Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
121/16.8T8CDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO
CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA COIMA
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL DE CONDEIXA-A-NOVA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 127.º E 410.º, N.º 2, AL. B), DO CPP; ART. 20.º-A E 30 DA LEI N.º 50/2006, DE 29-08, ALTERADA PELA LEI N.º 114/2015, DE 28-08
Sumário: I - A contradição insanável alegada da fundamentação, entre a matéria de facto e a motivação da convicção do tribunal, não se confunde com a divergência existente entre a prova produzida e os factos dados como provados.

II - Para existir este vício é necessário que a matéria de facto aponte no sentido de ser uma das sociedades a responsável pelos resíduos e na motivação consta como sendo a outra sociedade.

III - O vício da contradição deve resultar do texto da sentença, isto é, qualquer leitor medianamente instruído se apercebe da contradição por o tribunal ter dado como provado que os factos foram praticados por uma sociedade e depois na motivação aponta no sentido de ser outra sociedade, situação que não se verifica.

IV - A Lei 114/2015, de 28/8, revogou o art. 39.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, inserido no Capítulo III, dedicado às sanções acessórias, e que previa a suspensão da execução destas e só destas.

Por outro lado, adicionou a este diploma o art. 20.º-A, inserido no Capítulo I (Da sanção aplicável), onde se prevê a suspensão da execução da coima e das sanções acessórias.

V - O art. 20.º-A adicionado à Lei n.º 50/2006, de 29/8, contempla a suspensão da execução da sanção, aqui se prevendo no n.º 1 a suspensão da coima e condições de que o legislador a faz depender e nos n.º 2 a 6 a suspensão da sanção acessória e respectivo regime, que mereceu mais atenção e desenvolvimento, relativamente ao consignado no anterior art. 39.º revogado, quanto à fixação, cumprimento e revogação.

VI - Importa cuidar e prevenir a preservação do ambiente, que é património de toda a comunidade, não apenas pela via sancionatória, mas também através de medidas pedagógicas, isto é, o legislador preocupou-se ao introduzir o regime de suspensão da execução da coima nas contra-ordenações ambientais, fazendo-a depender de condições que visem atingir aquele fim, impondo obrigações aos infractores.

VII - Justifica-se que se aplique a suspensão [parcial], condicionada à aplicação de medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos dependentes da mesma, isto é, através da aplicação da sanção acessória prevista no art. 30.º, al. j), da Lei n.º 50/2006, de 29/8.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

 
I - Relatório
No processo supra identificado, a sociedade arguida A.... , L.DA, pessoa colectiva com o NIPC (...), com sede na (...), Penela, veio ao abrigo do art. 59.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (doravante, RGCO), interpor recurso de impugnação judicial da decisão proferida pela Senhora Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, datada de 05 de Fevereiro de 2016, que a condenou em €12.000,00 (doze mil euros) de coima, pela prática de uma contra-ordenação, prevista no artigo 9.°, n.º  3, do Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de Junho.
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Como fundamento alega que não praticou os factos que lhe foram imputados, mas sim a sociedade, a «B... , L.da».
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O tribunal a quo julgou totalmente improcedente a impugnação judicial do arguido e manteve a decisão da entidade administrativa.

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A arguida, interpôs recurso, da sentença que manteve a condenação pela contra-ordenação, pugnando pela sua absolvição ou suspensão da coima, formulando as seguintes conclusões:

«a) Existe contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação justificativa;

b) Desta se alcança que deve ser dado como não provado que os resíduos fossem de sua propriedade, ou que fosse quem os mandou colocar no local, o que não poderia ocorrer, pois estão lá desde antes de se constituir;

c) Está clarificado quem mandou colocar lá os resíduos, e é essa responsável que deve ser responsabilidade, no caso a " B..., L.da", sociedade que continua a laborar e tem autonomia jurídica;

d) Os documentos, mormente as certidões comerciais juntas aos autos, desmentem qualquer aproximação ou confusão entre a recorrente e aquela outra sociedade;

e) Não podia a senhora Juiz julgar a intenção das palavras que o seu sócio gerente pronunciou perante os senhores Agentes Policiais, em sentido contrário à clarificação que o mesmo fez das mesmas em Julgamento;

f) Esta clarificação, como reconhecido, foi no sentido de lhes ter dito que os resíduos eram da sua anterior sociedade, que laborou perto do local;

g) É profundamente injusta a decisão, pois responsabiliza quem nada tem a ver com os resíduos;

h) Estes foram retirados do local pelo seu sócio gerente no decurso do Julgamento, facto que deve ser reconhecido, pois existe nos autos documentação que o comprova, deixando de subsistir a razão que determinou o presente processo;

i) Nesse reconhecimento, deve ser suspensa a sanção aplicada, tanto mais que é primária e sempre se ateu ao cumprimento da legalidade;

j) Foram violados o princípio da livre apreciação da prova, da proporcionalidade, e os termos dos artigos 9.º, n.º 3 do DL 73/2011 de 17 de Junho, bem como os artigos 20.º-A e 22.º da Lei 50/2006 de 19 de Agosto».

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Notificado o Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

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Nesta instância a Exmo. Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer, pisando idênticos trilhos da motivação em 1.ª instância.

Acrescenta que quanto à impugnação da matéria de facto não é admissível recurso, nos termos do art. 75.º, n.º 1, do RGCO, pois apenas seria admissível atacar a sentença neste segmento com base na existência de vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, o que aliás, em seu entender, não se verificam.

Quanto à suspensão da coima pretendida não é admissível.

Conclui assim pela improcedência total do recurso.

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Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não respondeu.

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Colhidos os vistos legais e indo os autos à conferência, cumpre decidir.
Vejamos a factualidade apurada e respectiva fundamentação que consta da sentença recorrida.
A) Factos provados:
«1) No dia 12 de Janeiro de 2015, agentes do Destacamento Territorial de Coimbra da Guarda Nacional Republicana constataram, pelas 10h00, que no local de Soito Espinhal, Penela, em terreno situado junto das antigas instalações da recorrente existia um depósito de resíduos, constituídos por pneus e veículos em fins de vida.
2) A recorrente foi a responsável pela deposição de resíduos no local.
3) A recorrente, ao proceder do modo descrito, através do gerente, não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
4) A recorrente tem, pelo menos, dois funcionários.
5) No ano passado, apresentou lucro de, pelo menos, €20.000.
6) Não tem antecedentes contra-ordenacionais.
B) Factos não provados:
Não ficaram por apurar quaisquer outros factos com relevância para a decisão, designadamente que tenha sido uma outra sociedade a praticar os factos em questão.
Não foi considerado o alegado no articulado de recurso que fosse tido como meramente conclusivo, irrelevante ou relativo a questões de direito.
C) Motivação:
Para a formação da sua convicção, na indicação dos factos provados e não provados acima transcritos, o Tribunal analisou de forma livre, crítica e conjugada a prova documental constante dos autos de acordo com o artigo 127.° do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações, respeitando os critérios da experiência comum e da lógica.
Deste modo, a convicção do Tribunal baseou-se, desde logo, no que se refere ao aspecto objectivo da contra-ordenação, no teor do auto de notícia de fls. 3, do qual decorre que, no dia dos factos, agentes da GNR terão verificado resíduos no local e que o «Sr. C... …informou ser Gerente da empresa A..., Lda. Questionado sobre a situação descrita supra, o mesmo afirmou que os resíduos pertencem à sua empresa, que anteriormente laborava próximo do local». Face a estas declarações do gerente da recorrente, parece não restar dúvidas que este se assumiu como responsável pela situação em causa nos presentes autos perante os agentes da GNR. A este propósito, alegou, no entanto, C...., o gerente da recorrente, que, nas declarações mencionadas, se estava a referir a uma outra empresa da qual tinha sido gerente e que laborava no local, a « B..., Lda.», Ora, esta versão não colhe, já que, por um lado, não é esta a interpretação que se retira do texto transcrito e, por outro lado, não foi isso que o agente autuante e a testemunha do auto disseram em sede de julgamento. De facto, em nenhum momento do auto vem referida a empresa « B..., L.da». Assim sendo, quando se faz alusão no auto à «sua» empresa, a única que poderá ser é a referida no auto, ou seja, a A..., Lda. Não faria sentido que tal fosse diferente, uma vez que, como já se salientou, não é feita menção a outra empresa. Depois, é compreensível a expressão «que anteriormente laborava próximo daquele local» por reporte, mais uma vez, à A..., Lda., dado que, como resulta da decisão administrativa, essa empresa tinha instalações próximo do terreno em questão, tendo depois mudado de instalações para a (...) . Por outro lado, I... e J... , que, enquanto, respectivamente, agente autuante e testemunha indicada no auto, conheciam os factos em causa, não tiveram dúvidas em afirmar que o gerente da recorrente tinha dito que os resíduos «eram dele», que se não fosse isso «o auto não tinha sido levantado contra a recorrente», que o gerente da recorrente não disse que «não é meu». E estes depoimentos, para além de serem credíveis, por serem coerentes entre si e por advirem de pessoas isentas (atenta até a ausência de uma qualquer relação sua com os intervenientes processuais), devem ser valorados, por se estarem ainda inseridos no âmbito da investigação do que se passava no local e de quem era o responsável pela ocorrência. Efectivamente, tal como se refere no ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 09 de Julho de 2008, in www.dgsi.pt, «Uma testemunha agente da Polícia Judiciária - que em audiência de julgamento depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo arguido, não profere um depoimento indirecto, antes sendo algo que aquele ouviu directamente da sua boca, de viva voz. E um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art. 127.º  CPP. Trata-se de um meio legal de obtenção de prova ... A prova apresentada pelo órgão de polícia criminal foi recolhida antes de haver processo e de o “futuro” arguido ser sequer suspeito... O conhecimento dos agentes da autoridade não foi obtido em cumprimento de determinações judiciais ou judiciárias, mas antes na missão policial que lhes competia efectuar .... Entendemos pois, que, in casu, deve ser valorado o depoimento dos agentes da autoridade».
De todo o modo, ainda que se admitisse que a sociedade que colocou os resíduos no local não tem a mesma designação do que a recorrente, tudo indica nos autos que as duas sociedades se tratavam, na verdade, a determinada altura, da mesma entidade, dirigida pelo mesmo gerente. A essa ideia conduz não só a identidade do gerente, C... , mas também a passagem de, pelo menos, um funcionário de uma para a outra sociedade, o que foi admitido por esse gerente e por D... , que, como funcionário das duas sociedade, sempre tinha visto C... , como «patrão». Daí que se entenda que C... , quando instado pela autoridade relativamente aos factos em discussão, tenha assumido a responsabilidade pelos mesmos. Toma-se necessário, pois, recorrer à figura da chamada desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva, que surgiu na doutrina e, posteriormente, na jurisprudência como meio de cercear formas abusivas de actuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema. Como ensina MENEZES CORDEIRO, in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo III, Almedina, Coimbra, 2004, páginas 627 a 649, o levantamento da personalidade colectiva é um instituto que foi arquitectado como forma de evitar que, sob a capa da personalidade jurídica colectiva, se prossigam interesses individuais em detrimento de terceiros, defraudando o escopo institucional e, em última análise, a respectiva intencionalidade normativa. Segundo este autor, o instituto pode ser chamado a resolver situações concretas em três tipos de situações mais frequentes: a subcapitalização da sociedade, a confusão das esferas jurídicas e o abuso de direito. Verifica-se uma subcapitalização relevante, para efeitos de levantamento de personalidade, sempre que uma sociedade tenha sido constituída com capital insuficiente. A confusão de esferas jurídicas verifica-se quando, por inobservância de certas regras societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objectivas, não fique clara, na prática, a separação entre o património da sociedade e a do sócio ou sócios. A violação das regras impostas pela boa-fé ocorre sempre que a personalidade colectiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo, para prejudicar terceiros. Entende-se integrar-se na última situação o caso em apreço, porquanto, o gerente da recorrente, apesar de ter assumido a responsabilidade pelos factos em apreciação, utiliza agora a capa de uma outra sociedade para se subtrair à condenação. Bem sabendo o gerente da recorrente que a outra sociedade não foi, em nenhum momento, punida pela contra-ordenação, como resulta de fls. 115. Considera-se, portanto, que o argumento de uma outra sociedade que não a recorrente não serve na situação em apreço, pois que, ainda que tal fosse verdade, sempre a outra sociedade deveria ser vista, pelo levantamento da personalidade colectiva, como a recorrente e, em última análise, porque não dizê-lo, como a pessoa do gerente, C... , que assumiu a responsabilidade da «sua empresa».
No que concerne ao aspecto subjectivo, ponderou-se o iter criminis da recorrente, ou seja, a acção objectivamente apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência comum, da qual se extrai a sua intenção, sendo certo que não foi produzida qualquer prova susceptível de contrariar tal entendimento. Mostrando-se aqui perfeitamente adequado e legítimo o recurso aos aludidos critérios de razoabilidade e bom senso e regras da experiência comum, uma vez que a negligência, sendo um elemento da vida interior de cada um, é insusceptível de directa apreensão, só sendo possível de captar através do preenchimento dos elementos objectivos da infracção aliados a presunções de normalidade e regras da experiência. Neste âmbito, convém salientar que as regras de experiência comum são extraídas do que ordinariamente acontece na vida em sociedade, constituindo noções culturais do homem médio que constituem património comum da colectividade. A fonte de tais regras assenta na reiteração de factos que ocorrem todos os dias, permitindo-se extrair dos mesmos uma regra que pode ser aplicada quando aparecerem idênticas circunstâncias de facto. Estas máximas possuem um valor objectivo «(…) que permite extrair uma regra com base em elementos empíricos, tornando possível extrair juízos de repetição para casos futuros ainda não observados,» - neste sentido, FRANCISCO ROSITO, in «Direito Probatório: As Máximas da Experiência em Juízo», citado por GILBERTO FACHETTI SILVESTRE, in «As Máximas de Experiência no Processo Civil», Vitória, 2009, página 85.
Quanto à situação da recorrente, foram tidas em conta as declarações do legal representante da recorrente, que, ao contrário do circunstancialismo da contra-ordenação, confirmou esses pontos factuais, de moldo espontâneo, claro e, por isso, credível. Sendo certo que, no que respeita aos antecedentes contra-ordenacionais, não há notícia nos autos que os mesmos existam.
Relativamente ao facto não provado, o mesmo resultou não apurado, pela contraditoriedade com os factos provados.
De facto, e apesar do legal representante da recorrente e as testemunhas desta, D... , E... , F... , G... e H... terem tentado convencer o Tribunal que os resíduos teriam sido colocados pela outra sociedade que não a recorrente, essa conclusão não mereceu credibilidade. Isto, não só pela veracidade que mereceram os depoimentos dos agentes autuante e testemunha indicada no auto, já anteriormente referidos, mas também pela ideia de que afinal a outra sociedade não seria tão distinta da recorrente, tudo levando a crer, ao invés, tratar-se da mesma entidade, pelo menos no âmbito da prática da contra-ordenação.
No mais, não foi considerado o alegado no articulado de recurso que fosse tido como meramente conclusivo, irrelevante ou relativo a questões de direito».

*

II - O Direito

As conclusões formuladas pela recorrente delimitam o âmbito do recurso, nos termos do art. 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal.

São apenas as questões suscitadas pela recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Nos termos do art. 75.º, do D. L. 433/82 de 27 de Outubro, este tribunal conhece apenas da matéria de direito, pelo que se devem ter por assentes os factos apurados pelo tribunal a quo, a não ser que resultem da existência dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP.

*

Questões a decidir:

a) Apreciar se existe contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação, devendo dar-se como não provado que os resíduos não eram propriedade da arguida, sendo responsável a sociedade " B..., L.da", quem os mandou lá colocar.

b) Apreciar se há fundamento para suspender a coima aplicada.

Apreciando:

a) Da contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação

A arguida A..., L.DA alega que existe contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação, devendo dar-se como não provado que os resíduos não eram propriedade da arguida, sendo responsável a sociedade B..., L.da, quem os mandou lá colocar.

Como prova refere os documentos, designadamente as certidões comerciais juntas aos autos, para justificar que não existe qualquer aproximação ou confusão entre a recorrente e aquela outra sociedade.

Salvo o devido respeito a questão de serem sociedades diferentes e sem qualquer aproximação ou confusão entre elas não se coloca e nada tem a ver com a questão a decidir nos presentes autos.

 Saber se os resíduos foram colocados pela arguida A..., L.DA ou pela sociedade B..., L.da não é uma questão de contradição entre a matéria de facto provada e a fundamentação da convicção do tribunal, mas uma questão com a apreciação da prova.

Vejamos pois em que se traduz a contradição.

A contradição insanável alegada da fundamentação, entre a matéria de facto e a motivação da convicção do tribunal não se confunde com a divergência existente entre a prova produzida e os factos dados como provados.

Nada tem uma coisa a ver com a outra.

Nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício decorra do texto da decisão recorrida «a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão».

Decidiu o Ac. do STJ, no Proc. N.º 3453/08, de 19/11/2008-3.ª Secção:

«(…)

VI- A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito.

VII-A contradição e a não conciliabilidade têm, pois, de se referir aos factos, entre si ou enquanto fundamentos, mas não a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos.

A própria recorrente não especifica concretamente a contradição que resulte do texto da sentença, sendo certo que os vícios constante do art. 410.º, n.º 2, do CPP, devem resultar dos elementos intrínsecos da mesma, isto é, não devem escapar de uma mera leitura atenta.

Limita-se a alegar que não deve ser dado como provado ser a arguida a autora pelos resíduos, mas sim a sociedade B..., L.da e nesta conformidade tal traduz-se no vício de erro notório na apreciação da prova e não de contradição da fundamentação, pois para existir este vício a recorrente tem de apontar que a matéria de facto aponta num sentido de ser uma das sociedades a responsável pelos resíduos e na motivação consta como sendo a outra sociedade.

Não se descortina qualquer contradição entre a matéria dada por assente ou entre esta e a fundamentação da convicção do tribunal e a decisão condenatória é o corolário lógico dos factos dados como provados e não provados.

Se não vejamos.

Como acabámos de referir o vício da contradição apontada pela recorrente deve resultar do texto da sentença, isto é, qualquer leitor medianamente instruído se apercebe da contradição por o tribunal ter dado como provado que os factos foram praticados por uma sociedade e depois na motivação aponta no sentido de ser outra sociedade.
Ora, o tribunal a quo deu como provado que no dia 12/1/2015, agentes do Destacamento Territorial de Coimbra da Guarda Nacional Republicana constataram que no local de Soito Espinhal, Penela, em terreno situado junto das antigas instalações da recorrente existia um depósito de resíduos, constituídos por pneus e veículos em fins de vida.
Depois da prova que foi produzida conclui que foi a recorrente a responsável pela deposição de resíduos no local e ao proceder do modo descrito, através do gerente, não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz (factos 2 e 3 provados).
Para a formação da sua convicção, o tribunal baseou-se no teor do auto de notícia de fls. 3, no qual os agentes da GNR ali identificados atestam ter constatado a existência de resíduos, “próximo de antigas instalações da empresa A..., L.da”.
Tendo, na sequência, sido contactado o gerente C... , o mesmo no momento informou ser gerente da empresa A..., Lda, tendo informado “que os resíduos pertencem à sua empresa, que anteriormente laborava próximo daquele local”.
O gerente referiu ser responsável a sociedade A..., Lda e não a sociedade B..., L.da.
Foi esta informação que motivou o levantamento do auto de notícia em nome da arguida e não de outra sociedade.
Por isso muito se estranha a defesa ensaiada pela arguida.
Foi aliás, neste sentido que o próprio tribunal a quo admitiu como verdadeira a informação do sócio gerente, quando refere na motivação que tudo aponta para ser a responsável pelos resíduos a sociedade arguida e não a sociedade B..., L.da, e que o senhor juiz na sentença fundamenta devidamente a razão da sua convicção.
Desde a primeira hora se tem como sendo a arguida A..., Lda, a «sua empresa», referida pelo gerente C... , o que está de acordo com a declaração deste quando disse «que anteriormente laborava próximo daquele local», a qual veio posteriormente a mudar de instalações para a (...) .
Ora, não existe pois qualquer contradição entre os factos dados como provados em que se imputa a contra-ordenação à sociedade arguida e a motivação da convicção do tribunal, que de forma pormenorizada justifica a razão por que dá como responsável pelos resíduos a sociedade A..., Lda e não a sociedade B..., L.da.

Não se entende o ataque à sentença alegando contradição entre a matéria de facto provada e a motivação, pondo em causa a valoração e credibilidade que a senhora juíza atribuiu às declarações do sócio gerente perante os agentes de autoridade no momento do levantamento do auto de notícia em detrimento das declarações pelo mesmo prestadas em audiência de julgamento.
O tribunal a quo justificou a sua convicção, apreciando e valorando de forma crítica a prova de acordo com as regras da experiência comum e a livre apreciação do julgador, nos termos do art. 127.º, do CPP.

Concluímos assim que é manifesto não existir a alegada contradição entre os pontos 1, 2 e 3, dados como provados e a motivação em que a senhora juíza alicerçou a sua convicção, para imputar a contra-ordenação à recorrente.

*

b) Da suspensão da coima aplicada

Como segundo segmento da motivação de recurso, alega a recorrente que foram retirados do local os resíduos pelo seu sócio gerente no decurso do julgamento, facto que deve ser reconhecido, devendo por isso ser suspensa da coima aplicada, dado que a mesma é primária e sempre se ateu ao cumprimento da legalidade.

A Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que aprova a lei quadro das contra-ordenações ambientais, na redacção da Lei 89//2009, de 31/8, em vigor à data da prática dos factos não previa a suspensão da execução da coima.

Tal resulta da estrutura daquela lei que na Título III trata das coimas e sanções, nos seguintes termos:

Capítulo I (Da sanção aplicável) – artigo 20.º.

Capítulo II (Coimas) – artigos 21.º a 28.º.

Capítulo III (Sanções acessórias) – artigos 29.º a 39.º.

Apenas no art. 39.º, inserido no Capítulo III se previa a suspensão da execução das sanções acessórias, sendo omissa a lei quadro quanto à suspensão da suspensão da execução das coimas, cujo regime se encontra estipulado no Capítulo II.

O legislador se fosse essa a sua intenção tinha-o dito, pelo que o seu silêncio se tem de interpretar como não admitir a suspensão da suspensão da execução das coimas.

Neste sentido, se decidiu no Ac. do TRC de 25/3/2015 – Proc. 14/14.3T8SCD.C1, in http://www.dgsi.pt/jtrc.

Conclui-se assim que a Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção da Lei 89//2009, de 31/8, em vigor à data da prática dos factos não previa a suspensão da execução da coima.

Porém, a Lei 114/2015, de 28/8, revogou o art. 39.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, inserido no Capítulo III dedicado às sanções acessórias e que previa a suspensão da execução destas e só destas.

Por outro lado, esta mesma Lei 114/2015, de 28/8, além de revogar o art. 39.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, adicionou a este diploma o art. 20.º-A, inserido no Capítulo I (Da sanção aplicável), onde se prevê a suspensão da execução da coima e das sanções acessórias.

Nesta conformidade, devemos ter em conta que a contra-ordenação praticada ocorreu em 12/2/2015, devendo por isso aplicar-se a norma do art. 20.º-A, na redacção da Lei 114/2015, de 28/8, que passou a contemplar a suspensão da execução da coima em contra-ordenações ambientais, nas condições ali previstas, por se mostrar mais favorável á arguida, por força art. 4.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção da Lei 114/2015, de 28/8, que reproduz o art. 3.º, do DL n.º 433/82, de 27/10.

O art. 20.º-A adicionado à Lei n.º 50/2006, de 29/8, contempla a suspensão da execução da sanção, aqui se prevendo no n.º 1 a suspensão da coima e condições de que o legislador a faz depender e nos n.º 2 a 6 a suspensão da sanção acessória e respectivo regime, que mereceu mais atenção e desenvolvimento, relativamente ao consignado no anterior art. 39.º revogado, quanto à fixação, cumprimento e revogação.

Este é o regime actualmente em vigor quanto à suspensão da execução da coima em contra-ordenações ambientais.

A suspensão da execução da sanção acessória, continua a ter um regime mais flexível, relativamente à suspensão da execução da coima, continuando a ser admissível em termos idênticos ao regime que vigorava anteriormente, embora mais especificado nos termos em que funciona, sendo admissível independentemente de ser ou não decretada a suspensão da execução da coima.

Diversamente a suspensão da execução da coima obedece a um regime mais apertado, com se alcança da leitura do art. 20.º-A, fazendo-a depender das seguintes condições cumulativas:

«1 - Na decisão do processo de contra-ordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas:

«a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;

b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.

(…)».
A contra-ordenação foi praticada a título de negligência.
A arguida tem, pelo menos, dois funcionários e no ano de 2015 apresentou um lucro de pelo menos, €20.000.
Não tem antecedentes contra-ordenacionais.
Importa cuidar e prevenir a preservação do ambiente, que é património de toda a comunidade, não apenas pela via sancionatória, mas também através de medidas pedagógicas, isto é, o legislador preocupou-se ao introduzir o regime de suspensão da execução da coima nas contra-ordenações ambientais, fazendo-a depender de condições que visem atingir aquele fim, impondo obrigações aos infractores.
Esta é a filosofia que se extrai do actual regime de suspensão da coima em contra-ordenações ambientais.
Educar, impondo obrigações para melhor prevenir.
Face ao exposto, justifica-se que se aplique a suspensão, condicionada à aplicação de medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos dependentes da mesma, isto é, através da aplicação da sanção acessória prevista no art. 30.º, al. j), da Lei n.º 50/2006, de 29/8.

Porém, tendo a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, aplicado a coima de €12.000,00 (doze mil euros), deve a arguida pagar o montante de €6.000,00 (seis mil euros), ficando suspensa a coima na parte restante de €6.000,00 (seis mil euros).
Face ao que deixamos exposto, mostra-se justa e adequada a suspensão da execução da coima em metade do valor aplicado, pelo prazo de 3 anos, com a condição da arguida, cumprir a sanção acessória de remover todos os resíduos, no prazo de 15 dias, repondo a situação anterior à infracção, nos termos do art. 20.º-A, n.º 1, al. a) e b) e 30.º, n.º 1, al. j) e n.º 4, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28/8.
Pode-se questionar que foi violado o princípio de reformatio in pejus, previsto no art. 409.º, do CPP.
Não cremos que assim seja.

A suspensão da coima em contra-ordenações ambientais, não era admissível no regime anterior.
Com a entrada em vigor da Lei 114/2015, de 28/8, passou a ser admissível a suspensão, fazendo-a depender obrigatoriamente, como condição sine qua non, de verificação das condições cumulativas da aplicação de uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma e que o cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.
Para sabermos se o regime actual é em concreto mais favorável, deve ser tida em conjunto a condenação concreta da arguida, isto é, importa saber se é mais grave, a condenação na coima €12.000,00 (doze mil euros), a pagar na totalidade ou a condenação na coima €12.000,00 (doze mil euros), suspensa em metade do valor, pelo prazo de 3 anos, condicionada esta suspensão à obrigação da arguida  A..., L.da remover os resíduos, repondo a situação anterior à prática da contra-ordenação.
A recorrente, sabia e conhecia a condição da suspensão e por isso formulou tal pretensão na motivação de recurso.
Se dúvidas houvesse de que o regime actual lhe é mais favorável, em concreto, ainda que com imposição de sanção acessória, foram dissipadas pela própria arguida que alegou ter havido violação do art. 20.º-A, ao não ter sido suspensa a coima aplicada, estando ciente das condições de que a lei a faz depender.

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III- Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, conceder, parcial provimento ao recurso interposto pela arguida A..., L.DA, e, em consequência se decreta a suspensão da execução da coima em metade do valor em que foi condenada, pelo prazo de 3 anos, com a condição da arguida, cumprir a sanção acessória de remover todos os resíduos, no prazo de 15 dias, repondo a situação anterior à infracção, nos termos do art. 20.º-A, n.º 1, al. a) e b) e 30.º, n.º 1, al. j) e n.º 4, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28/8.
Sem custas, nos termos do art. 513.º, n.º 1, do CPP.

B: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 15 de Dezembro de 2016

 (Inácio Monteiro - relator)

(Alice Santos - adjunta)