Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
559/05.6TMCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
CONFIANÇA
ADOPÇÃO
Data do Acordão: 10/25/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - TRIBUNAL FAMÍLIA E MENORES - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.36, 69 CRP, 1978 CC, LEI Nº 147/99 DE 1/9
Sumário: 1. O critério para decidir se se deve ordenar a confiança do menor a uma instituição com vista a futura adopção consiste, pois, em apurar se ocorre uma situação em que se verifica a inexistência de vínculos afectivos próprios da filiação entre pais e filhos ou uma situação em que tais vínculos estejam «seriamente comprometidos».

2. Os «vínculos afectivos próprios da filiação», a que alude o n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil, são o resultado de um processo que se prolonga no tempo, sujeito, inclusive, a retrocessos e que, por isso, exige para se formarem e manterem que os pais se dediquem aos filhos de forma permanente, verificando e satisfazendo as suas necessidades físicas e emocionais, corrigindo-lhes as suas acções desadequadas e mostrando-lhes por palavras e acções o afecto que sentem por eles e fazendo-lhes sentir que eles têm valor para os pais e que aquela relação tem existido assim, existe e existirá para sempre.

3. As acções dos pais e dos filhos, na sua mútua convivência, são factos que expressam os seus estados mentais, cognitivos e afectivos, e revelam se esses «vínculos próprios da filiação» existem, não existem, estão em processo de construção, de consolidação ou desagregação e permitem, ainda, efectuar um juízo de prognose sobre se no futuro tais vínculos serão ou não algo de existente, de real, de efectivo.

4. Se os pais não conseguem cumprir os deveres de pais e com isso impedem no presente a formação dos «vínculos próprios da filiação» e idêntico prognóstico é feito para o futuro, o interesse dos filhos indica que o caminho a seguir é o da adopção.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

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Recorrente…A (…), mãe dos menores R (…) e L (…), melhor identificada nos autos, residente em ..., ....

Recorrido….Ministério Público em representação dos interesses dos menores L (…) e R (…), nascidos, respectivamente, em 1 de Setembro de 2007 e 10 de Março de 2003, filhos de A (…) e de C (…)


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I. Relatório.

a) Os presentes autos respeitam a um processo de promoção e protecção instaurado pelo Ministério Público, em Julho de 2005, no 1.º juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra, inicialmente em prol da menor R (…), o qual, mais tarde, se estendeu ao seu irmão L (…), nascido já no decurso do processo.

A instauração do processo destinou-se inicialmente a apoiar os pais da menor R (…), no sentido de estes conseguirem levar a cabo as tarefas próprias da paternidade em relação à menor, tendo sido estabelecida a medida de apoio junto dos pais, a qual vigorou pelo período máximo permitido na lei, isto é, durante dezoito meses.

Entretanto, por ter nascido o menor L(…), em 1 de Setembro de 2007, este veio a ser incluído também no processo e em 14 de Maio de 2009 foi estabelecida a medida de «apoio junto dos pais» em relação a este menor, pelo prazo de três meses.

Durante a execução destas medidas a família foi visitada e ajudada por pessoal técnico três vezes por semana.

Findo este período, verificou-se que os pais dos menores não tinham conseguido adquirir capacidades para levarem a cabo as responsabilidades parentais, apesar da Segurança Social, desde 2005, ter conseguido criar condições económicas e financeiras e ajuda familiar especializada com vista a assegurar a continuidade das crianças no seio da família.

Perante esta realidade, a Segurança Social propôs a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, nos termos previstos no artigo 35.º do Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro

Em 2 de Setembro de 2009 foi tomada decisão judicial que decretou a medida provisória de acolhimento dos menores em instituição.

Decorrido um ano, a Segurança Social pronunciou-se no sentido de ser aplicada aos menores a medida de «confiança dos menores a instituição com vista a futura adopção», medida que se baseou, em síntese, no facto de se terem mostrado infrutíferos os cinco anos de apoio à família, não mostrando os progenitores capacidade para educar e cuidar dos filhos, apesar de entre todos existirem alguns laços de afectividade.

O Ministério Público requereu, então, a continuação dos autos para aplicação desta medida.

Foi encerrada a instrução dos autos e ordenada a notificação do Ministério Público e pais dos menores para se pronunciarem sobre a medida e para indicarem as provas que entendessem.

O Ministério Público reiterou a sua posição no sentido de ser decretada a medida de confiança judicial a instituição, com vista a futura adopção.

Os pais dos menores apresentaram um requerimento onde prometeram cuidar bem dos filhos, pediram a sua entrega e indicaram um conjunto de pessoas que os ajudarão a cuidar deles.

Foi nomeado um advogado a cada um dos menores e designado dia para debate judicial que veio a realizar-se em 25 de Janeiro de 2011.

Foi também nomeado um advogado a cada um dos pais no âmbito do apoio judiciário. Os pais apresentaram rol de testemunhas e requereram a entrega provisória dos menores ao avô paterno, até que eles acabassem de construir a sua casa de habitação.

Realizado o debate, o tribunal colectivo proferiu decisão e aplicou aos menores a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.

b) A mãe dos menores interpôs recurso desta decisão, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito.

Relativamente à matéria de facto discorda dos factos provados sob os n.º 17, apenas na sua última parte, e números 19 e 21, isto é, respectivamente, relativamente à afirmação de que o avô paterno dos menores está «…já algo debilitado em função da idade, para cuidar sozinho de duas crianças pequenas», «A progenitora, sem qualquer retaguarda familiar e com uma longa história de institucionalização durante a menoridade, não tem hábitos de trabalho, mantendo-se desocupada, não conseguindo fazer as lides domésticas sem o apoio ou indicações de terceiros (chegou a deixar apodrecer carne no frigorífico, por falta de a confeccionar, como foi constatado pelos técnicos no caso de um galo que o progenitor comprou e levou para casa, colocando-o no frigorífico, onde acabou por apodrecer sem ser confeccionado)» e «Ao longo dos anos e apesar da intervenção e acompanhamento próximo, sem ignorar o muito apoio prestado, os técnicos constatam uma total falta de consciência por parte do casal para a gravidade da situação (total ausência de crítica), continuando a afirmar que não percebem nem nunca lhes foi comunicada a causa pela qual os menores lhes foram retirados (alvitram a hipótese de falta de condições habitacionais)».

Pretende provar, em relação à última parte do ponto 17 da matéria de facto, que o avô paterno dos menores está em condições físicas e mentais de cuidar dos netos, baseando-se, para tanto, no depoimento prestado pelo mesmo e ainda no depoimento da testemunha (…) e do pai dos menores.

Quanto ao ponto 19.º e 21 dos factos provados pretende que se dê como provado que os pais dos menores alteraram a sua vida, tendo o pai abandonado o alcoolismo, vivendo agora uma relação sem os conflitos conjugais que se verificavam aquando da retirada dos menores.

Por sua vez, a mãe dos menores adquiriu hábitos de higiene, limpeza e organização doméstica, sendo ela que cuida da casa, da alimentação da família e dos animais domésticos, bem como das tarefas agrícolas destinadas à produção de alimentos para consumo da família, encontrando-se inclusivamente à procura de emprego.

O avô paterno encontra-se disponível para acolher as crianças e reúne as condições necessárias para o fazer.

Baseia a alteração da matéria de facto nos termos preconizados no depoimento dos pais dos menores, do avô paterno e da testemunha (…).

Por outro lado, sustenta que devia ter sido dado como provado que (1.º) os progenitores alteraram a sua vida, tendo o pai abandonado o alcoolismo; que vivem uma relação sem os conflitos conjugais; que (2.º) a mãe adquiriu hábitos de higiene, limpeza e organização doméstica, sendo ela que cuida da casa, da alimentação da família e dos animais domésticos, bem como das tarefas agrícolas destinadas à produção de alimentos para consumo da família, encontrando-se inclusivamente à procura de emprego; que (3.º) o avô paterno se encontra disponível para acolher as crianças e reúne as condições necessárias para o fazer e que (4.º) existem fortes laços afectivos entre os menores e a família biológica, que os visita e contacta telefonicamente com regularidade na instituição que os acolhe.

Tratando-se de factos que resultam dos depoimentos das testemunhas (…), avô paterno e pais dos menores. 

A recorrente alega que face a esta modificação dos factos a decisão jurídica deve ser diversa da decretada.

Com efeito, não se verifica, no caso, o requisito previsto no n.º1 do artigo 1978.º do Código Civil, onde se prevê, como condição da aplicação da medida, que não existam ou se encontrem comprometidos seriamente os vínculos afectivos próprios da filiação.

A recorrente entende que foi violado o princípio da actualidade, por não ter sido levada em conta a situação actual, da proporcionalidade, do interesse dos menores e da prevalência da família.

 Concluiu pela revogação da decisão, considerando que superior interesse dos menores aponta para a sua reintegração na família biológica, pelo que deverá ser aplicada a medida de apoio junto dos pais ou, caso assim não se entenda, a medida de apoio junto de outro familiar, no caso, junto do avô paterno.

c) O Ministério Público sustenta que não há razões para ser alterada a matéria de facto, desde logo porque as alterações propostas se baseiam nos depoimentos dos próprios pais e avô paterno, pessoas que não pretendem o encaminhamento dos menores para a adopção.

Por outro lado, no se pode dar como provado que presentemente os pais dos menores reúnem condições para terem os menores consigo porque não as conseguiram reunir durante o tempo em que foram acompanhados no âmbito do projecto «Progride em Rede», ainda no ano de 2005, o qual foi reforçado pelo acompanhamento dos próprios técnicos da Segurança Social.

A negligência a que os menores estiveram sujeitos e as situações de perigo a que estavam expostos levou a que os menores fossem retirados do seio do seu agregado familiar, em Setembro de 2009. Ora, se durante este tempo os pais não revelaram potencial de mudança, não pode concluir-se que no espaço de ano e meio, durante o qual os menores lhes foram retirados, tenham adquirido as competências que não conseguiram adquirir antes.

Além disso, os meios de prova que a recorrente invoca, para pretender que se dê como provado que agora tem as competências que lhe faltaram, consistem fundamentalmente no seu próprio depoimento e no depoimento do pai dos menores, sendo significativo que em sentido oposto se tenha pronunciado a testemunha (…), que acompanhou a família no âmbito do projecto «Progride em Rede».

Também não se pode concluir que os conflitos entre os pais cessaram, como resulta do depoimento da testemunha (…) entre os minutos 27,30 e 28,46.

Entende também que não pode dar-se como provado que o pai dos menores deixou de consumir álcool em excesso, na medida em que estes hábitos não desaparecem de um dia para o outro, sendo certo que ele continua a beber cervejas ao fim do dia, como resultou do depoimento da testemunha Regina Ferrão.

Quanto ao avô paterno dos menores não se pode dar como provado que tem condições para cuidar dos netos pelo facto de ter cuidado anteriormente de um neto que agora tem 17 anos, pois nesse tempo era mais novo e vivia com a esposa, entretanto falecida.

Mantendo-se inalterada a matéria de facto, a única medida que satisfaz os interesses dos menores é aquela que foi aplicada, que deve, por isso, manter-se.

II. Objecto do recurso.

Face ao que fica referido o objecto do recurso consiste, por conseguinte, nas questões que se passam a indicar.

Quanto à matéria de facto.

a) Verificar se os meios de prova indicados pela recorrente impõem que se julgue não provada a seguinte matéria:

1 - A afirmação de que o avô paterno dos menores está «…já algo debilitado em função da idade, para cuidar sozinho de duas crianças pequenas» - parte final do n.º 17.

2 - A afirmação de que «A progenitora, sem qualquer retaguarda familiar e com uma longa história de institucionalização durante a menoridade, não tem hábitos de trabalho, mantendo-se desocupada e não conseguindo fazer as lides domésticas sem o apoio ou indicações de terceiros (chegou a deixar apodrecer carne no frigorífico, por falta de a confeccionar, como foi constatado pelos técnicos no caso de um galo que o progenitor comprou e levou para casa, colocando-o no frigorífico, onde acabou por apodrecer sem ser confeccionado)» - n.º 19.

3 - E «Ao longo dos anos e apesar da intervenção e acompanhamento próximo, sem ignorar o muito apoio prestado, os técnicos constatam uma total falta de consciência por parte do casal para a gravidade da situação (total ausência de crítica), continuando a afirmar que não percebem nem nunca lhes foi dito a causa pela qual os menores lhes foram retirados (alvitram a hipótese de falta de condições habitacionais)» - n.º 21.

b) E como provados estes factos:

1 – Os progenitores alteraram a sua vida, tendo o pai abandonado o alcoolismo; vivem uma relação sem os conflitos conjugais que se verificavam aquando da retirada dos menores.

2 - A mãe adquiriu hábitos de higiene, limpeza e organização doméstica, sendo ela que cuida da casa, da alimentação da família e dos animais domésticos, bem como das tarefas agrícolas destinadas à produção de alimentos para consumo da família, encontrando-se inclusivamente à procura de emprego.

3 - O avô paterno encontra-se disponível para acolher as crianças e reúne as condições necessárias para o fazer.

4 - Existem fortes laços afectivos entre os menores e a família biológica, que os visita e contacta telefonicamente com regularidade na instituição que os acolhe.

c) Quanto à matéria de direito.

Cumpre verificar se estão reunidos os requisitos que impliquem a conclusão de que não existem ou se encontram seriamente comprometidos os «vínculos afectivos próprios da filiação» a que alude o n.º 1 artigo 1978.º, do Código Civil, como condição para ser decretada a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.

III. Fundamentação.

Passando à análise das questões colocadas no recurso no que respeita à matéria de facto.

1 – Questões relativas à alteração da matéria de facto.

(…)

2 - Matéria de facto declarada provada em 1.ª instância, com as alterações resultantes do exposto.

1 - Os menores L (…) e R (…), nascidos, respectivamente, em 1 de Setembro de 2007 e 10 de Março de 2003, são filhos de A (…) e de C (…).

2 - Encontram-se acolhidos desde 16 de Setembro de 2009 no CAT de ..., após decisão provisória proferida em 2 de Setembro de 2009.

3 - Sendo este já o segundo processo de promoção e protecção instaurado a favor dos menores (o menor L (…) nasceu na pendência do processo relativo à irmã R (…)), pois que no anterior, apenso a este, a medida de promoção e protecção aplicada - apoio junto dos pais - atingiu o seu prazo máximo de duração sem que se tivesse conseguido inverter a situação de perigo em que se encontravam.

4 - Os pais dos menores foram acompanhados desde 2005 pelo Projecto « ... Progride em Rede - Acompanhamento de Famílias Multiproblemáticas», do ponto de vista social e psicológico, com deslocação de um técnico a casa, que começou por o fazer uma vez por semana, posteriormente alargado para duas vezes, e, finalmente, três vezes por semana.

5 - Acompanhamento que se revelou ser sempre insuficiente, pois nos outros dias em que o técnico se não deslocava ao domicílio, a mãe não era capaz de tratar dos filhos.

6 - Tendo estado na origem da retirada, a negligência ao nível da higiene corporal das crianças; a má nutrição e alimentação desadequada das mesmas em termos habitacionais, desorganização do espaço físico (habitação suja e desorganizada) e do vestuário; o conflito conjugal e violência doméstica (na presença dos filhos); a falta de colaboração com os serviços (a progenitora não comparecera a sessão de educação parental, assim como a convocatórias consecutivas da Segurança Social, colocando em risco a continuidade do RSI).

7 - Reproduzindo a menor aspectos negativos de modelo parental, apresentando comportamentos agressivos em relação a elementos do agregado familiar (mãe e irmão), mas também aos pares e adultos não significativos.

8 - E apresentando o menor um nível de desenvolvimento aquém do esperado, tanto no aspecto do desenvolvimento físico, como no que concerne à linguagem, desenvolvimento social e emocional (não procurava a mãe nem tinha qualquer reacção ao seu afastamento; era evidente o receio que tinha da irmã, ficando agitado quando a mesma se aproximava).

9 - Verificando-se ainda, o alcoolismo por parte do pai, a inexistência de família alargada com capacidade de apoiar o agregado (por não ter sido a relação do progenitor com a progenitora bem aceite, o agregado não mantinha qualquer relação com a família) e a incapacidade do casal em promover qualquer tipo de mudança, apesar de saberem do processo em tribunal.

10 - Aquando do acolhimento, a menor apresentava graves alterações no domínio comportamental e emocional, com elevados níveis de impulsividade e agressividade - verbal e física -, um comportamento provocador e implicativo com pares, adultos, professores e colaboradores do CAT, dificuldade em aceitar e respeitar regras, perturbações a nível do sono e enurese nocturna, desempenhando em casa o papel de cuidadora do irmão (v. g, apesar da mãe estar em casa, era quem lhe dava banho sozinha numa tina cheia de água, apesar dos 2 anos do irmão e dos seus 6 anos), não aceitava que fossem os adultos a cuidarem dele e dela própria, revelando carências afectivas e solicitando atenção e carinho dos adultos.

11 - O menor apresentava comportamentos provocatórios, agressividade física, dificuldade em aceitar regras, tratando inicialmente a irmã por «mamã».

12 - Situações entretanto ultrapassadas, encontrando-se os menores bem integrados na instituição.

13 - Já depois da retirada das crianças, os progenitores tiveram que abandonar a casa onde viviam, por falta de pagamento de rendas, tendo-se separado e mantido relacionamentos diferentes com outros companheiros, reconciliando-se posteriormente.

14 - Os pais dos menores residem presentemente numa casa cedida por pessoas amigas, que não possui infra-estruturas adequadas às necessidades do casal e dos filhos, sem água, esgotos e instalações sanitárias.

15 - Com apoio comunitário, encontram-se a construir uma habitação num terreno contíguo à casa onde vive o pai do progenitor (isto é, avô paterno dos menores).

16 - Este avô aproximou-se dos progenitores aquando da retirada das crianças, verbalizando agora pretender que as mesmas lhe sejam confiadas, até porque foi o mesmo quem criou e continua a cuidar de um neto, sobrinho do progenitor, ora com 15 anos de idade.

17 - Tratando-se do único elemento da família alargada disponível para ficar com as crianças, ao contrário das capacidades que dispôs para cuidar do neto com quem vive, encontra-se presentemente viúvo (há cerca de pouco mais de um ano) e já algo debilitado em função da idade, para cuidar sozinho de duas crianças pequenas.

18 - Os progenitores visitam os filhos com uma regularidade mensal, confidenciando-lhes os problemas domésticos (discussões e separações), o que muito os perturba e angustia, mormente a menor R....

19 - A progenitora, sem qualquer retaguarda familiar e com uma longa história de institucionalização durante a menoridade, não tem hábitos de trabalho, mantendo-se desocupada e não conseguindo fazer as lides domésticas sem o apoio ou indicações de terceiros (chegou a deixar apodrecer carne no frigorífico, por falta de a confeccionar, como foi constatado pelos técnicos no caso de um galo que o progenitor comprou e levou para casa, colocando-o no frigorífico, onde acabou por apodrecer sem ser confeccionado).

Após a saída dos menores continuou a tratar da casa e da alimentação da família; trata dos animais domésticos e de tarefas agrícolas destinadas à produção de alimentos para consumo da família; procurou emprego.

20 - Apenas o progenitor dos menores trabalha, auferindo aproximadamente o salário mínimo nacional, justificando a sua ausência diária de casa por razões profissionais, delegando na companheira, doméstica, as responsabilidades parentais quotidianas, apesar de ter consciência das limitações da companheira a esse nível, limitando-se depois a responsabilizá-la por isso.

21 - Ao longo dos anos e apesar da intervenção e acompanhamento próximo, sem ignorar o muito apoio prestado, os técnicos constatam uma total falta de consciência por parte do casal para a gravidade da situação (total ausência de crítica), continuando a afirmar que não percebem nem nunca lhes foi dito a causa pela qual os menores lhes foram retirados (alvitram a hipótese de falta de condições habitacionais).

22 - Existem laços afectivos entre os menores e a família biológica, que os visita e contacta telefonicamente com regularidade na instituição que os acolhe (matéria acrescentada face ao decidido acima relativamente ao recurso da matéria de facto).

c) Apreciação do recurso na vertente jurídica.

Cumpre verificar agora se estão reunidos os requisitos que impliquem a conclusão de que não existem ou se encontram seriamente comprometidos para futuro os vínculos afectivos próprios da filiação a que alude o n.º 1 artigo 1978.º do Código Civil, como condição para que possa ser decretada a medida de confiança com vista à adopção relativamente aos menores.


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Vejamos, antes de mais, a lei aplicável ao caso dos autos, para, depois, averiguar se os factos provados preenchem a lei que serviu de cobertura ao decidido em 1.ª instância, ou se os factos mostram ser outra a solução adequada à situação.

Nos termos do n.º 6 do artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa «Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial».

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 69.º da mesma Constituição proclama que «As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições».

Estes textos legais dizem-nos, portanto, que o lugar dos filhos, principalmente enquanto são crianças, é junto dos pais, apontando o interesse dos filhos no sentido de deverem crescer junto dos pais.

Mas a situação altera-se quando estes últimos não cumprem, os seus deveres fundamentais de pais e com isso impeçam no momento, a médio ou a longo prazo que se formem os laços afectivos próprios da filiação, podendo, neste caso, justificar-se a implementação de uma medida que passe por retirar os filhos do convívio dos pais.

O direito internacional aponta no mesmo sentido.

A Convenção Sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de Novembro de 1989, ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, também dispõe, no n.º 1 do seu artigo 7.º, que a criança tem o direito de conhecer os seus pais e de «...ser educada por eles» e no n.º 1 do artigo 9.º declara que «…a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem (…) que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança…», acrescentando no n.º 1 do seu artigo 19.º que «A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental».

A nossa lei ordinária segue os mesmos princípios.

Com efeito, nos termos do artigo 34.º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, «As medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e protecção, visam:

a) Afastar o perigo em que estes se encontram;

b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvi­mento integral;

c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso».

Tais medidas de promoção e protecção são as que constam do artigo 25.º da mesma lei, a saber: a) Apoio junto dos pais; b) Apoio junto de outro familiar; c) Confiança a pessoa idónea; d) Apoio para a autonomia de vida; e) Acolhimento familiar; f) Acolhimento em instituição.

No caso da decisão sob recurso foi aplicada a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.

A decisão baseou-se no facto dos pais dos menores não revelarem capacidade para cuidar deles, colocando mesmo em risco a sua saúde e crescimento harmonioso e de não haver quem os pudesse acolher, por tempo indeterminado, facultando-lhes um crescimento no seio de uma família, pois apenas o avô paterno se perfilou como candidato a tal tarefa, mas considerou-se que não tinha capacidade para a levar a cabo, apesar da sua boa vontade.

A medida aplicada está prevista no artigo 38.º-A da mesma lei onde se determina que «A medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção, aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil, consiste:

a) Na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de candidato seleccionado para a adopção pelo competente organismo de segurança social;

b) Ou na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de instituição com vista a futura adopção».

Por sua vez, o artigo 1978.º (Confiança com vista a futura adopção) do Código Civil, tem a seguinte redacção, na parte que interessa a este caso:

«1 - Com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações:

a) (…); b) (…);

d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;

e) Se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

2 - Na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor.

3 - Considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à promoção dos direitos dos menores.

4 – (…). 5 – (…). 6 – (…)».

Sobre esta matéria a jurisprudência tem decidido, nomeadamente:

«I - A confiança judicial de menor com vista à adopção justifica-se, por exemplo, quando os progenitores puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor, sendo indiferente que o façam com dolo ou negligência ou independentemente de qualquer culpa.

II - Importante é a constatação dessas situações, não importando as incapacidades dos pais» - Acórdão Tribunal da Relação do Porto de 16-07-2007, em http://www.gdsi.pt

No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24-11-2009, ponderou-se que «Sendo manifesto, perante a factualidade provada, que qualquer dos progenitores descurou os cuidados de saúde e de higiene de que cada um dos seus filhos necessitava, pondo em perigo a sua saúde, a sua formação, a educação e bem assim o seu desenvolvimento harmonioso e equilibrado, tudo se resumindo na incapacidade dos progenitores na manutenção e educação dos filhos, mostram-se preenchidos os pressupostos de facto da al. d) do art.º 1978.º/1 do C. Civil» - http://www.gdsi.pt, processo 75/08.4TMLSBL.

Por sua vez, o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 21-05-2009, decidiu que «Revelando os pais biológicos manifesta incapacidade para cuidarem da sua filha menor, com perigo grave para o seu desenvolvimento integral, saúde, educação e formação, justifica-se decretar a confiança judicial da menor a instituição com vista a futura adopção» - http://www.gdsi.pt., processo n.º 2308/06.2TBVCT.


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O critério para decidir se se deve ordenar a confiança do menor a uma instituição com vista a futura adopção consiste, pois, em apurar se ocorre uma situação em que se verifica a inexistência de vínculos afectivos próprios da filiação entre pais e filhos ou uma situação em que tais vínculos estejam «seriamente comprometidos».

O que pretende a lei dizer com isto?

Um «vínculo» significa o mesmo que «ligação entre dois ou mais pólos» e tratando-se de um vínculo afectivo, ficamos a saber que a sua natureza pertence à realidade mental, emocional, da pessoa, tratando-se, pois, de um estado mental relativo a sentimentos.

Tratando-se de vínculo afectivo próprio da filiação estamos então perante um sentimento que nasce e se desenvolve entre os filhos e os pais e vice-versa, recíproco, resultante do facto dos filhos descenderem biologicamente dos pais e se estabelecer naturalmente uma convivência que se inicia imediatamente a seguir ao seu nascimento, gerando sentimentos mútuos de pertença e união, diferentes de quaisquer outros, reforçados ainda pela própria sociedade que os valoriza e institucionaliza como algo de positivo e de perene, como fazendo parte da «natureza das coisas», exigindo e esperando a sociedade, em qualquer caso, a sua verificação.

Trata-se, pois, de uma zona da realidade pertencente ao mundo da mente o que implica, dada a sua natureza, que não possa ser apreendida directamente pelos nossos sentidos.

Por conseguinte, quando tal vínculo existe (ou quando não existe) só pode ser detectado por terceiros quando se revela na actuação dos pais ou dos filhos, de forma consciente, intencional e livre, no sentido de, tratando-se dos pais, zelarem pelos filhos, disponibilizando-lhes meios de subsistência e segurança enquanto deles necessitarem e na manifestação de um sentimento de amor paternal que tende a perdurar pela vida inteira, colocando os pais os interesses dos filhos em primeiro lugar e os seus, em iguais domínios, em segundo lugar.

E, nos filhos, revela-se no facto de tratarem os progenitores por pais, querendo estar com eles, esperando deles o sustento, a segurança e manifestações de afectividade filial.

Sentindo uns e outros a falta física ou emocional do outro como algo de negativo e sofrendo ou rejubilando emocional e reciprocamente com as respectivas desventuras ou sucessos.

Dada a natureza imaterial destes vínculos, para aferirmos da sua existência ou da sua não existência ou, ainda, da medida dessa existência, resta-nos, como se disse, a interpretação das acções dos pais e dos filhos, daquelas acções com capacidade para revelarem a existência de tais vínculos ou para os negarem.

As situações enumeradas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil, mostram, precisamente, situações objectivas que indiciam a ausência de tais vínculos ou o seu sério comprometimento.

Sintetizando:

Os «vínculos afectivos próprios da filiação», a que alude o n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil, são o resultado de um processo que se prolonga no tempo, sujeito, inclusive, a retrocessos e que, por isso, exige para se formarem e manterem que os pais se dediquem aos filhos de forma permanente, verificando e satisfazendo as suas necessidades físicas e emocionais, corrigindo-lhes as suas acções desadequadas e mostrando-lhes por palavras e acções o afecto que sentem por eles e fazendo-lhes sentir que eles têm valor para os pais e que aquela relação tem existido assim, existe e existirá para sempre.

As acções dos pais e dos filhos, na sua mútua convivência, são factos que expressam os seus estados mentais, cognitivos e afectivos, e revelam se esses «vínculos próprios da filiação» existem, não existem, estão em processo de construção, de consolidação ou desagregação e permitem, ainda, efectuar um juízo de prognose sobre se no futuro tais vínculos serão ou não algo de existente, de real, de efectivo.

Se os pais não conseguem cumprir os deveres de pais e com isso impedem no presente a formação dos «vínculos próprios da filiação» e idêntico prognóstico é feito para o futuro, o interesse dos filhos indica que o caminho a seguir é o da adopção.

Nas acções dos pais também se compreende o seu próprio comportamento declarativo, aquilo que eles dizem a propósito desta matéria. Assim, como os compromissos que eles assumem; aquilo que dizem pretender fazer, cumprindo, no entanto, ter na devida conta que aquilo que os pais dizem pode não corresponder ao que eles têm, na verdade, em mente, seja porque dizem aquilo que sabem dever ser dito, para evitarem a censura social, seja por qualquer outro motivo, como seja o caso de garantirem o acesso a prestações sociais.

E, mesmo quando há correspondência entre o que dizem e o seu genuíno desejo, podem não ter força de vontade para, depois, no dia-a-dia, dirigirem a sua acção de acordo com aquilo que sabem ser os seus deveres, não sendo de colocar de parte casos de ausência de capacidade permanente para cumprir os deveres da paternidade.

Daí que, dada a natureza não percepcionável de tais vínculos, o artigo 1978.º do Código Civil, aluda no seu n.º 1 à inexistência ou comprometimento sério dos vínculos afectivos próprios da filiação e de seguida enumere situações factuais, susceptíveis de revelarem a inexistência ou o comprometimento desses vínculos.

Vejamos agora de perto o caso concreto.

Os pais dos menores manifestam a vontade de ter os filhos com eles, o que indicia, à primeira vista, que da parte deles existe um vínculo afectivo que os une aos filhos, o que se confirma pelo facto de os visitarem mensalmente e de os contactarem telefonicamente com regularidade.

Não há indícios de que adoptem este tipo de comportamento por se sentirem forçados a isso devido à censura social ou por saberem que estando os filhos em casa serão ajudados pela comunidade.

Da parte da menor R... há correspondência à afectividade dos pais, o que bem se entende se se considerar que a criança nunca teve alternativa a tal vinculação, pois sempre viveu com os pais antes da institucionalização.

Quanto ao menor L (…) os factos não revelam que exista qualquer vinculação dos menores aos pais, o que poderá ficar a dever-se à sua pouca idade (foi retirado da companhia dos pais com dois anos de idade) e ao facto de a irmã ter assumido também o papel de mãe.

Porém, os factos provados mostram-nos uma situação real que não permite fazer um prognóstico positivo no sentido de entre estes pais e estes filhos se virem a estabelecer no futuro os vínculos afectivos próprios da filiação.

Repare-se nesta dinâmica:

Os pais dos menores foram acompanhados desde 2005 pelo Projecto « ... Progride em Rede - Acompanhamento de Famílias Multiproblemáticas», do ponto de vista social e psicológico, com deslocação de um técnico a casa, que começou por o fazer uma vez por semana, posteriormente alargado para duas vezes, e, finalmente, três vezes por semana (facto n.º 4).

Apesar desta ajuda, os filhos tiveram de ser retirados da companhia dos pais devido a negligência ao nível da higiene corporal das crianças; a má nutrição e alimentação desadequada das mesmas; desorganização do espaço físico habitacional e do vestuário; conflito conjugal e violência doméstica (na presença dos filhos); a falta de colaboração com os serviços (a progenitora não comparecera a sessão de educação parental, assim como a convocatórias consecutivas da Segurança Social, colocando em risco a continuidade do RSI) - (factos do n.º 6)

Além disso, a menor R (…) reproduzindo aspectos negativos de modelo parental, apresentando comportamentos agressivos em relação a elementos do agregado familiar (mãe e irmão), mas também aos pares e adultos não significativos (factos do n.º7).

O menor L (…) apresentava um nível de desenvolvimento aquém do esperado, tanto no aspecto do desenvolvimento físico, como no que concerne à linguagem, desenvolvimento social e emocional (não procurava a mãe nem tinha qualquer reacção ao seu afastamento; era evidente o receio que tinha da irmã, ficando agitado quando a mesma se aproximava) - (factos do n.º 8).

Este comportamento do menor em relação à mãe revela, de forma clara, a ausência de vinculação entre filho e mãe.

É também significativo, porque revelador das consequências do comportamento reiterado adoptado pelos pais, que pode ser qualificado, por isso, como habitual, que aquando do acolhimento, a menor R (…) apresentava elevados níveis de impulsividade e agressividade - verbal e física -, um comportamento provocador e implicativo com pares, adultos, professores e colaboradores do CAT, dificuldade em aceitar e respeitar regras, perturbações a nível do sono e enurese nocturna, desempenhando em casa o papel de cuidadora do irmão e não aceitava que fossem os adultos a cuidarem dele e dela própria, revelando carências afectivas e solicitando atenção e carinho dos adultos (factos do n.º 10).

Quanto ao menor L (…), apresentava comportamentos provocatórios, agressividade física, dificuldade em aceitar regras, tratando inicialmente a irmã por «mamã» (factos do n.º 11).

O que podemos concluir face a isto?

Podemos concluir, prognosticando, que caso os filhos continuassem com os pais viveriam uns com os outros, por força das circunstâncias, mas não se formariam os sentimentos próprios e recíprocos que é comum ocorrerem entre pais e filhos que acima ficaram indicados.

Não se formaria tal vinculação afectiva devido ao facto dos pais não terem capacidade para a formar.

É que, «os vínculos afectivos próprios da filiação» são o resultado de um processo longo, sujeito inclusive a retrocessos e que, por isso, exige de forma permanente que os pais se dediquem aos filhos, verificando as suas necessidades físicas e emocionais, corrigindo-lhes as suas acções desadequadas e mostrando-lhes por palavras e acções o afecto que sentem por eles, que eles têm valor para os pais e que existe ali uma relação que sempre existiu e continuará a existir, sem fim.

Note-se que esta vinculação pode existir e ser mantida, com sucesso, mesmo quando os pais, pelas circunstâncias da vida, não estão fisicamente presentes, mas continuam à distância a zelar pelos filhos, mantendo-se e continuando a desenvolver-se a relação afectiva entre pais e filhos.

Ora, a dinâmica acima assinalada a esta família mostra que não houve condições, digamos «meio ambiente familiar» adequado a incubar «os vínculos afectivos próprios da filiação».

Dito por outras palavras: «os vínculos afectivos próprios da filiação» não acontecem por obra do acaso, mas sim por existir da parte dos pais, ou de quem assumir o respectivo papel, um comportamento que os crie, desenvolva e consolide.

Mas existindo tais vínculos então é seguro que as situações factuais como as narradas não acontecem, elas só são possíveis por não existirem, precisamente, tais vínculos.

No caso concreto, não se trata de uma situação em que os pais voluntariamente não quererem estabelecer tais vínculos, mas sim de não serem capazes de criar condições para que eles existam.

Pode até ocorrer que os pais nem cheguem a ter consciência do que se trata. Os factos do n.º 9 apontam nesse sentido, pois o casal mostrou «incapacidade do casal em promover qualquer tipo de mudança, apesar de saberem do processo em tribunal».

Houve necessidade neste caso de retirar os menores da casa dos pais devido ao perigo que corriam, apesar da ajuda que o casal recebia.

Ora, a existência objectiva deste perigo é um sinal revelador de que o «meio ambiente familiar» era incapaz de gerar ou de consolidar no futuro «os vínculos afectivos próprios da filiação».

Em termos de prognose para o futuro temos de concluir também que não se vislumbra qualquer razão para supor que o futuro iria ser diferente do passado se os filhos voltassem para o seio da família.

Com efeito, a mãe dos menores não dispõe de qualquer retaguarda familiar. Esteve institucionalizada durante parte da sua menoridade, não tem hábitos de trabalho, não conseguindo fazer as lides domésticas sem o apoio ou indicações de terceiros (factos do n.º 19).

E também se afigura certo que não podendo os filhos regressar e continuando institucionalizados tais vínculos também não se formarão.

Resta apenas acrescentar que a única pessoa na família que poderia tomar conta dos menores seria o avô paterno.

Porém, manifestamente, apesar da sua boa vontade, este avô não tem condições para receber os netos.

Por um lado, devido ao facto de ele ter já 70 anos, o que implica progressiva perda de capacidades para gerir um agregado familiar que iria ser constituído por si, por um neto com 17/18 anos, criado por si e pela sua falecida esposa e as duas crianças, com 4 e 8 anos de idade.

A que acrescem as necessidades de que estes menores carecem, já acima referidas quando se tratou da matéria de facto, principalmente as que devem ser levadas a cabo para anular os efeitos da sua vivência passada. 

Concluindo.

Como se referiu no acórdão do STJ de 30 de Junho de 2011, «…o tribunal deve ter sempre em conta, prioritariamente, o superior interesse do menor, pelo que a respectiva aferição deve ser feita objectivamente: a medida em causa não tem como objectivo punir ou censurar os pais, mas garantir a prossecução do interesse do menor» (processo n.º 52/08,5TBCMN, in www.dgsi.pt).

Deve manter-se a decisão no sentido de encaminhar os menores para adopção por se verificarem factos que mostram com objectividade não existirem entre pais e filhos «os vínculos afectivos próprios da filiação» e de não ser previsível que no futuro se venham a estabelecer.

Nestas condições, o interesse dos menores aponta no sentido de se pôr fim imediato a esta situação e de se procurar uma alternativa para eles que permita inseri-los numa família e formar aí uma relação de paternidade e filiação.

Improcede, pois, o recurso.

IV. Decisão.

Considerando o exposto, decide-se julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença. Custas pela recorrente.


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Alberto Ruço ( Relator )

Judite Pires

Carlos Gil