Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3654/03.2TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
REGISTO AUTOMÓVEL
DANOS
PRIVAÇÃO DO USO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 01/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA 1º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.306, 334, 483, 662, 566, 570 CC, 661 CPC, DL Nº 54/75 DE 15/12
Sumário: 1. A presunção do art.7º do C.R.Predial, aplicável ao registo automóvel, sendo juris tantum, importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a outra parte a prova do contrário (arts. 347º e 350º do C.Civil) do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.

2. Constitui uma atitude claramente negligente e demonstrativa de incúria por parte do lesado, o facto de este ter confiado no teor da “participação de acidente de viação” lavrada pela entidade policial quanto à identificação de quem era o “proprietário” do veículo lesante, assim deixando de consultar a certidão de matrícula de tal veículo na C.R.Automóvel competente na qual constava estar inscrita outra pessoa como “proprietário”.

3. O prazo de prescrição não deixa de correr mesmo que o lesado não saiba quem é que lhe causou o dano, pois que, da melhor interpretação do art. 498º, nº1 do C.Civil e sua devida conjugação com o disposto no art. 306º, nº1 do mesmo C.Civil, resulta que o lesado, enquanto não souber quem é o responsável pelo dano, não está impedido de fazer valer o direito que considera que lhe assiste.

4. Agindo o lesado em erro que lhe é imputável quanto à pessoa do “proprietário”, não opera a suspensão do decurso do prazo prescricional no quadro previsto no art. 321º, nº1 do C.Civil.

5. A privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efectivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº3 do C.Civil para fixar o valor da respectiva indemnização, salvo quando nem sequer estiver balizado o período temporal dessa privação.

6. Neste último caso deve então ter lugar uma condenação no que se vier a liquidar (art. 661º, nº2 do C.P.Civil).

7. E deixa de ter direito à indemnização pelos custos do parqueamento do veículo danificado a aguardar reparação, o lesado que adquire um outro veículo para a satisfação das suas necessidades de circulação, cessação que deve considerar-se a partir desta última data (cf. arts. 570º e 334º do C.Civil).

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

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1 – RELATÓRIO     

T (…), residente na Rua (...) , Monte Real, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária contra FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, com sede em Av. (...) Lisboa, S (…), residente na Rua (...) Leiria e C (…) residente em Rua (...) Monte Real, alegando, em síntese, que no dia 22 de Dezembro de 2001, pelas 21:30 horas, na Rua do Marachão, no lugar de Carreira de Baixo, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula (...) DA, propriedade dele autor e pelo mesmo conduzido e o veículo de matrícula XO (...), propriedade da ré S (…)e conduzido pelo réu C (…), o qual não se encontrava abrangido por qualquer contrato de seguro, acidente que teve lugar quando ele autor conduzia a cerca de 30 Km/hora, no sentido Carvide>Sismaria, imediatamente a seguir à berma direita, atento o seu sentido de marcha, sendo que, por sua vez, o veículo XO seguia em sentido contrário, a cerca de 100 Km/hora, e no momento em que os veículos se iriam cruzar, este último invadiu a faixa de rodagem por onde seguia o veículo dele autor, ocorrendo assim o embate entre os dois veículos, sensivelmente a meio da hemifaixa por onde seguia o autor e entre as partes frontais de ambos os veículos, sucedendo que em consequência do acidente, ele autor sofreu vários danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que discrimina, pelo que, porque todos os RR. são solidariamente responsáveis pelo correspondente pagamento a ele A., conclui pedindo que, na procedência da acção, por provada, sejam estes condenados no pagamento da quantia global de € 22.207,31 acrescidos de juros à taxa legal sobre o referido montante desde a citação até integral pagamento, bem como as quantias de € 5,00 e € 10,00 por dia, pelos custos do depósito/parqueamento do seu veículo e pelos danos da privação desse mesmo veículo, respectivamente, a partir da data da entrada da p.i. até ao sétimo dia útil subsequente à entrega a ele autor das quantias referidas, correspondentes ao tempo necessário para a oficina proceder à reparação do veículo.

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Regularmente citados, contestou o réu FGA alegando que o embate não foi provocado pelo condutor do XO, mas deveu-se sim a conduta do autor que não respeitou o sinal STOP que se lhe impunha, sendo que o embate entre os dois veículos não se verificou na hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito Carvide>Sismaria mas no eixo da via; alega ainda que os valores peticionados na p.i são manifestamente exagerados, termos em que concluiu no sentido da improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.

Por sua vez, a ré S (…) apresentou a sua contestação a fls. 53, alegando não ser proprietária do veículo em causa, tendo apenas obtido carta de condução no dia 20 de Novembro de 2003; mais alega que o local onde se verificou o acidente não é uma recta de 100 metros, mas uma subida, nos dois sentidos de trânsito, situando-se o local onde ocorreu o embate no termo da subida do sentido Carvide>Sismaria, sendo que o autor pretendia, aqui chegado, virar à sua direita, em direcção à Carreira, tendo invadido, em cerca de 1 metro, a faixa de rodagem contrária para poder dar a curva, sendo certo que o autor circulava a cerca de 70/90 Km/hora e o réu C (…) a 30/40 Km/hora; impugna igualmente os valores peticionados e termina pedindo a sua absolvição do pedido.

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Citado editalmente o réu C (…), o mesmo não contestou, pelo que, nos termos do artº15º do CPC, foi citado o M.P.

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O autor apresentou oportunamente um articulado de réplica, que constitui fls. 172 dos autos, mantendo a alegação de que a ré S (…) era a proprietária do veículo XO, mas pedindo, nos termos do artº 31º-B do C.P.Civil, a intervenção principal provocada de CM (…), em nome de quem o veículo se encontrava registado.

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Por despacho de fls. 185 foi admitida a intervenção principal da dita CM (…), a qual, após devidamente citada, apresentou o articulado que constitui fls. 205 dos autos, no qual começa por invocar a excepção da prescrição e, quanto ao mais, no essencial alegando que em data anterior à do acidente havia vendido a viatura em causa à ré S (…).

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O autor respondeu a tal articulado, mantendo o por si alegado na p.i., e pedindo a improcedência da excepção da prescrição.

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No despacho saneador de fls. 231 a 240 dos autos, após a afirmação tabelar dos pressupostos processuais, foi julgada procedente a excepção da prescrição invocada pela interveniente CM (…), a qual resultou assim absolvida do pedido, e prosseguiu-se com a operação de condensação, mediante a especificação dos factos assentes e a quesitação em base instrutória dos factos controvertidos, da qual não houve reclamações, mas foi apresentado um recurso pelo A., relativamente à dita decisão que julgou procedente a excepção de prescrição, admitido como de apelação e subida a final.

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Esse recurso foi oportunamente alegado, apresentando o A. as seguintes conclusões:

1ª.)- A presente acção foi instaurada em 16/05/2003, 17 meses depois do acidente de viação que integra causa de pedir, sendo nela manifestada pelo recorrente, inequivocamente, a intenção de exercer o seu direito relativamente ao “proprietário” do veículo XO;

2ª.)- No apuramento dos elementos relevantes para o efeito, o recorrente aceitou a fé pública decorrente da recolha de informações pela GNR, vertida no auto de ocorrência – sendo completamente “diabólico” exigir-lhe, como se escreve no Douto Despacho recorrido que, atenta para mais a tempestividade com que instaurou a acção, desconfiasse, ab initio, da veracidade das informações recolhidas pela referida força policial;

3ª.)- Só perante a contestação da Ré S (…) foi o recorrente confrontado com a dúvida relativamente à titularidade passiva da relação material controvertida – a qual jamais tinha sido suscitada nos autos ou em qualquer dos elementos informativos recolhidos pela autoridade policial relativamente ao acidente;

4ª.)- E, imediatamente, o recorrente requereu incidente de intervenção provocada da chamada, a título subsidiário, nos termos dos artºs 325º, nºs 3 e 3 e 31º-B do CPC;

5ª.)- Desse modo, até tal questão lhe ter sido suscitada  (com a notificação da contestação da Ré S (…)), sempre teria de se entender que o recorrente desconhecia, sem culpa, a identidade da chamada, impondo-se aplicação in casu do artº 321º do Código Civil (vide Ac. do STJ de 04/07/202, CJ/STJ de 04/07/2002, CJ/STJ, 2002, 2º, p. 151): “III (…) se só perante a contestação da seguradora o autor foi alertado para a hipótese de terceiro desconhecido ter responsabilidade no acidente ocorrido em 01/09/1989, não prescreveu o seu direito de indemnização contra o FGA, cuja intervenção foi pedida em 08/11/1995…”;

6ª.)- O Douto Despacho recorrido violou e aplicou erradamente o artº 321º do C.Civil, pois deveria ter interpretado e aplicado este normativo de harmonia a concluir conforme antecedentes conclusões 1ª a 5ª, julgando improcedente a excepção da prescrição deduzida pela chamada;

7ª.)- A chamada não poderá retirar da confusão que gerou a sua conduta, que descreve na contestação (não promoção de registo da alegada “venda do veículo XO que efectuou à Ré S (...) o “prémio” da prescrição, sob pena de actuar em manifesto “venire contra factum proprium” (cf. artº 334º do C.Civil).

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Não foi apresentada qualquer contra-alegação.

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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, culminando-se nas respostas à base instrutória que constam do despacho de fls. 373 a 379, alvo de uma reclamação pelo A., a qual foi desatendida pelo subsequente despacho de fls. 383.

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Na sentença, considerou-se que não havia ficado provada a culpa de qualquer dos condutores no acidente ajuizado, donde se ter concluído pela responsabilidade pelo risco, que se considerou ser na proporção de 50% de cada um dos veículos, assim se vindo a julgar a acção parcialmente provada e procedente, nos seguintes concretos moldes

- absolveu-se a Ré S (…) do contra si peticionado;

- condenou-se solidariamente os RR. C (…) e Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao A.:

“A) A quantia de € 2.036,14 (1711,05 + 325,09 (IVA à taxa de 19%) acrescida de juros moratórios à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

B) A quantia de € 2,50 por dia desde a data do acidente até à data da entrega do veículo DA ao autor;

C) A quantia de € 1.000,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento;

D) A quantia de € 250,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

E) A quantia de € 2.500,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento.”

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Inconformado, apresentou o co-Réu Fundo de Garantia Automóvel recurso de apelação contra a mesma, cuja alegação finalizou com as seguintes conclusões:

1. Em consequência do acidente em apreço nos presentes autos, o veículo sofreu

danos, sendo necessário para reparar tais danos a realização de trabalhos e aplicação de peças melhor discriminados no orçamento de fls.. dos autos e que o veículo permaneça em reparação, na oficina, durante sete dias úteis.

2. Aceita o recorrente que a privação do uso de veículo automóvel constituiu um

dano merecedor da tutela do direito.

3. Porém, e com todo o respeito, a quantia de € 2.000,00 arbitrada e este título parece desajustada e, apesar de apurada com recurso à equidade, parece surgir de forma relativamente arbitrária, pois a decisão sobre a matéria de facto é omissa quanto a um aspeto fundamental, a saber, o período temporal durante o qual o Autor ficou privado da utilização de veículo automóvel.

4. Repete-se, o tempo necessário à reparação do veículo foi estimado em sete dias úteis.

5. Será, pois, sobre este período de sete dias que deverá ser ponderado o juízo de equidade conducente ao apuramento do respectivo quantum indemnizatório.

6. E, nesta medida, o montante de € 2.000,00 afigura-se claramente exagerado e

manifestamente desproporcionado.

7. Mais, tendo em consideração o tempo decorrido entre a produção do acidente,

a propositura da acção e a prolação da D. sentença recorrida, a condenação no pagamento de uma quantia diária de € 5,00 correspondente aos (alegados!) custos de parqueamento do veículo sinistrado surge, com todo o respeito, como desproporcional e manifestamente exagerada.

8. O Autor, sabendo que tal parqueamento acarretaria um custo diário de € 5,00 (ou seja, um custo mensal a rondar os € 150,00 e um custo anual a rondar os € 1.800,00 !!!), ao não promover a remoção do veículo da oficina em apreço, contribuiu, de forma abusiva, para o agravamento considerável do dano.

9. Não tivesse o Autor a expectativa que terceiros viessem a suportar os danos decorrentes do acidente, optaria por deixar o seu veículo à guarda de alguém que lhe viesse a cobrar uma quantia diária de € 5,00 durante meses e anos a fio !? É evidente que não ! Ninguém, no uso de uma diligência comum, assim procederia !

10. Em face do exposto, e com todo o respeito, a D. sentença recorrida deveria ter aplicado in casu a norma do artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil e, em consequência, reduzido o montante da indemnização respeitante ao parqueamento do veículo, tomando tão só em consideração os sete dias úteis necessários à sua reparação.

11. Sempre com todo o devido respeito, não se alcança em que medida ocorre uma desvalorização de um veículo sinistrado, sendo este objecto de reparação tecnicamente e economicamente viável, como sucede in casu.

12. Na verdade, tal reparação pode inclusivamente valorizar o veículo, em face da substituição de peças usadas por peças novas e de nova pintura.

13. Não resulta qualquer prejuízo para o A. a este título e, como tal, inexiste dever de indemnizar (cfr. disposições conjugadas dos artigos 566.º e 562.º, ambos do Código Civil). Ainda e sempre com todo o devido e merecido respeito, a D. sentença recorrida violou o disposto:

a) Nas disposições conjugadas dos Artigos 566.º e 562.º do Código Civil

b) No artigo 570.º do Código Civil

---- Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a D. sentença recorrida em conformidade. ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!

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Não foi apresentada qualquer contra-alegação pelo A..

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            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto dos recursos[1], cumpre apreciar e decidir.

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            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil:

- quanto ao apresentado pelo A. T (…), consiste na apreciação da justeza da decisão que julgou prescrito o direito dele A. relativamente à Chamada CM (…).

 - quanto ao apresentado pelo co-Réu Fundo de Garantia Automóvel, versa o mesmo sobre os seguintes aspectos em que foi condenado :

a) Do quantum indemnizatório correspondente à paralisação do veículo sinistrado;

b) Do dano correspondente ao parqueamento do veículo sinistrado;

c) Do dano correspondente à desvalorização do veículo sinistrado.

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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, o que naturalmente contempla a conjugação da condensação dos factos assentes com os decorrentes das respostas dadas aos quesitos da base instrutória elaborada, e sendo certo que os recursos deduzidos não questionam a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto[2]

            São então os seguintes os factos que se consideraram provados na 1ª instância:

1 - No dia 22.12.2001, pelas 21.30 horas, na Rua do Marachão, povoação e lugar de Carreira de Baixo, freguesia de Carreira, concelho de Leiria, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes as seguintes viaturas: ligeiro de passageiros, matrícula (...) DA e o ligeiro de passageiros, matrícula XO (...). (al.A) dos Factos Assentes);

2 - Nas circunstâncias referidas em 1, o veículo (...) DA era conduzido pelo autor e o

XO (...) era conduzido pelo réu C (…) (resposta aos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória);

3 - No momento do acidente, a Rua do Marachão, no local, fazia a ligação entre as povoações de Carvide e Sismarias e apresentava-se em recta com lomba, com cerca de 100 metros de comprimento. (resposta aos quesitos 3º, 4º e 40 da Base Instrutória);

4 - No mesmo momento e local, o DA circulava pela Rua do Marachão, no sentido Carvide-Sismaria e o XO na mesma rua no sentido Sismaria-Carvide. (resposta aos quesitos 5º e 8º da Base Instrutória);

5 - O acidente referido em 1 traduziu-se num embate frontal entre os veículos DA e XO. (resposta ao quesito 12º da Base Instrutória);

6 - Após o acidente referido em 1, o autor foi conduzido de ambulância ao Hospital de Santo André, em Leiria, onde lhe foi diagnosticado na sequência do acidente referido em 1, traumatismo craneano ligeiro, sem perda de conhecimento e ferida do couro cabeludo sem outras queixas. (resposta aos quesitos 14º e 15º da Base Instrutória);

7 - Foi submetido a sutura daquela ferida e recebeu alta hospitalar ainda no dia do acidente. (resposta ao quesito 16º da Base Instrutória);

8 - Tais lesões e tratamento determinaram dores e incómodos para o autor. (resposta ao quesito 17º da Base Instrutória);

9 - Nos trinta dias subsequentes ao acidente, o autor sentiu-se nervoso, com o corpo dorido e abalado psicologicamente. (resposta ao quesito 18º da Base Instrutória);

10 - À data do acidente o autor sofria de cefaleias crónicas com componente vascular e gastroduodenite edematosa difusa moderada. (resposta ao quesito 19º da Base Instrutória);

11 - Em virtude das lesões que sofreu as cefaleias tornaram-se mais frequentes e mais intensas, assim como as queixas do tracto digestivo, sem que outra patologia orgânica e/ou metabólica transparecesse. (resposta aos quesitos 20º e 21º da Base Instrutória);

12 - Em consequência do acidente, o DA sofreu os danos discriminados no orçamento e respectivo anexo, junto a fls 14 a 17 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado, sendo necessário para reparar tais danos a realização dos trabalhos e aplicação das peças ali discriminados e que o veículo permaneça em reparação, na oficina, durante sete dias úteis. (resposta aos quesitos 22º e 23º da Base Instrutória);

13 - A reparação dos danos referidos em 12, em 21.10.2002, importaria a quantia de € 3.422,11, acrescida de IVA à taxa então em vigor. (resposta ao quesito 24º da Base Instrutória);

14 - O autor tem como único rendimento o seu vencimento mensal, no montante de € 405,25 líquidos por mês e é com esta quantia que tem de fazer face a todas as despesas inerentes à sua subsistência: alimentação, saúde e outras, não tendo possibilidades financeiras para ordenar e pagar a reparação do seu veículo nos próximos tempos. (resposta aos quesitos 25º, 26º e 27º da Base Instrutória);

15 - O DA encontra-se, desde a data do acidente e em virtude de o autor não ter disponível qualquer outro local onde colocar o seu veículo, atentos os danos que apresenta, nas instalações da oficina, propriedade de (…). (resposta ao quesito 28º da Base Instrutória);

16 - O depósito do veículo na oficina referida em 15 importará, pelo menos na quantia de € 5,00/dia. (resposta ao quesito 29º da Base Instrutória);

17 - Desde a data do acidente o autor encontra-se privado da utilização do veículo DA. (resposta ao quesito 30º da Base Instrutória);

18 - O autor trabalha em Várzeas, Monte Real, a cerca de 7 Km da sua residência. (resposta ao quesito 31º da Base Instrutória);

19 - Desde a data do acidente até ter adquirido um outro veículo, sempre que o autor pretendia deslocar-se para o trabalho e em lazer tinha que pedir veículos emprestados a amigos e familiares ou pedir-lhes boleia ou deslocar-se a pé ou em transportes públicos. (resposta aos quesitos 32º e 33º da Base Instrutória);

20 - Em consequência do acidente referido em 1, o veículo DA sofreu uma desvalorização de pelo menos € 500,00. (resposta ao quesito 36º da Base Instrutória);

21 - Em 22.12.2001 o/a proprietário/a do veículo de matrícula XO (...) não tinha a sua responsabilidade civil, pelos danos causados a terceiros em consequência da circulação daquele, transferida para qualquer companhia de seguros, por seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. (al.B) dos Factos Assentes);

22 - Em 13.02.1995 foi registada a propriedade daquele veículo em nome de CM (…) situação que ainda se mantinha em vigor a 08.06.2006. (al.C) dos Factos Assentes);

23 - Antes do acidente referido em 1, o réu C (…) conduzia publicamente o veículo XO. (resposta ao quesito 58º da Base Instrutória);

24 -  O veículo de matrícula (...) DA está registado a favor do autor e tem inscrita uma reserva de propriedade a favor de F (…) S.A. (certidão de matrícula na C.R.Automóvel do veículo de matrícula (...) DA, constante de fls. 337).

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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

            4.1- Quanto à apelação deduzida pelo A., tem ela a ver com a questão da legalidade e justeza da decisão que julgou prescrito o direito do mesmo relativamente à Chamada CM (…), argumentando ele que logo 17 meses depois do acidente instaurou a presente acção, não tendo sido negligente nem agindo com incúria ao demandar como “proprietário” do veículo XO quem figurava no auto de ocorrência da GNR ((…)), face ao que sustenta desconhecer até à contestação dessa primitiva Ré a identidade daquela que nessa sequência chamou à acção, donde suspensão do prazo prescricional nos termos do art. 321º do C.Civil, o que a não ser entendido configura um imerecido prémio para a Chamada, que não promoveu o registo da alegada venda que fez à primitiva Ré (dita (…)):

            Neste particular, vamos começar por sublinhar que se encontra estabelecido pelo nº1 do art. 498º do C. Civil, que o prazo de prescrição se começa “a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.”

            É que esta circunstância se revela essencial para a dilucidação desta questão.

Senão vejamos.

O acidente ajuizado ocorreu em 22.12.2001, pelo que iniciando-se o prazo de 3 anos a que se reporta o dito art. 498º, nº1 do C.Civil nessa data, o prazo de prescrição do direito do A. prescrevia no dia 22.12.2004.

Tal só não sucederia, em geral, caso tivesse ocorrido alguma causa de suspensão ou interrupção do decurso desse prazo.

 O que não constitui a circunstância de o FGA vir a ficar subrogado nos direitos do A. perante esse “proprietário” relativamente ao que vier a pagar, como fundamento para o entendimento propugnado pelo A. de que só depois do FGA ter pago ao A. começa a correr o prazo de prescrição relativamente ao “proprietário”.

 Nesta parte merece-nos inteiro acolhimento o que foi aduzido no despacho saneador sob recurso, pois que a prescrição que está aqui em causa é relativamente à Chamada, a qual é demandada na sua qualidade jurídica de “responsável directa” perante o A., isto não obstante a responsabilidade solidária do “proprietário” do veículo /”responsável civil” (conhecido e que não beneficie de seguro válido e eficaz) com o FGA ser, na verdade, uma solidariedade imprópria ou imperfeita.[3]

Sem embargo, as razões justificativas do litisconsórcio necessário passivo (entre o FGA e o responsável civil)[4], implicam logicamente a necessidade de condenação solidária dos demandados.

Ora, a prescrição que está aqui em causa é a do direito do A. perante o  “proprietário” do veículo /“responsável civil”, e não a do FGA perante este último…

Também não o constitui seguramente – causa de suspensão ou interrupção do decurso do prazo prescricional – a circunstância de o A. alegadamente desconhecer quem é que era efectivamente o “proprietário” do veículo XO, pois que legitimamente teria confiado no teor do auto de ocorrência (leia-se “participação de acidente de viação”) lavrado pela entidade policial…

            Neste particular, ao invés do que alega, divisamos nós uma sua atitude claramente negligente e demonstrativa de incúria, pois que não podia nem devia ter “confiado” nos elementos constantes da dita “participação de acidente de viação”.

            Tenha-se presente que se a demanda em causa visava o “proprietário” do veículo XO, obviamente que elemento de prova indispensável, senão mesmo decisivo para aferir tal facto era a consulta à certidão de matrícula de tal veículo na C.R.Automóvel competente, pois que, consabidamente, a inscrição que daí conste faz presumir a “propriedade”[5], sendo, então, o primeiro elemento de certificação a empreender, e, aliás, essa correspondente certidão logo deveria ter instruído e acompanhado a p.i.…

            Note-se que sendo a matrícula integral do veículo XO conhecida e fidedigna, nada obstava a uma tal consulta, face ao que, na verdade, o A. nem pode sustentar que havia um verdadeiro desconhecimento dessa pessoa (no sentido de que não se sabia quem ela pudesse ser), antes o A. agiu em erro quanto à pessoa do “proprietário”/“responsável”, resultando esse seu erro do facto de ter considerado que ela seria aquela que figurava na dita “participação de acidente de viação”.

            Isto é, o A. “confiou” (já se vê que mal!) no que se encontrava aposto na dita “participação de acidente de viação”, pelo que sibi imputet se com isso retardou a demanda da Chamada CM (…), relativamente a quem só mais tarde (em 18.04.2007 – cf. fls. 191) veio a ser operada a citação no âmbito desta acção…

            Em todo o caso, “o artigo 498.º n.º 1 do Código Civil deverá interpretar-se no sentido de que o desconhecimento do responsável pelos danos não impede que decorra o respectivo prazo de prescrição, mesmo que esse desconhecimento não resulte de negligência ou incúria do lesado.”[6]

            Na verdade, como doutamente se sustentou neste aresto vindo de invocar, o prazo de prescrição não deixa de correr mesmo que o lesado não saiba quem é que lhe causou o dano, pois que, da melhor interpretação do citado art. 498º, nº1 do C.Civil e sua devida conjugação com o disposto no art. 306º, nº1 do mesmo C.Civil, resulta que o lesado, enquanto não souber quem é o responsável pelo dano, não está impedido de fazer valer o direito que considera que lhe assiste (pode-o sempre fazer contra o FGA!).

            Sendo certo que não se vê como se poderá aplicar o disposto no artigo 321º, nº 1 do C.Civil (suspensão do dito prazo prescricional), dado que esta norma tem justamente, entre outros, como pressuposto que o lesado (leia-se, o ora A.) está impedido de agir, quando ele na circunstância não o estava, designadamente perante a Chamada, face a todos os dados conhecidos, acrescidos dos que, agindo com a devida diligência, poderia aceder.

            Ademais não interrompeu a prescrição em causa a mera citação judicial para os termos da presente acção contra quem o foi, pois que a interrupção da prescrição operada por essa via tem que o ser “àquele perante quem o direito pode ser exercido”, isto é, tinha que o ser à dita Chamada (cf. art. 323º, nºs 1 e 4 do C.Civil).

            Finalmente também não vislumbramos em que medida é que ocorre uma imerecida recompensa para a dita Chamada (face ao não registo da alegada venda do veículo XO pela mesma!) considerar-se prescrito o direito de acção contra a mesma.

            É que, ao invés, se o direito de propriedade dos veículos está sujeito a registo nos termos do artigo 5º, nº1, al.a) do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro – o qual, por força do n.º 2 deste mesmo artigo, é obrigatório – por outro lado, o artigo 42º do Decreto n.º 55/75 de 12 de Fevereiro estipula que “o registo obrigatório deve ser requerido no prazo de 60 dias a contar da data do facto” (leia-se da aquisição do direito de propriedade), o que não pode deixar de significar que incumbe a quem compra e não a quem vende.

            Ora se assim é, essa obrigação de registo (actualização da inscrição do direito de propriedade) incumbia ao pretenso comprador, não à dita Chamada, que teria sido a vendedora…

            Para além de que, constitui uma contradição nos próprios termos tal via de alegação, pois que afinal com ela se está a reconhecer/admitir que a Chamada já não era a “proprietária” do veículo…e se não o é, então porque se está a insistir na sua demanda? 

            O que tudo serve para dizer que não merece – em qualquer enquadramento que se faça – procedência a apelação do A., que assim fatalmente improcede.

                                                                       *

            4.2. – Quanto à apelação deduzida pelo co-Réu Fundo de Garantia Automóvel:

 Insurge-se o mesmo quanto à condenação operada contra si relativamente a três parciais, a saber, o da quantia de € 2,50 por dia desde a data do acidente até à data da entrega do veículo DA ao Autor (respeitante aos custos do parqueamento do veículo sinistrado); o da quantia de € 1.000,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento (respeitante ao quantum indemnizatório correspondente à paralisação do veículo sinistrado); e o da quantia de € 250,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento (respeitante ao dano correspondente à desvalorização do veículo sinistrado).

Vejamos então os três itens cada um de per si, e seguindo, por uma questão metodológica e bem assim de facilidade de exposição (e compreensão da linha de decisão) uma outra ordem, e que também é a que consta das alegações de recurso.

                                                           *

a) quantum indemnizatório correspondente à paralisação do veículo sinistrado.

O Recorrente FGA é o próprio a começar por aceitar que é devida uma indemnização ao A. pela paralisação do veículo DA, melhor, pela privação do seu uso.

E efectivamente é hoje maioritário – e seguramente dominante – a nível jurisprudencial, o entendimento de que não será suficiente a simples privação do uso da coisa, para que possa exigir-se do lesante uma indemnização a esse título, tornando-se necessário que o lesado alegue e prove a frustração do propósito real – concreto e efectivo – de proceder à sua utilização, sendo que quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel, danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente.[7] 

Conclusão que resulta inabalável no caso vertente face à apurada utilização que o A. fazia de tal veículo e prejuízo material e real decorrente dessa privação (cf. mormente, os factos 17 a 19).

O que o co-Réu recorrente FGA assim verdadeiramente questiona neste particular é o quantum indemnizatório conferido ao A. na sentença recorrida, a saber da quantia de € 1.000,00 (acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento), sendo certo que tal resultou directamente da aplicação da proporção de igual risco de 50% de cada um dos dois veículos intervenientes no acidente ajuizado para a produção do mesmo, pois que a quantia fixada a este título – e com base na equidade – foi de € 2.000,00.

Para esse efeito ponderou-se decisivamente na sentença que o A. esteve privado do veículo DA desde a data do acidente (22.12.2001) até ter adquirido outro veículo.

Efectivamente também merece o nosso integral acolhimento valorar-se para este efeito o período temporal da privação, pois que a partir do momento da aquisição de um outro veículo pelo A. – sem que resulte subsistir uma efectiva e real necessidade (ou sequer utilidade) na utilização do veículo DA pelo mesmo – deixa de ser legítimo falar-se de um dano relevante a esta luz para ele.

Só que a data desta aquisição é que não resultou minimamente apurada.

Na verdade esse facto nem sequer constava dos articulados, tendo surgido na resposta “explicativa” dada aos quesitos 32º e 33º da base instrutória.

Assim nem verdadeiramente se pode falar de uma resposta deficiente ou obscura.

Trata-se simplesmente de uma realidade material que não tendo sido alegada nos articulados, resultou seguramente da discussão em audiência de julgamento, embora sem se vir a considerar apurada com precisão, sendo certo que pode estar em causa um horizonte temporal demasiado alargado – tenha-se presente que a audiência decorreu em Janeiro de 2012, portanto mais de 10 anos depois do acidente, nada permitindo postergar que a aquisição do outro veículo tenha ocorrido em data próxima/recente em relação à audiência!

Acontece que, quanto a nós, não sendo suficiente a matéria de facto provada para apurar os limites materiais do dano, dentro dos quais possa funcionar o juízo de equidade, o tribunal devia ter proferido, nos termos do art. 661º, nº2 do C.P.Civil, uma condenação genérica no que vier a ser liquidado (“em execução de sentença”, dizia-se na redacção pré-vigente do mesmo normativo), em vez da quantia certa, baseada num juízo de equidade, como foi operado.

De referir que esta incerteza acerca do montante do dano derivou de uma insuficiência instrutória, e não da real impossibilidade em o determinar exactamente!

Procede assim esta parte da apelação, sendo certo que os termos da condenação neste particular devem precisamente agora ter em vista apurar a baliza temporal em que o A. esteve privado do uso do veículo DA.

                                                           *

a) custos do parqueamento do veículo sinistrado

O enquadramento e decisão vinda de operar quanto à questão antecedente, podem e devem ser reproduzidos e mesmo replicados também nesta questão.

Senão vejamos.

Na sentença recorrida operou-se a condenação neste particular em função do apurado montante diário do custo do parqueamento, a saber, de € 5,00/dia (cf. facto 16), e também na já citada proporção de 50% do risco de cada um dos dois veículos intervenientes no acidente, donde a condenação na quantia de € 2,50 por dia, sendo este um dado de facto que resulta inquestionado e inquestionável.

Acontece que tal condenação foi estendida desde a data do acidente até à data da entrega do veículo DA ao Autor.

É precisamente este último segmento da condenação que em nosso entender está incorrectamente determinado.

O Recorrente FGA invoca a tal propósito ser uma tal quantia diária “desproporcional” e “manifestamente exagerada”, vincando que daí resulta uma condenação por meses e anos a fio.

E sem término ainda definido, acrescentamos nós!

Contudo, com isto não queremos dizer que merece o nosso integral acolhimento o sustentado e pretendido nas alegações recursórias no sentido de ser reduzido o montante da indemnização aos igualmente apurados 7 (sete) dias úteis necessários à reparação (art. 570º, nº1 do C.Civil).  

Concretizando.

Importa em primeiro lugar ter presente que competindo aos RR. proceder à reparação do veículo DA[8] - que era possível -, na forma exigida pelo A., ficam os mesmos, em geral, responsáveis pelo ressarcimento dos danos inerentes à paralisação/privação do uso do bem em causa (veículo DA) até que a reparação viesse a ter lugar, bem como e ainda pelas despesas geradas por uma tal situação.

Ora, uma tal reparação não teve lugar até ao presente, sendo certo que o veículo se encontra “depositado desde a data do acidente e em virtude de o autor não ter disponível qualquer outro local onde colocar o seu veículo, atentos os danos que apresenta, nas instalações da oficina, propriedade de (…)” (facto 15) e bem assim que o A. não tem possibilidades económicas para reparar esse veículo (cf. facto 14).

Destes quadro decorre insofismavelmente em nosso entender, que o A. tinha legitimamente o direito de não abdicar da reparação pelos responsáveis, e bem assim que era encargo destes o pagamento do parqueamento do veículo que se encontrava a aguardar essa reparação, o qual desse parqueamento carecia e para o mesmo era indispensável, sem que ao A. algo diverso fosse exigível.

Acontece que se apurou igualmente que o A. entretanto adquiriu outro veículo.

E com tal deixou de carecer da utilização do veículo DA, tanto quanto se pode extrair do facto 19, tendo sido nessa ponderação que na solução da questão anterior entendemos ser de circunscrever o dano da privação do uso até essa data (da aquisição de outro veículo).

Ora se assim é, também nos parece que a obrigação de suportar os custos do parqueamento do veículo DA por parte dos RR. deve cessar na data em que o A. adquiriu esse outro veículo.

É que com tal aquisição o mesmo demonstrou já não esperar mais pela reparação por parte dos responsáveis, que o mesmo é dizer, o veículo DA deixou de ter justificação para continuar parqueado nas instalações da oficina do terceiro.

Se ele aí permaneceu e permanece, é opção do A. que, apesar de já ter solucionado o problema da sua circulação automóvel, imponderada e temerariamente não dá destino ao veículo DA, que é de sua propriedade e por cujos “salvados (sendo disso caso) é o único responsável…     

Com o que queremos dizer ter-se o A. constituído culposamente como co-causador da existência deste dano do parqueamento do veículo DA a partir da data da aquisição do outro veículo por si.

Com efeito, importa ter presente que, embora incumba ao lesante restituir o lesado à situação em que se encontrava antes de ocorrido o acidente, mandando proceder à reparação necessária e facultar ao lesado um veículo de substituição, impõe-se a este que actue com boa fé e diligência adequada, não fazendo exigências que não sejam razoáveis ou que derivem de mero capricho, “tudo no propósito de recuperar rapidamente a utilidade do bem lesado e de evitar, reflexamente, o agravamento dos custos da reparação e da extensão do dano da privação”.[9]

Nesta linha de entendimento, ponderando a situação ajuizada no quadro do art. 570º do C.P.Civil entendemos que deve ela conduzir à total exclusão do direito do A. a receber os ditos custos do parqueamento desde então.

Acresce que sempre por outra via dogmática se pode e deve chegar a este mesmo resultado final: é ela a do abuso do direito, que deve aqui ser reconhecido como limite ao exercício da posição jurídica do A. neste particular.

Vejamos.

Nos termos do art. 334º do C.Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

O abuso do direito não existe só no domínio das relações contratuais prévias.

Reside também “na disfuncionalidade de comportamentos jussubjectivos por, embora consentâneos com normas jurídicas, não confluírem no sistema em que estas se integram”.[10] 

Tem-se em vista com uma tal concepção, vincar o apelo do abuso do direito numa série de situações indeterminadas, onde emerge um certo desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

Em nosso entender é isso que se detecta no caso vertente, na medida em que o exercício do direito pelo A. neste particular – indemnização pelos custos do parqueamento da viatura sinistrada – se apresenta como “anormal”, quanto à sua intensidade ou à sua execução, visto que pode comprometer o gozo dos direitos de terceiros e criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular, e as consequências que os outros têm de suportar.[11]

Na verdade, assim se deve qualificar a conduta do A., que tendo encontrado remédio para a sua circulação automóvel (com a aquisição de um outro veículo), negligencia a situação do veículo sinistrado, prolongando indefinidamente o seu depósito numa oficina, a qual na prática está a servir para “garagem” do mesmo há longos anos, indiferente aos custos acrescidos que tal representa, sobretudo em relação ao valor de uma garagem normal, tanto mais que se apura residir o mesmo fora de qualquer grande centro urbano…

Com efeito, a exigência de boa fé na actuação, não pode contemporizar com uma tal exigência por parte do A., corporizada no correspondente pedido que formulou na presente acção!

Só que dito isto, não fica toda esta questão solucionada: só estaria se se soubesse em que data é que efectivamente o A. adquiriu o outro veículo.

Donde, “mutatis mutandis”, também por similitude de razões com o determinado na solução da questão anterior, terá que se operar neste particular, nos termos do art. 661º, nº2 do C.P.Civil, uma condenação genérica no que vier a ser liquidado.

São assim nesta parte parcialmente atendíveis as “conclusões” da alegação de recurso, com a consequente alteração do decidido no tocante ao montante da indemnização pelos custos do parqueamento do veículo sinistrado DA.

Sendo certo que os termos da condenação neste particular devem precisamente agora ter em vista definir a baliza temporal em que os custos diários de € 2,50 são da responsabilidade dos RR..

                                                           *

c) dano correspondente à desvalorização do veículo sinistrado:

Insurge-se o Recorrente FGA contra a condenação no pagamento da quantia de € 250,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, que a este título teve lugar na sentença recorrida.

E fá-lo argumentando que a desvalorização do veículo não resultou apurada, donde não haver qualquer prejuízo para o A. a indemnizar.

Cremos que apenas por lapso ou desatenção o Recorrente FGA tal sustenta, na medida em que resultou positiva e inequivocamente apurado que “Em consequência do acidente referido em 1, o veículo DA sofreu uma desvalorização de pelo menos € 500,00.” (cf. facto 20).

Ora, resultando apurada uma efectiva desvalorização do veículo DA da ordem de grandeza em referência, constitui-se como inabalável a condenação operada na sentença neste particular: quantia de € 250,00, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento (sempre obviamente em função da proporção de 50% dos riscos de cada um dos dois veículos intervenientes no acidente).

Improcede assim sem necessidade de maiores considerações, o suscitado pelo co-réu Recorrente FGA quanto a esta questão.

                                                                       *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I  – A presunção do art.7º do C.R.Predial, aplicável ao registo automóvel, sendo juris tantum, importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a outra parte a prova do contrário (arts. 347º e 350º do C.Civil) do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.

II – Constitui uma atitude claramente negligente e demonstrativa de incúria por parte do lesado, o facto de este ter confiado no teor da “participação de acidente de viação” lavrada pela entidade policial quanto à identificação de quem era o “proprietário” do veículo lesante, assim deixando de consultar a certidão de matrícula de tal veículo na C.R.Automóvel competente na qual constava estar inscrita outra pessoa como “proprietário”.

III – O prazo de prescrição não deixa de correr mesmo que o lesado não saiba quem é que lhe causou o dano, pois que, da melhor interpretação do art. 498º, nº1 do C.Civil e sua devida conjugação com o disposto no art. 306º, nº1 do mesmo C.Civil, resulta que o lesado, enquanto não souber quem é o responsável pelo dano, não está impedido de fazer valer o direito que considera que lhe assiste.

IV – Agindo o lesado em erro que lhe é imputável quanto à pessoa do “proprietário”, não opera a suspensão do decurso do prazo prescricional no quadro previsto no art. 321º, nº1 do C.Civil. 

V – A privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efectivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº3 do C.Civil para fixar o valor da respectiva indemnização, salvo quando nem sequer estiver balizado o período temporal dessa privação.

VI – Neste último caso deve então ter lugar uma condenação no que se vier a liquidar (art. 661º, nº2 do C.P.Civil).

VII – E deixa de ter direito à indemnização pelos custos do parqueamento do veículo danificado a aguardar reparação, o lesado que adquire um outro veículo para a satisfação das suas necessidades de circulação, cessação que deve considerar-se a partir desta última data (cf. arts. 570º e 334º do C.Civil).

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, no parcial provimento dos recursos e parcial revogação da sentença da 1ª instância, acorda-se em

I – Julgar totalmente improcedente a apelação deduzida pelo Autor;

II – Julgar parcialmente procedente a apelação deduzida pelo co-RR. FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, em consequência do que, revogando-se a condenação respeitante aos segmentos constantes dos itens das als. B) e C) do dispositivo, se substitui a sentença proferida nessa parte pelas condenações seguintes:

B) a quantia total que se vier a liquidar a título de indemnização pelos custos do parqueamento do veículo (...) DA na oficina de (…), desde o dia do acidente (22.12.2001) até ao dia em que o Autor adquiriu um outro veículo,  sendo à razão de € 2,50/dia em tal período;

C) a quantia total  que se vier a liquidar a título de indemnização pela privação do uso do veículo (...) DA por parte do Autor, considerando o período que decorreu entre o dia do acidente (22.12.2001) até ao dia em que o Autor adquiriu um outro veículo;

III – Manter no mais o decidido.

IV – Custas: - nesta instância: da apelação do A., pelo mesmo; da apelação do co-Réu FGA, na proporção de 1/3 pelo mesmo, sendo que quanto aos restantes 2/3 (respeitantes às parte ilíquidas ora determinadas), tal será provisória e antecipadamente suportado por A. e dito co-Réu FGA, na proporção de 50% para cada um deles; 

                        - na 1ª instância: pelo A. e pelos RR. FGA e C (…), na proporção de 50% para aquele e para estes.

                                                                       *

                                              

                                               Luís Filipe Cravo ( Relator )

                                               Maria José Guerra

                                                Albertina Pedroso


[1] De referir que foi igualmente interposto a fls. 417 dos autos recurso subordinado pelo A. da sentença final, mas tal recurso foi julgado deserto por falta de alegações (cf. despacho de fls. 437).
[2] Nessa medida até tornando legítima a concreta dispensa de enumeração dessa factualidade (cf. art. 713º, nº6 do C.P.Civil), mas que optamos por fazer para tornar mais explícita e facilitada a exposição e compreensão da solução que se vai dar às questões que constituem o “thema decidendum”.
[3] visto que no plano exterior o lesado pode exigir a qualquer dos responsáveis (lesante ou FGA) a satisfação do seu crédito, mas já nas relações internas, só o Fundo é que fica sub-rogado, dada a posição de garante, já que o obrigado principal será sempre o “responsável civil” – cf., mais desenvolvidamente sobre estes aspectos, o Ac. do T. R. de Coimbra de 11.01.2005, proc. nº 3013/04, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[4] Imposto pelo art.29º, nº6 do DL nº 522/85 de 31.12..
[5] Consabidamente, o registo de propriedade de veículo automóvel é obrigatório (arts. 1º, 3º e 5º do DL nº 54/75, de 12.2, e art. 42º do DL nº 55/75, de 12.2, ambos na redacção do DL 178-A/2005), e o registo de propriedade automóvel fundado em contrato verbal de compra e venda, faz-se por meio de requerimento formulado pelo comprador e confirmado pelo vendedor, devendo conter também a declaração de venda (arts. 11º, nº3 e 25º, nº1 do DL nº 55/75 de 12.2 (Regulamento do Registo de Automóveis), pelo que, estando o veículo automóvel XO ajuizado inscrito no registo em nome da Chamada, desde 13 de Fevereiro de 1995 e assim se encontrando em 8.06.2006 (cf. certidão de fls. 175), tal constitui presunção de que existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos definidos no registo (art.7º do C.R.Predial, aplicável por força do art. 29º do DL nº 54/75 de 12.2), tratando-se de presunção juris tantum (cf., por ex., Ac. do STJ de 14/10/97, in BMJ nº 470, a págs. 630), sendo certo que para ilidir esta presunção, é necessário, ou fazer a prova da nulidade do registo ou demonstrar a invalidade do negócio ou acto jurídico com base no qual foi feito o registo (cf. ANTUNES VARELA, RLJ, ano 118, a págs. 307) ou, ainda, que a titularidade do direito inscrito pertence a outrem, pedindo-se, simultaneamente o respectivo cancelamento.
[6] Citámos o Ac. do T. R. de Coimbra de 28.04.2010, proc. nº 1646/06.9TBCTB.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[7] Cf., inter alia, o Ac. do T. R. de Coimbra de 15.05.2012, proc. nº 686/10.8TBCNT.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc e extensa jurisprudência citada na nota [1] de tal aresto; na doutrina, A. ABRANTES  GERALDES, in “Temas da Responsabilidade Civil, Vol. I, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, mormente a págs. 39 e segs.


 

[8] De acordo com o disposto no art. 562º do C.Civil “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, donde decorrer desta norma, e como princípio geral, quanto à indemnização, o dever de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o princípio da reposição natural traduzido no dever de reposição das coisas no estado em que estariam se o dano não tivesse sido praticado, o que, por exemplo, impõe que um veículo automóvel danificado deva, em princípio, ser objecto de reparação a cargo do responsável por tal.

[9] Cf., neste sentido, BRANDÃO PROENÇA, in “A Conduta do Lesado”, a pags. 676; na jurisprudência, vide os Acs. do STJ de 29-11-2005 e de 24.01.2008, e da Rel. de Lisboa de 27-11-2008, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[10] Citámos MENEZES CORDEIRO, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, Colecção Teses, Almedina, 2007,  a pags. 882.
[11] Explicitando esta teorização do “desequilíbrio no exercício de posições jurídicas” como uma das concretizações da inadmissibilidade do exercício, veja-se o autor e obra citados na nota anterior, a págs. 894-897.