Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | INÁCIO MONTEIRO | ||
Descritores: | CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA COIMA | ||
Data do Acordão: | 12/15/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL DE CONDEIXA-A-NOVA – J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CONTRAORDENACIONAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 127.º E 410.º, N.º 2, AL. B), DO CPP; ART. 20.º-A E 30 DA LEI N.º 50/2006, DE 29-08, ALTERADA PELA LEI N.º 114/2015, DE 28-08 | ||
Sumário: | I - A contradição insanável alegada da fundamentação, entre a matéria de facto e a motivação da convicção do tribunal, não se confunde com a divergência existente entre a prova produzida e os factos dados como provados. II - Para existir este vício é necessário que a matéria de facto aponte no sentido de ser uma das sociedades a responsável pelos resíduos e na motivação consta como sendo a outra sociedade. III - O vício da contradição deve resultar do texto da sentença, isto é, qualquer leitor medianamente instruído se apercebe da contradição por o tribunal ter dado como provado que os factos foram praticados por uma sociedade e depois na motivação aponta no sentido de ser outra sociedade, situação que não se verifica. IV - A Lei 114/2015, de 28/8, revogou o art. 39.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, inserido no Capítulo III, dedicado às sanções acessórias, e que previa a suspensão da execução destas e só destas. Por outro lado, adicionou a este diploma o art. 20.º-A, inserido no Capítulo I (Da sanção aplicável), onde se prevê a suspensão da execução da coima e das sanções acessórias. V - O art. 20.º-A adicionado à Lei n.º 50/2006, de 29/8, contempla a suspensão da execução da sanção, aqui se prevendo no n.º 1 a suspensão da coima e condições de que o legislador a faz depender e nos n.º 2 a 6 a suspensão da sanção acessória e respectivo regime, que mereceu mais atenção e desenvolvimento, relativamente ao consignado no anterior art. 39.º revogado, quanto à fixação, cumprimento e revogação. VI - Importa cuidar e prevenir a preservação do ambiente, que é património de toda a comunidade, não apenas pela via sancionatória, mas também através de medidas pedagógicas, isto é, o legislador preocupou-se ao introduzir o regime de suspensão da execução da coima nas contra-ordenações ambientais, fazendo-a depender de condições que visem atingir aquele fim, impondo obrigações aos infractores. VII - Justifica-se que se aplique a suspensão [parcial], condicionada à aplicação de medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos dependentes da mesma, isto é, através da aplicação da sanção acessória prevista no art. 30.º, al. j), da Lei n.º 50/2006, de 29/8. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra O tribunal a quo julgou totalmente improcedente a impugnação judicial do arguido e manteve a decisão da entidade administrativa. * A arguida, interpôs recurso, da sentença que manteve a condenação pela contra-ordenação, pugnando pela sua absolvição ou suspensão da coima, formulando as seguintes conclusões: «a) Existe contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação justificativa; b) Desta se alcança que deve ser dado como não provado que os resíduos fossem de sua propriedade, ou que fosse quem os mandou colocar no local, o que não poderia ocorrer, pois estão lá desde antes de se constituir; c) Está clarificado quem mandou colocar lá os resíduos, e é essa responsável que deve ser responsabilidade, no caso a " B..., L.da", sociedade que continua a laborar e tem autonomia jurídica; d) Os documentos, mormente as certidões comerciais juntas aos autos, desmentem qualquer aproximação ou confusão entre a recorrente e aquela outra sociedade; e) Não podia a senhora Juiz julgar a intenção das palavras que o seu sócio gerente pronunciou perante os senhores Agentes Policiais, em sentido contrário à clarificação que o mesmo fez das mesmas em Julgamento; f) Esta clarificação, como reconhecido, foi no sentido de lhes ter dito que os resíduos eram da sua anterior sociedade, que laborou perto do local; g) É profundamente injusta a decisão, pois responsabiliza quem nada tem a ver com os resíduos; h) Estes foram retirados do local pelo seu sócio gerente no decurso do Julgamento, facto que deve ser reconhecido, pois existe nos autos documentação que o comprova, deixando de subsistir a razão que determinou o presente processo; i) Nesse reconhecimento, deve ser suspensa a sanção aplicada, tanto mais que é primária e sempre se ateu ao cumprimento da legalidade; j) Foram violados o princípio da livre apreciação da prova, da proporcionalidade, e os termos dos artigos 9.º, n.º 3 do DL 73/2011 de 17 de Junho, bem como os artigos 20.º-A e 22.º da Lei 50/2006 de 19 de Agosto». * Notificado o Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida. * Nesta instância a Exmo. Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer, pisando idênticos trilhos da motivação em 1.ª instância. Acrescenta que quanto à impugnação da matéria de facto não é admissível recurso, nos termos do art. 75.º, n.º 1, do RGCO, pois apenas seria admissível atacar a sentença neste segmento com base na existência de vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, o que aliás, em seu entender, não se verificam. Quanto à suspensão da coima pretendida não é admissível. Conclui assim pela improcedência total do recurso. * Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não respondeu. * Colhidos os vistos legais e indo os autos à conferência, cumpre decidir. * II - O Direito As conclusões formuladas pela recorrente delimitam o âmbito do recurso, nos termos do art. 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal. São apenas as questões suscitadas pela recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso. Nos termos do art. 75.º, do D. L. 433/82 de 27 de Outubro, este tribunal conhece apenas da matéria de direito, pelo que se devem ter por assentes os factos apurados pelo tribunal a quo, a não ser que resultem da existência dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP. * Questões a decidir: a) Apreciar se existe contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação, devendo dar-se como não provado que os resíduos não eram propriedade da arguida, sendo responsável a sociedade " B..., L.da", quem os mandou lá colocar. b) Apreciar se há fundamento para suspender a coima aplicada.
Apreciando: a) Da contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação A arguida A..., L.DA alega que existe contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação, devendo dar-se como não provado que os resíduos não eram propriedade da arguida, sendo responsável a sociedade B..., L.da, quem os mandou lá colocar. Como prova refere os documentos, designadamente as certidões comerciais juntas aos autos, para justificar que não existe qualquer aproximação ou confusão entre a recorrente e aquela outra sociedade. Salvo o devido respeito a questão de serem sociedades diferentes e sem qualquer aproximação ou confusão entre elas não se coloca e nada tem a ver com a questão a decidir nos presentes autos. Saber se os resíduos foram colocados pela arguida A..., L.DA ou pela sociedade B..., L.da não é uma questão de contradição entre a matéria de facto provada e a fundamentação da convicção do tribunal, mas uma questão com a apreciação da prova. Vejamos pois em que se traduz a contradição. A contradição insanável alegada da fundamentação, entre a matéria de facto e a motivação da convicção do tribunal não se confunde com a divergência existente entre a prova produzida e os factos dados como provados. Nada tem uma coisa a ver com a outra. Nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício decorra do texto da decisão recorrida «a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão». Decidiu o Ac. do STJ, no Proc. N.º 3453/08, de 19/11/2008-3.ª Secção: «(…) VI- A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito. VII-A contradição e a não conciliabilidade têm, pois, de se referir aos factos, entre si ou enquanto fundamentos, mas não a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos. A própria recorrente não especifica concretamente a contradição que resulte do texto da sentença, sendo certo que os vícios constante do art. 410.º, n.º 2, do CPP, devem resultar dos elementos intrínsecos da mesma, isto é, não devem escapar de uma mera leitura atenta. Limita-se a alegar que não deve ser dado como provado ser a arguida a autora pelos resíduos, mas sim a sociedade B..., L.da e nesta conformidade tal traduz-se no vício de erro notório na apreciação da prova e não de contradição da fundamentação, pois para existir este vício a recorrente tem de apontar que a matéria de facto aponta num sentido de ser uma das sociedades a responsável pelos resíduos e na motivação consta como sendo a outra sociedade. Não se descortina qualquer contradição entre a matéria dada por assente ou entre esta e a fundamentação da convicção do tribunal e a decisão condenatória é o corolário lógico dos factos dados como provados e não provados. Se não vejamos. Como acabámos de referir o vício da contradição apontada pela recorrente deve resultar do texto da sentença, isto é, qualquer leitor medianamente instruído se apercebe da contradição por o tribunal ter dado como provado que os factos foram praticados por uma sociedade e depois na motivação aponta no sentido de ser outra sociedade. Não se entende o ataque à sentença alegando contradição entre a matéria de facto provada e a motivação, pondo em causa a valoração e credibilidade que a senhora juíza atribuiu às declarações do sócio gerente perante os agentes de autoridade no momento do levantamento do auto de notícia em detrimento das declarações pelo mesmo prestadas em audiência de julgamento. Concluímos assim que é manifesto não existir a alegada contradição entre os pontos 1, 2 e 3, dados como provados e a motivação em que a senhora juíza alicerçou a sua convicção, para imputar a contra-ordenação à recorrente. * b) Da suspensão da coima aplicada Como segundo segmento da motivação de recurso, alega a recorrente que foram retirados do local os resíduos pelo seu sócio gerente no decurso do julgamento, facto que deve ser reconhecido, devendo por isso ser suspensa da coima aplicada, dado que a mesma é primária e sempre se ateu ao cumprimento da legalidade. A Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que aprova a lei quadro das contra-ordenações ambientais, na redacção da Lei 89//2009, de 31/8, em vigor à data da prática dos factos não previa a suspensão da execução da coima. Tal resulta da estrutura daquela lei que na Título III trata das coimas e sanções, nos seguintes termos: Capítulo I (Da sanção aplicável) – artigo 20.º. Capítulo II (Coimas) – artigos 21.º a 28.º. Capítulo III (Sanções acessórias) – artigos 29.º a 39.º. Apenas no art. 39.º, inserido no Capítulo III se previa a suspensão da execução das sanções acessórias, sendo omissa a lei quadro quanto à suspensão da suspensão da execução das coimas, cujo regime se encontra estipulado no Capítulo II. O legislador se fosse essa a sua intenção tinha-o dito, pelo que o seu silêncio se tem de interpretar como não admitir a suspensão da suspensão da execução das coimas. Neste sentido, se decidiu no Ac. do TRC de 25/3/2015 – Proc. 14/14.3T8SCD.C1, in http://www.dgsi.pt/jtrc. Conclui-se assim que a Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção da Lei 89//2009, de 31/8, em vigor à data da prática dos factos não previa a suspensão da execução da coima. Porém, a Lei 114/2015, de 28/8, revogou o art. 39.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, inserido no Capítulo III dedicado às sanções acessórias e que previa a suspensão da execução destas e só destas. Por outro lado, esta mesma Lei 114/2015, de 28/8, além de revogar o art. 39.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, adicionou a este diploma o art. 20.º-A, inserido no Capítulo I (Da sanção aplicável), onde se prevê a suspensão da execução da coima e das sanções acessórias. Nesta conformidade, devemos ter em conta que a contra-ordenação praticada ocorreu em 12/2/2015, devendo por isso aplicar-se a norma do art. 20.º-A, na redacção da Lei 114/2015, de 28/8, que passou a contemplar a suspensão da execução da coima em contra-ordenações ambientais, nas condições ali previstas, por se mostrar mais favorável á arguida, por força art. 4.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção da Lei 114/2015, de 28/8, que reproduz o art. 3.º, do DL n.º 433/82, de 27/10. O art. 20.º-A adicionado à Lei n.º 50/2006, de 29/8, contempla a suspensão da execução da sanção, aqui se prevendo no n.º 1 a suspensão da coima e condições de que o legislador a faz depender e nos n.º 2 a 6 a suspensão da sanção acessória e respectivo regime, que mereceu mais atenção e desenvolvimento, relativamente ao consignado no anterior art. 39.º revogado, quanto à fixação, cumprimento e revogação. Este é o regime actualmente em vigor quanto à suspensão da execução da coima em contra-ordenações ambientais. A suspensão da execução da sanção acessória, continua a ter um regime mais flexível, relativamente à suspensão da execução da coima, continuando a ser admissível em termos idênticos ao regime que vigorava anteriormente, embora mais especificado nos termos em que funciona, sendo admissível independentemente de ser ou não decretada a suspensão da execução da coima. Diversamente a suspensão da execução da coima obedece a um regime mais apertado, com se alcança da leitura do art. 20.º-A, fazendo-a depender das seguintes condições cumulativas: «1 - Na decisão do processo de contra-ordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas: «a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma; b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente. (…)». Porém, tendo a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, aplicado a coima de €12.000,00 (doze mil euros), deve a arguida pagar o montante de €6.000,00 (seis mil euros), ficando suspensa a coima na parte restante de €6.000,00 (seis mil euros). A suspensão da coima em contra-ordenações ambientais, não era admissível no regime anterior. * III- Decisão: B: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP.
(Inácio Monteiro - relator)
(Alice Santos - adjunta) |