Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | HELENA MELO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA LISTA DE CREDORES RECONHECIDOS HOMOLOGAÇÃO ATIVIDADE INSTRUTÓRIA DA RELAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 04/05/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 129.º E 130.º, N.º 3, DO CIRE. | ||
Sumário: | I – Não incumbe ao juiz, previamente à homologação da lista de créditos definitiva, proceder a atividade investigatória para apreciação da conformidade de cada um dos créditos dela constantes, com vista à correção da posição do administrador da insolvência, que não foi impugnada. II – Havendo imposição legal de conhecimento oficioso da prescrição pelas instâncias fiscais, o mesmo vale quando os respetivos créditos são reclamados fora desse âmbito, designadamente em insolvência. III – O tribunal de recurso, mesmo em âmbito de conhecimento oficioso, apenas conhece perante o que constar do processo, não procedendo a diligências instrutórias em suprimento da inação da parte, designadamente para apurar a que dívidas se reporta a reversão ou a prescrição invocadas pelo recorrente e se esta matéria foi questionada na execução fiscal. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo 3049/21.6T8CBR.-A Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório AA foi declarado insolvente por sentença proferida nos autos principais, já transitada em julgado, e na qual foi fixado o prazo de 20 dias para a reclamação de créditos. Findo o prazo para a reclamação, a Sra. Administradora da Insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos a que alude o art. 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa. Não foram apresentadas impugnações. Para a massa insolvente foi apreendido um imóvel. Após foi proferida sentença que homologou a lista de créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência com fundamento em não terem sido impugnados nem ter sido detetado qualquer erro e procedeu à sua graduação para serem pagos pelo produto da venda do bem apreendido nos autos, nos seguintes termos: 1.º) Em primeiro lugar, dar-se-á pagamento aos créditos garantidos da Fazenda Nacional por IMI, no valor de € 585,98; 2.º) Em segundo lugar, dar-se-á pagamento aos créditos da O..., S.A.; 3.º) Em terceiro lugar, dar-se-á pagamento aos demais créditos reconhecidos, com exceção dos juros dos créditos comuns constituídos após a declaração da insolvência, que serão pagos em último lugar. O insolvente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas conclusões do seguinte modo: (…). A Massa Insolvente de AA contra-alegou, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: (…). II – Objeto do recurso Considerando que: . o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e, . se as dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social reclamadas prescreveram. Previamente, importa conhecer se não tendo o insolvente impugnado os créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, nem tendo junto quaisquer documentos, as questões agora suscitadas constituem questões novas, estando vedado ao tribunal da Relação conhecê-las. III - Fundamentação De acordo com a consulta do apenso A na plataforma citius constata-se que: .Em 3.11.2021 a Sr. AI remeteu aos autos, dando início ao apenso de reclamação de créditos – apenso A. . Da referida lista fazem parte, designadamente, créditos reclamados pela Autoridade Tributária e pelo Instituto de Segurança Social. . Não foram apresentadas impugnações. Conhecendo: Nos quinze dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência (também designado por AI) apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista do não reconhecidos, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou que sejam por outra forma do seu conhecimento (artº 129º, nº 1 do CIRE, diploma a que pertencem todas as disposições citadas que venham a ser citadas sem indicação da fonte). No caso não foi dado cumprimento ao disposto no artº 129º, nº 4 porque não houve credores não reconhecidos, credores que não tenham reclamado créditos ou cujos créditos tenham sido reconhecidos em termos diferentes dos reclamados. Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº 1 do artº 129º, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos (artº 130º, nº 1). Não havendo impugnações é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo AI e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista (artº 130º, nº 3 do CIRE). No caso não foram deduzidas quaisquer impugnações à lista junta pelo Sra. AI. Não tendo havido impugnações, o julgador só deverá deixar de homologar a lista nos termos em que a mesma foi apresentada pelo AI quando haja erro manifesto. Autores há e decisões que defendem que deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto, não podendo o juiz se abster de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos de créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite. Este erro pode respeitar à indevida inclusão do crédito nessa lista, ao seu montante ou às suas qualidades (Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, p. 456; Ac. STJ de 25/11/2008, proferido no processo nº08A31/02 e do TR... de 03/11/2010, proferido no processo nº 2578/09...., acessíveis e www.dgsi.pt., sítio onde poderão ser consultados todos os demais acórdãos que vierem a ser citados sem indicação da fonte). Para outros, “é extremamente limitado o poder do juiz controlar as listas elaboradas pelo administrador da insolvência, que se limita à correção de erros evidentes da própria lista, não lhe sendo possível averiguar da veracidade e legalidade da lista perante as reclamações apresentadas, as quais nem sequer lhe são comunicadas”(Luís Meneses Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, p.231). Inexistindo impugnações e impondo o artº 130º, nº 3 a imediata prolação de decisão pelo tribunal, decisão homologatória da lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, tal pressupõe, necessariamente, que se dê como adquirido para o processo os elementos de facto referidos pelo administrador e que constam da lista, enunciados no artº 129º, nº 2 relativos ao montante do capital e juros, natureza, e garantias (a este efeito cominatório se referem Carvalho Fernandes e João Labareda, obr. cit., p. 456, em anotação ao artº 130º, nº 3). E efetivamente não se vislumbra como é que o julgador poderia questionar estes elementos, porquanto, como já se referiu, nem sequer tem qualquer elemento em que possa suportar a sua análise, pois as reclamações de créditos e os documentos que as instruem estão na disponibilidade do administrador de insolvência e não do Tribunal (cfr. o art. 128º). Só não homologará a lista quando for evidente ou notório – é esse o significado da expressão manifesto que consta do citado preceito –, ter ocorrido um erro, impondo-se considerar que esse erro pode abranger questões de facto e de direito. Ou seja, se os elementos constantes do processo demonstrarem de forma clamorosa que o administrador da insolvência cometeu um lapso. Não incumbe ao juiz previamente à homologação da lista empreender uma atividade investigatória tendente a apreciar da conformidade substancial e formal dos crédito constantes da lista, em ordem a concluir da correção da posição adotada pelo administrador da insolvência relativamente a cada um dos créditos aí descritos, para o que teria previamente de solicitar ao administrador que juntasse aos autos as reclamações de créditos, os documentos que as acompanham e porventura outros elementos pertinentes, assim se desvirtuando completamente o sentido do estatuído no nº 3 do artº 130º (cfr. se defende no Ac. do TR... de 8.11.2016, proc. ...19/13). Já no Ac. do TR... 25.02.2014, proc. 902/12...., igualmente se defendeu que “o juiz deverá analisar a lista apresentada com vista a verificar se ela padece ou não de qualquer erro manifesto que, nos termos da lei, obste à sua homologação e ainda que esse erro não seja evidente perante a análise dos elementos que já constam dos autos, nada obstará a que o juiz, no âmbito dos poderes de fiscalização que lhe são conferidos pelo art. 58º do CIRE, solicite ao administrador os elementos e as informações que entenda relevantes no sentido de confirmar a existência (ou não) de um qualquer erro que suspeite existir na lista apresentada. No entanto – reafirmamos – essa análise e averiguação apenas tem em vista a deteção e correção de erros pontuais que existam – ou que se suspeite que existam – na lista apresentada pelo administrador e não a efetiva verificação e controlo de todos os créditos e respetivas garantias, ainda que não existam quaisquer elementos que apontem para a existência de qualquer erro na lista apresentada. No caso em análise, não havia quaisquer elementos que fizessem suspeitar da existência de qualquer erro, muito menos manifesto, impondo a recusa de homologação. Vejamos: Da alegada indevida reversão das dívidas para com o Instituto da Segurança Social, IP: Consta da lista de finitiva de créditos elaborada pela Sra. AE que as dívidas reclamadas são imputadas ao insolvente, a título de reversão das dívidas das seguintes entidades: P..., Lda., K...,Lda. e R... Unipessoal, Lda. Alega o apelante que apenas pode ser responsabilizado por dívidas que surgiram quando era ainda gerente das ditas sociedades, sendo que já não o é, relativamente às sociedades P..., Lda e K...,Lda. desde, respetivamente 29.09.2010 e 12.07.2010. Vem assim pôr em causa a legalidade da decisão que declarou a reversão das dívidas das referidas sociedades à Segurança Social por o incumprimento se ter verificado num período em que já não era gerente das sociedades P..., Lda. e K...,Lda. Dispõe o artº 24º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo DL 398/98, de 17/12 que: 1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. Por sua vez, o art º 23º, nº 1 da LGT estabelece que a responsabilidade subsidiária se efetiva por reversão do processo de execução fiscal, sendo que a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (nº 2). E estabelece o nº 4 do artº 23º que a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação. Dispõe ainda o artº 153º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo DL 433/99, de 26/10 que a reversão fiscal ocorre quando há incumprimento de dívidas às Finanças e/ou Segurança Social por parte das empresas (ou outras pessoas coletivas) e os bens que integram o património da empresa não são suficientes para satisfazer os direitos de crédito do Estado; nesse caso, o processo de execução fiscal passa a correr contra os gerentes ou administradores da sociedade, executando-se e penhorando-se o seu património pessoal. Desde logo se afigura que a ilegalidade da reversão não podia ser constatada pelo tribunal a quo, face à lista apresentada. E a questão suscitada pelo apelante de que já não seria gerente das sociedades em causa, à data do incumprimento, constitui uma questão nova que não foi colocada junto da 1ª instância. Os recursos jurisdicionais não visam apreciar matéria nova, mas tão só sindicar a decisão recorrida, excedendo o respetivo objeto o conhecimento de questões sobre as quais não recaiu pronúncia no tribunal recorrido, excetuando as de conhecimento oficioso, afigurando-se que a eventual ilegalidade da reversão fiscal não reveste essa natureza. Mas ainda que assim não se entendesse ou mesmo ainda que o apelante tivesse suscitado a questão em primeira instância nos termos em que o faz aqui, sempre a sua pretensão seria de improceder. A sua defesa só seria de considerar se o apelante tivesse questionado os pressupostos em que a reversão operada assentou no processo de execução. Não o tendo feito, fica precludido o direito do apelante - devedor subsidiário – de questionar/impugnar os pressupostos em que assentou a reversão, no âmbito do processo de insolvência decretada, quando não demonstrou ter suscitado esta questão no processo de execução (cfr. se defende no Ac. do TR... de 23.05.2017, proc. nº 1373/15....). Consequentemente, se não o fez, não o poderia questionar no processo de insolvência e, se o fez, deveria ter junto aos autos o comprovativo de tal atuação. |