito a haver juros, sobre a quantia paga ao Banco, desde a interpelação judicial ocorrida com a citação.

Decisão Texto Integral: I – Relatório


1. AH (…) e mulher MA (…), residentes na Marinha Grande, instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra SP (…) e mulher MC (…), residentes na Marinha Grande, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de 48.653,48 €, acrescida de juros de mora desde 10.8.2010, até efectivo e integral pagamento.
Para tanto alegaram terem cedido, em Janeiro de 2008, as suas quotas da sociedade M (…) Lda, aos RR, bem como todas as responsabilidades bancárias assumidas pelos AA e garantidas pessoalmente, ficando tal cedência dependente da aceitação dos credores bancários. Mais acordaram, verificada a aceitação dos credores bancários, que os RR providenciariam pela substituição das garantias junto das respectivas instituições, o que nunca conseguiram. Em Dezembro de 2008, aquela sociedade obteve financiamento bancário junto do B (...), em substituição de anterior, no montante de 49.400 €, tendo os AA dado aval, com os RR, à livrança dada de caução na altura da obtenção do crédito. Em Fevereiro de 2010 o B (...) informou os AA que iria proceder ao preenchimento da livrança, no montante de 47.640,96 €, tendo, em Agosto de 2010, o A. pago aquele montante, mais 154,92 € à agente de execução e 741,38 € de juros, e outras despesas menores, tudo no valor total de 48.653,48 €, quando eram os RR os únicos responsáveis, e que, apesar de instados, nada pagaram.
Contestaram os RR alegando que a cessão ficou dependente da aceitação do credor bancário (condição), o que não aconteceu, não podendo agora exigir os AA dos RR o cumprimento de um contrato que nunca chegou a ser eficaz, além de que não foi estabelecido qualquer prazo para o cumprimento da obrigação agora exigida, nem nunca para tanto foram interpelados, não podendo ser exigido o seu cumprimento.
Os AA replicaram, mantendo no essencial o alegado, alegando, ainda, que após a cessão de quotas o B (...) não renovava o empréstimo concedido, o que importaria para os RR e para a M (...) o seu pagamento integral, daí que os RR tivessem solicitado aos AA que mantivessem o aval e subscrevessem o novo contrato de empréstimo.
*
A final foi proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando-se os RR a pagarem aos AA o montante de 48.653,48 €, acrescida de juros de mora desde 10.8.2010 até integral pagamento à taxa de juro legal.
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2. Os RR interpuseram recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
3. Os AA contra-alegaram, dizendo concordarem com a bem fundamentada sentença recorrida.

II – Factos Provados

a) AA. e RR., a 31 de janeiro de 2008, subscreveram um “documento particular de cessão de quotas e alteração de pacto social” referente à sociedade “M (…) Lda.”, com sede na (...) Vieira de Leiria, concelho de Marinha Grande, matriculada na Conservatória sob o n.º (...), de que os AA. eram únicos sócios. (als. A) e D) dos factos assentes)
b) A referida sociedade tinha por capital social o valor 50 000 euros, correspondendo a duas quotas de igual valor, uma pertencente ao A. marido, outra à A., mulher. (als. B) e C) dos factos assentes)
c) Pelo aludido “documento particular”, o A. cedeu a sua quota ao R. marido, e a A. mulher cedeu a sua quota à R. mulher, tendo sido objeto de registo a favor dos RR. (al. E), F), G) dos factos assentes)
d) De harmonia com o aludido em a), os AA. transferiram para os RR., todas as responsabilidades bancárias assumidas pelos AA. e garantidas pessoalmente ficando tal cedência dependente da aceitação dos credores bancários, condição esta que os RR. referiram expressamente aceitar. (1º, 2º)
e) Ainda ficou estipulado no n.º 6 da cláusula segunda que, uma vez verificada a aceitação dos credores bancários, os RR. providenciariam pela substituição das garantias pessoais prestadas pelos AA. junto das respetivas instituições. (3º)
f) À data da assinatura do acordo, a “ M (...)” detinha uma conta caucionada com garantia pessoal dos AA.. (4º)
g) Sucede que os RR. não substituíram as garantias prestadas pelos AA.. (5º)
h) Em Dezembro de 2008, a sociedade “M (…)” contraiu empréstimo bancário, em substituição do anterior, junto do B (...), no montante de 49 400 euros, com a finalidade de “para liquidação integral e cancelamento da conta corrente (…) contrato cs-2006 0000990” (6º, doc. 3 junto pelos AA.)
i) Para que a sociedade obtivesse o dito crédito, os ora AA., avalizaram juntamente com os RR. a livrança dada de caução na altura da obtenção do crédito. (7º)
j) Os AA. só o fizeram porque se consideravam salvaguardados, tal como havia ficado estipulado no referido “documento” aludido em a). (8º)
k) Os RR. não providenciaram pela substituição das garantias pessoais prestadas pelos AA.. (9º)
l) Os RR. comprometeram-se a diligenciar no sentido da extinção do aval prestado pelos ora AA.. (10º)
m) Os AA. abordaram inúmeras vezes os RR. no sentido de resolver de forma consensual junto do B (...), o que não foi possível. (11º, 12º)
n) Em finais de fevereiro de 2010, por carta registada com a/r, foram os AA. informados pelo B (...), de que, por não ter sido respeitadas as condições do contrato de empréstimo concedido à “M (…)” iriam proceder ao preenchimento da referida livrança. (13º)
o) O montante aposto na livrança foi de 47 640,96 euros, e fixado o seu vencimento para 8 de março de 2010. (14º)
p) Os RR. também foram notificados, e decorrido o prazo fixado para o vencimento da referida livrança, os RR. não efetuaram qualquer pagamento à instituição bancária. (16º)
q) Os AA. procederam ao pagamento do montante pedido pelo B (...), tendo este devolvido a livrança e emitido o recibo de quitação. (17º)
r) Em 10 de agosto de 2010, o 1º A., mediante cheque n.º 38988, sacado sobre o banco “ I (...)”, do balcão de Vieira de Leiria, pagou ao B (...) o montante global de 48 653,48 euros, sendo 47 640,96 euros de montante da livrança com vencimento em 8-3-2010, 154,92 euros de pagamento à agente de execução, 741,38 euros de juros de mora até 28-7-2010, 29,6 euros de imposto de selo devido sobre os juros, 76, 50 euros de taxa de justiça e 10,07 euros de procuradoria. (18º)
s) Através do acordo firmado os RR. além de passar a deter as participações dos AA. na sociedade, comprometeram-se a proceder ao pagamento das dívidas/obrigações bancárias que aquela sociedade detinha. (20º)
t) Entre o B (...) e a sociedade foi acordado “crédito em conta corrente”, por escrito datado de 24-1-2006, mediante a transferência para esta, e para a conta 5-2098986-000-001/0114, tendo como limite 50 000 euros, a qual em 11-10-2006 tinha saldo negativo de 49 900 euros, em 15-2-2008 tinha saldo negativo de 44 900 euros e em 27-3-2008 tinha saldo negativo de 49 400 euros. (doc. de fls. 111 a 117, junto a 18-7-2012, “cópia do contrato”, “pato de preenchimento de livrança em caução”, e “ficha do empréstimo onde consta detalhe dos movimentos”)

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Se o pagamento efectuado pelos AA, em consequência do aval assumido, está abrangido pela assunção de responsabilidades pelos recorrentes, em virtude do contrato de cessão de quotas celebrado a 31.1.2008.
- Verificação da condição estabelecida no contrato.
- Necessidade de interpelação por parte dos recorridos.

2. Nas primeiras 9 conclusões de recurso os apelantes defendem que o pagamento efectuado pelos AA, em consequência do aval assumido, não está abrangido pela assunção de responsabilidades pelos recorrentes.
Na sentença respondeu-se afirmativamente a esta questão, ao contrário do defendido pelos recorrentes, com o seguinte discurso:
“§7. De acordo com a posição das partes no litígio, importa sumariamente atender que pela entidade bancária e sociedade “M (…) Lda.” foi celebrado mútuo bancário, tendo como garantia o aval quer dos AA. quer dos RR., apostos em livrança em branco subscrita pela sociedade (docs. 3 e 4 juntos com o requerimento inicial de arresto), livrança esta que perante incumprimento foi preenchida e disponibilizada para o cumprimento coativo, tendo após o A. marido pago e nesta sequência vem demandar os RR. pedindo o valor integral do empréstimo concedido e despesas.
(…)
§9. A questão da natureza das relações entre avalistas do mesmo avalizado é marginal em face da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (adiante LULL). 2Consideração unânime: não há relações de natureza cambiária entre avalistas do mesmo avalizado, logo a LULL nada disciplina.
§10. No caso concreto, impõe-se saber como poderá o A. reaver dos RR. (co avalistas) o montante monetário que pagou em benefício da sociedade.
§11. O Supremo Tribunal de Justiça firmou A.U.J.3Acórdão de Uniformização de Jurisprudência; no caso concreto, publicado na 1ª série, DR de 17-07-2012 n.º 7/2012 segundo o qual “sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”.
§12. Assim, e nos termos do artigo 516 do Código Civil4Cujo teor: “Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”, presume-se que os coavalistas participam, nas relações entre si, em partes iguais da dívida.
§13. Haverá algo convencionado entre as partes em contrário?
§14. É certo que foi acordado que “com a presente cessão os primeiros outorgantes” (aqui AA., sendo segundos os RR.) “transferem para os segundos e estes desde já aceitam quaisquer responsabilidades bancárias assumidas e pelos primeiros garantidas pessoalmente” (n.º 5 da cláusula 2ª do “documento particular”). Ora, tal acordo é datado de 31 de janeiro de 2008, e refere-se a responsabilidades passadas, tendo o mútuo bancário sido celebrado a 20-12-2008 (doc. 3 pelos AA.).
Porém a finalidade do contrato é “para liquidação integral e cancelamento da conta corrente (…) contrato cs-2006-0000990”. O mútuo bancário é referente à liquidação da conta corrente emergente do contrato de 24-1-2006, cs-2006- 0000990 (§6. t)), logo há convenção em contrário: os RR. assumiram o saldo negativo. Ora, o certo é que o B (...), fazendo uso da livrança em branco, preenche-a no montante de 47 640,96, quantia esta que não foi posta em causa.
Igualmente é devida a despesa inerente à via coativa tomada pela instituição bancária uma vez que se tornam despesas por facto emergente de responsabilidades passadas que os RR. não assumiram”.
Entendemos não haver qualquer desacerto neste raciocínio e respectiva conclusão.
Na realidade o referido AUJ 7/2012 resolveu uma polémica jurisprudencial emergente da questão de saber se havia ou não direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, e em caso de resposta afirmativa porque via legal ou jurídica.
E resolveu partindo de um pressuposto pacífico quer doutrinal quer jurisprudencialmente, que era e é o seguinte: é uniforme o entendimento que a LULL se limita a regular a responsabilidade do avalista perante os credores cambiários e o exercício do seu direito de reembolso contra o respectivo avalizado ou contra os demais obrigados na cadeia de responsáveis cambiários, nada prevendo quanto ao eventual exercício do direito de regresso entre os diversos avalistas do mesmo avalizado.
Daí que, quanto a eventual direito de regresso entre os referidos avalistas, tenham surgido duas respostas antagónicas: uma que admitia o direito de regresso, nos termos previstos para as obrigações solidárias, nomeadamente dos arts. 516º e 524º do CC, salvo estipulação em contrário; outra que fazia depender a existência e conteúdo desse direito de regresso de convenção entre os avalistas.
O referido AUJ optou pela primeira tese. A solução encontra-se, pois, através da aplicação dos citados normativos do CC, o 524º proclamando o direito de regresso do devedor que satisfez o direito do credor contra os condevedores na parte que a estes compete, e o 516º presumindo que a comparticipação na dívida é em partes iguais, salvo se da relação jurídica entre eles existente resultar que só um deles deve suportar o encargo da dívida.
A sentença recorrida concluiu, e bem, que a responsabilidade era por inteiro dos apelantes. Efectivamente da relação jurídica entre apelantes e apelados resulta que só aqueles devem suportar o encargo da dívida, conforme decorre da factualidade apurada.
Assim, foi acordado que com a dita cessão de quotas da M (…) Lda, os recorridos transferiram para os recorrentes e estes aceitaram todas as responsabilidades bancárias assumidas por aqueles e por eles garantidas pessoalmente, acordo datado de 31.1.2008 (factos a. e d.). Bem como se comprometeram a proceder ao pagamento das dívidas/obrigações bancárias que a M(…)detinha (facto s.).
Também ficou estipulado que os recorrentes providenciariam pela substituição das garantias pessoais prestadas pelos recorridos junto dos credores bancários, o que não fizeram (factos e., g. e k.)  
Acontece que à data daquele acordo, a M (…) detinha uma conta bancária junto do B (...), tendo sido celebrado entre ambos, em Janeiro de 2006, um contrato de crédito em conta corrente (com o nº CS-2006-0000990) com garantia pessoal dos recorridos, mediante a transferência para esta conta, de quantia até 50.000 €, a qual em 11.10.2006 tinha saldo negativo de 49.900 euros, em 15.2.2008 tinha saldo negativo de 44.900 € e em 27.3.2008 tinha saldo negativo de 49.400 € (factos f. e t.).
Ora, em Dezembro de 2008 a sociedade M (…), nessa altura detida já pelos recorrentes, contraiu empréstimo bancário, em substituição do anterior, junto do B (...) no montante de 49.400 €, com a finalidade de liquidar integralmente o aludido contrato de crédito em conta corrente CS-2006-0000990, e cancelar a dita conta corrente (facto h.)
E para que a sociedade obtivesse o dito crédito, os ora recorridos avalizaram juntamente com os recorrentes a livrança dada de garantia na altura da obtenção do crédito, o que só fizeram porque se consideravam salvaguardados, tal como havia ficado estipulado no referido contrato aludido em a. dos factos provados, tendo no entanto os apelantes se comprometido a diligenciar no sentido da extinção do dito aval prestado pelos ora apelados (factos i., j. e l.).
Se é certo que o aludido crédito bancário foi contratado em Dezembro de 2008, seguro é, igualmente, que a finalidade do contrato foi justamente para liquidação integral do anterior contrato de crédito em conta corrente CS-2006-0000990, e cancelamento da respectiva conta corrente bancária.
De toda esta compilada factualidade, devidamente concatenada e analisada, se retira concludentemente que os ora apelantes assumiram o mencionado saldo negativo, que deu origem ao preenchimento da livrança pelo Banco, aliás em consonância com o contratado inicialmente com os apelados e em consonância com as circunstâncias em que foi obtido o crédito bancário de Dezembro de 2008 e o seu próprio comportamento posterior.
O que quer dizer, como concluiu a sentença recorrida, e face ao indicado art. 516º do CC, que resulta das relações jurídicas existentes entre apelantes e apelados que só os primeiros devem suportar o encargo da dívida, não havendo lugar, assim, à aplicação da presunção de comparticipação na dívida em partes iguais entre apelantes e apelados.
Não procede, por isso, o recurso, nesta parte.
3. Nas conclusões 10. a 17. de recurso os apelantes defendem que nunca se verificou a condição aposta no contrato de cessão de quotas celebrado entre as partes, porque o Banco nunca aceitou a transferência de responsabilidades. 
Recordemos a matéria substantiva apurada.
De harmonia com o contrato celebrado entre as partes os apelados transferiram para os apelantes todas as responsabilidades bancárias assumidas por aqueles, e garantidas pessoalmente, ficando tal cedência dependente da aceitação dos credores bancários, condição que os apelantes referiram expressamente aceitar (factos a. e d.). Bem como se comprometeram a proceder ao pagamento das dívidas/obrigações bancárias que a M (…)detinha (facto s.).
Sabemos, também, que entre o B (...) e a M (...) foi acordado crédito em conta corrente (CS-2006-0000990), em Janeiro de 24.1.2006, mediante a transferência para esta conta de um montante máximo de 50.000 €, a qual em 11.10.2006 tinha saldo negativo de 49.900 €, em 15.2.2008 tinha saldo negativo de 44.900 € e em 27.3.2008 tinha saldo negativo de 49.400 € (facto t.).
E que, ainda, ficou estipulado no nº 6 da cláusula segunda que, uma vez verificada a aceitação dos credores bancários, os recorrentes providenciariam pela substituição das garantias pessoais prestadas pelos recorridos junto das respectivas instituições (facto e.). Sucede que os recorrentes não substituíram as garantias prestadas pelos recorridos (factos g. e k).
O que significa, mas com sentido diferente da singela verdade afirmada na conclusão de recurso 11., que não houve qualquer substituição do aval prestado pelos recorridos no contrato de crédito corrente celebrado antes da cessão de quotas, porque os recorrentes não o substituíram conforme se tinham comprometido.
Isto quer dizer, até na perspectiva dos apelantes exposta na conclusão 13., que a condição – aceitação por parte do Banco da substituição do aval dado pelos recorridos por aval prestado pelos recorrentes – não se verificou por exclusiva culpa dos mesmos recorrentes, foi impedida, contra as regras da boa fé, pelos recorrentes (cfr. art. 762º, nº 2, do CC). Condição que prejudicava os recorrentes, o que importa a sua verificação, nos termos do art. 275º, nº 2, 1ª parte, do CC.
E desta maneira arredada fica a objecção levantada pelos recorrentes.    
Adicionalmente, também não é verdadeira a conclusão de recurso 15., porquanto os recorridos não admitiram expressamente no art. 13º da sua p.i. que o Banco nunca aceitou o negócio celebrado entre as partes. Há que ser rigoroso na argumentação esgrimida. O que no art. 13º da p.i. os recorridos afirmaram é bem diferente do agora afirmado pelos recorrentes, pois aí alegaram que os recorrentes nunca conseguiram substituir as garantias prestadas pelos ora recorridos. Não há confusão possível.
Não procede, por isso, esta parte do recurso.
4. Quanto à necessidade de interpelação dos recorrentes, questão aflorada nas conclusões de recurso 18. a 24., antecipamos que os mesmos têm parcialmente razão.
Dispõe o art. 524º do CC que o devedor que satisfizer o direito do credor tem direito de regresso contra o condevedor.
Desta maneira, para que nasça o direito de regresso, é necessário, como a lei diz, que o devedor satisfaça o direito do credor. No nosso caso a satisfação do direito do credor bancário fez-se através do cumprimento da obrigação por parte dos recorridos, com o pagamento da quantia devida, o que ocorreu em 10.8.2010 (factos q. e r.). Nesse momento nasceu o direito de regresso dos recorridos em relação aos recorrentes.  
Ora, não foi estabelecido qualquer prazo para o cumprimento dessa obrigação. Trata-se de uma obrigação pura. Como assim, tinham os mesmos apelados direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da prestação por parte dos apelantes, nos termos do art. 777º, nº 1, do CC (no nosso caso não se verificam as hipóteses previstas no nº 2 do mesmo preceito).
Direito a exercer mediante a respectiva interpelação (art. 805º, nº 1, do CC). Porém, não se demonstra que os apelados tivessem interpelado extrajudicialmente os apelantes para cumprirem tal obrigação.
Deste modo, a obrigação só se mostra vencida, com a interpelação judicial dos devedores/recorrentes após a sua citação (citado art. 805º, nº 1). O que ocorreu em 28.9.2011 (cfr. A/Rs de fls.18/19).
Só, então desde esta data, e não da fixada na sentença recorrida, sendo devidos juros, nos termos dos arts. 804º, 805º, nº 1, e 806º do CC.
Nesta parte procede o recurso, parcialmente.
5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):
i) A LULL limita-se a regular a responsabilidade do avalista perante os credores cambiários e o exercício do seu direito de reembolso contra o respectivo avalizado ou contra os demais obrigados na cadeia de responsáveis cambiários, nada prevendo quanto ao eventual exercício do direito de regresso entre os diversos avalistas do mesmo avalizado;
ii) O direito de regresso entre os avalistas opera nos termos previstos para as obrigações solidárias, nomeadamente dos arts. 516º e 524º do CC, salvo estipulação em contrário, conforme estabelecido pelo STJ no seu AUJ 7/12, publicado na 1ª série, do DR de 17.7.2012;
iii) Se num contrato de cessão de quotas, datado de Janeiro de 2008, foi acordado que, com a dita cessão de quotas da sociedade, os AA/cedentes transferiram para os RR/cessionários a responsabilidade bancária assumida por aqueles e por eles garantida pessoalmente, bem como se comprometeram os RR a proceder ao pagamento da dívida bancária que a mesma sociedade tinha, ficou estipulado que os RR providenciariam pela substituição da garantia pessoal prestada pelos AA junto do Banco, nada disto tendo feito, e depois em Dezembro de 2008 a referida sociedade, nessa altura detida já pelos RR, contrai empréstimo bancário junto do mesmo Banco com a finalidade de liquidar integralmente a anterior dívida bancária, e para que a sociedade obtivesse o dito crédito, foi necessário que os AA avalizassem juntamente com os RR uma livrança, o que só fizeram porque se consideravam salvaguardados face ao que havia ficado estipulado no referido contrato de cessão de quotas, tendo, no entanto, os RR se comprometido a diligenciar no sentido da extinção do dito aval prestado pelos AA, de toda esta compilada factualidade se retira concludentemente que os RR assumiram a mencionada dívida bancária, que deu origem ao preenchimento da livrança pelo Banco;
iv) O que quer dizer, e face ao art. 516º do CC, que resulta das relações jurídicas existentes entre AA e RR que só estes devem suportar o encargo da dívida, não havendo lugar, assim, à aplicação da presunção de comparticipação na dívida em partes iguais entre AA e RR;
v) Se num contrato de cessão de quotas de uma sociedade, com dívida bancária garantida por uma livrança avalizada pelos AA/sócios cedentes das quotas, se estipula a transferência dessa responsabilidade bancária destes para os RR/cessionários das quotas, mas dependente da aceitação por parte do Banco se houver substituição do aval dado pelos referidos cedentes por aval prestado pelos cessionários, fica estipulada uma condição negocial - aceitação por parte do Banco da substituição do aval dado pelos AA por aval prestado pelos RR;  
vi) Se os RR/cessionários não substituíram o aval, conforme se tinham comprometido, a condição não se verificou por exclusiva culpa dos mesmos; tendo impedido, contra as regras da boa fé, a verificação dessa condição, condição que os prejudicava, esse facto importa a sua verificação, nos termos do art. 275º, nº 2, 1ª parte, do CC;
vii) O direito de regresso contra co-devedor, nos termos do art. 524º do CC, só nasce após satisfação do credor por parte do devedor; pago pelos AA/devedores ao Banco/credor a quantia devida emergente do dito aval nesse momento nasceu o seu direito de regresso contra o co-devedor;
viii) Não tendo sido estabelecido qualquer prazo para o cumprimento dessa obrigação, obrigação pura, portanto, tinham os referidos AA direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da prestação por parte dos RR, nos termos do art. 777º, nº 1, do CC, direito a exercitar mediante a respectiva interpelação (art. 805º, nº 1, do CC);
ix) Não tendo interpelado extrajudicialmente os RR os AA só têm direito a haver juros, sobre a quantia paga ao Banco, desde a interpelação judicial ocorrida com a citação.      

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente, parcialmente, o recurso, revogando-se, parcialmente, a sentença recorrida, e, em consequência, condena-se os RR a pagar aos AA juros de mora desde 28.9.2011, no demais se mantendo a mesma decisão recorrida.    
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Custas por recorrentes e recorridos, na proporção do vencimento/decaimento.
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  Coimbra, 13.5.2014

Moreira do Carmo ( Relator )
Fonte Ramos
Inês Moura