Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3049/21.6T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA MELO
Descritores: INSOLVÊNCIA
LISTA DE CREDORES RECONHECIDOS
HOMOLOGAÇÃO
ATIVIDADE INSTRUTÓRIA DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 129.º E 130.º, N.º 3, DO CIRE.
Sumário:
I – Não incumbe ao juiz, previamente à homologação da lista de créditos definitiva, proceder a atividade investigatória para apreciação da conformidade de cada um dos créditos dela constantes, com vista à correção da posição do administrador da insolvência, que não foi impugnada.

II – Havendo imposição legal de conhecimento oficioso da prescrição pelas instâncias fiscais, o mesmo vale quando os respetivos créditos são reclamados fora desse âmbito, designadamente em insolvência.

III – O tribunal de recurso, mesmo em âmbito de conhecimento oficioso, apenas conhece perante o que constar do processo, não procedendo a diligências instrutórias em suprimento da inação da parte, designadamente para apurar a que dívidas se reporta a reversão ou a prescrição invocadas pelo recorrente e se esta matéria foi questionada na execução fiscal.

Decisão Texto Integral:

Processo 3049/21.6T8CBR.-A

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório
AA foi declarado insolvente por sentença proferida nos autos principais, já transitada em julgado, e na qual foi fixado o prazo de 20 dias para a reclamação de créditos.
Findo o prazo para a reclamação, a Sra. Administradora da Insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos a que alude o art. 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa.
Não foram apresentadas impugnações.
Para a massa insolvente foi apreendido um imóvel.
Após foi proferida sentença que homologou a lista de créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência com fundamento em não terem sido impugnados nem ter sido detetado qualquer erro e procedeu à sua graduação para serem pagos pelo produto da venda do bem apreendido nos autos, nos seguintes termos:
1.º) Em primeiro lugar, dar-se-á pagamento aos créditos garantidos da Fazenda Nacional por IMI, no valor de € 585,98;
2.º) Em segundo lugar, dar-se-á pagamento aos créditos da O..., S.A.;
3.º) Em terceiro lugar, dar-se-á pagamento aos demais créditos reconhecidos, com exceção dos juros dos créditos comuns constituídos após a declaração da insolvência, que serão pagos em último lugar.

O insolvente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas conclusões do seguinte modo:
(…).
A Massa Insolvente de AA contra-alegou, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

(…).

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu ato, em princípio delimitado pelo conteúdo do ato recorrido,
as questões a decidir, de acordo com as conclusões do apelante, são as seguintes:
. se a reversão das dívidas fiscais a favor do insolvente não deveria ter sido efetuada; e,

. se as dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social reclamadas prescreveram.

Previamente, importa conhecer se não tendo o insolvente impugnado os créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, nem tendo junto quaisquer documentos, as questões agora suscitadas constituem questões novas, estando vedado ao tribunal da Relação conhecê-las.

III - Fundamentação

De acordo com a consulta do apenso A na plataforma citius constata-se que:

.Em 3.11.2021 a Sr. AI remeteu aos autos, dando início ao apenso de reclamação de créditos – apenso A.

. Da referida lista fazem parte, designadamente, créditos reclamados pela Autoridade Tributária e pelo Instituto de Segurança Social.

. Não foram apresentadas impugnações.

Conhecendo:

Nos quinze dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência (também designado por AI) apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista do não reconhecidos, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou que sejam por outra forma do seu conhecimento (artº 129º, nº 1 do CIRE, diploma a que pertencem todas as disposições citadas que venham a ser citadas sem indicação da fonte).

No caso não foi dado cumprimento ao disposto no artº 129º, nº 4 porque não houve credores não reconhecidos, credores que não tenham reclamado créditos ou cujos créditos tenham sido reconhecidos em termos diferentes dos reclamados.

Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº 1 do artº 129º, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos (artº 130º, nº 1).

Não havendo impugnações é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo AI e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista (artº 130º, nº 3 do CIRE).

No caso não foram deduzidas quaisquer impugnações à lista junta pelo Sra. AI.

Não tendo havido impugnações, o julgador só deverá deixar de homologar a lista nos termos em que a mesma foi apresentada pelo AI quando haja erro manifesto. Autores há e decisões que defendem que deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto, não podendo o juiz se abster de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos de créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite. Este erro pode respeitar à indevida inclusão do crédito nessa lista, ao seu montante ou às suas qualidades (Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, p. 456; Ac. STJ de 25/11/2008, proferido no processo nº08A31/02 e do TR... de 03/11/2010, proferido no processo nº 2578/09...., acessíveis e www.dgsi.pt., sítio onde poderão ser consultados todos os demais acórdãos que vierem a ser citados sem indicação da fonte).

Para outros, “é extremamente limitado o poder do juiz controlar as listas elaboradas pelo administrador da insolvência, que se limita à correção de erros evidentes da própria lista, não lhe sendo possível averiguar da veracidade e legalidade da lista perante as reclamações apresentadas, as quais nem sequer lhe são comunicadas”(Luís Meneses Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, p.231).

Inexistindo impugnações e impondo o artº 130º, nº 3 a imediata prolação de decisão pelo tribunal, decisão homologatória da lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, tal pressupõe, necessariamente, que se dê como adquirido para o processo os elementos de facto referidos pelo administrador e que constam da lista, enunciados no artº 129º, nº 2 relativos ao montante do capital e juros, natureza, e garantias (a este efeito cominatório se referem Carvalho Fernandes e João Labareda, obr. cit., p. 456, em anotação ao artº 130º, nº 3).

E efetivamente não se vislumbra como é que o julgador poderia questionar estes elementos, porquanto, como já se referiu, nem sequer tem qualquer elemento em que possa suportar a sua análise, pois as reclamações de créditos e os documentos que as instruem estão na disponibilidade do administrador de insolvência e não do Tribunal (cfr. o art. 128º). Só não homologará a lista quando for evidente ou notório – é esse o significado da expressão manifesto que consta do citado preceito –, ter ocorrido um erro, impondo-se considerar que esse erro pode abranger questões de facto e de direito. Ou seja, se os elementos constantes do processo demonstrarem de forma clamorosa que o administrador da insolvência cometeu um lapso.

Não incumbe ao juiz previamente à homologação da lista empreender uma atividade investigatória tendente a apreciar da conformidade substancial e formal dos crédito constantes da lista, em ordem a concluir da correção da posição adotada pelo administrador da insolvência relativamente a cada um dos créditos aí descritos, para o que teria previamente de solicitar ao administrador que juntasse aos autos as reclamações de créditos, os documentos que as acompanham e porventura outros elementos pertinentes, assim se desvirtuando completamente o sentido do estatuído no nº 3 do artº 130º (cfr. se defende no Ac. do TR... de 8.11.2016, proc. ...19/13).

Já no Ac. do TR... 25.02.2014, proc. 902/12...., igualmente se defendeu que “o juiz deverá analisar a lista apresentada com vista a verificar se ela padece ou não de qualquer erro manifesto que, nos termos da lei, obste à sua homologação e ainda que esse erro não seja evidente perante a análise dos elementos que já constam dos autos, nada obstará a que o juiz, no âmbito dos poderes de fiscalização que lhe são conferidos pelo art. 58º do CIRE, solicite ao administrador os elementos e as informações que entenda relevantes no sentido de confirmar a existência (ou não) de um qualquer erro que suspeite existir na lista apresentada. No entanto – reafirmamos – essa análise e averiguação apenas tem em vista a deteção e correção de erros pontuais que existam – ou que se suspeite que existam – na lista apresentada pelo administrador e não a efetiva verificação e controlo de todos os créditos e respetivas garantias, ainda que não existam quaisquer elementos que apontem para a existência de qualquer erro na lista apresentada.
Parece-nos, portanto, que a atividade do juiz, no âmbito da verificação e graduação de créditos, não consiste em verificar, efetivamente, todos os créditos que constam que lista, devendo, em princípio e inexistindo qualquer impugnação, limitar-se a homologar a lista de credores reconhecidos pelo administrador, apenas podendo (e devendo) deixar de homologar a lista nos precisos termos em que foi apresentada quando constate, pelos elementos de que dispõe no processo, que ela está errada ou incorreta (seja no que toca à existência e valor dos créditos, seja no que toca à sua qualificação) – caso em que providenciará pela correção ou suprimento do erro – ou quando tenha elementos para suspeitar que tal erro existe – caso em que deverá solicitar os elementos e informações necessários para confirmar a sua existência e providenciando, se for o caso, pela sua correção. “.

No caso em análise, não havia quaisquer elementos que fizessem suspeitar da existência de qualquer erro, muito menos manifesto, impondo a recusa de homologação. Vejamos:

Da alegada indevida reversão das dívidas para com o Instituto da Segurança Social, IP:

Consta da lista de finitiva de créditos elaborada pela Sra. AE que as dívidas reclamadas são imputadas ao insolvente, a título de reversão das dívidas das seguintes entidades: P..., Lda., K...,Lda. e R... Unipessoal, Lda.

Alega o apelante que apenas pode ser responsabilizado por dívidas que surgiram quando era ainda gerente das ditas sociedades, sendo que já não o é, relativamente às sociedades P..., Lda e K...,Lda. desde, respetivamente 29.09.2010 e 12.07.2010.

Vem assim pôr em causa a legalidade da decisão que declarou a reversão das dívidas das referidas sociedades à Segurança Social por o incumprimento se ter verificado num período em que já não era gerente das sociedades P..., Lda. e K...,Lda.

Dispõe o artº 24º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo DL 398/98, de 17/12 que:

1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Por sua vez, o art º 23º, nº 1 da LGT estabelece que a responsabilidade subsidiária se efetiva por reversão do processo de execução fiscal, sendo que a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (nº 2).

E estabelece o nº 4 do artº 23º que a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.

Dispõe ainda o artº 153º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo DL 433/99, de 26/10 que a reversão fiscal ocorre quando há incumprimento de dívidas às Finanças e/ou Segurança Social por parte das empresas (ou outras pessoas coletivas) e os bens que integram o património da empresa não são suficientes para satisfazer os direitos de crédito do Estado; nesse caso, o processo de execução fiscal passa a correr contra os gerentes ou administradores da sociedade, executando-se e penhorando-se o seu património pessoal.

Desde logo se afigura que a ilegalidade da reversão não podia ser constatada pelo tribunal a quo, face à lista apresentada.

E a questão suscitada pelo apelante de que já não seria gerente das sociedades em causa, à data do incumprimento, constitui uma questão nova que não foi colocada junto da 1ª instância.

Os recursos jurisdicionais não visam apreciar matéria nova, mas tão só sindicar a decisão recorrida, excedendo o respetivo objeto o conhecimento de questões sobre as quais não recaiu pronúncia no tribunal recorrido, excetuando as de conhecimento oficioso, afigurando-se que a eventual ilegalidade da reversão fiscal não reveste essa natureza.

Mas ainda que assim não se entendesse ou mesmo ainda que o apelante tivesse suscitado a questão em primeira instância nos termos em que o faz aqui, sempre a sua pretensão seria de improceder.

A sua defesa só seria de considerar se o apelante tivesse questionado os pressupostos em que a reversão operada assentou no processo de execução. Não o tendo feito, fica precludido o direito do apelante - devedor subsidiário – de questionar/impugnar os pressupostos em que assentou a reversão, no âmbito do processo de insolvência decretada, quando não demonstrou ter suscitado esta questão no processo de execução (cfr. se defende no Ac. do TR... de 23.05.2017, proc. nº 1373/15....).

Consequentemente, se não o fez, não o poderia questionar no processo de insolvência e, se o fez, deveria ter junto aos autos o comprovativo de tal atuação.
Contudo, mesmo que assim não se considerasse, o tribunal de recurso apenas vai conhecer da questão, face ao que consta do processo e não vai efetuar diligências para instruir o processo, suprindo a inação da parte, para apurar, designadamente, a que dívidas se reporta a reversão e se a reversão foi questionada na execução fiscal. Os poderes do Tribunal da Relação em termos de produção de prova, estão limitados aos casos excecionais previstos no artº 662º, nº 2, alíneas a) e b) do CPC que não se aplicam ao caso.
Os recursos são meios de reapreciação de decisões como se referiu, tendo por base os elementos juntos ao processo até à decisão e excecionalmente os documentos que possam ser admitidos, reunidos os pressupostos dos artºs 423º, 425º e 651º do do CPC.

Da prescrição das dívidas fiscais e coimas e dívidas à Segurança Social
Defende também o apelante que as dívidas já se encontravam prescritas.
Diz o apelante que no caso das dívidas fiscais – por IRS, IRC, IUC ou IVA – o prazo é de 4 anos para notificação aos contribuintes para o pagamento das dívidas e não foram efetuadas notificações válidas ao insolvente nos referidos prazos no âmbito dos processos executivos e prescrevem ao fim de oito anos (artº 48º da LGT) e em nenhum dos processos ocorreu qualquer facto interruptivo (artº 49º da LGT).
*
O artigo 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (aprovado pelo DL 433/99, de 26 de outubro, designado por CPPT) estabelece que a prescrição ou duplicação da coleta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo, o não tiver feito.
Resulta assim do mencionado preceito legal que o conhecimento da prescrição é oficioso, preceito que se aplica também, em nosso entender, tanto em sede de execução cível, como em sede de reclamação de créditos na insolvência. Como se defende no Ac. do TR... de 12.04.2018, proc. nº 314/14.... “mal se compreenderia que se permitisse a reclamação de créditos de natureza fiscal no processo executivo cível e que, ao mesmo tempo, não fossem aplicáveis as regras que para a cobrança de tais créditos, a legislação fiscal estabelece, nomeadamente, em matéria de prescrição.
Com efeito, havendo um princípio que permite às instâncias fiscais, rectius, impõe, o conhecimento oficioso da prescrição, seria de difícil aceitação que já não o permitisse quando tais créditos são reclamados em processo civil, podendo prejudicar ilicitamente a situação do contribuinte (neste mesmo sentido, cfr o Acórdão da Relação ... de 03/12/2013, no processo 6007/08....,disponível em www.dgsi.pt).

No caso, face ao mapa junto pelo Sr. AI, onde não constam as datas em que ocorreu o incumprimento, não se vê como é que o tribunal a quo poderia se ter apercebido de qualquer erro no mapa e que as dividas reclamadas se encontravam prescritas. Nem este tribunal tem elementos para tal.
O apelante que podia ter instruído o seu recurso com documentos constantes das reclamações, não juntou as certidões fiscais, nem as reclamações apresentadas pela autoridade tributária e limitou-se a invocar que as dívidas se encontravam prescritas porque não ocorreu qualquer facto interruptivo e porque não foram efetuadas notificações válidas, fazendo referência à falta de notificação da liquidação, das quais não há qualquer prova documental.
Também relativamente à prescrição das coimas se limita a indicar que o prazo de prescrição é de cinco anos (artº 34º do RIGT), iniciando-se o prazo com o termo em julgado da decisão administrativa/judicial que aplicou a coima, sem que faça qualquer referência a data em que tal trânsito ocorreu e não o provando também.
Reitera-se aqui o que já se disse a propósito da reversão: ainda que o tribunal da apelação possa conhecer oficiosamente da questão, têm de estar juntos aos autos os necessários elementos para poder apreciar.
Relativamente às dívidas à Segurança Social:
Defende o apelante que as dívidas de contribuições, por reversão que a Segurança Social está a exigir do Insolvente, também se encontram prescritas com a seguinte argumentação:
.Nas dívidas à Segurança Social (contribuições ou quotizações), e respetivos juros de mora, o prazo de prescrição era de dez anos (Cfr. Artº.14, do D.L.103/80, de 9/3; Artº.53, nº.2, da Lei 28/84, de 14/8), sendo atualmente de cinco anos, por força da entrada em vigor da Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto, em 4 de Fevereiro de 2001, que diminuiu o prazo de prescrição das dívidas à segurança social de dez para cinco anos.
.Por sucessão no tempo de diferentes prazos de prescrição, impõe-se convocar a regra estabelecida no nº 1 do Art. 297º do Cód. Civil, de acordo com a qual deverá aplicar-se o prazo mais curto, que se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar. Tais dívidas deveriam ter sido pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam.
.Os prazos referidos nos Arts. anteriores contam-se (iniciam-se) a partir das datas em que a obrigação de pagamento deveria ter sido cumprida (nº 2 do art. 63° da citada Lei nº 17/2000, de 8/8), ou seja, a partir do dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito (Cfr. o nº 2 do Art. 10º do DL nº 199/99, de 8/6 e o Art. 6º do Decreto Regulamentar nº 26/99, de 27/10), sendo que a prescrição se interrompe com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida (Cfr. Artº.63, nºs.2 e 3, da Lei 17/2000, de 8/8; Artº.49, nºs.1 e 2, da Lei 32/2002, de 20/12; Artº.60, da Lei 4/2007, de 16/1; Artº.187, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).
.À prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., ao abrigo do Artº.3, al. a), do atual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
.Como se retira do preceituado nos Artºs. 318º a 320º do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo.
.Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respetivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr. Artº. 326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente, quando a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo
ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil).
.Ora, ainda que recaia sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do
processo judicial tributário, com maior significado em matérias de conhecimento oficioso, como seja a prescrição
.Decorre do n.º 2 do art.º 48.º da LGT, que das causas de interrupção e de suspensão aproveitam os responsáveis subsidiários e solidários, ou seja, inutilizando o prazo decorrido ou suspendendo o tempo decorrido ou impedindo o decurso do mesmo até ao termo do processo, ainda que o n.º 3 do art.º 48.º da LGT preveja que a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produza efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.
. Não foram efetuadas notificações válidas ao ora Insolvente no referido prazos, no âmbito dos processos executivos a que aludem os documentos que instruíram a Reclamação de créditos deste Credor.
.O ora Insolvente não recebeu nenhuma comunicação da prática de qualquer diligência administrativa, realizada com seu conhecimento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, pelo que os valores alegadamente em dívida que foram reconhecidos, já se encontram prescritos, por ter decorrido mais de 5 anos sem quaisquer comunicações à sociedade contribuinte e ao ora Insolvente enquanto responsável subsidiário.
.Por isso, a prescrição da dívida reclamada e reconhecida é do conhecimento oficioso e, encontrando-se prescritas as dívidas das três sociedades “P..., Lda.”, “K...,Lda.” e “R..., Lda.”, também terão de ser anulados os valores dos créditos reclamados contra o Insolvente.
Como se referiu já, não incumbe ao tribunal de recurso efetuar investigação, para suprir a inércia da parte. Se, conforme referimos, não se impõe essa investigação ao juiz a quo, para averiguar da correção da lista apresentada, muito menos se aplica ao tribunal de recurso, devido às suas funções.
Ora, face à lista apresentada pelo sr. AI não era evidente que as dívidas reclamadas pela Segurança Social estivessem prescritas, nem os autos fornecem elementos para conhecimento da invocada exceção de prescrição. O apelante limita-se a enunciar os normativos abstratamente aplicáveis ao caso, mas sem que faça a sua aplicação ao caso concreto, sendo a argumentação apresentada, em teoria, válida para qualquer dívida.
A decisão recorrida não merece censura.
Sumário:
(…).

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.
Coimbra, 5 de abril de 2022