Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
108/09.7JAAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA POR RECONHECIMENTO
IN DUBIO PRO REO
MEDIDA DA PENA
CONFISSÃO DOS FACTOS
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: 40ºE 71º DO CP 124º,125º 127º 147º,412º, 428ºDO CPP
Sumário: 1.Livre convicção e dúvida razoável limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova e da sua apreciação em conformidade com o critério do art. 127º do CPP.
2. A dúvida legitimadora do princípio in dubio pro reo não é uma qualquer dúvida lançada em abstracto, mas uma dúvida argumentada que, em concreto - após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e sua valoração de acordo com os critérios legais – deixa o julgador - objectivo e distanciado do objecto do processo – num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto.
3.Não obsta à valoração do reconhecimento do agente, maxime quando corroborado por outros meios de prova, efectuado nos termos legais no início do inquérito pela ofendida, o facto desta em audiência de julgamento ter declarado não reconhecer o agente que antes reconhecera.
4.A confissão do crime não assume particular relevância para medida da pena nos casos em que não contribui de forma relevante para a descoberta da verdade, face à restante prova produzida contra o agente.
Decisão Texto Integral: 33
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I.
Após realização da audiência de discussão e julgamento, pelo Tribunal Colectivo, foi proferido acórdão no qual o tribunal de 1ª instância decidiu:
A) – Absolver:
a) - Todos arguidos, L JO JC e LM, do crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22°, 23°, 131º, 132°, n.°s 1 e 2, al.s c), g), e h), todos do Código Penal.
b) – O arguido L do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.s 3°, n° 4), 2°, n.° 1, al.s p) e ax), e 86°, n.° 1, al. c), todos da Lei 5/2006, de 23/02.
c) – O arguido JO , do crime de coacção sexual, p. e p. pelo art. 163°, n.° 1, do Código Penal (sem prejuízo da convolação dos respectivos factos).
d) – O arguido JO, do crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelos artigos 121°, n.º 1, do Código da Estrada, e 3°, n.° 2, do DL 2/98, de 03/01.
B) – Condenar:
B.1 - O arguido L :
- Por um crime de roubo agravado, em co-autoria, p. e p. pelos art.s 26°, 210º, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no art. 204°, n.° 2, al.s e) e f), todos do Código Penal (factos do dia 28-03-2009), na pena de 7 (sete) anos de prisão.
- Por um crime de roubo simples, em co-autoria, p. e p. pelos art.s 26°, 210º, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no art. 204°, n.°s 2, al.s e) e f), e 4, todos do Código Penal (factos do dia 07-04-2009), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- E, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
B.2 – O arguido JO
- Por um crime de roubo agravado, em co-autoria, p. e p. pelos art.s 26°, 210º, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no art. 204°, n.° 2, al.s e) e f), todos do Código Penal (factos do dia 28-03-2009), na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- Por um crime de roubo agravado, em co-autoria, p. e p. pelos art.s 26°, 210º, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no art. 204°, n.° 2, al.s e) e f), todos do Código Penal (factos do dia 19-04-2009), na pena de 6 (seis) anos de prisão.
- Por um crime de importunação sexual, p. e p. pelo art. 170º do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão.
- E, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 9 (nove) anos de prisão.
B.3 – O arguido JC:
- Por um crime de roubo agravado, em co-autoria, p. e p. pelos art.s 26°, 210º, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no art. 204°, n.° 2, al.s e) e f), todos do Código Penal (factos do dia 19-04-2009), na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
- Por um crime de violação, p. e p. pelo art. 164°, n.° 1, al. b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- E, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
B.4 – O arguido LM:
- Por um crime de roubo simples, em co-autoria, p. e p. pelos art.s 26°, 210º, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no art. 204°, n.°s 2, al.s e) e f), e 4, todos do Código Penal (factos do dia 07-04-2009), na pena especialmente atenuada de 2 (dois) anos de prisão.
- Por um crime de roubo agravado, em co-autoria, p. e p. pelos art.s 26°, 210º, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no art. 204°, n.° 2, al.s e) e f), todos do Código Penal (factos do dia 19-04-2009), na pena especialmente atenuada de 3 (três) anos de prisão.
- E, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão.
C) – Suspender a execução da pena aplicada ao arguido LM , por período igual ao da respectiva duração, com acompanhamento de regime de prova, a incluir, nomeadamente, as obrigações de se manter laboralmente activo, responder às convocatórias que lhe forem feitas pelos serviços de reinserção social ou pelo tribunal, receber as visitas do técnico de reinserção social e prestar-lhe todas as informações solicitadas e informar o tribunal e o técnico de reinserção social sobre as alterações de emprego e de residência.
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Recorrem os arguidos, L , JO, JC e LM do referido acórdão. Formulando, na respectiva motivação, as seguintes CONCLUSÕES:
1 - Face à prova produzida e analisada em audiência, designadamente as declarações das testemunhas C e A (gravação digital), os autos das diligências de reconhecimento por aquela efectuadas aos arguidos L e JO e os clichés fotográficos daqueles arguidos existentes nos autos, deve ser considerado como não suficientemente provado terem sido aqueles arguidos os autores dos factos praticados no dia 28/03/2009 e assim serem os mesmos absolvidos por força do principio in dubio pro reu.
2 - Atenta a reduzida ilicitude dos factos é excessiva a pena aplicada aos arguidos L e LM pelo crime de roubo simples praticado no dia 07/04/2009 pelo que a pena que lhes foi aplicada viola o disposto no art. 71º do CP.
3- Atenta a reduzida ilicitude dos ilícitos dentro do que é um roubo agravado, designadamente a reduzida violência empregue e o também reduzido valor dos bens apropriados, sem esquecer que os arguidos confessaram e voluntariamente devolveram alguns dos bens furtados é excessiva a pena que foi aplicada aos arguidos JO, LM e JC pelos factos praticados no dia 19/04/2009 tendo assim o douto acórdão sob recurso violado nesta parte o disposto no art. 71º CP.
4- Considerando a forma menos gravosa da sua execução, o contexto em que a mesma ocorreu e a ausência de antecedentes criminais do arguido é excessiva a pena de quatro anos e seis meses de prisão aplicada ao arguido JO pela prática do crime de violação. Ao não entender assim violou o douto acórdão sob recurso o disposto no art. 71º CP.
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Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido rebatendo, ponto por ponto, a motivação dos recursos, concluindo pela sua total improcedência.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual, em síntese, manifesta a sua concordância com a resposta apresentada em 1ª instância.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos e realizado o julgamento, em conferência, mantendo-se inalterados os pressupostos de validade e regularidade da instância afirmados no despacho liminar, cumpre decidir.
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II.

1. O recurso, cujo objecto é definido pelas respectivas conclusões, incide sobre matéria de facto e de direito. Questionando-se, em matéria de facto, a prática, pelos recorrentes L e JO , dos factos descritos como praticados no dia 28/03/2009 - tendo por base a valoração dos autos de reconhecimento incorporados nos autos e o depoimento, em audiência, da ofendida que procedeu aos referidos depoimentos. E em matéria de direito, a medida concreta das penas aplicadas aos 4 recorrentes.
A fim de proceder à apreciação, vejamos, a decisão do tribunal recorrido em matéria de facto, como a motivação que a suporta.
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2. A decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto é a seguinte:
A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA
I)
1. No dia 28 de Março de 2009, cerca das 21h e 30m, os arguidos L e JO, acompanhados de mais três indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, dirigiram-se a uma residência que se situa em lugar ermo, na Rua das Juntas, n…, onde se encontravam C e A.
2. Aí chegados, forçaram e partiram a porta que dá acesso àquela casa, logrando assim, de imediato, aceder através dela à habitação.
3. Nesse momento, o arguido L exibiu uma espingarda de caça à C, enquanto o arguido JO encostou uma pistola à cabeça da mesma, dizendo-lhe simultaneamente em tom sério: “dinheiro, dinheiro ou me dás o dinheiro ou mato o teu marido” (referindo-se ao irmão dela, o referido A) e desferindo-lhe bofetadas na cara.
4. A referida C foi ainda atingida na cabeça de forma não concretamente apurada, o que a fez sangrar.
5. De seguida, os arguidos L e JO e os indivíduos que os acompanhavam deslocaram-se para a cozinha onde se encontrava A, tendo-o agredido a soco na zona da cabeça, ao mesmo tempo que lhe exigiam que lhes entregasse todos os valores que possuísse.
6. Durante o tempo em que permaneceram na residência, os arguidos L e JO e os indivíduos que os acompanhavam dispararam vários tiros com as referidas armas.
7. A determinada altura, um deles, cuja identidade não foi possível apurar, encostou lateralmente a referida pistola à cabeça de A e efectuou um disparo, tendo o projéctil ficado alojado na parte frontal da cabeça deste último, sendo posteriormente removido no hospital.
8. Face à violência empregue, o referido A acabou por cair ao chão, onde ficou prostrado.
9. Enquanto permaneceram na residência, os arguidos L e JO e os indivíduos que os acompanhavam extraíram gavetas dos móveis e reviraram toda a casa, apoderando-se e levando consigo os seguintes objectos:
- uma arma caçadeira, marca Bettinsoli, com o n.° 41759, calibre 12, de dois canos, e quatro caixas de cartuchos com chumbo, tudo pertencente a J, companheiro de C;
- um par de brincos de meias libras, que foram arrancados das orelhas desta última;
- um par de brincos de pendor a imitar umas panelinhas;
- uma volta em ouro, com medalhas ostentando numa das faces os três pastorinhos e a imagem de Nossa Senhora de Fátima e noutra a coroa de Nossa Senhora;
- uma volta em ouro, mais pequena, com crucifixo e imagem de Cristo;
- um relógio de pulso de senhora em tons de amarelo, com pulseira em cabedal de cor vermelha;
- um fio de ouro amarelo com crucifixo;
- € 400 em notas de 10 e 20 euros;
- uma machada;
- um anel de ouro com pedra vermelha;
- e dois telemóveis.
10. Em consequência das lesões sofridas, os ofendidos C e A tiveram de receber assistência hospitalar, tendo o segundo sido submetido a uma intervenção cirúrgica para remoção do projéctil, com internamento.
11. A ofendida C nasceu a 30-09-1942 e o ofendido A a 30-04-1948.
12. Os arguidos L e JO agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços entre si e com os outros indivíduos, tendo o propósito de fazerem seus aqueles objectos e valores, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam sem o consentimento e contra a vontade dos seus legítimos proprietários.
13. Mais sabiam que ao actuar da forma descrita, designadamente exibindo e usando as armas nas condições em que o fizeram, provocavam, como efectivamente provocaram, receio na ofendida, fazendo-a recear pela sua própria vida, bem como pela do seu irmão.
14. Sabiam ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
II)
15. No dia 07 de Abril de 2009, a hora não concretamente apurada do início da noite, pelo menos os arguidos L e LM, fazendo-se transportar no veículo de marca Opel, modelo Corsa e de matricula SE-…, deslocaram-se à residência de LA e V, .., Águas Boas, Oliveira do Bairro, munidos de uma faca e de uma pistola, com o propósito de se apoderarem de objectos e valores que aí encontrassem.
16. Lá chegados, forçaram a porta da entrada, desferindo-lhe pancadas fortes, logrando assim abri-la e entrar na habitação.
17. A referida LA, que se encontrava sozinha em casa, levantou-se da cama e deparou-se com eles, os quais, em tom sério e exibindo as referidas pistola e faca, lhe exigiram que lhes desse dinheiro, fazendo-a recear pela sua vida.
18. De seguida, não obstante a ofendida dizer que não tinha objectos de valor, eles revistaram a casa e apoderaram-se de um serrote em arco, uma gancha e um podão, tudo de valor não concretamente apurado.
19. A referida residência situa-se em lugar ermo.
20. Os arguidos L e LM agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, tendo o propósito de fazerem seus aqueles objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu dono.
21. Mais sabiam que ao actuar da forma descrita provocavam, como efectivamente provocaram, receio na ofendida LA , fazendo-a recear pela sua vida.
22. Sabiam igualmente que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
III)
23. No dia 19 de Abril de 2009, a hora não concretamente apurada mas depois das 19h e 15m, os arguidos JO, JC e LM, acompanhados de um outro indivíduo menor de idade, fazendo-se transportar no veículo Opel Corsa de matricula SE-.. e munidos de paus, ferros e navalhas, dirigiram-se à residência de AC, .. Aradas, Aveiro, onde aquela se encontrava juntamente com D seu companheiro, e S, seu amigo, com o propósito de se apoderarem de objectos e valores que aí encontrassem.
24. Lá chegados, saltaram o muro de delimitação da casa e introduziram-se naquela habitação pela porta da cozinha.
25. A determinada altura, o arguido JO agarrou com força a AC e levou-a para a casa de banho, contra a vontade desta, tendo aberto as gavetas do móvel aí existente, a fim de se apoderar de objectos que nele se encontrassem.
26. De seguida, depois de insistir com a AC para que esta lhe desse um beijo na boca, perante a recusa dela, beijou-a aí contra a vontade da mesma.
27. Como nada de valor foi encontrado, munido de uma faca numa das mãos, arrastou a ofendida para o interior do quarto, exigindo-lhe o ouro que tivesse.
28. Ao mesmo tempo, os restantes arguidos e o outro indivíduo que os acompanhava remexiam e reviravam a casa, com o propósito de encontrarem objectos e valores que lhes interessassem.
29. O arguido LM apontou um pau com um bico ao ofendido S.
30. Por seu lado, o arguido JC obrigou ainda os ofendidos S e D, depois de lhes dar bofetadas, a baixarem as calças, para ver se tinham droga com eles.
31. A dada altura, encontrando-se apenas no interior do quarto a AC e o arguido JC , este apalpou-a, deu-lhe beijos na cara e no pescoço e disse-lhe:
“Eles foram ao streap, por isso tu também tens que ir. Já vi muitas conas na vida, não vai ser diferente ver a tua”.
32. De seguida, ordenou-lhe que despisse a roupa, ao que ela acedeu por recear pela sua vida.
33. Como a ofendida se estava a despir lentamente, o arguido puxou-lhe com força as camisolas para cima e as calças até aos pés.
34. De seguida, o arguido introduziu pelo menos dois dedos de uma das suas mãos na vagina da AC, contra a vontade da mesma.
35. Após, o arguido JC saiu do quarto e juntou-se aos restantes arguidos e ao outro indivíduo que os acompanhava, tendo todos, de imediato, abandonado a habitação, levando com eles os seguintes objectos, pertencentes aos ofendidos:
- € 245 em dinheiro;
- dois fios em ouro;
- um fio de prata;
- um anel largo, em prata lisa;
- um leitor de DVD;
- um auto rádio;
- um leitor de MP3;
- um cartão de memória com 2G;
- um telemóvel marca Nokia, modelo N70,
- e três telemóveis.
36. Os arguidos JO e JC agiram de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito, ambos, de beijarem a ofendida AC e o segundo ainda de a apalpar e de lhe introduzir os seus dedos na vagina, satisfazendo assim os seus instintos libidinosos, bem sabendo que agiam contra a vontade da mesma.
37. Os mesmos arguidos e ainda o arguido LM , agiram igualmente livre, voluntária e conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços, com o propósito de se apoderarem dos referidos objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam sem o consentimento e contra a vontade dos seus proprietários.
38. Mais sabiam todos que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.
39. O arguido JO não era titular de qualquer título válido que o habilitasse a conduzir veículos automóveis.
40. Alguns dias depois dos factos, os arguidos, por intermédio de terceiras pessoas, restituíram aos ofendidos o leitor de DVD e três telemóveis.
41. No decurso da audiência de julgamento restituíram igualmente à ofendida AC vários artigos de bijutaria que igualmente lhe subtraíram, mas não mencionados supra.
IV)
42. O arguido L, oriundo de uma família de etnia cigana, não obteve qualquer grau de escolarização ou aprendizagem de formação profissional, tendo apreendido muito cedo a actividade de cesteiro, optando mais tarde pela de sucateiro, que tem mantido, paralelamente com uma actividade agrícola, para subsistência do seu agregado familiar.
43. Desde a reclusão desse arguido à ordem dos presentes autos, a sua companheira e alguns filhos deixaram de viver no acampamento onde viviam, constituído por várias casas abarracadas, e passaram a residir num apartamento, pelo qual pagam cerca de € 300 mensais de renda, beneficiando de cerca de € 900 por mês de rendimento social de inserção.
44. O arguido dispõe do apoio da companheira e dos filhos.
45. O arguido JO, igualmente oriundo de uma família de etnia cigana, não obteve qualquer grau de escolaridade, tendo apreendido com o pai – o arguido L – a actividade de cesteiro, também optando mais tarde pela de sucateiro, que vem mantendo paralelamente com uma actividade agrícola.
46. Vive com uma companheira e tem um filho com 4 anos de idade, os quais, desde a reclusão do arguido à ordem dos presentes autos, vivem com familiares no referido apartamento, sendo igualmente beneficiário do mencionado rendimento social de inserção.
47. O arguido JC, também oriundo de uma família de etnia cigana, não chegou a frequentar a escola, tendo começado precocemente a trabalhar como vendedor ambulante, actividade que foi mantendo, intercalando-a com o desempenho de trabalhos indiferenciados na agricultura ou na construção civil. Presentemente não exerce regularmente qualquer actividade, trabalhando indiferenciadamente de acordo com as oportunidades que vão surgindo.
48. Vive num agregado familiar constituído pela companheira e por seis filhos, com idades compreendidas entre os 6 e os 13 anos de idade, sendo beneficiário de rendimento social de inserção.
49. No meio social em que se insere beneficia de uma imagem positiva, não sendo associado a grupos ou a indivíduos problemáticos, embora por vezes ingira bebidas alcoólicas em excesso, tendo também já consumido substâncias estupefacientes.
50. O arguido LM é filho do arguido L, irmão do arguido JO e companheiro da filha do arguido JC.
51. Frequentou a escola, não chegando a completar o 3º ano de escolaridade nem tendo adquirido qualquer competência profissional.
52. Vive com uma companheira, integrando o supra referido grupo familiar mais alargado, composto pela mãe, alguns irmãos e respectivos agregados.
53. Revela necessidades de reinserção, sobretudo nas áreas laboral e social. No âmbito da medida tutelar de acompanhamento educativo que lhe foi aplicada, aguarda integração num curso de formação profissional na área da serralharia.
54. O arguido L já sofreu as seguintes condenações:
- por acórdão de 29-10-1990, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, integralmente perdoada, pela prática, em 01-07-1990, de um crime de furto qualificado;
- por acórdão de 02-07-1993, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, pela prática, em 07-10-1992, dos crimes de dano e de furto qualificado, suspensão essa que foi revogada, tendo-lhe sido perdoado 1 ano de prisão;
- por acórdão de 21-06-1996, na pena única de 20 meses de prisão, pela prática, em 10-07-1992, dos crimes de furto qualificado, introdução em lugar vedado ao público e dano, tendo-lhe sido perdoado um ano;
- por acórdão de 06-11-1996, na pena única de 5 anos de prisão, pela prática, em 20-11-1995, dos crimes de furto e detenção de arma proibida, tendo sido aplicada, em cúmulo jurídico com a condenação anterior, a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão;
- por sentença de 14-05-2007, transitada em julgado em 29-05-2007, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova, pela prática, em 2005, de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público;
- por sentença de 07-10-2008, transitada em julgado em 04-05-2009, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática, em 26-08-2007, de um crime de furto qualificado e de dois crimes de detenção ilegal de arma.
55. O arguido JO já foi condenado:
- por acórdão de 16-10-2006, transitado em julgado em 31-10-2006, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, pela prática, em 27-12-2005, de um crime de roubo;
- por acórdão de 15-05-2007, transitado em julgado em 30-05-2007, na pena única de 4 anos de prisão e 325 dias de multa, pela prática, em 17-08-2005, dos crime de violação na forma tentada, ofensa à integridade física simples e condução sem habilitação legal, tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional até ao fim dessa pena (28-12-2009), com efeitos a partir de 28-08-2008.
56. O arguido JC já foi condenado:
- por sentença de 01-04-1999, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 500$00, pela prática, na mesma data, de um crime de condução sem habilitação legal;
- por sentença de 13-06-2005, transitada em julgado em 28-06-2005, na pena de 175 dias de multa, à taxa diária de € 3, pela prática, em 15-04-2004, de um crime de condução sem habilitação legal;
- por sentença de 02-03-2007, transitada em julgado em 19-03-2007, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 140 dias de multa, à taxa diária de € 3, pela prática, em 18-08-2005, de um crime de condução sem habilitação legal;
- por sentença de 13-03-2008, transitada em julgado em 02-04-2008, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, pela prática, em 27- 02-2008, de um crime de condução sem habilitação legal.
57. Do certificado de registo criminal do arguido LM nada consta.
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B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Para além dos que já resultam logicamente excluídos em face da matéria provada, não se provaram os seguintes factos descritos na acusação:
- Os arguidos JC e LM faziam parte do grupo de indivíduos que se deslocou à residência de C
- O arguido JO também desferiu pontapés à referida C.
- O A acabou por perder a consciência, tendo ficado inanimado.
- Os arguidos actuaram com o propósito de atentar contra a vida do ofendido Alcides Simões, face à zona atingida com o projéctil, o que só não se verificou por facto alheio às suas vontades.
- A caçadeira de J tinha o valor de € 897,84 e encontrava-se acondicionada num estojo próprio.
- Os arguidos JO e JC também faziam parte do grupo de indivíduos que se deslocou à residência de LA.
- Os arguidos arremessaram contra a porta dessa habitação um pilar de cimento que se encontrava no chão.
- O arguido L colocou as mãos à volta do pescoço da ofendida, apertando-o.
- Os arguidos apoderaram-se também de alguns frascos de perfume.
- Os objectos de que se apoderaram tinham um valor não inferior a € 100.
- Aquando dos factos ocorridos no dia 19 de Abril de 2009, o veículo de matrícula SE-.. foi conduzido pelo arguido JO...
- O arguido JO-- deu uma bofetada na AC e quando agarrou nela estava munido de um pau aguçado nas duas pontas.
- O S também foi levado para o quarto.
- O arguido JO, quando empurrou a AC para o quarto estava munido de um tubo de ferro fino.
- Aí já se encontrava o D.
- A AC entregou ao arguido JO os dois fios em ouro, um dos quais liso com uma medalha igualmente em ouro, sendo que numa das faces se encontravam gravados os dizeres “amor de pai”, sendo o outro fio em ouro entrelaçado com um coração em ouro, tendo no meio a letra “A”.
- O arguido JO empurrou a ofendida AC contra a parede, encostou o seu corpo ao dela, lambeu-lhe a cara, desapertou-lhe as calças e ajoelhou-se.
- E ordenou-lhe que se mantivesse com os braços e as mãos levantados.
- O arguido LM apontou uma faca de cozinha ao pescoço do ofendido D.
A demais matéria alegada é meramente conclusiva, de direito, irrelevante para a decisão da causa.

C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
1. O tribunal colectivo formou a sua convicção sobre os factos provados com base na análise e valoração crítica dos meios de prova produzidos e examinados em audiência, avaliados de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, destacando-se:
I) – Quanto ao assalto ocorrido no dia 28-03-2009:
a) - Os depoimentos das testemunhas C e A, que na qualidade de ofendidos e de forma perfeitamente isenta e sem contradições de relevo, descreveram as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que os factos ocorreram, pormenorizando nomeadamente a forma de actuação dos assaltantes, bem como os objectos subtraídos por estes, as lesões que os mesmos lhes causaram e as respectivas datas de nascimento.
b) - O depoimento da testemunha J, companheiro de C e que tendo chegado a casa por volta das 22 horas, deparou com aquela a gritar e a sangrar, encontrando-se o irmão da mesma tombado no chão, tendo ainda confirmado a subtracção da machada (pertença do seu filho), bem como da sua caçadeira, dos cartuchos e de quatro adaptadores para cano de caçadeira (choques) e uma ponteira pertencentes a uma outra caçadeira sua, ponteira e choques esses que vieram a ser encontradas na busca efectuada à residência do arguido LM (conforme auto de busca e apreensão de fls. 152 e ss. e auto de exame directo junto a fls. 547 a 551).
c) - Os autos de reconhecimento de pessoas juntos a fls. 302 a 303 e 314 a 315, relativos à diligência na qual a ofendida C reconheceu os arguidos LM e JO como fazendo parte do grupo de cinco indivíduos que entraram na sua residência e a assaltaram, em concreto e respectivamente, aquele que lhe exibiu a caçadeira e o que lhe apontou a pistola à cabeça.
Esclareça-se que o facto de a testemunha, em julgamento, já não ter logrado reconhecer aqueles arguidos, não abalou minimamente a credibilidade do referido reconhecimento presencial. Desde logo porque, conforme consta dos respectivos autos e foi mencionado em audiência pelo inspector da PJ que procedeu à diligência (testemunha AG), a ofendida C. não teve a mínima dúvida em reconhecer aqueles arguidos, tendo inclusivamente demonstrado uma espontaneidade indiscutível, ao dar um salto e afastar-se da janela de reconhecimento, ficando assustada, assim que se aproximou do vidro e os viu na linha. Acresce que o reconhecimento pessoal teve lugar cerca de três semanas após os factos, ao passo que o julgamento ocorreu passados cerca de dez meses, com naturais reflexos na memória da testemunha. Além disso, ficou amplamente demonstrado em audiência, nomeadamente pelos depoimentos dos inspectores da PJ e de várias outras testemunhas, que os arguidos apresentam actualmente um aspecto bastante diferente daquele que tinham à data dos factos, nomeadamente no que concerne ao corte e cor do cabelo e à existência ou não de barba. Acresce que, dois dias depois dos factos, o inspector da PJ AG, em deslocação efectuada à residência do arguido LM, constatou que o mesmo apresentava a cara rapada, com alguns tufos de pelos no pescoço e face, onde eram visíveis alguns lanhos provocados pelo barbeado recente, indiciando não terem mais de 48 horas, o que é sugestivo de uma eventual preocupação em alterar a sua fisionomia. Aliás, essa alteração pôde o tribunal constatar objectivamente, ao confrontar o rosto do arguido L M com a fotografia do mesmo junta a fls. 51, já que em julgamento se apresentou com cabelo curto e escuro, com a cara completamente rapada e com um aspecto mais jovial. E foi precisamente por achar o arguido L M mais novo e com o cabelo mais preto, que a ofendida C, em julgamento, afirmou não lhe parecer ser ele um dos indivíduos que entrou na sua casa, já que os demais aspectos, como sejam a estatura e a constituição física, coincidem. Semelhante constatação pôde ser feita quanto ao arguido JO, já que comparativamente com a sua fotografia junta a fls. 275, próxima da data dos factos, em julgamento apresentava o cabelo mais curto e a cara rapada. Não obstante o ofendido A ter afirmado que o disparo que o atingiu foi efectuado com a pistola pequena e de a testemunha C sustentar que esta era empunhada pelo arguido JO, não foi possível concluir, com a necessária segurança, ter sido este o autor de tal disparo. Isto porque aquela testemunha não presenciou esse facto, por se encontrar noutra divisão da casa, e o ofendido afirmou que os quatro indivíduos mais novos (excluindo, pois, o arguido LM, que empunhava a caçadeira), todos efectuaram disparos com a pistola pequena, não tendo identificado o autor daquele que o atingiu.
d) - Os documentos juntos a fls.:
- 13 a 19, 63 a 87 e 91 a 100 (fotografias relativas à residência assaltada, relevantes para a localização da mesma em local ermo, bem como para o estado em que os assaltantes a deixaram e os estragos causados, designadamente pelos vários disparos efectuados por aqueles);
- 55, 56 e 109 (fotografias relativas par de brincos de meias libras subtraído à ofendida C e que havia sido fotografado pela PJ por ocasião de um assalto ocorrido em data anterior à mesma residência);
- 24 a 26, 429 a 431, 434 a 435, 470 a 471, 472 a 473 e 569 a 570 (relatórios dos episódios de urgência e dos exames médico-legais relativos aos ofendidos C e A, atendidos para as lesões sofridas pelos mesmos);
- 477 a 481 (fotografias relativas aos referidos choques e ponteira de uma outra caçadeira pertencente à testemunha J);
- 41 e 146 (cópias da licença para uso e porte de arma titulada pelo referido J e do livrete de manifesto de armas, atendidas para as características da caçadeira subtraída àquele).
II) – Quanto ao assalto ocorrido no dia 07-04-2009:
- O depoimento da testemunha LA, que na qualidade de ofendida e por ter vivenciado o assalto de que foi vítima, descreveu as circunstâncias em que mesmo ocorreu, pormenorizando a forma como os assaltantes (cujo número desconhece) entraram na sua casa, o facto de se fazerem transportar num veículo de cor vermelha, as armas que traziam, o que lhe exigiram e os objectos que subtraíram, os quais reconheceu entre os vários que vieram a ser apreendidos em casa do arguido L Monteiro (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 152 e ss. e auto de reconhecimento de objectos junto a fls. 247 a 249).
Quanto aos autores dos factos, a testemunha reconheceu, em julgamento, os arguidos L e LM, esclarecendo, em relação ao primeiro, que à data do assalto tinha barba e bigode. Nessa sequência, ao ser-lhe exibida a fotografia desse arguido junta a fls. 51, contemporânea dos factos, foi peremptória em afirmar tratar-se de um dos assaltantes. Este reconhecimento dos arguidos em julgamento não é abalado pelo facto de a ofendida não os ter reconhecido na diligência feita em sede de inquérito, porquanto, segundo esclareceram os agentes da PJ J e AG, optaram por interromper tal diligência em virtude de a ofendida não apresentar condições para um reconhecimento sério, apresentando-se debilitada emocionalmente e ter dificuldades de expressão.
- O depoimento da testemunha V, companheiro da ofendida LA, tendo confirmado os estragos causados na porta da habitação e aludido aos objectos que foram subtraídos, os quais veio a reconhecer de entre os vários apreendidos na residência do arguido L (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 152 e ss. e auto de reconhecimento de objectos junto a fls. 244 a 246), o que reforça a convicção de que este participou efectivamente no assalto.
Essa convicção é ainda fortemente corroborada pelo facto de junto à residência da ofendida terem sido identificadas pegadas que coincidem com o rasto das sapatilhas encontradas na residência desse arguido. Pese embora este tenha sustentado que as mesmas não são suas, desconhecendo a quem pertencem (o que já por si é estranho) e que há cerca de dois anos e meio que não usa caçado fechado, mas apenas chinelos, por ter levado um tiro, o certo é que tal versão não foi minimamente convincente.
Desde logo porque o alegado problema de saúde não foi objecto de qualquer confirmação médica, nomeadamente documental, o que não seria difícil. Por outro lado, o local onde as sapatilhas foram encontradas (junto à cama do arguido) e a forma como estavam dispostas, indiciam claramente o seu uso (cfr. fotografias juntas a fls. 158, sob os n.ºs 9 e 10).
Ainda a reforçar a convicção sobre a participação dos mencionados arguidos no assalto em apreço é o facto de a ofendida se ter apercebido que os assaltantes se faziam transportar num veículo de cor vermelha e de nas proximidades da residência terem sido identificados rastos que coincidem com o desenho dos pneumáticos do veículo Opel Corsa de cor vermelho apreendido junto às residências dos arguidos, conforme resulta das comparações efectuadas pela PJ, documentadas a fls. 263 a 272 e explicitadas em audiência pela testemunha AG.
- Valoraram-se ainda as fotografias juntas a fls. 185 a 192, relativas à residência assaltada, ilustrativas da forma de actuação dos arguidos.
III) – Quanto ao assalto ocorrido no dia 19-04-2009:
- As declarações prestadas pelos arguidos JO, JC e LM, na parte em que admitiram terem-se deslocado à casa em apreço, fazendo-se transportar no mencionado veículo, bem como terem subtraído alguns dos referidos objectos, embora sustentando que não empregaram qualquer violência, tendo a porta sido aberta de livre e espontânea vontade pela ofendida AC.
- Todavia, esta versão dos arguidos foi frontalmente infirmada pelos depoimentos dos próprios ofendidos AC, D e S, que, depondo todos de forma isenta, credível e sem contradições de relevo, descreveram as circunstâncias em que os factos ocorreram, a forma como os arguidos se introduziram na habitação, o modo de actuação dos mesmos para com cada ofendido, os objectos que os arguidos empunhavam e aqueles que lhes subtraíram. Os ofendidos lograram identificar os arguidos, quer em julgamento, quer nas diligências de reconhecimento de pessoas efectuadas em inquérito, documentadas nos autos de fls. 276 a 283, 286 a 289 e 292 a 293.
- Estes depoimentos foram ainda corroborados pelo da testemunha VS amiga da ofendida AC e na altura companheira de um amigo dos arguidos. Momentos antes dos factos, essa testemunha viu os arguidos JO (que também reconheceu na diligência documentada no auto de fls. 273 a 274) e JC numa pastelaria situada próxima da residência da AC, facto igualmente comprovado pelas imagens de video-vigilância juntas a fls. 228 a 232 (igualmente relevantes para a hora a que os factos ocorreram). De seguida, a testemunha observou os três arguidos e um familiar dos mesmos, de menor idade, a caminharem em direcção àquela residência, fazendo-se transportar num veículo de cor vermelha. Momentos depois, a testemunha recebeu dois telefonemas da ofendida, dando-lhe conta do assalto, após o que se dirigiu de imediato para a habitação da amiga, tendo ainda visto quatro indivíduos a saltar o muro, logrando identificar o arguido LM .
- A testemunha R, por ter sido um dos intermediários através do qual os arguidos restituíram aos ofendidos o leitor de DVD e os três telemóveis, descreveu a forma como se processou tal restituição.
- Atendeu-se ainda às fotografias juntas a fls. 217 a 225, relativas à residência assaltada, ilustrativas do local por onde os arguidos se introduziram (fls. 223 e 225) e do estado em que ficou a habitação.
- Valorou-se igualmente o teor do relatório de fls. 494 a 495, relativo ao exame pericial efectuado aos vestígios hemáticos recolhidos na residência assaltada e no casaco do ofendido D, tendo-se concluído pela identidade de polimorfismos de tais vestígios e da zaragatoa bucal recolhida ao arguido JO .
IV) – Quanto à demais matéria com relevo para a decisão da causa, atendeu-se ao teor dos certificados de registo criminal juntos a fls. 795 e 800 a 814 e às certidões juntas ao processo e relativas à última condenação sofrida pelo arguido LM, que ainda não figura no seu certificado de registo criminal, para os antecedentes criminais dos arguidos, bem como dos relatórios sociais juntos aos autos, para as suas condições pessoais, parte delas mencionadas pelo respectivo arguido.
2. No que concerne à factualidade não provada e para além do que resulta logicamente excluído pelos factos provados, não foi feita qualquer prova ou então a produzida revelou-se insuficiente, sendo de destacar o seguinte:
- Os respectivos ofendidos não lograram identificar, nem em inquérito nem em julgamento, os demais arguidos cuja participação nos factos não foi dada como provada.
- A ofendida C negou que lhe tenham sido dados pontapés.
- O ofendido A não confirmou ter perdido a consciência.
- Nenhuma alusão houve ao valor da caçadeira subtraída a J nem se a mesma estava acondicionada num estojo, apesar de este se encontrar na residência (foto de fls. 103).
- Inexistiu também qualquer referência à utilização de um pilar de cimento para forçar a porta da residência de LD, apesar de no exterior se encontrar tal objecto (cfr. fotos de fls. 192)
- Esta ofendida negou que lhe tenham colocado as mãos à volta do pescoço e que lhe tenham subtraído frascos de perfume.
- A testemunha V, única que aludiu ao valor dos objectos subtraídos, não o logrou concretizar cabalmente, sendo certo que o valor por ele sugerido nunca alcançaria os € 100.
- Relativamente à identificação do condutor do veículo de matrícula SE-.. não foi feita prova bastante de se tratar do arguido JO. Com efeito, este e os arguidos JC e LM sustentaram ter sido a testemunha RF a conduzi-lo, uma vez que aqueles arguidos se encontravam alcoolizados, facto que a referida testemunha corroborou. Todavia, tal versão não nos pareceu suficientemente credível, desde logo por esta testemunha ter apenas 15 anos à data dos factos, sendo certo que é familiar dos arguidos. De todo o modo, para além dela, a única testemunha que presenciou a condução do referido veículo foi a mencionada VS, a qual, todavia, não pôde precisar se o condutor era o arguido JO ou o arguido JC.
- Os demais factos ocorridos no interior da residência de AC não foram confirmados por nenhum dos ofendidos ou então subsistiram dúvidas sobre a sua verificação.
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3. Recurso da matéria de facto:

3.1. Os arguidos L e JO manifestam a sua discordância da decisão recorrida, na parte em que dá como provada a sua autoria/comparticipação nos factos ocorridos no dia 28.03.2009 (lª situação descrita no acórdão recorrido) na residência dos ofendidos C e J
Sustentam os recorrentes que o tribunal a quo fundou a sua convicção, no que toca à autoria dos factos praticados no dia 28.03.2009, exclusivamente, nos autos de reconhecimento de fls. 302 e 303 e 314 e 315 (nos quais a ofendida C reconheceu os dois recorrentes como agentes do facto, a que assistiu, ocorrido na sus residência). Contrapondo os recorrentes que, na audiência de discussão e julgamento, a referida C não procedeu ao mesmo reconhecimento dos recorrentes.
Como é sabido, a lei processual penal impõe ao tribunal m dever de fundamentação exaustivo da decisão da matéria de facto, com a análise crítica da prova em que repousa a decisão – cfr. art. 374º do CPP. Cominando com a nulidade a omissão de tal dever – art.379º, n.º1, al. a) do CPP.
Assim, cumprindo a sentença esse dever de fundamentação (se o não fizer é nula não merecendo sindicância de fundo), quem discorda da decisão, fundamentada, deve rebater ou por em causa a legalidade e/ou bondade desses fundamentos. Ou porque assentes em meios de prova ilegais ou nulos; ou porque viola critérios de apreciação legal de prova; ou, quando estão em causa meios de prova não sujeitos a critérios de apreciação vinculada que a análise posta em causa viola o critério de apreciação enunciado no art. 127º do CPP.
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A prova documental e a prova pericial estão sujeitas a critérios legais de apreciação vinculada - cfr., respectivamente, os artigos 169º e 163º do CPP.
Já os depoimentos prestados oralmente em audiência (únicos meios de prova cuja valoração é questionada, no caso) estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos pelo artigo 127º do CPP.
Com efeito, postula o referido art. 127º: Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A livre convicção não pode nem deve significar o impressionista-emocional arbítrio ou a decisão irracional “puramente assente num incondicional subjectivismo alheio à fundamentação e a comunicação” – cfr. Prof. Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 43.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos:
- a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência,
- é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material,
- a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana.
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” - cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss..
Como refere o Prof. FIGUEIREDO DIAS (Direito Processual Penal, p. 202-203) “a apreciação da prova é na verdade discricionária, tem evidentemente como toda a discricionalidade jurídica os seus limites que não podem ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios de objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo”...”não a pura convicção subjectiva ... se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão ... a convicção do juiz há-de ser .. em todo o caso uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros ... em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”.
A convicção do tribunal é formada antes de mais com base nos dados objectivos fornecidos pela prova documental, pericial e outras provas constituídas de apreciação vinculada. Conjugando e articulando criticamente esses meios de prova com os depoimentos prestados na plenitude da audiência, apreciados em função do distanciamento de cada depoente do objecto do processo, da sua razão de ciência, das certezas e das lacunas dos depoimentos, das humanas paixões, da ligação de cada depoente ao objecto do litígio e aos sujeitos processuais, na comunicação dialéctica que se estabelece na audiência de discussão e julgamento, sob a fiscalização directa dos sujeitos processuais, sob a vigilância da comunidade, na publicidade da audiência.
Por outro lado a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza prática, empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, Barcelona, p. 615.

Toda a decisão judicial constitui - precisamente - a superação não só da dúvida filosófica, metódica, como da “dúvida razoável” sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do acusado, após a análise exaustiva da prova produzida. Daí a submissão a um rígido controlo formal e material do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno.

O princípio in dubio pro reo situa-se no âmago da livre apreciação da prova. Constituindo como que “o fio da navalha” onde se move a missão de julgar. Livre convicção e dúvida razoável limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova e da sua apreciação em conformidade com o critério do art. 127º do CPP. Sujeito ainda à mesma exigência de legalidade da prova e da sua apreciação motivada e crítica, da objectividade, racionalidade e razoabidade dessa apreciação.

Constituindo um princípio geral de direito (processual penal) cuja violação conforma uma autêntica questão-de-direito – Cfr. Medina Seiça, Liber Discipulorum, p. 1420; Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1974, p. 217 e segs.), criticando o entendimento contrário do STJ.

Significando que “em caso de dúvida razoável, após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido” – formulação de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, ed. de 1974, p. 215, fazendo a síntese da doutrina.
Não é assim toda a dúvida, lançada em abstracto, que legitima o funcionamento deste princípio – estando em causa factos pretéritos existe sempre uma dúvida abstractamente possível sobre a sua verificação e/ou autoria, na certeza de que quem os aprecia não os presenciou. Mas apenas a dúvida argumentada que, em concreto - após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e sua valoração de acordo com os critérios legais – deixa o julgador (objectivo e distanciado do objecto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto.
Com efeito “A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme á razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio razoável” – cfr. Ac. STJ de 04.11.1998, BMJ 481º, p. 265.
A dúvida deve ser argumentada, coerente, razoável – cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.
Situando-se assim o princípio in dubio pro reo no âmago da livre apreciação da prova. Constituindo como que “o fio da navalha” onde se move a missão de julgar. Convicção “para lá da dúvida razoável” e “dúvida razoável” legitimadora do princípio in dubio pro reo limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios da legalidade da produção da prova, da valoração dos meios prova de apreciação vinculada em conformidade com os critérios legais e por ultimo da livre apreciação dos restantes em conformidade com o critério do art. 127º do CPP.
Sujeitos ambos às mesmas exigências de legalidade da prova e da sua apreciação em conformidade com os critérios legais, de forma motivada e crítica, objectiva e racionalidade, em última instância com base no critério de razoabilidade das regras da experiência comum e do convívio social.
A gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite o controlo, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência. Mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão cruzada dos meios de prova, a oralidade e imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício do contraditório, na discussão cruzada levada a cabo na plenitude da audiência, pública, de discussão e julgamento.
E “só os princípios da oralidade e da imediação permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Só eles permitem, por último, uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso” – Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234.
Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 347º, n.º2 do CPP – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias e jurisprudência uniforme desta Relação, designadamente acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; Ac. R. C. de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.
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No caso dos autos cumpre salientar, em primeiro lugar, que os dois Autos de Reconhecimento reportados pelos recorrentes não constituíram meio de prova exclusivo da decisão. Constituíram meios de prova relevantes, mas não exclusivos, no processo valorativo da prova, quanto à matéria questionada, pelo tribunal recorrido - como resulta claro, da motivação, minuciosa e exaustiva, do acórdão recorrido (cfr. fls.1044 a 1047).
Circunstância que os próprios recorrentes acabam, aliás, como por reconhecer - quando se referem ao objecto encontrado na residência do arguido L
Com efeito, a decisão recorrida, para além dos mencionados autos de reconhecimento (cuja legalidade os recorrentes não questionam) tem ainda por fundamento a APREENSÃO – valorada expressamente pela decisão recorrida - desse objecto (PEÇA DE CAÇADEIRA) que, como referem os próprios recorrentes, foi “indubitavelmente furtado da casa dos ofendidos C e A”.
E, quanto a tal objecto, nem os recorrentes apresentaram em audiência, qualquer explicação, muito menos plausível, para que o dito objecto, produto do crime, pudesse encontrar-se na sua posse ou sob o seu domínio, pouco tempo após o assalto à mão armada, a não ser por efeito da sua participação no dito assalto.
Aliás, apenas dizem que “poderia” ter sido adquirido ou “poderia” tê-lo encontrado. Como tal “desculpas” meramente hipotéticas ou virtuais, sem qualquer apoio na prova produzida. Muito menos plausíveis em termos de senso comum nas circunstâncias concretas do caso.
Naufraga, assim, o primeiro argumento (exclusividade) invocado pelos recorrentes.

No que diz respeito à valoração dos autos de reconhecimento propriamente ditos, nem os recorrentes questionam a legalidade e validade de tais meios de prova. E trata-se de meios de prova legais, validamente produzidos, incorporados autos, arrolados na acusação e submetidos ao contraditório em audiência, como tal sujeitos a valoração como suporte da decisão.
Por outro lado é inequívoco que nesses autos de reconhecimento a ofendida reconheceu, sem margem para dúvidas, os dois recorrentes como fazendo parte do grupo de 5 indivíduos que assaltaram a sua casa - identificando-os, em concreto e respectivamente, como aquele que lhe exibiu a caçadeira e aquele que lhe apontou a pistola à cabeça.
Não podendo censurar-se a decisão recorrida por ter valorado um meio de prova legal e validamente produzido.
Acresce que o acórdão recorrido explicita, de forma clara e objectiva, as razões pelas quais atribuiu total credibilidade aos dois mencionados Autos de Reconhecimento, em que participou a ofendida C, “apesar” de, em audiência de discussão e julgamento, ter declarado não reconhecer os arguidos/recorrentes.
Fazendo uma exposição circunstanciada sobre os motivos pelos quais aquela credibilidade não sofreu qualquer abalo com a circunstância da ofendida C não ter logrado reconhecer, em julgamento, os dois recorrentes (cfr. fls. 1045 a 1046):
Ou seja, em resumo, porque:
“(…)
- conforme consta dos respectivos autos e foi mencionado em audiência pelo inspector da PJ que procedeu à diligência (testemunha AG), a ofendida C não teve a mínima dúvida em reconhecer aqueles arguidos, tendo inclusivamente demonstrado uma espontaneidade indiscutível, ao dar um salto e afastar-se da janela de reconhecimento, ficando assustada, assim que se aproximou do vidro e os viu na linha;
- o reconhecimento pessoal teve lugar cerca de três semanas após os factos, ao passo que o julgamento ocorreu passados cerca de dez meses;
- ficou amplamente demonstrado em audiência, nomeadamente pelos depoimentos dos inspectores da PJ e de várias outras testemunhas, que os arguidos apresentam actualmente um aspecto bastante diferente daquele que tinham à data dos factos;
- dois dias depois dos factos, o inspector da PJ AG, em deslocação efectuada à residência do arguido LM, constatou que o mesmo apresentava a cara rapada, com alguns tufos de pelos no pescoço e face, onde eram visíveis alguns lanhos provocados pelo barbeado recente, indiciando não terem mais de 48 horas, o que é sugestivo de uma eventual preocupação em alterar a sua fisionomia. Aliás, essa alteração pôde o tribunal constatar objectivamente, ao confrontar o rosto do arguido L M com a fotografia do mesmo junta a fls. 51, já que em julgamento se apresentou com cabelo curto e escuro, com a cara completamente rapada e com um aspecto mais jovial. E foi precisamente por achar o arguido L M mais novo e com o cabelo mais preto, que a ofendida C, em julgamento, afirmou não lhe parecer ser ele um dos indivíduos que entrou na sua casa, já que os demais aspectos, como sejam a estatura e a constituição física, coincidem. Semelhante constatação pôde ser feita quanto ao arguido JO, já que comparativamente com a sua fotografia junta a fls. 275, próxima da data dos factos, em julgamento apresentava o cabelo mais curto e a cara rapada”.

Quatro razões objectivas que, além de não postas em causa, do ponto de vista probatório ou de critérios de valoração da prova, são perfeitamente racionais.
Sobre a mesma realidade os recorrentes manifestam as suas opiniões, diferentes da decisão recorrida.
À legalidade e espontaneidade dos reconhecimentos, contrapõem a perturbação emocional/perturbação do reconhecimento.
No entanto, esta crítica erra o alvo. Porque relativa a pessoa diferente daquela que efectuou os reconhecimentos.
Com efeito, além de deselegante, é abusiva a atribuição à ofendida C de “debilidade emocional e dificuldades de expressão”.
Porque a aludida “debilidade emocional e dificuldades de expressão” reporta-se (cfr. Auto de Reconhecimento de fls. 284/285 - 2.º Vol.) à ofendida LA. E não a C, autora do reconhecimento em questão.
Confundido, pois, os recorrentes, a debilidade emocional e dificuldades de expressão da ofendida LA (referidos no respectivo Auto e reconhecidas na motivação da sentença recorrida, tanto que não lhe atribuiu, por isso, qualquer valor probatório) com a - suposta - perturbação emocional da ofendida C, não apoiada em qualquer meio de prova, muito menos reportado ao momento em que foi produzido o reconhecimento.
Aliás, contraditoriamente, os recorrentes não contestam o reconhecimento da ofendida LA na audiência de julgamento! Quando os motivos invocados se referem a ela! E não aos reconhecimentos efectuados por C. Cuja validade e legalidade os recorrentes nem questionam!
À alteração do aspecto físico dos recorrentes, diferente na audiência de julgamento diferente daquele que tinham à data dos factos – manifesta, por evidenciada por vários meios de prova, entre eles fotografias, que o evidenciam, contrapõem uma alegada distinção. Mas também essa distinção não tem qualquer probatório.
Assim, em conclusão, sendo a perspectiva dos recorrentes, além de destituída de fundamentos em termos probatórios, contraditória com os próprios argumentos aduzidos, constituindo, outrossim, o reconhecimento valorado pela decisão recorrida meio de prova legal, além de corroborado por outros meios de prova, designadamente a posse de um objecto produto do crime (além do lastro inerente aos princípios da oralidade e imediação do tribunal recorrido, em audiência, com autora do reconhecimento e o contraditório dos reconhecidos), não merece censura a decisão recorrida.

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3.2. Medida concretas das penas
Alegam os recorrente, neste âmbito que:
- “é excessiva a pena aplicada aos arguidos L e LM pelo crime de roubo simples praticado no dia 07/04/2009”;
- “é excessiva a pena que foi aplicada aos arguidos JO, LM e JC pelos factos praticados no dia 19/04/2009”;
- é excessiva a pena de quatro anos e seis meses de prisão aplicada ao arguido JC pela prática do crime de violação.
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No que toca aos factos de 07.04.2009, foram aplicadas pela decisão recorrida as seguintes penas:
- dois anos de prisão ao recorrente LM, pelo crime de roubo simples em que interveio com o arguido L
- três anos de prisão ao recorrente L pelo mesmo crime.

Pelos factos de 19.04.2009, as penas questionadas são as seguintes:
- três anos de prisão ao recorrente LM pelo crime de roubo qualificado;
- seis anos de prisão pelo crime de roubo agravado, aplicada ao recorrente JO Monteiro;
- cinco anos prisão, pelo crime de roubo agravado, aplicada ao recorrente JO Simão.
- quatro anos e 6 (seis) meses de prisão, aplicada ao recorrente JO Simão, pelo crime de violação.

Por outro lado, as referidas penas concretas, foram encontradas dentro das seguintes molduras abstractas:
- roubo agravado - pena abstracta de 3 a 15 anos de Prisão;
- roubo simples - pena de 1 a 8 anos de prisão;
- violação 3 a 10 anos de prisão.
E relação ao recorrente LM, cumpre salientar que este beneficiou, relativamente a ambos os crimes, da atenuação especial da pena, , por efeito da aplicação do regime definido pelo DL n.º 401/82, de 23/09. Pelo que as molduras abstractas dos crimes por ele praticados passam a ser de - 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão, para o crime de roubo simples; e de - 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão, para o crime de roubo agravado.

O art. 71º do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se “em função da culpa do agente e das exigência de prevenção”. Critério que é precisado depois no nº2, que estabelece: na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.
Os factores concretos a ter em conta são depois definidos nas várias alíneas do citado nº2, reconduzem-se a três grupos ou núcleos fundamentais: factores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpam sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta}; factores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto}; e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto {alínea e)}.
O modo como estes princípios regulativos irão influir no processo de determinação do quantum da pena é determinado ainda pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que se reconduz a dois princípios, enunciados no art. 40º do C. Penal (redacção introduzida pela Reforma de 95): 1 A aplicação da pena... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Disposição que consagra o entendimento mais recente do Prof. Figueiredo Dias sobre os fins das penas (cfr. Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra editora, 2ª ed., e Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, p. 227, este tendo já por referência o projecto que veio a ser plasmado no art. 40º da redacção actual do Código Penal): “A justificação da pena arranca da função do direito penal de protecção dos bens jurídicos; mas esta função de exterioridade encontra-se institucionalmente limitada pela exigência de culpa e, assim, por uma função de retribuição como ressarcimento do dano social causado pelo crime e restabelecimento da paz jurídica violada; o que por sua vez implica a execução da pena com sentido ressocializador – só assim podendo esperar-se uma capaz protecção dos bens jurídicos”.
A prevenção geral, no Estado de Direito, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, e coloca assim a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum.
Se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, a moldura penal aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social.”.
Por outro lado, como decidiu o AC.STJ de 04.03.2004, in CJ/STJ, tomo I/2004, p. 220, Observados os critérios legais de dosimetria da pena, nomeadamente o disposto no art. 71º do C. Penal, existe uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar (pelo tribunal de recurso).
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No caso, como refere o digno magistrado do MºPº na sua resposta, é contraditória a posição assumida pelos recorrentes L e JO . Pois que - no ponto II da Motivação - depois de num primeiro momento rejeitarem a autoria dos factos ocorridos no dia 28.03.2009 (1º caso), logo a seguir aceitam como justa e equilibrada a pena que foi fixada para aqueles mesmos factos/crime!
Em todas as situações (28.03.2009, 07.04.2009 e 19.04.2009) as vítimas foram sujeitas a acentuada violência (física e psíquica) e ameaça, colocadas na impossibilidade de resistir.
Essa violência e ameaça foram mais acentuadas na primeira situação (28.03.2009) e menos acentuadas na segunda (07.04.2009). Sendo certo que a medida concreta de cada uma das penas aplicada reflecte essas diferenças.
Quanto ao crime de roubo perpetrado no dia 07-04-2009 (na residência da ofendida LD e em que intervieram os arguidos L e LM) verifica-se que o grau de ilicitude do facto e o modo de execução do mesmo, revestiram uma gravidade considerável, embora menos graves que no roubo anterior – como tal diferenciados pelo tribunal recorrido.
Com efeito, os arguidos actuaram ao início da noite, arrombando uma habitação (factor atendível em sede de pena concreta na medida em que operou a desqualificação prevista no n.º 4 do art. 204º do Código Penal), situada em lugar ermo, onde se encontrava a ofendida sozinha. Já as consequências do facto não tiveram especial gravidade, uma vez que os arguidos se limitaram a exibir à ofendida as armas que traziam.
Relativamente ao crime de roubo qualificado praticado (na residência da ofendida AC), no dia 19-04-2009, e em que participaram os arguidos JO JC e LM, também foi elevado o grau de ilicitude do facto e o modo de execução do mesmo.
Com efeito, concorrem desde logo duas circunstâncias qualificativas - escalamento e arma aparente. Além de estar em causa a invasão de uma habitação, agravando ainda a responsabilidade dos agentes o número de assaltantes (quatro).
Acresce que foi exercida uma violência desnecessária e desproporcional contra os ofendidos, em número de três, tendo uma delas sido agarrada com força e arrastada e os outros dois agredidos com bofetadas. A quantidade e o valor dos objectos subtraídos revela uma gravidade mediana, tendo havido lugar à recuperação, por intermédio de terceiras pessoas, de uma pequena parte desses bens.
A confissão do crime de 19.04.2009 não assume particular relevância, na medida em que não contribuiu de forma relevante para a descoberta da verdade, na medida em que a prova, designadamente por apreensão de objectos era exuberante

Como se viu, o recorrente LM beneficiou, em ambos os crimes, da atenuação especial decorrente do regime especial para jovens criado pelo DL n.º 401/82, de 23/09.
A menoridade e ausência de antecedentes foram ainda atendidos pela decisão recorrida ao suspender, como suspendeu, a execução da pena aplicada em cúmulo jurídico.

No que toca ao crime de violação pelo qual vem condenado o arguido JO , em que é ofendida AC dentro da moldura abstracta aplicável (3 a 10 anos de prisão), foi aplicada a pena concreta de 4 anos e 6 meses de prisão.
Situando-se, pois, muito abaixo do meio-termo da moldura abstracta.
Ora, encontrando-se apenas no interior do quarto a AC e o arguido JC, este apalpou-a, deu-lhe beijos na cara e no pescoço (…) de seguida, ordenou-lhe que despisse a roupa, ao que ela acedeu por recear pela sua vida (…) como se estava a despir lentamente, o arguido puxou-lhe com força as camisolas para cima e as calças até aos pés. De seguida, o arguido introduziu pelo menos dois dedos de uma das suas mãos na vagina da A, contra a vontade da mesma.
Surgindo também aqui a pena aplicada, como ajustada e proporcionada à estabilização contra-fáctica das expectativas comunitárias na vigência da norma, ao grau de ilicitude e muito elevado grau de culpa.

Assim, em conclusão, a medida concreta das penas questionadas, pelos argumentos sintetizados, mostra-se adequada, tendo em vista as necessidades de estabilização contra-fáctica das expectativas comunitárias na vigência das normas violadas, proporcionada ao grau de ilicitude e de culpa.
Pelo que também neste âmbito não merece censura a decisão recorrida.

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III.
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao(s) recurso(s) interposto(s) pelos arguidos L, JO, JC e LM M, julgando-o(s) improcedentes na totalidade, com a consequente manutenção, integral, do acórdão recorrido. ----
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do instituto do apoio judiciário, fixando-se as seguintes taxas de justiça, por cada um dos recorrentes: - 5 UC para cada um dos arguidos L e JO (recurso de facto e de direito); - 3 UC para cada um dos restantes recorrentes.