Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
160/08.2TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
DESTITUIÇÃO
GERENTE
JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 255º E 257º, NºS 4 A 7 DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS.
Sumário: I – A destituição de gerente pode ser livremente tomada por decisão unilateral da sociedade, independentemente da existência de justa causa.

II. Existe justa causa de destituição de gerente quando se apure a prática de actos que impossibilitem a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe ou, por outras palavras, quando dos factos apurados resulte uma situação em face da qual segundo a boa-fé não seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual com o gerente.

III. A indemnização devida a gerente destituído sem justa causa deve ter como suporte a alegação e prova da existência de prejuízos.

IV. Se o gerente não os alegou nem provou, não há que fixar indemnização.

V. Para esse efeito não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

M…, residente em …, veio propor a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra N… – Mediação de Seguros, Lda., pessoa colectiva n.º com sede …, alegando, em suma, que exerceu as funções de gerente da sociedade ré desde a sua constituição; que, apesar de não constar do pacto social daquela sociedade, a gerência era remunerada e por tempo indeterminado; que desde meados de Janeiro de 2006 o outro sócio-gerente da ré e marido da autora decidiu destituir a autora da gerência sem justa causa; e que daquela destituição resultaram prejuízos patrimoniais e não patrimoniais para a autora.

Em conformidade, pede a condenação da ré no pagamento da quantia global de 4.320,00€ referente aos vencimentos que não foram pagos; da quantia de 8.640,00€ a título de indemnização por exoneração da Autora sem justa causa; e ainda das custas do processo, de procuradoria condigna e dos demais encargos legais.

Citada, a ré contestou, por impugnação, invocando a falsidade dos factos alegados pela autora, e, por excepção, alegando que os salários dos sócios foram sempre integrados nas despesas familiares da casa de morada de família e que a autora denegriu a imagem da ré, bem como aliciou e encaminhou clientes da ré para outros mediadores ou sociedades de mediação, causando prejuízos de valor não apurado à ré.

Notificada da contestação, a autora apresentou resposta à contestação, invocando a falsidade dos factos alegados quanto à matéria das excepções.

A Sr.ª Juiz da 1.ª instância decidiu assim:

“Em face de todo o exposto, julgo procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, condeno a ré a pagar à autora:

A. a remuneração referente aos meses de Janeiro de 2005 a Janeiro de 2006, inclusive, no valor mensal ilíquido de 400,00€ (quatrocentos euros), salvaguardando as obrigações fiscais e sociais, com o limite máximo de 4.320,00€ (quatro mil, trezentos e vinte euros);

B. a indemnização referente ao valor mensal ilíquido de 400,00€ (quatrocentos euros), salvaguardando as obrigações fiscais e sociais, durante quatro anos, com o limite máximo de 8.640,00€ (oito mil, seiscentos e quarenta euros).”.

2.O Objecto da instância de recurso

Nos termos do art. 684°, n°3 e 685º, do Código do Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente.

São as seguintes as conclusões que apresenta a apelante “N… – MEDIAÇÃO DE SEGUROS, Ld.ª”:

A 1.ª instância considerou como verificados os seguintes factos:

3. Do erro notório na apreciação da prova.

Da leitura das alegações apresentadas pela ré resulta, desde logo, que foi sua intenção impugnar a decisão da matéria facto fixada pela 1.ª instância.

Assim, para fundamentar a sua pretensão, no decurso das suas alegações – que aqui reproduzimos -, invoca erro notório na apreciação da prova, conjugada com as regras da experiência comum, patentes e evidentes e percetíveis por qualquer cidadão.

Diz: “…”.

O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum - sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente -, seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.

Como sabe a recorrente, no caso de impugnação da decisão da matéria de facto do tribunal de primeira instância, embora o Tribunal da Relação deva apreciar a matéria impugnada efectuando uma apreciação autónoma da prova produzida, no sentido de que o objecto precípuo da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida, labor que contudo se orienta para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto.

Por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento.

É certo que consta da alínea H) dos factos assentes que, “O vencimento mensal assim auferido pela autora sempre foi canalizado, pelo menos até Janeiro de 2005 e desde a data de constituição da sociedade, para a manutenção e pagamento das despesas da casa de morada de família que formava com o outro sócio da ré, incluindo água, luz, gás empréstimo bancário, tal como alimentação, saúde, vestuário, veículos automóveis, seguros, sendo transferido para a conta conjunta do casal”.

Isto porque assim acordaram os sócios - resposta ao quesito 6.º -, que também tinham uma sociedade conjugal – casaram em Junho de 1973.

Sabemos, também, que após Junho de 2004 a autora e marido – o outro sócio da ré -, se encontravam desavindos.

Que na alínea I) consta que “ A autora, desde a data da constituição da sociedade e até Junho de 2004 sempre assinou os recibos de vencimento emitidos pela ré, e a partir desta data deixou de os assinar”.

            É igualmente certo que esta só peticionou os vencimentos a que tinha direito como gerente – e que quando a sociedade conjugal funcionava estes eram canalizados para a tal conta conjunta do casal -, desde Janeiro de 2005 até Janeiro de 2006 – atenta a sua destituição de todas as funções inerentes à gerência da firma “N… - Mediação de Seguros, Lda,” -.

            Ora, quebrada a harmonia conjugal – que levou à sua destituição de gerente da ré e ao divórcio do casal – é natural – e assim presumiu a 1.ª instância – que o acordo para depositar na conta conjunta carecia já de sentido e, por isso, exige o seu pagamento não assinando os recibos porque tal entrega da remuneração não é feita pela ré.

            O facto de só o ter exigido a partir de Janeiro de 2005 não configura qualquer erro notório na apreciação da matéria de facto fixada pela 1.ª instância, que, aliás, a recorrente não impugna nos termos e para os efeitos da norma do art.º 690º-A, n.º 1 e 2.

            Uma última nota.

            Diz a apelante que: “…toda a matéria deliberada em sede de assembleia-geral da Ré foi dada como facto provado, pois a Autora nunca colocou em causa esses fundamentos...”

Não tem razão.

Porque validamente impugnadas as razões apresentadas pela ré para destituir a autora da gerência, estas foram levados ao questionário – Quesitos 10 a 13 – despacho ao qual a ré não apresentou reclamação.

Estabelece, aliás, o art. 63º, nº 2 que a acta deve conter: a) A identificação da sociedade, o lugar, o dia e a hora da reunião; b) O nome do presidente e, se os houver, dos secretários; c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais, quotas ou acções de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de presenças, que deve ser anexada à acta; d) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando esta seja anexada à acta; e) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia; f) O teor das deliberações tomadas; g) Os resultados das votações; h) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.

Acresce que o nº 1 do mesmo art. 63º apenas confere força probatória plena à acta, no que tange às deliberações dos sócios.

Assim sendo e tendo por matriz o estabelecido nos arts. 392º a 396º do Código Civil, concluímos que tendo sido impugnadas as razões que suportam a deliberação, estas podem ser – no caso em análise – contraditadas com recurso à prova testemunhal, que, como sabe a recorrente a sua força probatória é apreciada livremente pelo tribunal - art. 396º do Código Civil -, decidindo os juízes do julgamento “segundo a sua prudente convicção”  - art. 655º, nº 1 do Código de Processo Civil - , dado que, como referido, a lei não exige para a prova daqueles factos, qualquer formalidade especial” - art. 655º, nº 2 do Código de Processo Civil.

Assim, os únicos factos que resultam do documento particular de fls. 110 – acta n.º 2 – é de que se realizou tal reunião extraordinária com a ordem de trabalhos aí indicada e que a proposta de destituição da autora de gerente, foi aprovada com 75% dos votos.

Nada mais, nomeadamente que as razões invocadas para a sua destituição se verificassem - não podemos esquecer que a (in)existência de justa causa da destituição do gerente, apenas releva para efeitos do direito à indemnização, não tendo qualquer repercussão quanto à aplicação do princípio da livre discricionaridade da destituição do gerente -.

Porque a decisão da 1.ª instância não apresenta quaisquer vícios, omissão de motivação, contradição na fixação da matéria de facto ou outros, que exijam a este Tribunal a sua alteração/revogação, improcede, neste particular a instância de recurso.

4. Direito

São estas as questões a decidir neste Tribunal da Relação:

I. A Autora foi destituída da gerência da sociedade por quotas sem justa causa?

II. Se assim foi, tem direito a uma indemnização fixada nos termos do n.º 7 do artigo 257º do Código das Sociedades Comerciais?

III.O comportamento da autora “navegou nas águas” do abuso do direito?

I. A Autora foi destituída da gerência da sociedade por quotas com justa causa?

A lei que nos interessa fundamentalmente aqui é a norma do artigo 257.º, n.ºs 4 e 6 do Código das Sociedades Comerciais – que será o diploma a citar sem menção de origem.

Escreve-se, a este respeito, no Acórdão do STJ de 26.11.2012: “Havendo justa causa pode, nos termos ali precisados, ser requerida a destituição do gerente.

Constituem designadamente justa causa de destituição – refere ainda a lei - a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções.

Sendo a enumeração exemplificativa, há que procurar encontrar uma conceptualização, socorrendo-se Coutinho de Abreu - no  Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXXIII, 80 - do entendimento pacífico da doutrina alemã, reportado à ideia central de inexigibilidade na manutenção do vínculo que se pretende extinguir.

A própria lei alemã alude a “grosseira violação dos deveres, incapacidade de condução regular das negócios ou privação da confiança…”, ou seja, quando “ a confiança por manifestos e improcedentes fundamentos foi destruída”- § 84, n.º3 da Aktiengesetz.

Assim, para aquele Autor a justa causa corresponde à “situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do administrador [a questão é versada a propósito da sociedade anónima], torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o administrador violou gravemente os seus deveres, ou revelou incapacidade ou ficou incapacitado para o exercício normal das suas funções.”

Baptista Machado - Pressupostos da Resolução por Incumprimento, pág 21 - escreve que, genericamente, a justa causa corresponderá a qualquer circunstância, facto ou situação em face do qual e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação estabelecida, a todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou dificultar a obtenção desse fim; a qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária aos deveres de correcção, de lealdade, e de fidelidade na relação associativa.

Já Pinto Furtado - Das Sociedades em Especial,Tomo I, pág 70 - defende que a ideia de justa causa se reporta a qualquer facto ou comportamento que impeça a gerência por parte do gerente, ou implique um exercício contrário aos interesses da sociedade, havendo que considerar a ideia subjacente ao conceito de justa causa fornecido pela lei laboral, logo, tratar-se-á do comportamento culposo do gerente que pela sua gravidade e consequências torne praticamente impossível a manutenção das suas funções.

Decidiu-se, entre outros, no Acórdão da Relação de Lisboa de 16.07.2009 e, também no mesmo sentido, no Acórdão da Relação do Porto de 22.05.2006, publicado no mesmo sítio, que “Existirá justa causa de destituição de gerente quando se apure a prática de actos que impossibilitem a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe ou por outras palavras quando dos factos apurados resulte uma situação em face da qual segundo a boa-fé não seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual com o gerente.”

O conceito de justa causa na vertente de violação grave dos deveres de gerência integra dois elementos essenciais: um de natureza subjectiva que impõe um comportamento negligente ou doloso; outro de cariz objectivo, caracterizado pela insubsistência de uma relação de confiança entre os sócios e o gerente.

Como é sabido, a "justa causa" de destituição de gerente de sociedade por quotas, deliberada pelos sócios, configura-se como circunstância impeditiva do direito a indemnização pelo gerente destituído, pelo que o ónus da prova dos respectivos factos cabe à sociedade.

No caso dos autos, invocava a ré os seguintes factos:

“Entre muitos outros comportamentos culposos por parte da Autora é de especial relevância o que consiste no facto da Autora ter procedido à transferência para outro agente a mediação de vários contratos de seguros. Este facto não pode ser desprezado e muito menos irrelevante nos presentes autos, pois a Autora nunca o negou e está provada esta conduta culposa por parte da autora.

Importa ainda referir que quando a Autora, gerente da Ré, procede à transferência de contratos de seguro para outro agente mediador, esta conduta é claramente culposa e lesiva dos interesses económicos da sociedade – situação que o Tribunal a quo pura e simplesmente ignora.

Não esqueçamos o facto de a Ré ter por objeto a mediação de seguros. É patente da análise dos elementos constantes nos autos que, dos dois gerentes da Ré, apenas um exercia as funções em que estava instituído, com zelo e diligência – ou seja, o sócio J…; já a Autora assumia precisamente uma conduta contrária e lesiva dos interesses da Ré.

Ora, a Autora estava a agir no seu próprio interesse e não no interesse da sociedade, retirando contratos de seguros para outro agente. Este comportamento lesivo e de extrema e crucial relevância em nada foi considerado pelo Tribunal a quo, apesar de ter sido considerado provado em sede de julgamento e em momento algum colocado em causa nem impugnado pela Autora. Perante tal atitude da Autora, a Ré só poderia decidir pela destituição de gerência porquanto o comportamento da Autora estava sistematicamente a lesar os interesses económicos da Ré, para além de colocar em causa todos os deveres inerentes ao cargo de gerência” – fim de citação -.

O que se apurou na 1.ª instância:

(Ponto 9). A autora, desde a data da constituição da sociedade e até Junho de 2004, sempre assinou os recibos de vencimento emitidos pela ré, e a partir desta data deixou de os assinar (alínea I) dos factos assentes). (Ponto 16.) Após Junho de 2004, a autora, por desavenças familiares com o sócio J…, começou a queixar-se que este a maltratava e roubava junto de familiares próximos, os quais eram clientes da ré (resposta ao quesito 10.º).

O que escreveu, neste particular, a 1.ª instância:

“Quanto ao primeiro facto, desde logo considerando que se provou que desde Janeiro de 2005, o respectivo vencimento não foi entregue à autora (cf. facto provado n.º13), pelo menos a partir desta data, não lhe era exigível que assinasse os recibos de vencimento.

Por outro lado, até àquela data, não obstante ser um comportamento culposo da autora, entendemos que o acto em causa não consiste em um acto praticado no âmbito das funções de gerente enquanto representante da sociedade perante terceiros, mas sim de um acto praticado no âmbito interno do contrato constituído entre a sociedade e a própria autora. Neste sentido, face à sua natureza e ao facto da ré poder assegurar a prova do pagamento do vencimento através de outros mecanismos, nomeadamente bancários, o mesmo não reveste uma violação “grave” dos deveres de gerente, de tal modo que ponha em causa o exercício daquela função. Consequentemente, não preenche o conceito de justa previsto no art. 257.º n.º6 do CSC.

No que concerne ao segundo facto (facto provado n.º15), à primeira vista, o comportamento da autora afigura-se totalmente alheio à sociedade, uma vez que a mesma se limita a queixar-se, a familiares próximos, da relação pessoal que mantinha com o marido, alegando que este a maltratava e roubava. No entanto, não podemos olvidar que a ré é uma sociedade constituída apenas por dois sócios, os quais até 2007 constituíam igualmente uma sociedade conjugal. Consequentemente, a autora ao queixar-se do marido junto de familiares próximos, queixava-se do outro sócio da ré junto de clientes da ré. Por outro lado, ao queixar-se que o marido a roubava, remetia as queixas para um quadro patrimonial que, consequentemente, envolvia a ré enquanto fonte de rendimento do casal.

Ainda, assim, as duas realidades – societária e conjugal – não podem ser confundidas, ou seja, o facto tem de ser analisado como um “comportamento culposo do gerente que pela sua gravidade e consequências torne praticamente impossível a sua manutenção em funções”. Neste sentido, considerando que apenas se provou que a autora se queixava junto de familiares próximos da pessoa do seu marido, afigura-se-nos que o fazia a título pessoal, ou seja, queixava-se daquela pessoa enquanto marido e não enquanto sócio da ré no exercício do interesse social. Concretizando, as queixas na autora não visavam a ré enquanto sociedade ou sequer a competência/eficácia dos serviços prestados pela ré aos clientes. Acresce que não se retira da factualidade provada que a autora tenha actuado com intenção ou tenha configurado a possibilidade de prejudicar a ré sociedade (por exemplo não se provou que a autora pedisse a esses familiares que deixassem de ser clientes da ré ou que tenha configurado essa possibilidade), nem tão pouco se provou que esses familiares, em concreto, tivessem deixado de ser clientes da ré como consequência do comportamento da autora.

Consequentemente, entende-se que o teor do facto provado n.º15 não configura um comportamento culposo da autora ou que o mesmo, ainda que, por negligência da autora, tenha prejudicado a ré de tal modo que não fosse exigível a esta a continuação da relação de gerência com a autora ou, ainda, que fosse capaz de fazer perigar o fim social ou dificultar a obtenção desse fim.

Face ao exposto, concluímos que a ré não logrou demonstrar qualquer facto subsumível ao conceito de justa causa, conforme lhe competia fazer…” – fim de citação -.

Aceitamos estes argumentos como bons, atenta a dissertação teórica supra referida.

Vejamos, por exemplo, as razões que Raul Ventura - Sociedade por Quotas, 1991 vol. III, pág 93 - entende que integram o dito conceito de justa causa: “o facto de o gerente se ter deixado subornar, em prejuízo da sociedade, de ter praticado um abuso de confiança, de estar insolvente ou fortemente endividado, de fazer concorrência à sociedade, de ficar impossibilitado, por doença, de exercer as suas funções durante um largo período de tempo, a subscrição de uma letra com a firma social para garantir uma dívida pessoal, a falsificação da escrita ou do balanço, a diminuição injustificada do volume de negócios para conseguir a destituição de outros gerentes, a discórdia permanente entre os gerentes que se reflicta na boa marcha dos negócios sociais”.

No concreto contexto da destituição de gerente há que ter em de conta quais os deveres fundamentais do gerente referidos no art. º 64.º, ou seja o dever de cuidado e diligência, e, particularmente, o dever de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos como clientes credores e trabalhadores.

Ora, estes deveres, pelas razões supra referidas não foram violados pelo comportamento da autora.

As razões provadas em julgamento, não configuram aquela gravidade que justificam a destituição da autora da gerência da ré.

Improcede, pois, neste particular a instância recursiva.

Avançando no conhecimento do recurso.

Desde logo, a autora peticiona a condenação da ré no pagamento da quantia global de 4.320,00€ referente aos vencimentos que não foram pagos.

            Vejamos.

Para tanto alega que a ré não efectua o pagamento do vencimento da autora desde Janeiro de 2005, sendo que tal falta de pagamento ocorreu até Janeiro de 2006, tendo sido este o último mês processado, porquanto, nesta data, foi a autora exonerada da gerência da ré.

            Sendo a ré uma sociedade comercial por quotas, nesta matéria - remuneração de gerentes - dispõe o art. 255.º n.º1 do CSC que “Salvo disposição do contrato de sociedade em contrário, o gerente tem direito a uma remuneração, a fixar pelos sócios”, sendo certo que as funções de gerentes subsistem enquanto não terminarem por destituição ou renúncia, sem prejuízo de o contrato de sociedade ou o acto de designação poder fixar a duração delas.

            Neste sentido, resulta que quando o contrato de sociedade não disponha de forma diferente os gerentes têm direito a uma remuneração desde o início de funções até à sua cessação por destituição ou renúncia, ou seja, o simples título de gerente confere o direito à remuneração, independente das tarefas concretamente exercidas ou mesmo da sua competência, circunstancias que apenas poderão relevar para efeitos de destituição da função.

Temos nos autos que: a ré foi constituída no dia 14.02.2003, tendo sido a autora nomeada gerente aquando daquela constituição (factos provados n.ºs 1 e 2); não consta do contrato de sociedade referência a qualquer prazo para o exercício temporal da gerência (facto provado n.º3), nem se refere qualquer disposição contrária à remuneração dos gerentes; a autora exerceu funções de gerente da ré até aos quatro dias do mês de Fevereiro de 2006, data em que foi destituição daquela função (facto provado n.º10); a autora auferia o vencimento ilíquido pelo cargo de gerente no valor de 400,00€ (facto provado n.º11).

            Diz a Sr.ª Juiz da 1.ª instância que: “Face à factualidade provada, concluímos que a autora logrou provar todos os pressupostos legais que sustentam a pretensão deduzida, ou seja, provou o exercício remunerado da função de gerente entre Janeiro de 2005 e Janeiro de 2006, sendo o valor ilíquido dessa remuneração de 400,00€ mensais.

            Neste sentido, conforme dispõe o art. 342.º n.º2 do CC, competia à ré provar as causas extintivas, modificativas ou impeditivas do direito invocado pela autora, ou seja, competia à ré provar que procedeu ao pagamento do valor devido à autora.

 Ora, da factualidade provada, nessa matéria, resulta tão-somente que até Janeiro de 2005, por acordo entre os sócios, o vencimento mensal auferido pela autora foi canalizado para a manutenção e pagamento das despesas da casa de morada de família que formava com o outro sócio da ré, incluindo água, luz, gás empréstimo bancário, tal como alimentação, saúde, vestuário, veículos automóveis, seguros, sendo transferido para a conta conjunta do casal (factos provados n.º8 e 14) e que a partir de Janeiro de 2005, não foi entregue à autora o referido vencimento (facto provado n.º13).

Assim, independentemente do modo de pagamento acordado entre os sócios até Janeiro de 2005, a verdade é que a ré não logrou provar, como lhe competia, que a partir de 2005 procedeu ao pagamento daquele montante à autora.

Face ao exposto, procede o primeiro pedido formulado pela autora, cabendo-lhe o direito de receber da ré a remuneração referente aos meses de Janeiro de 2005 a Janeiro de 2006, inclusive, no valor mensal ilíquido de 400,00€, salvaguardando as obrigações fiscais e sociais, com o limite máximo de 4.320,00€ nos termos peticionados (cf. o art. 661.º n.º1 do CPC)”.

Concordamos, por isso, mantemos tal segmento decisório.

 

II. A autora tem ainda direito a uma indemnização fixada nos termos do n.º 7 do artigo 257º do Código das Sociedades Comerciais?

A este respeito dispõe o art.º 257º, n.º 7 que: “Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado”.

Da leitura deste preceito resulta inequívoco que o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, entendimento que é unânime na doutrina e jurisprudência - a liberdade da sociedade em destituir os seus gerentes justifica-se pela necessidade de uma relação de confiança com estes e a obrigação de indemnização apresenta-se como contrapartida desse direito e compensação pelos prejuízos resultantes da quebra do mandato conferido aos gerentes -.

No seguimento desse entendimento tem vindo a ser decidido que essa indemnização não é uma consequência automática da destituição, exigindo-se que para a mesma ter lugar seja provada a existência de danos, não bastando para a sua atribuição a perda da remuneração que se auferia enquanto gerente, sendo necessário demonstrar que o gerente em causa, na sequência da destituição não teve a oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional.

Para o cômputo dessa indemnização deve atender-se àquilo que houver sido convencionado e, na ausência de convenção, o seu cálculo será feito nos termos gerais de direito, considerando-se, no entanto, o disposto no n.º 7 do art.º 257º, impendendo ao gerente destituído a prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, a qualidade de gerentes, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade, conforme a regra geral do ónus da prova prevista no art.º 342º, n.º2 do Cód. Civil.

Efectivamente, constitui entre nós doutrina e jurisprudência que podem dizer-se unânimes a de que o gerente destituído sem justa causa tem direito ao pagamento de indemnização pelos danos sofridos – neste preciso sentido, entre outros,  Raul Ventura, Sociedades por Quotas, III, pág. 118; Luís Brito Correia, Os Administradores das Sociedades Anónimas pág. 705 e segs; João Labareda, A Cessação da Relação de Administração, Direito Societário Português, págs 72 e segs; A. Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, págs 122/123; Código das Sociedades Comerciais Anotado, coordenação de Menezes Cordeiro, pág. 675; Acórdão do STJ de 15.2.2000, publicado no BMJ 494º, pág. 359 -.

A indemnização, porém, não é uma consequência, por assim dizer, automática da destituição - a indemnização devida ao gerente destituído sem justa causa deverá ter subjacente a existência de prejuízos correspondentes aos ganhos esperados e aos danos não patrimoniais sofridos, porquanto não é consequência necessária da destituição sem justa causa -.

Na verdade, o nº 7 do artº 257º não estabelece a indemnização devida na falta de estipulação contratual; apenas fixa um limite máximo para ela ao dizer que se entende que o gerente destituído não se manteria no cargo por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado.

Por isso se tem julgado que o direito de indemnização implica forçosamente a comprovada existência de danos, exigindo-se a demonstração de factos reveladores de que a situação real do lesado é após a destituição mais gravosa do que aquela em que se encontraria sem ela - artºs 562º e 566º, nº 2, do Código Civil -.

Tem-se julgado quanto à questão em análise não bastar à atribuição da indemnização a mera invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência; é preciso, para além disso, demonstrar ainda que o gerente destituído não teve a oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional.

Também esta Relação de Coimbra, em Acórdão de 15.1.2013, assim decidiu:

 “Da leitura do artº 257º, nº 7 do Código das Sociedades Comerciais resulta inequívoco que o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, entendimento que é unânime na doutrina e jurisprudência.

No seguimento desse entendimento tem vindo a ser decidido que essa indemnização não é uma consequência automática da destituição, exigindo-se que para a mesma ter lugar seja provada a existência de danos, não bastando para a sua atribuição a perda da remuneração que se auferia enquanto gerente, sendo necessário demonstrar que o gerente em causa, na sequência da destituição não teve a oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional.

Embora a destituição unilateral dos gerentes seja um acto lícito, não é um acto isento de responsabilidade civil, fazendo antes nascer o direito de indemnização para os destituídos pelos danos que tiverem sofrido.

 Para o cômputo dessa indemnização deve atender-se àquilo que houver sido convencionado e, na ausência de convenção, o seu cálculo será feito nos termos gerais de direito, considerando-se, no entanto, o disposto no n.º 7 do art.º 257º do C. S. C., impendendo ao gerente destituído a prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, a qualidade de gerentes, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade, conforme a regra geral do ónus da prova prevista no art.º 342º, n.º 2 do Cód. Civil”.

Assim sendo, não concordamos com a Sr.ª Juiz do Tribunal de Porto de Mós – com todo o respeito pelo decidido – quando, a certo passo da sua decisão escreve: “…Entendo, assim, que o ónus da prova que impende sobre o gerente destituído, no que concerne aos lucros cessantes, basta-se com a alegação e prova da existência de remuneração…”.

Neste particular, teremos de concordar com a apelante, quando alega: “…Ainda no mesmo sentido, leia-se o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2010 em www.dgsi.pt “II- A concessão da indemnização prevista no art.257.º, n.º 7, do CSC exige a demonstração de factos concretos reveladores de que a situação económica real do gerente é, após a destituição, pior do que aquela em que se encontrava se ela não tivesse ocorrido, não bastando a prova da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência.”

Igualmente o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2006 em www.dgsi.pt “I- O gerente de uma sociedade, destituído sem justa causa, tem direito a indemnização, nos termos do artigo 257º, n.º 7 do CSC. II- Cabe ao autor provar os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente a qualidade de gerente, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade, conforme a regra geral do ónus da prova prevista no art. 342, nº 2, do C.C. III- A indemnização devida a gerente destituído sem justa causa deve ter como suporte a alegação e prova da existência de prejuízos. IV- Se o gerente não os alegou nem provou, não há que fixar indemnização. V- Não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência.”

Repete-se: cabia à Autora a alegação e o correspondente ónus de prova de que a destituição de gerente lhe havia causado prejuízos, para que pudesse ser fixada uma indemnização. Não basta o entendimento subjetivo do Tribunal a quo, que decide que houve justa causa na destituição de gerente e, apenas por isso, atribui à Autora o direito de indemnização pelo limite máximo estabelecido na lei. A não verificação de justa causa constitui direito a indemnização, mas esta só poderá ocorrer, caso se verifiquem prejuízos, os quais a Autora nem sequer alegou” – fim de citação-.

Assim sendo, procede nesta parte, a instância de recurso trazida a este Tribunal da Relação pela ré apelante, com a necessária revogação parcial da decisão da 1.ª instância.

Só um pequeno apontamento sobre o abuso de direito.

Escreve a apelante o seguinte:

“Estamos, na nossa modesta opinião, perante uma situação de ABUSO DE DIREITO, que desde já se invoca, designadamente pelo facto de a Autora exercer um alegado direito seu apenas em 2008 – ou seja, decorridos mais de dois anos desde a ocorrência dos factos – sendo certo que desde Junho de 2004 deixou de assinar os recibos (conforme aliás resultou provado nos presentes autos) e, com esta conduta, a Autora pretendeu lesar, como efectivamente lesou, de forma grave e séria, a empresa, aqui apelante, para além de ter violado os princípios da boa-fé e da confiança que são impostos à Autora e inerentes ao cargo que ocupava na Ré.”

Continua, “…Pode-se concluir que a Autora apesar de ser gerente da Ré, não tem um único contrato de seguro por si mediado. Note-se que as testemunhas da autora nunca tiveram qualquer seguro através da mediação da ré. Mais importa referir que a Autora, apenas decorridos dois anos - sem nunca ter efetuado qualquer comunicação à Ré nesse período - vem reclamar o seu pretenso direito por via judicial, bem sabendo que o ónus da prova cabe sempre à Ré, dificultando e até impedindo a prova da Ré, em virtude do lapso temporal ser demasiado extenso.

Recorde-se que a prova apresentada pela Ré foi essencialmente testemunhal. Ora, atendendo ao número de anos passados entre os factos e a data da sua inquirição seria atendível a imprecisão e conhecimento superficial dos factos pelas testemunhas…”

Nos termos do art.º 334º do Código Civil,“é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

O abuso do direito verifica-se "quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, todavia no caso concreto aparece exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça" - Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 3.ª Edição, pág. 63 -.

Por isso, o abuso do direito deve funcionar como limite ao exercício de direitos quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica.

No abuso do direito a ilegitimidade não resulta da violação formal de qualquer preceito legal concreto, mas da utilização manifestamente anormal, excessiva do direito.

Para haver abuso de direito é necessário a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito – neste preciso sentido, o Acórdão do STJ de 25.6.98, Jurisprudência Seleccionada de Teoria Geral do Direito Civil I, pág. 340 -.

A figura do abuso do direito surge, assim, como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam, por forma considerada justa pela consciência social, em determinado momento histórico, ou obstando a que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa-fé e o sentimento de justiça em si mesmo.

Pode dizer-se que o abuso do direito, na configuração expressa no art.º 334º do Cód. Civil tem um carácter polimórfico, sendo a proibição do venire contra factum proprium uma das suas manifestações.

Como sublinha o Professor Baptista Machado - Estudo sobre a Tutela da confiança e venire contra factum proprium, in Obra Dispersa, Vol. I, págs. 345 e ss. -, “o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamental e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens; e assegurar expectativas é uma das funções primárias do direito”.

Nos casos em que é aplicável a proibição do venire, a responsabilidade pela confiança funciona em regra em termos preventivos, paralisando o exercício de um direito ou tornando ineficaz aquela conduta declarativa que, se não fosse contraditória com a conduta anterior do mesmo agente, produziria determinados efeitos jurídicos.

Uma modalidade especial da proibição do venire – se não mesmo uma figura autónoma na fisionomia polimórfica do abuso do direito – é a chamada «verwirkung» e também apelidada supressio - sobre esta modalidade de abuso de direito e sua caracterização, ver o Prof. António Menezes Cordeiro, na Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, Setembro de 2005, págs. 356 a 358- que se pode assim caracterizar: a) o titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer; b) com base neste decurso de tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido;c) movida por esta confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adoptou programas de acção na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado.

Mostram os autos que a assembleia-geral em reunião extraordinária convocada pelo sócio J…, no âmbito da qual foi aprovada a destituíção de todas as funções inerentes à gerência da firma “N… - Mediação de Seguros, Lda”, por parte da autora, ocorreu aos quatro dias do mês de Fevereiro de 2006, sendo que a acção foi proposta em 21 de Janeiro de 2008.

Ora, dos autos, não transparece que a autora ao pedir o reconhecimento do seu direito, ao actuar, como o fez, não exercitou tal direito em termos clamorosamente ofensivos da justiça.

 

Passemos ao sumário:

I. A destituição de gerente pode ser livremente tomada por decisão unilateral da sociedade, independentemente da existência de justa causa.

II. Existe justa causa de destituição de gerente quando se apure a prática de actos que impossibilitem a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe ou, por outras palavras, quando dos factos apurados resulte uma situação em face da qual segundo a boa-fé não seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual com o gerente.

III. A indemnização devida a gerente destituído sem justa causa deve ter como suporte a alegação e prova da existência de prejuízos.

IV. Se a gerente não os alegou nem provou, não há que fixar indemnização.

V. Para esse efeito não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência.

5.Decisão

Pelas razões expostas e no parcial provimento do recurso interposto, absolvemos a ré, N… – Mediação de Seguros, Lda., na parte em que a 1.ª instância a condenou a pagar à autora, M…, a indemnização referente ao valor mensal ilíquido de 400,00€ (quatrocentos euros), salvaguardando as obrigações fiscais e sociais, durante quatro anos, com o limite máximo de 8.640,00€ (oito mil, seiscentos e quarenta euros) – Ponto B da decisão.

No mais, mantemos a decisão da 1.ª instância.

Custas pela apelante e apelada, na proporção do decaímento.

(José Avelino - Relator -)

(Regina Rosa)

(Artur Dias)