Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
132/17.6GAPNL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA;
REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO;
DOLO DO TIPO;
ELEMENTO VOLITIVO
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CONDEIXA-A-NOVA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 311.º, N.ºS 2, AL. A), E 3, DO CPP
Jurisprudência Nacional: AC. DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 1/2015, PUBLICADO NO DR, 1.ª SÉRIE – N.º 18 – DE 27-01-2015
Sumário:
I – No específico domínio dos autos, a acusação particular do assistente, contendo apenas, por reporte ao tipo subjectivo do crime de injúria, o seguinte semento textual “o arguido actuou livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei”, omitiu o elemento volitivo ou emocional do dolo, traduzido na vontade do agente de, não obstante o conhecimento material dos elementos do tipo e bem assim da antijuridicidade (consciência da ilicitude) do comportamento descrito, produzir o facto típico criminal.
II – Ao abrigo do disposto no artigo 311.º, n.ºs 2, al. a), e n.º 3, al. d), tal omissão conduz à rejeição, porque manifestamente infundada, da dita peça processual.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Nos autos de inquérito que, sob o número 132/17.6GAPNL, correram termos pela Procuradoria do Juízo de Competência Genérica de Condeixa-a-Nova, por estar em causa crime de natureza particular, findo o inquérito, pela assistente (…) foi formulada acusação particular contra a arguida (…), pela prática de um crime de injúria, p.p. pelo artº 181º do Código Penal.
O MP não acompanhou tal acusação.
Remetidos os autos a juízo, com vista ao seu julgamento em processo comum (juiz singular) e distribuídos pelo Juízo de Competência Genérica de Condeixa-a-Nova, Comarca de Coimbra, viria a ser proferido despacho do seguinte teor (transcrição integral):

Autue como processo comum singular.

O tribunal é absolutamente competente.

A assistente (…) deduziu acusação particular contra a arguida (…), nos termos e fundamentos que constam do documento com a referência Citius n° 76764822, imputando-lhe a prática de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181° do Código Penal, não acompanhada pelo Ministério Público, conforme despacho constante do Citius com a referência n° 76774335.

Numa análise mais impressiva do teor da referida acusação particular constata-se que dela não constam os factos relativos à descrição da voluntariedade e da imputação a título doloso, sendo que tais elementos constituem os pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena, na noção contida no artigo 1°, alínea a) do Código de Processo Penal.

Com efeito, a acusação particular deverá conter, sob pena de nulidade, a "narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada" - cfr. art" 283°, n° 3 alínea b) "ex vi" do art" 285°, n° 3, ambos do Código de Processo Penal.

Esta exigência processual é compreensível, pois os poderes de cognição - e, consequentemente, de decisão - do tribunal estão limitados pelo princípio de vinculação temática quanto ao objecto (essencial) do processo, tal como definido na acusação.

Como é sabido, no processo penal está em causa não a verdade formal, mas a verdade material, entendida numa dupla perspectiva: por um lado, trata-se de uma verdade subtraída à influência que, através do seu comportamento processual, a acusação e a defesa queiram exercer sobre ela; por outro, uma verdade que, não sendo absoluta ou ontológica, há-de ser, antes de mais, uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida - cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Princípios gerais de processo penal, 193/4.

No caso em concreto, tal desiderato processual é ainda mais premente, dado tratar-se de um tipo legal de crime de natureza dolosa, ou seja, apenas a conduta dolosa é punida e não, já, a negligente, cfr. art 13° do Código Penal, donde o elemento subjectivo, no que à situação interessa, apenas se pode traduzir no dolo.

Ora, não se encontrando descritos na acusação particular os factos integradores do dolo - como é o caso - a arguida desconhecendo, por um lado o nexo de imputação dos factos, e por outro a modalidade do dolo, que a acusadora tem por subjacente, vê-se impedido de exercer de forma cabal, o seu direito de defesa constitucionalmente consagrado.

Sem a descrição dos factos, não existe objecto idóneo à actividade do Tribunal e da mesma forma, fica o arguido impossibilitado de se defender.

Em face do princípio geral "nulla poena sine culpa" consagrado no art" 13° do Código Penal, fica demonstrada a necessidade, a imprescindibilidade, mesmo, de os elementos integradores da culpa (do dolo, no caso do crime de injúria), para fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena.

"Os elementos da culpa são a imputabilidade do agente, a sua actuação dolosa ou negligente e a inexistência de circunstâncias que tornem não exigível outro comportamento" - cfr. Eduardo Correia, in Direito Criminal, I, 322.

Destarte, conclui-se pela necessidade de a acusação dever conter factos que permitam formular um juízo de censura ético-jurídico ao arguido, isto é, factos donde se retire a vontade de realizar um tipo legal conhecendo o agente todas as suas características fácticas objectivas (o dolo como elemento subjectivo constitutivo do tipo legal do crime de injúria).

De volta ao libelo acusatório particular, a assistente apenas referiu de forma genérica o velho chavão: «6 - A arguida actuou livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei».

A assistente não cuidou de à acção, típica e ilícita, descrever os elementos integradores da vontade e da imputação a título doloso.

Ou seja, a acusação particular não contém a narração dos factos integradores do elemento do dolo, o que a torna manifestamente infundada, sendo que já não é possível a sua rectificação ou aperfeiçoamento.

Por outro lado, a falta de narração dessa factualidade leva ainda a que se considere, em consequência, que os factos vertidos na acusação não constituem crime.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 311°, nºs 1, 2, al. a) e 3 al. b) e d) do Código de Processo Penal, decide-se rejeitar a acusação particular deduzida pela assistente L… constante do documento com a referência Citius n° 76764822 destes autos contra a arguida E…, por ser manifestamente infundada.

Notifique.

Custas a cargo da assistente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia nos presentes autos.

Inconformada, a assistente interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:

1. A recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo que veio rejeitar a acusação particular por ser manifestamente infundada.

2. Para tal o tribunal a quo afirma que não constam da acusação particular factos relativos à descrição da voluntariedade e da imputação a título doloso.

3. Sendo que, segundo o Tribunal de 1a Instância, a assistente apenas usou o velho chavão "6- A Arguida actuou livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei”.

4. Ora, a assistente, aqui recorrente, não pode aceitar os argumentos aduzidos pelo Tribunal a quo para rejeitar a acusação particular.

5. A acusação particular da assistente contém a narração dos factos integradores do elemento do dolo, o que a torna manifestamente fundamentada e, necessariamente, válida.

6. Assim, da acusação particular constam factos que respeitam os requisitos indicados no art. 283°, nº 3 do CPP, permitindo formular um juízo de censura ético-jurídico à arguida.

7. Com efeito, podem ler-se, entre outros, os seguintes factos:

- Artigo 14."… a actuação da arguida foi dolosa, leviana caluniosa e desprovida de qualquer fundamento";

- Artigo 15. "a afirmação que arguida proferiu põe em causa o carácter da assistente acusando-a da prática de uma conduta tão gravosa que constitui mesmo um ilícito penal, o de furto";

-E ainda "os factos que a arguida imputou à assistente são atentatórios da sua honra, bem nome e consideração, tanto pessoal como social".

8. Consta, ainda, da acusação particular que a assistente, ora recorrente, é uma pessoa de princípios bem formada e com uma educação e personalidade absolutamente inadequadas a tão leviana e infundada imputação.

9. Pelo que, conclui a acusação particular que com a sua actuação, a arguida cometeu um crime de injúria previsto e punido pelo art. 181° do CP.

10. Assim, a acusação particular apresentada pela assistente é, salvo melhor opinião, uma verdadeira acusação, contendo a narração, dos factos que fundamentam a aplicação à arguida de uma pena, bem como, das circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deva ser aplicada e ainda a indicação das disposições legais aplicáveis.

11. Dos factos narrados na acusação particular, constam os que respeitam aos elementos subjectivos do crime que se traduzem no conhecimento de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor.

12. Neste sentido, veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 1/06/2011, Rel. Calvário Antunes (in www.dgsi.pt):

" (…) Num crime doloso, da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (…), deliberada(…) e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei(…).

13. Estes elementos constam da acusação particular apresentada pela recorrente.

14. Assim, entende a recorrente, que não existem fundamentos para a rejeição da acusação particular, uma vez que a referida acusação satisfaz os requisitos formais do art. 283°, nº 3, do CPP.

15. A Lei processual penal estabelece, no art. 311°, nº 2, alínea a) do CPP, a possibilidade de rejeição da acusação se a considerar manifestamente infundada.

16. No entanto, o legislador elencou taxativamente as situações em que o juiz pode sustentar uma rejeição da acusação.

17. Deste modo, são apenas os quatro motivos explicitados na lei (nº 3 do art. 311° do CPP) que permitem ao juiz rejeitar a acusação, por manifestamente infundada, e são eles:

a) quando a acusação não contenha a identificação do arguido;

b) quando não contenha a narração dos factos;

c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam;

d) se os factos não constituírem crime.

18. Pelo que, esta taxatividade, legalmente estabelecida, não pode ser substituída por outra interpretação que não aquela que o legislador quis, só se justificando em casos limite.

19.

20. Pelo que, a rejeição liminar apenas pode ter lugar naquelas situações típicas extremas e não relativamente a outros vícios de menor densidade.

21. Ora, no caso sub iudice não estamos perante sequer vícios de menor densidade, uma vez que a acusação particular deduzida pela assistente, ora recorrente, cumpre escrupulosamente os requisitos legais, nomeadamente, no que concerne ao elemento subjectivo do crime aí imputado à arguida.

22. A decisão em análise violou as disposições conjugadas dos artigos 283°, nº 3, al. b) "ex vi" do art. 285°, nº 3 e 311°, nº 1, nº 2 al. a) e nº 3 al. b) e d) todos do CPP.

23. Assim, deve a acusação particular apresentada ser admitida pois não se verifica em relação à mesma qualquer causa de rejeição.

TERMOS EM QUE:

Deve o recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente revogar-se a decisão recorrida substituindo-a por outra onde seja admitida a acusação particular apresentada pela assistente, prosseguindo o procedimento criminal com a marcação da audiência de julgamento.

VOSSAS EXCELÊNCIAS, porém, farão a esperada JUSTIÇA!

Respondeu o MP em primeira instância, retirando dessa sua peça as seguintes conclusões:

A) - O douto despacho impugnado não merece qualquer censura.

B) - A acusação particular deduzida pela Assistente não contém a narração de factos integradores do elemento subjectivo do tipo legal - o dolo, como já não resultavam indícios suficientes da prática do crime denunciado, pela arguida.

C) - Assim, o douto despacho impugnado não viola qualquer norma, de natureza substantiva ou adjectiva, e, designadamente as referidas nas conclusões do recurso apresentado.

Nos termos expostos,

Deverá ser negado provimento ao Recurso, como é de JUSTIÇA!

Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer no sentido de que o recurso «deverá improceder quanto à rejeição liminar da acusação, sendo de ponderar parcial procedência na revogação do despacho recorrido quando se deve conceder à assistente a possibilidade de deduzir nova acusação».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

DECIDINDO:

Analisadas as conclusões que formula a recorrente, logo se vislumbra que são essencialmente duas as questões que, através delas, coloca à nossa apreciação, ainda que interligadas: em primeiro lugar, sob uma perspectiva adjectiva, está em causa o preenchimento do conceito normativo-processual de «acusação manifestamente infundada»; sob uma perspectiva substantiva, de mérito, está em causa a invocação da ocorrência e descrição factual, no caso, dos elementos típicos do crime de injúria, v.g. no que se prende com o seu elemento subjectivo.

Da conjugação do nº 2, a), com o nº 3, b) e d), ambos do artº 311º, do CPP, resulta inequivocamente que recebidos os autos em juízo, ao juiz presidente é lícito rejeitar a acusação, por manifestamente infundada, designadamente, se esta não contiver a narração dos factos ou se estes não constituírem crime. Foi essa a argumentação invocada no despacho impugnado para rejeitar a acusação particular, pois que, concretamente refere que deveria constar da mesma que «a acusação particular não contém a narração dos factos integradores do elemento do dolo, o que a torna manifestamente infundada, sendo que já não é possível a sua rectificação ou aperfeiçoamento.

Por outro lado, a falta de narração dessa factualidade leva ainda a que se considere, em consequência, que os factos vertidos na acusação não constituem crime.»

Por isso, teremos de entrar na análise dos factos descritos na acusação, de forma a averiguar se é possível a sua integração criminal no tipo referido na acusação e se eles são os necessários para tal.

Deste libelo consta, de forma concreta, a descrição circunstanciada do elemento objectivo do tipo, designadamente nos seus pontos 1 a 7. No que se refere ao elemento subjectivo do mesmo (a integrar com o elemento cognitivo ou intelectual e com o elemento volitivo) é referido que «14. a actuação da arguida foi dolosa, leviana, caluniosa e desprovida de qualquer fundamento» e que «17. a arguida actuou livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei».

A descrição constante daquele ponto 14., na sua essência, é inócua por se traduzir na formulação de juízos de valor, dada a sua natureza conclusiva; já a formulação constante do ponto 17 pode aceitar-se como suficiente para a integração do elemento cognitivo do dolo.

Falta, na descrição factual a que procede a acusação particular, uma descrição do elemento volitivo do dolo.

Com efeito, traduzindo-se o dolo numa estrutura psicológica do agente perante o facto, o conhecimento e a vontade do sujeito deve abranger a totalidade do mesmo, pois que só assim poderá ele ser objecto de uma reacção penal.

Se o elemento intelectual do dolo se prende com o conhecimento material dos elementos do tipo e com o conhecimento da sua antijuridicidade (consciência da ilicitude), o seu elemento volitivo ou emocional prende-se com a vontade do agente de, não obstante esse conhecimento, produzir o facto típico criminal.

Tudo tem a ver com a capacidade de dolo, e assim de culpa, do sujeito, com a voluntariedade absoluta da sua conduta.

Nas sábias palavras de Thiago Sinibaldi, “Elementos de Filosofia”, Vol. II, pag. 158, «um acto para ser voluntário deve derivar não só de uma deliberação da vontade, mas também de um prévio conhecimento da inteligência; de modo que o acto da vontade contém tanta bondade ou malícia, quanta foi conhecida pela inteligência. – Por isso, se a inteligência, por qualquer causa ou acidente, for perturbada a ponto de não poder apreciar a bondade ou a malícia do acto, este não é voluntário, e quem o praticou não é responsável por ele, nem deve ser punido».

E, vimos já, a acusação particular é omissa quanto à descrição desse elemento da estrutura psicológica do agente e da sua ligação ao facto.

Está aqui em causa a rejeição da acusação, quando “manifestamente” infundada. O uso de tal advérbio logo inculca a ideia de que só poderá ser rejeitada a acusação que se mostre elaborada de tal modo que, face à extensão das suas deficiências ou ao teor da sua descrição factual, torne evidente que não pode ela conduzir a uma condenação, se provada, seja porque não descreve elementos essenciais, necessários ao preenchimento da previsão típica objectiva ou subjectiva, seja porque os factos descritos, por si, não integram uma qualquer previsão típica. Já não pode conduzir a tal rejeição a circunstância de a acusação padecer de vícios ou lacunas não essenciais ou proceder a uma descrição incompleta dos factos, desde que essa insuficiência não conduza inexoravelmente à sua não procedência, podendo ser sanada, v.g. através do recurso ao mecanismo do artº 358º do CPP.

Neste sentido se pronunciou o AUJ nº 1/2015, publicado no DR 18 SÉRIE I de 2015-01-27, que foi assim sumariado:

«A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.»
Assim sendo, não merece censura o proferido despacho a rejeitar a acusação, que é manifestamente infundada, já que não procede à narração dos factos essenciais à integração da norma típica que invoca (na sua vertente subjectiva); a descrição factual, nos termos em que se encontra elaborada, não pode conduzir à condenação da arguida pelo crime por que vem acusado.

No seu parecer, sem pôr em causa a jurisprudência daquele AUJ, o Dig.mo PGA faz apelo à doutrina que resulta do acórdão do Tribunal Constitucional nº 246/2017, publicado no DR, II Série, de 25/7/2017, que assim decidiu:

«Em face do exposto, na improcedência do recurso, decide-se não julgar inconstitucional a norma extraída da conjugação dos artigos 311.º, n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, alínea d), e 283.º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, tendo sido deduzida acusação contra um arguido, imputando-lhe a prática de um crime, e tendo esta acusação sido liminarmente rejeitada por insuficiente descrição de um elemento típico, poder vir a ser validamente deduzida nova acusação pela prática, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, do mesmo crime, suprindo a omissão da descrição do sobredito elemento típico, sujeitando-se a julgamento e condenando-se o arguido pelos factos e qualificação jurídica dela constantes

Cremos, no entanto que a questão em causa ultrapassa o âmbito do presente recurso, pois que no fundamento daquele recurso para o TC estava em causa situação diversa daquela em discussão nos presentes autos.

Com efeito, «distribuído o processo ao 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, foi proferido despacho de rejeição da acusação, com fundamento no disposto no artigo 311.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alínea d), do CPP, por o senhor juiz ter entendido que “[…] os factos imputados ao arguido nestes autos não consubstanciam a prática do crime indiciado, porquanto lhe falta um dos elementos objetivos, a taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l com que o condutor conduzia”.

«Devolvidos os autos aos serviços do Ministério Público de Albufeira, considerou o senhor magistrado titular do processo que este havia “[retornado] à fase de inquérito” (fls. 53), ali correndo os seus termos com o n.º 132/13.5TAABF. Nessa sequência, A. requereu ao Ministério Público a declaração de nulidade do processo, porquanto – em seu entender – o despacho de rejeição da acusação referido em 1.1. supra impediria a instauração de novo processo contra si pelos mesmos factos, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, previsto no n.º 5 do artigo 29.º da CRP. A invocada nulidade foi apreciada e indeferida pelo senhor magistrado do Ministério Público titular do processo.»

O que estava aqui em causa era a formulação de uma nova acusação, após a rejeição de uma primeira que se mostrava deficientemente elaborada, tendo o ali arguido suscitado violação da regra do ‘ne bis in idem’, que tem consagração constitucional, no artº 29º, 5, da CRP.

Não é esse, por ora, o nosso caso.

Com efeito, a questão só se porá se, regressados os autos à primeira instância, a assistente pretender apresentar nova acusação, em que repare as omissões apontadas, e, uma vez recebida, a arguida reagir pela via do recurso. Mas, não podemos antecipar essas eventualidades.

Termos em que, nesta Relação, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando o douto despacho recorrido.

A assistente pagará as custas do processo, com taxa de justiça fixada em 3 UC’s.

Coimbra, 7 de Novembro de 2018

Jorge França (relator)

Alcina da Costa Ribeiro (adjunta)