Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
862/11.6PEAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CRIME
NOVO JULGAMENTO
CONDENAÇÃO EM PENA SUSPENSA
Data do Acordão: 07/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÍLHAVO (COMARCA DO BAIXO VOUGA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 56.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CP
Sumário: Se apesar da primeira condenação - pela prática de um crime de furto qualificado, em pena de prisão declarada suspensa na sua execução -, o tribunal que, em seguida, tendo por base novo crime de furto, emite, de igual modo, um prognóstico favorável que o conduz à suspensão, revela-se incongruente a revogação da suspensão ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 56.º do CP.
Decisão Texto Integral:           Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

Nos autos supra identificados, que correm termos no Juízo de Pequena Instância Criminal da Comarca do Baixo Vouga, Ílhavo, a fls. 214, foi proferido o seguinte despacho:

“Nos presentes autos, A... foi condenado, por sentença transitada em julgado em 30/9/2011, pela prática de um crime de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º, nº1, e 204º, nº2, al. e), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por um ano, sujeita ao regime de prova (cfr. fls. 85).

Foi elaborado e homologado o relatório social.

O condenado encontra-se detido, em prisão preventiva, à ordem do proc.
nº 310/ 12.4JAAVR.

Foram tomadas declarações ao condenado (fls. 178/179).

O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela revogação da suspensão da pena.

Foi observado o contraditório, tendo o condenado sustentado haver fundamento para manter a suspensão da execução da pena de prisão. Requereu que, caso assim não se entenda, se deverá ordenar a realização de novas diligências probatórias com vista a apreciar a situação actual do condenado.

Cumpre decidir.

Nos termos do art. 56.° do Código Penal, “1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou do plano individual de readaptação social;

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 – A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.

Tal como põe em evidência o Digno Magistrado do Ministério Público e resulta da certidão de fls.. 185 a 193, o arguido foi condenado por factos praticados no decurso da suspensão da execução da pena pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º, n.º1, e 204.º, n.º1, al. a), do Código Penal, isto é, foi condenado na  pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por factos praticados em 20/10/2011.

Ora a condição primário de suspensão de execução da pena é a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período de suspensão.

Sendo certo que a revogação não é automática, isto é, importa a formulação de um juízo de valor quanto ao alcance das finalidades da punição, considerando o supra exposto, não se pode senão concluir que as finalidades da punição inerentes à condenação sofrida nestes autos resultam irremediavelmente comprometidas.

Na verdade, a suspensão da execução da pena tem subjacente, tal como o prevê o artº 50º nº1 do Código Penal, um juiz de prognose, ou seja, a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da sanção realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ora uma das finalidades precípuas da punição é a da prevenção especial, seja positiva ou de interiorização do desvalor da acção, seja negativa ou de prevenção da reincidência.

Tendo o arguido cometido, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão, o mesmo tipo de crie pelo qual foi condenado nestes autos, evidenciando-se que o praticou cerca de um mês após a condenação sofrida nestes autos, é bem de ver que a condenação aqui sofrida, traduzida na mera ameaça de aplicação da pena de prisão, não foi em absoluto o bastante para levar o condenado a interiorizar o desvalor da sua conduta.

Assim, não há como não verificar que as finalidades de prevenção especial não se cumpriram com a mera condenação e, nessa justa medida, concordar com a promoção do Digno Magistrado do Ministério Público.

Perante esta conclusão, fica prejudicada a questão de saber se a prisão preventiva constitui uma violação dos deveres de conduta impostos, aliás, questão que o próprio condenado convocou, sendo certo que o fundamento legal para a revogação convocado foi tão só o da alínea b) do artº 56º, nº1, do Código Penal, e não já o da alínea a).

Não há também fundamento para ordenar quaisquer outras diligências de prova.

A revogação da suspensão da execução da pena de prisão implica, tal como dispõe o artº 56º nº2, do Código Penal, o cumprimento efectivo da pena.

Pelo exposto, revogo a suspensão da pena de prisão que foi aplicada ao arguido e determino o seu cumprimento efectivo.”

Inconformado com o assim decidido veio o arguido, que beneficia de apoio judiciário, apresentar recurso, do qual extraiu longas

Conclusões (transcrição):

  I O presente recurso vem interposto da douta decisão, proferida em 6 de Fevereiro de 2013 (sob a ref.17369360), que revogou a suspensão da pena de prisão e determinou o cumprimento efectivo da pena de prisão.

II Na decisão recorrida, como nela se diz, “o fundamento legal para a
revogação convocado foi tão-só o da alínea b) do artigo 56º nº1, do Código Penal, e
não já o da alínea a)”,
que dispõe que “1- A suspensão da execução da pena de prisão é
revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”

III -Na aplicação da referida norma legal, a Meritíssima Juiz a quo refere que “como resulta da certidão junta aos autos de fls. 185 a 193, o arguido foi condenado na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por factos praticados em 20/10/2011”, isto após o trânsito em julgado, em 30/9/2011, da condenação destes autos na pena de dois anos de prisão, cuja revogação da suspensão está em causa.

IV -Desta realidade - a reincidência - e lembrando que “a condição primária de suspensão de execução da pena é a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período da suspensão”, logo conclui a douta decisão recorrida que “não se pode senão concluir que as finalidades da punição inerentes à condenação sofrida nestes autos resultam irremediavelmente comprometidas.”

V - Na decisão em crise não se percebe, portanto, por que é que o facto de o arguido ter praticado, após o trânsito em julgado, outro crime, levou a que daí “não se tenha podido senão concluir” que as finalidades da punição inerentes à condenação sofrida nestes autos resultam irremediavelmente comprometidas.

VI - Na verdade, os requisitos previstos na citada ai. a) do nº 1 do artigo 56º do CP são cumulativos, não bastando verificar-se o crime posterior à condenação nem se podendo fundamentar o segundo requisito pela simples verificação do primeiro, como acontece na douta decisão a quo, salvo o devido e merecido respeito.

VII - A fundamentação da douta decisão consiste, na realidade, num raciocínio circular em torno do primeiro requisito legal atrás referido (o da reincidência), que é convocado para demonstrar a verificação do segundo requisito, ou seja, o “juízo de prognose” desfavorável quanto às finalidades da suspensão e quanto a ter sido suficiente ou não a simples censura do facto e a ameaça da sanção corporizadas na sentença condenatória.

VIII - O que é essencial saber, para se concluir pela revogação da suspensão da pena de prisão, é se pese embora a prática posterior do crime, as finalidades subjacentes à punição estão ou não comprometidas (pois a lei diz “cometer crime (…) e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam (...) ser alcançadas.”), mas sobre esta questão  - ainda poderem ou não ser alcançadas as finalidades que estiveram na base da suspensão, não obstante o crime cometido - nada é apreciado nem referido na douta decisão recorrida, motivo pelo qual esta carece, manifestamente, de fundamentação.

    IX - A seguir-se o entendimento que a douta decisão recorrida nos parece transparecer, sempre que o condenado comete outro crime poderia concluir-se, sem mais, que “a condenação (...) sofrida, traduzida na mera ameaça de aplicação da pena de prisão, não foi em absoluto o bastante para levar o condenado a interiorizar o desvalor da conduta” - pois se a mera ameaça de aplicação da pena de prisão produzisse efeitos “em absoluto”, nunca seria cometido outro crime...

X - Para a correcta formulação do juízo de prognose implícito no tal segundo requisito da citada alínea b), o julgador deve socorrer-se, designadamente, dos relacionados com a conduta posterior, da personalidade do arguido, analisando a postura deste na sua audição prévia à decisão sobre a revogação da suspensão da pena, as provas, incluindo a testemunhal e o relatório social, mas também, no que respeita ao crime posterior, as circunstâncias em que este foi praticado, ao seu grau de ilicitude e o juízo de censura que lhe foi assacado na respectiva sentença, é que o julgador dispõe de elementos para poder, com fundamento sólido e compreensível, concluir pela inevitabilidade da revogação da suspensão da pena de prisão, o que não se fez na douta decisão em crise.

XI - Pelo exposto, a douta decisão recorrida padece de vício de falta de fundamentação, nos termos do disposto nos referidos artigos 389-A e 391º-F, nº 1, alíneas a), b) e c), e na alínea a) do nº 1 do artigo 379º, considerando que o despacho que revoga a suspensão da pena de prisão é “complementar da sentença”, traduzindo, como se decidiu no douto Ac. nº 422/2005, do Tribunal Constitucional, publicado no D.R., 2 Série, de 22/9/2005, “uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação .

XII - O dever de fundamentação, mediante especificação dos motivos de facto e de direito, sempre está previsto para os actos decisórios em geral no artigo 97º, nº 5, do CPP, mas deve ter-se em conta que o tipo de decisões em apreço vem complementar a sentença, alterando o conteúdo decisório desta numa questão que contende directamente com direitos, liberdades e garantias do arguido, como é a privação da liberdade, razão pela qual, como se referiu no douto Ac. do STJ de 15/4/2010, proferido no processo nº 312/09.8YFLSB, disponível em www.dgsi.pt, “as suas consequências aproximam-se muito das da sentença que condena em pena de prisão. Tendo esse alcance, (...), deve estar colocada no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levada ao conhecimento” isto para “garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo.” Pelo que, (...) “só pode concluir-se que o texto da lei, falando apenas em sentença e não em decisões com alcance similar, como o despacho de revogação da sua pensão da pena ficou aquém do pensamento legislativo, devendo, em consequência, numa interpretação extensiva, estender-se o sentido da palavra sentença de modo a abranger o despacho de revogação da suspensão da execução da pena.”

XIII - Outra interpretação não pode ser feita das normas atrás citadas sobre o dever (reforçado) de fundamentação da sentença e sobre a nulidade pela sua falta, que não seja a da aplicabilidade destas ao tipo de decisão em apreço, sob pena de ser ferida de inconstitucionalidade por violação das garantias de defesa do arguido (cfr. artigo 32, n.9 1, da Constituição da República Portuguesa).

XIV – Em todo o caso não deve manter-se o entendimento pela revogação da suspensão da pena de prisão, não só à luz do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 56º do Código Penal, em que se baseou a douta decisão a quo, mas também da alínea
a).

XV -  Foi ouvido o técnico da DGRS, João Carlos Abrunhosa Amaral, que esclareceu (cfr. a acta de 03/10/2012, ref.4 16045784) que “no período [em] que acompanhou o arguido, até à sua detenção, não havia indícios de incumprimento do regime de prova [a] que foi sujeito”.

XVI – A detenção em causa consiste na prisão preventiva do arguido em 24/8/2012, à ordem de outro processo que ainda corre termos. Consequentemente, a interrupção do plano de reinserção social delineado no relatório de fls. 132 e seguintes não se deve, portanto, a incumprimento do arguido mas à sua situação de prisão preventiva, sendo que, mesmo com o arguido em reclusão, os técnicos de reinserção social poderiam e deveriam acompanhar a sua situação tal como previsto no relatório, com as devidas adaptações, inclusivamente no que respeita ao tratamento da toxicodependência que estava em curso.
XVII - Ouvido o arguido em 03/10/2012 (cfr. a aludida acta), este admitiu que tinha tido uma recaída do problema do consumo de estupefacientes no verão de 2012, e  que, estando no estabelecimento prisional de Aveiro onde em prisão preventiva, ocupa o seu tempo com a catalogação de livros.
XVIII - O tribunal tem condições de se certificar que o arguido não incorreu
o consumo de estupefacientes, estando completamente abstinente, através das
s sanguíneas que lhe foram efectuadas, a seu próprio requerimento, no aludido inquérito 310/12.4JAAVR, tal como o arguido aliás requereu neste autos em 29/1/2013,
requerimento com o qual comprovou também já ter pago a indemnização foi condenado.

XIX - Por outro lado, na própria douta sentença condenatória posterior (do  2141/11.OPBAVR), mesmo tendo presente a condenação anterior, destes autos, optou o tribunal pela suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, o circunstancialismo que envolveu a prática dos factos posteriores à condenação destes  autos, e que está espelhado na referida certidão junta, permitiu formular um juízo favorável a que as finalidades da suspensão da pena de prisão ainda possam serem alcançadas por meio desta.
XX - E se assim é, como podem coexistir, sem flagrante incongruência, a suspensão da pena de prisão decretada na douta sentença do tribunal que julgou o arguido no crime posterior com a revogação da suspensão da pena de prisão aqui decidida relativamente ao crime anterior, baseada na prática do crime posterior?
 XXI - No que respeita à condenação posterior, dispõe o tribunal de uma série de elementos que podem ler-se na respectiva douta sentença (do proc. nº 2141/11.OPBAVR), designadamente um conjunto de factos provados que permitem afastar a necessidade de revogação da suspensão da pena de prisão quando provocada pela prática desse crime.
XXII - Entre esses factos, note-se, principalmente, que “foi em contexto de toxicodependência e de afastamento da família que (os) praticou”, e que “por
iniciativa”
iniciou depois tratamento da toxicodependência, primeiro com internamento e depois em ambulatório, numa instituição em Vila Real, sendo esta última realidade confirmada no relatório da DGRS.
XXIII - Foi também provado, inclusive, que o arguido, à dos factos que levaram à sua condenação nesse proc. n.º 2141/11.0PBAVR, se encontrava hospitalizado por, no dia anterior, ter voluntariamente ingerido detergente amoniacal, o que permite perceber que os factos ocorreram em circunstâncias anormais.
XXIV - Se dúvidas houvesse, deveria o tribunal lançar mão de elementos de prova ainda ao alcance para uma boa decisão, como se requereu no mencionado requerimento de 31/1/2013, incluindo novo relatório dos serviços de reinserção social com descrição da situação actual posterior à prisão preventiva de 24/8/2012 (data a partir da qual os técnicos de reinserção social deixaram de acompanhar o arguido), bem como solicitar ao referido inquérito n.º 310/12.4JAAVR os relatórios e análises que têm sido ou estão a ser  efectuados, mormente relatório social, relatório de perícia psiquiátrica e análises ao sangue.
XXV - A douta decisão em crise violou, por isso, o disposto no nº1 do artigo 56º do Código Penal, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que decrete a manutenção da suspensão da pena de prisão preventiva, assim se fazendo Justiça!
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso defendendo, em síntese: Os requisitos das alíneas a) e b) do nº1 do artº 56º do Código Penal não são cumulativos, sendo que foi a alínea b) que esteve na base do despacho recorrido, estando preenchidos os dois requisitos de que a referida alínea faz depender a revogação da suspensão da execução da pena, que não teve em conta o in/cumprimento do regime de prova.
Depois de defender que o despacho recorrido não enferma do vício que o recorrente lhe assaca, e que o tribunal lançou mão de todos os elementos de prova para a tomada de decisão, defende a manutenção do decidido. 
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 Depois de recebido o recurso, foram enviados os autos a este Tribunal da Relação, onde foram continuados ao Exm.º Procurador-Geral Adjunto, que louvando-se na resposta dada na 1ª instância, emitiu Parecer de improvimento.
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Corridos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:
É consensualmente aceite quer pela doutrina quer pela jurisprudência, há muito pacíficas e uniformes, que os poderes de cognição do tribunal “ad quem” são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso ainda que não arguidas.
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Apesar da extensão das conclusões formuladas pelo recorrente pejadas de desnecessárias repetições, exemplo a pôr de parte, quando o que se exige é uma súmula da motivação, as questões postas no recurso resumem-se, singelamente, a três
- Saber se o despacho recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação;
- Na afirmativa, qual ou quais as normas que lhe tiveram subjacentes; e,
- Se o mesmo deve ser revogado, quer porque não a situação em causa não preenche os requisitos para se manter, quer porque devia ter pedido mais elementos para decidir.
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Na decisão a proferir temos de ter em conta os seguintes
Factos provados:
1 – Nos presentes autos de processo abreviado, por decisão de 24 de Agosto de 2011, fls. 82, transitada em julgado, foi o recorrente condenado como autor material de um crime de furto p.p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203º nº1 e 204º nº2 al. e) do Código Penal, com referência ao artº 202º al. d) do mesmo diploma legal, na pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano sujeita a regime de prova. Foi ainda condenado a pagar € 243,54 (duzentos e quarenta e três euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora desde a data da apresentação do pedido cível até integral pagamento, à demandante Administração Regional de Saúde do Centro, IP.
2 – A fls. 109, consta uma declaração (destinada a comprovar a insuficiência económica do recorrente para efeito de pagamento de custas) emitida por “Happy Start – Tratamento da Dependência Química, Lda.” com sede em Adoufe – Vila Real, datada de 18 de Janeiro de 2012 onde se diz que o recorrente está internado naquela clínica, desde 2 de Janeiro de 2012.
3 – A fls. 111 e seg. a Direcção –Geral de Reinserção Social, em oficio datado de 10 de Fevereiro de 2012, assinado por uma coordenadora deste serviço, informa que de acordo com informação prestada pela mãe do arguido, ora recorrente, este se encontra internado desde Dezembro de 2011, na Comunidade Terapêutica RAN, em Gravelas - Vila Real, integrado num plano de desintoxicação. Mais informa a Srª Coordenadora, que entrou em contacto telefónico com a referida Comunidade que confirmou o internamento do arguido, informando ainda que o mesmo se deveria prolongar até Maio próximo, sendo posteriormente acompanhado em regime de ambulatório, dando assim nota da impossibilidade de elaborar o Plano de Reinserção Social solicitado pelo tribunal.
4 – A fls. 132 e seg., está junto aos autos o Plano de Reinserção Social no âmbito da suspensão da pena aplicada ao arguido, elaborado, pela DGRS, Equipa do Baixo Vouga, datado de 6 de Junho de 2012, onde se refere que o arguido já saiu da clínica “Happy Start”, encontrando-se em Aveiro, inserido no seu agregado familiar de origem, integrado pelos progenitores ele reformado e ela enfermeira, que parecem disponíveis a apoiar a progressiva reabilitação do filho, a situação familiar presentemente encontra-se estabilizada, uma vez que o principal factor de instabilidade se encontrava no comportamento aditivo do arguido que se encontra contido.
Mais se relata que a adesão do arguido ao plano de tratamento da dependência vem permitindo um quadro familiar de estabilidade e progressiva recuperação do arguido, pretendendo este conseguir num futuro próximo uma colocação laboral por forma a assegurar uma rotina estruturada assente numa ocupação permanente e a sua autonomia económica.
Com vista a obter um modelo de vida organizado em torno da estabilidade e equilíbrio pessoal, manter o acompanhamento assegurado em regime de ambulatório e procurar uma ocupação laboral estruturada, foram impostas ao condenado as seguintes regras de conduta:
- Manter uma postura de aceitação e colaboração devendo para o efeito aceitar as orientações do técnico no decurso do acompanhamento;
- Comparecer, sempre que solicitado, às apresentações/entrevistas agendadas no decurso do acompanhamento com previsão de prolongamento até Outubro de 2012.
Comprometendo-se o Instituto a enviar ao tribunal da condenação relatório semestralmente da sua avaliação, caso não se verifiquem anomalias que justifiquem a necessidade de comunicação imediata.
5 – Por despacho de 20 de Junho de 2012, fls. 138, foi homologado o Plano de Reinserção Social. 
6 – Em 29 de Agosto de 2012, fls. 144, a DGRS informou que o recorrente foi detido no dia 24 de Agosto de 2012, encontrando-se no EP de Aveiro, à ordem do processo 310/12.4JAAVR.
7 – A fls. 145 e seg., consta o auto de interrogatório do arguido à ordem do sobredito processo onde lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva por se indiciar a prática de um crime de coacção sexual p.p. pelo artºs 163º nº1 e 177 nº5, do Cód. Penal em concurso efectivo com um crime de introdução de lugar vedado ao público, p.p. pelo artº 158º nº1 do mesmo código.
8 – Perante a impossibilidade de ser cumprido o Plano de Reinserção, foram tomadas declarações ao arguido e ao técnico de reinserção social, em 3 de Outubro de 2012, fls. 178, referindo o primeiro que na cadeia ocupa o seu tempo a catalogar livros, que teve uma recaída no consumo de estupefaciente durante o Verão, e reconheceu que ainda não pagou a indemnização em que lhe foi condenado nos presentes autos. Por seu turno o referido Técnico, esclareceu que no período que acompanhou o arguido até á sua detenção. Não havia indícios de incumprimento do regime de prova a que foi sujeito.
9 - Por sentença de 20 de Junho de 2012, já transitada em julgado, foi o arguido/recorrente condenado no âmbito do processo nº 2141/11.0PBAVR, pela prática em 20 de Outubro de 2011, de um crime de furto qualificado, p.p. pelo artº 203º nº1 e 204º nº1 al. a) do Cód. Penal na pena de dois anos de prisão, suspensa por igual período sujeita ao regime de prova, e ao pagamento da indemnização no valor total de € 3.138,48 à ofendida Cristina Maria Esteves Ferreira.
10 – Dos factos provados na sentença que antecede consta a condenação a que se reportam os presentes autos.
11 – Foi na sequência desta condenação que o Magistrado do Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena, fls. 196.
12 - Esta promoção foi notificada ao arguido que se pronunciou pela manutenção da suspensão a execução da pena, juntando aos autos documento de quitação do mandatário da ofendida nestes autos, por ter recebido o montante de € 243,54, relativo à indemnização em que o arguido foi condenado nos presentes autos, fls. 209.
Foi então proferido o despacho ora recorrido.
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Vejamos:
I. Nulidade por falta de fundamentação:
Decorre desde logo do princípio constitucional ínsito no artº 205º nº1 da Lei Fundamental que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, que na lei ordinária, e no que ao processo penal diz respeito, encontra eco no artº 97º nº5, para os despachos e 374º nº2 do CPP, para as sentenças ou acórdãos.
“A fundamentação das decisões ao exteriorizar o iter cognitivo do julgador é relevante pois trata-se de um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional e um instrumento contra o arbítrio” - Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto Coimbra Editora, pág. 256.
Ora, lendo o despacho recorrido acima transcrito, não vislumbramos que ele tenha deixado de cumprir o desiderato ínsito nas normas atinentes à fundamentação.
 Com efeito, basta uma leitura ainda que pouco profunda para se perceber o raciocínio que lhe está subjacente, e em que normas o julgador se apoiou para fundamentar tal despacho.
Pode ou não concordar-se com a análise fáctica que o despacho recorrido fez do caso concreto e da subsunção da mesma ao preceito invocado no mesmo despacho, artº 56º nº1 al. b) do Cód. Penal, como o fez o arguido no presente recurso, exercendo um incontestável direito de defesa, o que não pode, é incorrer na aporia de dizer que não concorda com os fundamentos de um despacho e ao mesmo tempo que ele não está fundamentado, se, por absurdo, admitíssemos tal tese seríamos levados a concluir pela nulidade de todas as decisões relativamente às quais não concordássemos, o que seria um passo de gigante para se perfilharem soluções de pensamento único de todo indefensável em sociedades de raiz democrática…
Tanto basta para improceder esta questão.
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II. Da mesma singeleza se apresenta a segunda questão aportada, saber a qual das alíneas do nº1 do artº 56º do Cód. Penal se reporta o despacho recorrido.
Sendo certo que basta atentar na disjuntiva ou constante da parte final da alínea a) do nº1 do artº 56º do Cód. Penal, para se ver que as duas causas de revogação da suspensão da execução da pena são alternativas e não cumulativas, como nos parece defender o recorrente.
E, também aqui, uma simples leitura do mesmo despacho permite sem hesitação responder que a norma que lhe serviu de base foi a da alínea b), não só porque o raciocínio espelhado ao longo de todo ele apenas se refere à condenação com trânsito em julgado por crime idêntico no período de suspensão, mas também porque a questão da aplicação da alínea a) apenas foi convocada para o processo, no sentido do seu afastamento, pelo próprio arguido e relativamente à qual o tribunal não se pronunciou por a considerar prejudicada, como resulta do antepenúltimo parágrafo do despacho em crise.
Dir-se-á, contudo, que não se vê como possa a prisão preventiva a que o arguido foi sujeito, e a circunstância de por causa dela, ter deixado de cumprir o plano imposto pelo técnico de reinserção social, que o recorrente voltou a convocar para a discussão do despacho, se nem um nem outro podem lhe podem ser, pelo menos, directamente imputados, sendo que a referida alínea exige que sejam infringidos de modo grosseiro os deveres ou regras de conduta impostos no plano de reinserção.
Com efeito, o que lhe pode ser considerado violação grosseira é a conduta subjacente à prisão preventiva, e esta, apenas poderá ser chamada à colação depois de o arguido por ela ter sido condenado, sendo aí já não ao abrigo da alínea a) mas da alínea b).
Nem podia ser de outro modo, sob pena de se violar o princípio da presunção de inocência, consagrado nº artº 32º nº2 da CRP.
Não colhe também este fundamento de recurso.
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III. Passemos então ao cerne do recurso, que é o de saber se a sentença proferida em 20 de Junho de 2012, no processo nº 2141/11.0PBAVR, que condenou o arguido pela prática de um crime de furto qualificado p.p. pelo artº 203º, nº1 e 204º nº1 al.a) do Código Penal, cometido em 20 de Outubro de 2011, portanto em plena vigência da suspensão da execução da pena, pode só por si, como foi feito na sentença recorrida, servir de fundamento à revogação da suspensão da execução da pena.
“ A alínea b) do nº1 refere-se à prática criminosa, qualquer que seja. Não importa que se trate, v.g., de crime doloso. O que interessa é apurar se o crime cometido contradiz as finalidades da suspensão, tornando-as inalcançáveis. E tal não constitui tarefa fácil, «pois obriga a uma grande certeza relativamente às circunstâncias envolventes do crime». Da conclusão a que se chegar, no desempenho de tal tarefa, depende a actuação, em concreto, deste artigo (impositivo de revogação) ou do artigo anterior (que oferece ainda uma oportunidade” – Conf. Sá Pereira e A. Lafayette, in Código Penal Anotado e Comentado, pág. 189 e Leal Henriques e Simas Santos Código Penal Anotado, Rei dos Livros, vol I pág. 713.
Afigura-se-nos, salvo sempre o devido respeito, que este juízo não pode ser extraído de um modo simplista, como foi feito no despacho recorrido, invocando que o arguido cometeu o mesmo tipo de crime, ou violou o mesmo bem jurídico no período de suspensão e que por esta conduta foi condenado por sentença passada em julgado.
É que este raciocínio não corresponde senão ao sistema de revogação obrigatória que a revisão ao Código Penal operada pelo Dec.Lei 48/95, de 15 de Março, quis expressamente afastar.
Como dizer, sem mais, que a condenação por crime, ainda que da mesma natureza, afasta o juízo de prognose favorável feito pelo tribunal da primeira condenação, se o tribunal da segunda, ciente daquela condenação, como foi o caso dos autos, ainda foi capaz de formular um juízo de prognose favorável e suspender a pena ao arguido?
Já o Prof. Figueiredo Dias, mesmo quando vigorava o regime de revogação obrigatória, rebatia esta tese afirmando: - “O argumento é improcedente, com ele se somando ao erro da lei (carácter automático da revogação) um erros de interpretação. Se apesar da primeira condenação, o tribunal da segunda condenação foi capaz de emitir um prognóstico favorável que o conduziu à suspensão, tanto basta para mostrar que não considerou ainda esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade”. – Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do crime, editorial Noticias pág. 357 -.
No caso dos autos, afigura-se-nos que sendo suficientes as circunstâncias em que se apoiou a sentença condenatória, proferida em segundo lugar, para emitir o juízo de que a socialização do delinquente ainda não foi posta definitivamente em causa, apesar de já ter sofrido anteriormente outra condenação, e estando este último tribunal mais habilitado do que o primeiro para aferir da evolução de todo o comportamento do arguido, revela-se pelo menos incongruente que o tribunal da primeira condenação, com base nos mesmos elementos, venha a emitir juízo contrário.
É certo que, no caso que nos ocupa, por causa da prisão preventiva que entretanto foi aplicada ao arguido, a sua socialização está suspensa ou pelo menos adiada, mas os factos onde ela (prisão preventiva) se fundou, que foram cometidos ainda no decurso da suspensão, não podem ser considerados nesta altura, devendo ser deferido para mais tarde a formulação do juízo a que se reporta a segunda parte da alínea b) do nº1 do artº 56º, quando e se o arguido for condenado por estes novos factos.
É com estes fundamentos que se revoga a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que mande aguardar pela sentença a proferir no processo, hoje inquérito 310/12.4JAAVR, pronunciando-se depois em conformidade.
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III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que ordene que os autos aguardem o desfecho do processo à ordem do qual o recorrente se encontra preso, decidindo-se, depois, em conformidade

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Sem tributação.

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(Cacilda Sena - Relatora)

(Elisa Sales)