Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
336/99.1PBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
Data do Acordão: 12/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 58º CPP
Sumário: 1.- Quem for constituído num processo penal como arguido, conserva essa qualidade enquanto durar o processo, nele não a perdendo nem a readquirindo.

2.- O posterior conhecimento no processo de factos novos que lhe são também atribuídos e o seu interrogatório sobre os mesmos não lhe reconferem a qualidade de arguido, pois que já a detinha no processo.

Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. O Ministério Público deduziu acusação em processo comum com intervenção do Tribuna Singular, contra o arguido
A..., residente em Rua …,
imputando-lhe a prática de um crime de burla qualificada, na forma consumada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b) e 30º nº 2 e de um crime de burla qualificada, na forma tentada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nº 2 al. b); 22º; 23º e 30º nº 2, todos do Código Penal.
***
No início da audiência de discussão e julgamento, foi proferida a seguinte decisão:
“Termos em que decidem:
Julgar o extinto o procedimento criminal instaurado, nestes autos de processo comum colectivo nº 336/99.1PBVNO, pelo Mº. Pº. contra a arguida A..., nos quais lhe vinha imputada a prática de um crime de burla qualificada, na forma consumada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b) e 30º nº 2 e de um crime de burla qualificada, na forma tentada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nº 2 al. b); 22º; 23º e 30º nº 2, todos do Código Penal.
Notifique.”.
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2. Não concordando com a decisão o Ministério Publico interpôs o presente recurso, formulando nas respectivas motivações, as seguintes (transcritas) conclusões:

“1ª No Processo Comum Colectivo em apreço, por referência a factos ocorridos entre data não apurada de Junho de 1999, no decurso do Verão do mesmo ano, em Novembro e Dezembro de 1999 e Janeiro de 2000 o Ministério Público deduziu acusação, em 24/02/10, contra a arguida A... imputando-lhe a prática de factos que foram qualificados jurídico-penalmente do seguinte modo:
- um crime de burla qualificada, na forma consumada e continuada p. e p. pelos arts. 217º, nº1 e 218º, nº2, al. b), ambos do CP, com referência ao art. 30º, nº2 do mesmo diploma legal;
- um crime de burla qualificada, na forma tentada e continuada p. e p. pelos arts. 217º, nº1 e 218º, nº2, al. b), 22º, nºs 1 e 2, al. b), 23º, nº1 e 30º, nº2, todos do CP.

2ª Todavia, por Acórdão proferido, em 02/02/11, nos autos supra-identificados, foi julgado extinto, por prescrição, o procedimento criminal neles movido, decisão da qual se discorda.

3ª A questão que, por conseguinte, se coloca no âmbito deste recurso consiste em averiguar se quando foi deduzida acusação o procedimento criminal se encontrava ou não prescrito.

4ª Atendendo à moldura penal abstractamente correspondente aos crimes em apreço, de 2 a 8 anos e de um mês e cinco anos e quatro meses, verifica-se que, quer na sequência do regime decorrente do D.L. nº 48/95, de 15/03, quer em face do regime resultante da Lei nº 59/2007, de 04/09, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, tal como se extrai do art. 118º, nºs 1, al. b) e 2 do CP.

5ª De acordo com o disposto nos artigos 119º, nºs1 e 2, als. b) e c) do CP a contagem do prazo prescricional dos factos em apreço tem início a partir do último facto imputado, o qual nos termos vertidos na acusação, teve lugar em data não concretamente apurada do mês de Janeiro de 2000.

6ª Porém, a contagem deste prazo pode ser interrompida ou suspensa, balizando-se a mesma nos limites legais, ou seja, conforme decorre do disposto no art. 121º, nº3 do CPP a prescrição ocorrerá sempre, desde que, se verifique o prazo normal de prescrição, sem interrupções, acrescido de metade e ressalvado o tempo de suspensão.

7ª Na realidade, nos termos do disposto no art. 121º, nº1, als. a), b) e c) do CP a contagem do prazo prescricional interrompe-se com a constituição de arguido, com a notificação da acusação, com a declaração de contumácia e com a notificação do despacho que designa dia para a audiência na ausência do arguido.

8ª A contagem do mesmo prazo suspende-se, para além do mais, enquanto o processo estiver pendente, a partir da notificação da acusação, sem que, todavia, nessa fase possa ultrapassar os três anos, conforme se encontra estabelecido no art. 120º, nºs 1, al. b) e 3 do CP.

9ª No caso concreto, constata-se que as únicas causas de interrupção são a constituição de A... como arguida e, posteriormente, a sua notificação da acusação deduzida contra si.

10ª Compulsados os autos verifica-se que, no decurso das diligências de inquérito, a constituição de arguida teve lugar nas seguintes quatro datas e não apenas nas duas referidas no Acórdão recorrido:
- 03/09/99, fls. 115, 116, I vol.;
- 29/12/99, fls. 1047, 1049 VI vol.
- 03/01/00, fls. 740, V vol. e
- 20/03/00, fls. 1327, VII vol.

11ª Está, pois verificada uma primeira fase de interrupção do prazo prescricional.

12ª Coloca-se agora, a questão de saber se apenas a primeira constituição de arguido, feita no processo principal, pois o mesmo contém processos incorporados, deve ser levada em conta para efeitos de interrupção do prazo prescricional, tal como é sustentado no Acórdão recorrido.

13ª Neste perfilhou-se, no essencial, a tese vertida nos Acórdão da Relação de Coimbra de 18/10/06.

14ª No referido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra decidiu-se que constituído alguém como arguido, seja por via oral ou escrita, seja por autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, esse cidadão conserva essa qualidade enquanto durar o processo, nele não a perdendo nem a readquirindo, mantendo essa qualidade durante todo o processo e só deixando de a ter com a resolução do processo ou quando deixar de figurar no mesmo como arguido, perdendo o respectivo estatuto, com os respectivos direitos e deveres.

15ª No referido acórdão sustentou-se ainda a tese de que mesmo no caso de decurso do inquérito surgirem novos factos e haver lugar a novo interrogatório, essa situação não renova a qualidade de arguido.

16ª Conclui-se, pois no mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que “Uma vez atribuída no processo a qualidade de arguido, ela conserva-se por toda a existência do processo, precisamente porque a partir daí o mesmo passa a ser nele sujeito processual e como tal titular de direitos e de deveres processuais.”

17ª Por outro lado, no Acórdão da Relação de Coimbra de 28/10/08, consignou-se que: “Pois bem dito isso afigura-se-nos desde já necessário precisar que o facto dos presentes autos terem tido origem em anterior processo, por via de uma situação de alteração substancial dos factos aí verificada, não destrói os efeitos jurídicos produzidos pelas diligências processuais até então desenroladas, designadamente os efeitos interruptivos ou suspensivos ocorridos.”

18ª O entendimento jurisprudencial vertido neste aresto reconduz-se a entendimento anterior de igual sentido vertido no Acórdão da Relação do Porto de 21/11/07 (nº 0742796) in Base de Dados Jurídica Almedina – BDJUR, no qual se decidiu: “- O processo com origem em certidão extraído de outro incorpora o conjunto de actos com relevância processual nela documentados – designadamente, a constituição de arguido – os quais deverão ser levados em conta na determinação dos prazos de prescrição do procedimento criminal.”

19ª O legislador não estabeleceu no texto legal qualquer especificação quanto à circunstância de se referir apenas e tão só à primeira constituição de arguido, enquanto facto interruptivo da prescrição do procedimento criminal.

20ª O legislador refere-se tão somente à constituição de arguido, acto que consubstancia a atribuição de um conjunto de direitos e de deveres que são inerentes e próprios de um sujeito processual específico, o arguido, ou seja, a pessoa contra quem corre a investigação.

21ª Se o legislador não distingue nem restringe, porque há-de o intérprete fazê-lo?

22ª A constituição de arguido como causa interruptiva da prescrição parece-nos, salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário, que se reveste de natureza diversa das demais causas de interrupção, com excepção da declaração de contumácia, as quais pela sua natureza só poderão ocorrer uma vez.

23ª Sem prejuízo de se poder afirmar que na maior parte das situações se verifica uma constituição de arguido por processo não pode deixar de ponderar-se que esta ligação directa da constituição de arguido ao processo nem sempre se verifica.

24ª É o que sucede no caso da extracção de certidão para procedimento criminal em processo novo e em que se não procede à constituição de arguido valendo a constituição de arguido efectuada no processo de que se extrai a certidão como causa interruptiva da prescrição do procedimento criminal no âmbito do novo processo.

25ª Leve-se também em conta a situação e que no âmbito de um Inquérito, em virtude de se registarem factos novos e diversos, ocorreram duas constituições de arguido, sendo que nos autos é proferido despacho de arquivamento em relação aos factos objecto da primeira constituição de arguido e despacho de acusação no que respeita aos factos em relação aos quais houve também a sua ulterior/segunda constituição como arguido.
Neste contexto, porque não contar a ulterior/segunda constituição como arguido como facto interruptivo relevante para o procedimento criminal movido nos autos?

26ª Analise-se também o caso de um inquérito arquivado e posteriormente reaberto por terem surgido novos elementos de prova que determinam a realização de outras diligências e ainda de novo interrogatório do arguido, sendo que já anteriormente ao despacho de arquivamento houve constituição de arguido e interrogatório do mesmo.
Afigura-se-nos, sempre salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário, que também nesta situação, deve haver lugar a nova constituição de arguido e subsequente interrogatório do mesmo (é certo, havendo indícios que justifiquem esta diligência).
27ª A segunda constituição de arguido, após e na sequência da reabertura do inquérito, não pode considerar-se inócua e não pode deixar de produzir todos os seus efeitos, incluindo também funcionar de novo, como causa interruptiva da prescrição do procedimento criminal.

28ª Esta situação permite concluir que no mesmo processo pode ocorrer validamente mais do que uma constituição de arguido também ela atendível em termos de interrupção da prescrição do procedimento criminal.

29ª Por outro lado, o legislador diz que a partir de cada facto interruptivo se começa a recontar, dentro dos limites legais, o prazo de prescrição do procedimento criminal, não estabelecendo qualquer limite ao número de vezes que tal facto possa funcionar como tal, antes isso resultando da sua natureza, ou seja, se o facto interruptivo é ou não, apto por si, de voltar a repetir-se e a ter esse significado.

30ª Na situação concreta dos autos está em causa a prática de factos integrantes de crime continuado, ocorrendo alguns dos factos em diferentes comarcas e existindo a propósito de alguns deles Inquéritos autónomos, sendo que, pelo menos num deles se procedeu no seu âmbito à constituição de arguida e ao interrogatório subsequente, tendo, entretanto, esses autos sido incorporados no presente processo na ponderação da actividade delituosa continuada.

31ª Nesta sede, deve ponderar-se por um lado a especificidade do crime continuado e, por outro lado, a circunstância de no âmbito de um processo inicialmente autónomo e, posteriormente incorporado nos autos ter havido igualmente constituição de arguido antes da mencionada incorporação.

32ª A figura do crime continuado assenta na verificação de factos autónomos que acabam por vir a ter o elemento unificador previsto no art. 30º, nº2 do CP.

33ª A propósito, cita-se o Professor Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 296, AEQUITAS – Editorial Notícias:
“§432 Do estudo levado a cabo na “Doutrina do Crime” sabe-se que o crime continuado não conforma uma hipótese de pluralidade ou de concurso de crimes, mas de unidade jurídica criminosa. Em pura lógica, portanto, também a punição do crime continuado não tem de ver com a punição do concurso de crimes. Nem por isso, todavia, o crime continuado deixa de constituir, numa visão material das coisas, uma unidade jurídica construída por sobre uma pluralidade efectiva de crimes. Por isso, a sua punição é tratada legislativamente no âmbito da punição do concurso, dispondo o art. 78º - 5 que “o crime continuado é punível com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a continuação”.”

34ª A consubstanciação da continuação da actividade criminosa por parte da arguida, por referência à burla como modo de vida, reporta-se a factos diversos ocorridos na comarca de Ourém, bem como, noutras comarcas.
Neste contexto, o conhecimento e a investigação desses factos tanto se deu por via de autos de notícia directamente remetidos aos autos como, por intermédio de Inquéritos autónomos, que vieram a ser incorporados no inquérito que originou o presente processo.

35º Assim, nos autos foi incorporado (para além de outros) o Inquérito NUIPC 389/99.2TAPMS, dos serviços do Ministério Público de Porto de Mós, em cujo âmbito foi incorporado o Inquérito 813/99 desses mesmos Serviços do Ministério Público.
Foi na pendência deste último Inquérito que se verificou, por expedição de deprecada aos Serviços do Ministério Público de Abrantes, a constituição de A... como arguida e subsequente interrogatório, o que teve lugar em 20/03/00 (fls.1286 a 1328).

36ª Salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário, esta constituição como arguida, não referida nem ponderada pelo Tribunal Colectivo, não deve ser ignorada nem desprezada como facto interruptivo da prescrição do procedimento criminal, devendo ao invés ser levada em conta para esse efeito.

37ª Não se vislumbram razões para que essa constituição como arguida não tenha sido mencionada nem atendida como facto interruptivo relevante da prescrição do procedimento criminal no caso concreto, desde logo, por ser um facto com aquela virtualidade que se formou autonomamente, o qual sempre teria esse efeito no âmbito dos próprios autos de per si e valeria como tal, e bem assim, seria relevante, se em vez de se ter verificado a incorporação desses autos no inquérito que originou o presente processo se tivesse ocorrido a incorporação em sentido contrário, ou seja, do inquérito de Ourém no Inqtº de Porto de Mós.

38ª Assim, conclui-se que tendo também a arguida sido constituída como arguida em 20/03/00, tendo a acusação sido notificada à mesma em 25/02/10, vide fls. 1530, 1537 e 1680, ou seja, antes de 20/03/10, ocorreram dois factos interruptivos do procedimento criminal movido nos autos contra aquela, os quais são atendíveis e deveriam ter sido considerados como relevantes pelo Tribunal Colectivo “a quo”.

39ª Salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário, a tese igualmente perfilhada no Acórdão recorrido, no sentido de que só a primeira constituição de arguido no processo deve ser atendida como facto interruptivo relevante da prescrição do procedimento criminal, não é válida para todas as situações, não o sendo, também, pelo exposto para o caso concreto.

40ª Existem outras constituições de arguido, seja no próprio, seja noutros processos, dos quais se extraem certidões ou que tendo sido tramitados autonomamente são ulteriormente incorporados noutros, constituições essas de arguido que não podem deixar de ser legalmente atendíveis como factos interruptivos válidos da prescrição do procedimento criminal.

41ª Pelo exposto e, salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário, tendo igualmente sido interrompido o decurso do prazo da prescrição do procedimento criminal com a dedução da acusação formulada nos autos, este mesmo facto teve a virtualidade de suspender a continuação do referido prazo de prescrição.

42ª Este esgotar-se-á depois de decorrido o prazo normal de prescrição acrescido metade, ou seja, 10 anos + 5 anos, ponderando-se que os últimos factos referidos na acusação se reportam a Janeiro de 2000, ressalvado ainda o tempo de suspensão após a notificação da acusação.

43ª Verificando-se que o Acórdão recorrido não fez correcta interpretação do disposto nos arts. 120º, nº1, al. b) e 121º, nºs 1, al. a), 2 e 3, ambos do CP deve ser o mesmo ser revogado, declarando-se não prescrito o procedimento criminal movido nos autos e prosseguindo estes os seus ulteriores trâmites legais.

No entanto, Vas. Exas. melhor decidirão conforme for de JUSTIÇA!”
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3. Nos termos do artº 413 do C.P.P., veio a arguida responder, a fls. 2546/2556, pugnar pela improcedência do recurso, onde conclui (por transcrição):

I - O presente recurso está centrado na Decisão de extinção do procedimento criminal, por prescrição.

II - Ora, salvo devido respeito e conforme resulta de toda a fundamentação do Douto Acórdão, a decisão do tribunal a quo é integralmente acertada.

III - O Ministério Público (ora recorrente) sustenta o seu recurso no facto de o prazo de prescrição aplicável aos crimes em apreço ser de 10 anos, como se extrai do art. ° 118.°, n. ºs 1 al.b) e 2 do CP.

IV - E de que as únicas causas de interrupção da prescrição são a constituição de A... como arguida e, posteriormente, a sua notificação da acusação deduzida contra si.

V - Verificando-se que, no decurso das diligências de inquérito, a constituição de arguida teve lugar nas seguintes quatro datas:
- 03/09/99, fls. 115, 116, I Vol.
- 29/12/99, fls. 1047, 1049, VI vol.
- 03/01/00, fls. 740, V Vol., e
- 20/03/2000, fls. 1327, VII vol.

VI - Fundamentando o Ministério Público, nas suas motivações de recurso, que no mesmo processo pode ocorrer validamente mais do que uma constituição de arguido, também ela atendível em termos de interrupção da prescrição do procedimento criminal.

VII - Vinha a arguida (ora recorrente) acusada da prática de um crime de burla qualificada, na forma consumada e continuada, p. e p. pelos artigos 217.°, n.º1 e 218.°, n.º2 al.b) e 30.°, n.º2 e de um crime de burla qualificada, na forma tentada e continuada, p. e p. pelos art.ºs 217.°, n.º1, 218.°, n.º2 al.b), 22.°, 23.º e 30.º, n.º2, todos do CP.

VIII - Atendendo à moldura penal abstractamente correspondente aos crimes imputados à arguida (ora recorrente), no que se refere à burla qualificada, consumada, com pena de prisão, cujos limites mínimo e máximo são respectivamente, dois e oito anos e, no que diz respeito à burla qualificada, na forma tentada, pena de prisão, cujos limites mínimo e máximo são respectivamente, um mês e cinco anos e quatro meses, O prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, conforme disposto no art. ºs 118.°, n.ºs 1, al. b) e n. °2 do CP.

IX - Assim, e de acordo com o disposto no art.° 119.° do CP a contagem do prazo prescricional dos factos em apreço tem inicio a partir do último facto imputado, o qual, nos termos vertidos na acusação, teve lugar em data não concretamente apurada do mês de Janeiro de 2000.

X - A contagem deste prazo pode ser interrompida ou suspensa, balizando-se a mesma nos limites legais.

XI - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se, começando a correr novo prazo, com a constituição de arguido, com a notificação da acusação e com a declaração de contumácia, nos termos do art.º121.º do CP, prevendo-se nos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo a recontagem do prazo desde inicio, depois de cada interrupção, desde que tal recontagem se contenha dentro do prazo normal de prescrição, acrescido de metade, ressalvado o limite de duração da suspensão.

XII - As únicas causas de interrupção a ter em consideração, no caso dos presentes autos são efectivamente a constituição de A..., como arguida e a notificação da acusação.

XIII - A constituição de arguida teve lugar, por quatro vezes, em quatro momentos distintos - em 03/09/99, fls. 115, 116, I Vol., em 29/12/99, fls. 1047, 1049, VI vol., em 03/01/00, fls. 740, V Vol., e em 20/03/2000, fls. 1327, VII vol.

XIV - Nos termos do art.º 57.°, n.º2 do CPP, antes das alterações introduzidas pela Lei 48/2007 de 29.08, ou seja, o que foi aprovado pelo DL 78/87 de 17.02, com as alterações que lhe foram sendo introduzidas pelo DL 317/95 de 28.11 e pela Lei 58/98 de 25.08, que era o aplicável aos factos imputados à arguida (ora recorrente), quem fosse constituído arguido num processo penal, conservava essa qualidade enquanto durasse o processo, não perdendo nem a readquirindo, tal como ainda hoje acontece. Pelo que, adquirindo a qualidade de arguida a mesma conserva-se durante todo o decurso do processo e só termina com a resolução deste.

XV - Assim apesar de ter sido constituída arguida por quatro vezes em momentos distintos, apenas será de considerar a constituição feita em primeiro lugar.

XVI - Pelo exposto decidiu bem o tribunal a quo, julgando o procedimento criminal instaurado, contra a arguida, ora recorrente, nos quais lhe vinha imputada a prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada e continuada, p. e p. pelos art.ºs 217.°, n.º1, 218.°, n.º2 al.b), 22.°, 23.° e 30.°, n.º2, todos do código Penal, extinto por prescrição.
Termos em que deve o Douto Acórdão objecto de recurso ser confirmado, negando-se provimento ao recurso interposto.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA! ”
*
4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora Geral Adjunta, no seu douto parecer, quando da vista a que se refere o art. 416.º do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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5. Notificado, então, o arguido, nos termos e para os efeitos consignados no artº 417º, n.º 2, do C. P. Penal, o mesmo não respondeu.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se a conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

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II. Fundamentação.
1. Delimitação dos poderes cognitivos do tribunal ad quem e objecto do recurso:

É hoje entendimento pacífico que as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Por isso, temos, como

Questões a decidir:
Apreciar se ocorreu ou não a prescrição do procedimento criminal, como decidiu o tribunal recorrido.
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2. O Acórdão recorrido é do seguinte teor (por transcrição):

“O Mº. Pº. deduziu acusação contra:
A..., , imputando-lhe a prática de um crime de burla qualificada, na forma consumada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b) e 30º nº 2 e de um crime de burla qualificada, na forma tentada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nº 2 al. b); 22º; 23º e 30º nº 2, todos do Código Penal.
Segundo a descrição constante da mencionada acusação, os factos integradores destes tipos de crime terão sido praticados, entre data não apurada de Junho de 1999, no decurso do Verão do mesmo ano; em Novembro e Dezembro de 1999 e, ainda, em Janeiro de 2000.
A arguida apresentou contestação, na qual invocou que o procedimento criminal se encontra extinto, por prescrição.
Os crimes que estão imputados à arguida, na acusação, eram puníveis, na versão do Código Penal, resultante das revisões introduzidas pelo D.L. 48/95 de 15.03 e pela Lei 65/98 de 02.09., tal como actualmente, depois da entrada em vigor da Lei 59/2007 de 04.09, no que se refere à burla qualificada, consumada, com pena de prisão, cujos limites mínimo e máximo são respectivamente, dois e oito anos e, no que diz respeito à burla qualificada, na forma tentada, pena de prisão, cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, um mês e cinco anos e quatro meses (cfr. art. 73º do CP).
Considerando estas molduras penais abstractas, o prazo de prescrição do procedimento criminal a considerar é o de dez anos, previsto no art. 118º nº 1 al. b) do mesmo CP (de harmonia com o que dispõe o nº 2 do citado art. 118º, uma vez que a norma contida no nº 2 al. b) do art. 218º prevê uma circunstância agravante modificativa, geradora de um outro tipo legal – cfr., nesse sentido, Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 12.º Edição, p. 393; Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993, p. 105 e Acs. do STJ de 17.10.2001 e de 25.05.2006, in http://www.dgsi.pt).
Quanto ao termo inicial da contagem do prazo prescricional, em atenção ao tipo de enquadramento jurídico-penal preconizado pelo Mº. Pº. que acusou a arguida à luz da figura do crime continuado, mas, curiosamente, imputando-lhe dois crimes continuados, um, englobando apenas os crimes consumados e outro, incluindo apenas os crimes tentados, terá de ser fixado na data da ocorrência do último acto, por imposição do art. 119º nº 1 e nº 2 al. b) do CP, sendo certo que estas normas não sofreram qualquer alteração, no seu conteúdo ou redacção, com a revisão que lhe foi introduzida pela Lei 59/2007 de 04.09.
Esse último acto, segundo a versão dos factos contida na acusação, ocorreu em data não concretamente apurada do mês de Janeiro de 2000.
As normas que regulam a prescrição do procedimento criminal têm também carácter substantivo e, portanto, estão sujeitas ao princípio geral, consignado no art. 2º nº 4 do C.P., segundo o qual a lei penal só se aplica retroactivamente, desde que, em concreto, seja mais favorável ao agente e este não haja, ainda, sido condenado por sentença transitada em julgado (Assento de 19.11.75, B.M.J nº 251, p. 78, bem como o Assento do STJ nº 1/98, D.R. Série I - A de 29.07.98 e, ainda, os Acs. do STJ de 29.05.2003 e de 12.11.2008, in http://www.dgsi.pt).
No mesmo sentido, Américo Taipa de Carvalho aponta como exemplo de normas processuais penais de natureza material as que regulam a prescrição, na medida em que condicionam a efectivação da responsabilidade penal ou contendem directamente com os direitos do arguido e às quais é, pois, aplicável o princípio da aplicação da lei penal mais favorável (Sucessão de Leis Penais, p. 107. No mesmo sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal, Português, Parte Geral, Tomo II, p. 698 e seguintes; Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Vol. III, p. 225; o Ac. do TC nº 451/93 de 15.07.93, BMJ nº 429, p. 337; o Ac. do STJ nº 5/2001 de 1.03.2001, in D.R. Série I-A de 15.03.2001).
Também, segundo o Ac. do S.T.J. de 24.8.86, «perante um procedimento criminal que está em curso, porque não atingido pela prescrição de acordo com a lei anterior (...) há que indagar se o regime da lei nova (...) aplicado em bloco, é mais favorável ao agente, tornando mais fácil ou rápida a consumação da prescrição.» (B.M.J. nº 356. No mesmo sentido, ver, por todos, Ac. do TC nº 451/93 de 15.07.93, BMJ nº 429, p. 337 e o Ac. do STJ de 13.12.2006, in http://www.dgsi.pt) .
Este critério, adoptado em relação aos Códigos Penais de 1886 e de 1982, é igualmente válido para este último, segundo a redacção que lhe foi introduzida pelo D.L. 48/95 de 15.3., bem assim por todos os diplomas que subsequentemente o alteraram, incluindo a Lei 59/2007 de 04.09, actualmente em vigor.
Os factos integradores destes crimes de burla qualificada, consumados e tentados, pois, praticados quando estava em vigor o Código Penal revisto pelo D.L. 48/95 de 15.03 e com as alterações introduzidas pela Lei 65/98 de 02.09, sendo certo que, com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei 59/2007 de 04.09., torna-se necessário determinar qual o regime a aplicar à arguida.
O art. 2º nº 4 do C.P. antes da revisão operada pela Lei 59/2007 consagra uma excepção ao princípio da irretroactividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, sempre que o regime se mostre, em concreto, mais favorável ao agente e este não haja sido condenado por sentença transitada em julgado.
Na sua actual versão, tal excepção continua a ser consagrada, condicionada à comparação das diferentes Leis Penais e à conclusão de que da aplicação concreta de uma ou de outra resulta maior benevolência de tratamento para o arguido.
A consideração de um regime como mais favorável depende da comparação dos dois diplomas - a lei antiga e a lei nova - quanto a aspectos como a natureza e medida abstracta das penas cominadas em cada um, as circunstâncias que influem na determinação do "quantum" da pena, causas extintivas de punibilidade, condições de procedibilidade, causas de exclusão da ilicitude e da culpa, isenção da pena, etc.
No caso das normas que prevêem e regulam o instituto da prescrição serão, pois, aplicáveis, aquelas de que, em concreto, resulte o decurso mais rápido do respectivo prazo, em face de tudo o que acima ficou exposto.
Segundo a versão de 1995 do Código Penal, mantida, no que agora interessa, quer pela Lei 65/98, quer pela Lei 59/2007, a prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que o processo estiver pendente, a partir da notificação da acusação, não podendo, no entanto, ultrapassar os 3 anos – art. 120º, nºs 1, al. b), e 3.
Por outro lado, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se, começando então a correr novo prazo, com a constituição de arguido, com a notificação da acusação e com a declaração de contumácia, nos termos do art. 121º nº 1 als. a); b) e c), prevendo os nºs 2 e 3 a recontagem do prazo, desde o seu início, depois de cada interrupção, desde que tal recontagem se contenha dentro do prazo normal de prescrição, acrescido de metade, ressalvado o tempo limite de duração da suspensão.
Se, por força de tal recontagem, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, ressalvado o tempo de suspensão, a prescrição terá sempre lugar.
Diga-se, desde já, que as únicas causas de interrupção a ter em conta, no caso vertente, são a constituição de A..., como arguida e a notificação da acusação.
Como pode verificar-se da compulsa do processo, a constituição de arguida teve lugar por duas vezes, em dois momentos distintos – em 3 de Setembro de 1999, conforme termo de fls. 116 e em 29 de Dezembro de 1999, tal como consta do termo de fls. 1049.
Ora, tal como previa o art. 58º nº 2 do CPP, antes das alterações introduzidas pela Lei 48/2007 de 29.08, ou seja, o que foi aprovado pelo D.L. 78/87 de 17.02, com as alterações que lhe foram sendo introduzidas pelo D.L. 317/95 de 28.11 e pela Lei 59/98 de 25.08, que era o aplicável, tanto em 3 de Setembro, como em 29 de Dezembro de 1999, a constituição como arguido verificava-se, (como actualmente, também se verifica), mediante a comunicação verbal, ou escrita, feita por autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal de que, a partir daquele momento, a pessoa visada deve considerar-se arguida no processo e implica, nos termos do nº 3 daquele art. 58º, a entrega de documento que contivesse a explicitação do conjunto de direitos e deveres processuais que englobam o estatuto de arguido e que são os contidos no art. 61º do mesmo diploma.
E, nos termos do art. 57º nº 2 do mesmo diploma, quem fosse constituído num processo penal como arguido, conservava essa qualidade enquanto durasse o processo, não a perdendo nem a readquirindo, tal como ainda hoje sucede, perante disposição legal idêntica contida no art. 57º nº 2 do CPP actualmente em vigor.
Assim, porque a qualidade de arguido se conserva durante todo o decurso do processo e só termina com a resolução deste, ou quando, por qualquer outra razão, seja declarada extinta essa qualidade, mesmo que, como sucedeu, no caso vertente, mais do que uma constituição de arguido tenha sido levada a cabo, por factos diferentes e objecto de inquéritos ou processos diferentes, uma vez incorporados ou apensados estes, por aplicação das normas de competência por conexão, contidas nos arts. 24º e seguintes do CPP, apenas será de considerar aquela que tenha tido feita em primeiro lugar, porquanto, se, por um lado, o estatuto de arguido não se renova, nem readquire, por outro lado, atento o disposto no art. 29º do CPP, os diferentes processos ou inquéritos perdem autonomia, sendo, aliás, irrelevante, que, depois da constituição de arguido venham a apurar-se novos factos acerca dos quais ainda não houvesse quaisquer indícios, aquando da comunicação ao visado de que, a partir daquele momento, adquiriu a posição jurídico-processual de arguido, no processo (cfr., v.g., os Acs. da Relação de Coimbra de 18.10.2006 e de 28.10.2008 e de 3.11.2010, in http://www.dgsi.pt).
Como também se pode verificar da simples leitura do processo, a acusação constante de fls. 1497 a 1528 só foi proferida em 24 de Fevereiro de 2010, ou seja, dez anos, cinco meses e vinte e um dias depois do único acto processual praticado antes da notificação da acusação, que tinha a virtualidade de, dada a sua natureza interruptiva, fazer reiniciar a contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal.
Por isso que, quando a arguida foi notificada da acusação em 25 de Fevereiro de 2010, tal como resulta da leitura articulada de fls. 1530; 1537 e 1680, que era a outra eventual causa de interrupção da prescrição, o prazo normal de dez anos já havia decorrido há cinco meses e vinte e dois dias, sem que, nesse período de tempo tenha surgido qualquer causa de suspensão do mesmo prazo.
Nesta sequência, impõe-se a extinção do procedimento criminal, com fundamento na prescrição.
Termos em que decidem:
Julgar o extinto o procedimento criminal instaurado, nestes autos de processo comum colectivo nº 336/99.1PBVNO, pelo Mº. Pº. contra a arguida A..., nos quais lhe vinha imputada a prática de um crime de burla qualificada, na forma consumada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b) e 30º nº 2 e de um crime de burla qualificada, na forma tentada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nº 2 al. b); 22º; 23º e 30º nº 2, todos do Código Penal.
Notifique.”
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3. APRECIANDO.
A questão que nos é colocada é a de saber se o prazo de prescrição se interrompe com a constituição de arguido, quando o agente como tal é constituído, mas se o início da contagem do prazo do decurso da prescrição se começa a contar só aquando da primeira constituição como arguido, num determinado processo ou se esse prazo se interrompe sempre que o agente é constituído arguido e se reinicio de novo.
Vejamos.
Mediante o decurso do tempo a prescrição põe fim ao procedimento criminal.
Os fundamentos da prescrição encontram-se ligados aos efeitos do factor tempo no aumento exponencial das dificuldades probatórias, e na prossecução dos fins das penas, na medida em que o decurso de períodos de tempo apreciáveis após a prática do crime afasta ou diminui consideravelmente as exigências concretas de prevenção geral positiva ou de integração e as de prevenção especial de socialização.
E é isso que justifica a autolimitação do poder punitivo do Estado, por razões de justiça e de equidade, ligadas também à concepção de ultima ratio da intervenção penal, só legitimada quando ainda se mantém a necessidade de assegurar os seus objectivos, ancorados nos referidos fins das penas.
Sendo estes a natureza e os fundamentos da prescrição penal, é compreensível que a conciliação entre o interesse público na punição do ilícito penal, com vista à paz social, e o direito do agente de não ver excessivamente protelada a definição penal da situação, com manifesta carga de desvalor ético-social, em ordem à sua paz individual, exija um prazo normal e um prazo máximo de prescrição do procedimento e o estabelecimento de causa de interrupção justificadas à luz da equilibrada concordância dos referidos interesses públicos e do agente.
A arguida vinha acusada da prática de um crime de burla qualificada, na forma consumada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b) e 30º nº 2 e de um crime de burla qualificada, na forma tentada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nº 2 al. b); 22º; 23º e 30º nº 2, todos do Código Penal.
Segundo a descrição constante da mencionada acusação, os factos integradores destes tipos de crime terão sido praticados, entre data não apurada de Junho de 1999, no decurso do Verão do mesmo ano; em Novembro e Dezembro de 1999 e, ainda, em Janeiro de 2000.
Os crimes que vinham imputados à arguida, na acusação, eram puníveis, com pena de prisão, cujos limites mínimo e máximo são respectivamente, dois e oito anos e, no que diz respeito à burla qualificada, na forma tentada, pena de prisão, cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, um mês e cinco anos e quatro meses (cfr. art. 73º do CP).
Considerando estas molduras penais abstractas, o prazo de prescrição do procedimento criminal a considerar é o de dez anos, previsto no art. 118º nº 1 al. b) do mesmo CP
Ora, por estarmos em presença de um eventual crime continuado, o início da contagem do prazo de prescrição terá de ser fixado na data da ocorrência do último acto, por imposição do art. 119º nº 1 e nº 2 al. b) do CP, ou seja, segundo a versão dos factos contida na acusação, em data não concretamente apurada do mês de Janeiro de 2000.
Sucede que a constituição como arguido opera-se através da comunicação, verbal ou escrita, ao visado (por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal) de que a partir desse momento deve considerar-se arguido no processo (art.º 58º/2 do CPP); e implica a entrega do documento a que se refere o art.º 58º/4 do CPP.
Quem for constituído num processo penal como arguido, conserva essa qualidade enquanto durar o processo, nele não a perdendo nem a readquirindo.
A qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo e só termina com a resolução deste ou, no caso de vários arguidos, quando como tal deixar de nele figurar.
É certo que no caso concreto, o agente foi constituído arguido no processo, nas seguintes datas:
- 03/09/99, fls. 115, 116, I Vol.
- 29/12/99, fls. 1047, 1049, VI vol.
- 03/01/00, fls. 740, V Vol., e
- 20/03/2000, fls. 1327, VII vol.
Ora, não era necessário que o arguido viesse a ser constituído como arguido, após 3 de Setembro de 1999, pois que essa primeira comunicação de que se deveria considerar como arguido, conferiu-lhe tal qualidade com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes.
E essa qualidade conservá-la-á enquanto perdurar o processo (art.º 57º nº 2 do CPP).
A partir do momento em que num processo alguém adquire a qualidade de arguido, é-lhe assegurado o exercício dos direitos e exigido o cumprimento dos deveres processuais –, art.º 60º do CPP.
Ou seja, é a partir desse momento que o até então suspeito adquire a qualidade de sujeito processual e como tal passa a ser titular dos direitos e submetido aos deveres processuais que integram o estatuto de arguido (art.º 61º do CPP), o qual se não perde nem se readquire enquanto perdurar o processo.
Consequentemente, não é um novo interrogatório no processo, mesmo por factos novos que entretanto nele vieram a ser conhecidos que lhe atribui tal qualidade. Esta afere-se pela existência do processo e pela comunicação que já lhe fora feita de que deveria nele considerar-se como arguido.
O posterior conhecimento no processo de factos novos que lhe são também atribuídos e o seu interrogatório sobre os mesmos não lhe reconferem a qualidade de arguido, pois que já a detinha no processo.
Uma vez atribuída no processo a qualidade de arguido, ela conserva-se por toda a existência do processo, precisamente porque a partir daí o mesmo passa a ser nele sujeito processual e como tal titular de direitos e de deveres processuais.
A constituição como sujeito processual que doravante perdurará no processo, é o núcleo fundamental da qualidade de arguido já que, com essa constituição, à pessoa como tal constituída é assegurado o exercício de direitos e impostos deveres processuais (art.º 60º do CPP) quanto a todas as imputações que nele lhe forem feitas.
Novos interrogatórios do arguido no processo por factos novos, ainda que de momento lhe sejam relembrados os seus direitos processuais, como parece ter sido o ocorrido nos interrogatórios feitos à arguido após o de 3/9/1999, não lhe renova a qualidade de arguido.
A recorrida foi constituída como arguida neste processo a 3/9/1999 e os novos interrogatórios após as subsequentes constituições de arguida (de 29/12/99, 03/01/00 e 20/03/2000.), não são factos interruptivos da prescrição.
Sucedeu que, como se alcança de fls. 1497 a 1528, a acusação só foi proferida em 24 de Fevereiro de 2010, ou seja, dez anos, cinco meses e vinte e um dias depois do único acto processual praticado antes da notificação da acusação, que tinha a virtualidade de, dada a sua natureza interruptiva, fazer reiniciar a contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal.
Assim, quando a arguida foi notificada da acusação em 25 de Fevereiro de 2010, o prazo normal de dez anos já havia decorrido há cinco meses e vinte e dois dias, sem que, nesse período de tempo tenha surgido qualquer causa de suspensão do mesmo prazo.
Consequentemente, bem andou o tribunal a quo, a declarar prescrito o procedimento criminal e em ordenar o arquivamento dos autos.
Assim sendo julga-se improcedente, nesta parte, o recurso.
***
III – Decisão.

Posto o que precede, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, relativamente ao recurso interposto pelo arguido, em negar provimento ao mesmo, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Sem custas.
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Calvário Antunes (Relator)
Vasques Osório