Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2128/22.7T8CLD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
DECISÃO PROVISÓRIA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
PROLONGAMENTO DA MEDIDA DE PROTECÇÃO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DAS CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º; 4.º; 28.º, 1 E 3; 34.º; 35.º, 1, A) E 2; 37.º; 59.º; 62.º, 2 E 3 B); 84.º E 85.º, DA LPCJP
Sumário: I – Uma decisão provisória proferida no quadro do art. 37º da LPCJP, isto é, no âmbito de um processo de promoção e proteção instaurado a favor de uma menor, sendo processo de “jurisdição voluntária” (cf. art. 100º da LPCJP), deve ser fundamentada, por lhe serem aplicáveis as disposições que constam dos arts. 154º e 607º do n.C.P.Civil, este último por força das remissões que resultam da conjugação do disposto nos arts. 295º e 986º, nº 1, do mesmo diploma legal.
II – Mas as decisões “provisórias” (assim como as “cautelares” no âmbito dos processos tutelares cíveis), conceptualmente, revestem natureza sumária, e por isso se impõe que sejam simples (o que não significa ligeireza), isto é, espera-se ponderação adequada e proporcionada à situação que importa acautelar e aos interesses a tutelar, mas exige-se uma decisão pronta, uma justificação circunscrita aos aspetos que ao caso importem e, por isso, forçosamente frugal.

III – Em processo de promoção e proteção, justifica-se prolongar a medida de proteção determinada quando não se alterou ainda o condicionalismo que determinou a aplicação dessa medida.

Decisão Texto Integral: Apelação em processo comum e especial (2013)

                                                                       *

           Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]                                                            *

            1 - RELATÓRIO

           No âmbito de autos de Processo de Promoção e Proteção instaurados a favor do menor AA, nascido em ../../2015, filho de BB e de CC, estes últimos com a posição processual de Requeridos, foi determinado em 21/03/2023 a seguinte MEDIDA PROVISÓRIA:

«1. Atento o teor da informação social que antecede (cfr. de 20-03-2023), julgo indiciada a factualidade indicada pelo Ministério Público, no ponto 1 da promoção que antecede, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, por razões de economia de tempo e de texto.

2. Atento o seu teor, importa acautelar que, face aos comportamentos agressivos do progenitor, e a fragilidade da progenitora, a criança esteja sujeita ao ambiente de agressividade e conflitualidade, geradora de instabilidade e intranquilidade emocionais, perigos que se mostram sinalizados.

3. Ou seja, importa assegurar que a criança não retorna para o agregado familiar do progenitor, por o mesmo se revelar desestabilizador para a criança e de grave comprometimento da sua estabilidade psíquica da mesma.

4. Justifica-se, por isso, a urgente substituição, por ora, de forma cautelar, da medida aplicada ao AA pela de apoio junto da progenitora, mas apenas enquanto ela se mantiver acolhida na casa de abrigo, por se revelar a única, necessária, proporcional e adequada a neutralizar os perigos pendentes sobre a criança. Face ao exposto, atentos os pareceres da TGP e do MP, nos termos dos arts. 5.º al. c), 34.º als. a) e b), 35.º, n.º 1 al. a), 37.º e 92.º., n.º 11 da LPCJP, determino:

5.1.a substituição, a título cautelar, da medida aplicada ao AA pela de apoio apenas junto da mãe, pelo período de três meses, e só enquanto esta de mostrar acolhida na casa de abrigo em que se encontra atualmente; e,

5.2.Caso a progenitora do AA pretenda abandonar a casa de abrigo, determino, desde já, e também a título cautelar, que a criança aí fique acolhida, até decisão deste Tribunal em contrário, devendo o tribunal ser, de imediato, informado da conduta da progenitora da criança;

(…)»

                                                                       *

           De referir que nessa dita antecedente promoção do Ministério Público, tinha sido, entre o mais, elencado o seguinte:

«(…)

Do relatório social ora junto resulta que o progenitor do AA incumpriu manifestamente aquilo a que se comprometera quanto ao afastamento da sua mãe e apertou o pescoço à mãe da criança, causando-lhe dores que a obrigaram a ter de recorrer a atendimento médico. Está, por isso, pendente, no DIAP ..., o inquérito 152/23...., pela prática, pelo progenitor do AA, de crime de violência doméstica. A progenitora do AA foi protegida em casa de abrigo, cuja localização se desconhece.

A TGP sugere, face ao exposto, a substituição da medida aplicada pela de apoio junto dos pais, mas apenas na pessoa da mãe. No entanto, face às fragilidade da progenitora (dependência emocional face ao progenitor e aparente défice cognitivo, que foi evidenciado nomeadamente aquando das audições, em tribunal, dos progenitores da criança), deve, a mesma, ser apoiada pelos técnicos da casa de abrigo e não ser permitido o regresso da criança para junto do progenitor, caso a progenitora resolva abandonar a casa de abrigo. Sucedendo tal, sugere a TGP que a criança deve ser sujeita a acolhimento residencial, para sua proteção.

Do relatório social que antecedeu a aplicação da medida vigente já resultava que o progenitor do AA é conflituoso, havendo receios em relação ao seu comportamento por parte da progenitora da criança, dos familiares paternos, com exceção da avó paterna, e até do AA.

O progenitor também terá sido agressivo com a anterior professora do AA e auxiliares da escola, como resulta do primeiro relatório social do ISS. Foi tentado, no entanto, que o progenitor alterasse a sua atitude, de modo a evitar o afastamento do AA.

É óbvio que tal não sucedeu, com prejuízo para a estabilidade, nomeadamente emocional, da criança.

A progenitora é afetiva com o filho e receia “perdê-lo”, como já sucedeu em relação a outro filho, que terá sido adotado. Porém, revela-se frágil, não sabe gerir o dinheiro e carece de apoio, nomeadamente no âmbito parental.

Assim, e como sugerido pela TGP, justifica-se a substituição, por ora de forma cautelar, da medida aplicada ao AA pela de apoio junto da progenitora, mas apenas enquanto ela se mantiver acolhida na casa de abrigo.

Justifica-se, também, que a localização da casa de abrigo seja mantida reservada, já que a atitude intimidatória do progenitor da criança, quer em relação à progenitora quer em relação à TGP (como resulta do relatório social), faz crer que ele possa pretender reaver o filho à revelia do tribunal e causar, mesmo, mal físico nomeadamente à progenitora da criança, como já sucedeu.

(…)»

                                                                       *

Em 11/7/2023 foi prorrogada, por seis meses, com revisão trimestral, a medida cautelar aplicada ao AA, que se encontra acolhido em casa de abrigo, com a progenitora.

Sendo que relativamente à aplicação inicial da medida, em 21/3/2023, o tribunal esclareceu que «caso a progenitora do AA pretenda abandonar a casa de abrigo, determino, desde já, e também a título cautelar, que a criança aí fique acolhida, até decisão deste Tribunal em contrário, devendo o tribunal ser, de imediato, informado da conduta da progenitora da criança».

                                                           *

A revisão da medida, operada em 06/11/2023, foi, para o que ora diretamente releva, do seguinte teor:

«(…)

Foi dado cumprimento ao disposto nos artigos 84.º e 85.º da L.P.C.J.P, sendo que o progenitor juntou aos autos requerimento, em 24-10-2023, opondo-se à manutenção da medida, a menos que sejam assegurados os convívios com o mesmo. Também em 24-10-2023, a Ilustre Patrona do menor juntou aos autos requerimento, concordando com a manutenção da medida aplicada. Em 30-10-2023, a progenitora juntou requerimento aos autos, no sentido de manutenção da medida vigente.

O Ministério Público pronunciou-se em 31-10-2023, pela prorrogação da medida cautelar, pugnando, ainda, pela realização de perícia psiquiátrica e psicológica ao menor.

Cumpre apreciar e decidir.

*

De acordo com o disposto no artigo 3.º da L.P.C.J.P., “a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou o quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.

Uma vez verificada, em concreto, uma destas situações de perigo para a criança ou para o jovem, impõe-se a aplicação de medidas de promoção e proteção, que visam afastar o perigo em que a criança ou o jovem se encontra, proporcionar-lhe as condições que permitam promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, bem como garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (artigo 34.º da L.P.C.J.P.).

Assim, e tendo em vista alcançar o equilíbrio entre a promoção e proteção dos direitos das crianças e dos jovens e a intervenção na vida familiar, que se deve cingir ao estritamente necessário ao afastamento do perigo, a intervenção deve ser orientada por um princípio de proporcionalidade e atualidade.

À luz das diretrizes deste princípio, a intervenção deve ser necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada (artigo 4.º, alínea e) da L.P.C.J.P.).

Por outro lado, e não obstante todos estes princípios que a lei prescreve que devem reger a intervenção estadual, é o superior interesse da criança que define o sentido orientador de toda a intervenção, porquanto esta deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança (artigo 4.º, alínea a) da L.P.C.J.P.).

Ora, atentando nos elementos constantes dos autos, constata-se que os pressupostos que estiveram na base da aplicação da medida cautelar de promoção e proteção se mantêm, dado que não foi afastado o perigo que esteve na sua génese.

Do relatório enviado pela equipa técnica da casa de abrigo anexado ao relatório social resulta que a criança apresenta dificuldades de aprendizagem. De igual modo, resulta deste relatório que a progenitora do AA, atualmente desempregada, terá relação afetiva com o filho, mas mostrando défice de competências parentais, algumas reticências no cumprimento de orientações que lhe são dadas e imaturidade que comprometem a sua capacidade para, por si só, cuidar do filho.

Por outra via, do relatório de perícia psiquiátrica realizado à progenitora resulta que a mesma é possuidora do diagnóstico de Atraso Mental Leve, codificado como F70 no International Classification of Diseases and Related Health Problems, Tenth Revision (ICD-10), resultando, ademais, que “Relativamente à capacidade para o exercício da parentalidade, e apesar da progenitora conseguir desempenhar a maioria das atividades de vida diárias de forma independente, a mesma carece do auxílio de terceiros para a gestão da sua vida pessoal e apresenta uma diminuição considerável da capacidade do cuidado de filhos menores.”.

Nota-se, ainda, que o progenitor foi acusado da prática de um crime de violência doméstica na pessoa da progenitora, estando pendente o processo comum 152/23.... no juízo criminal ....

Neste sentido, concordando-se, na íntegra, com a douta promoção do Ministério Público, importará, aquilatar, com cuidado, o projeto de vida do AA, sendo certo que, momentaneamente, revelar-se-á, adequado, manter a medida cautelar em vigor.

Na verdade, conforme decorre do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13- 09-2022, processo n.º 1276/21.5T8CLD-C.C1, disponível em www.dgsi.pt: “A LPCJP tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, sendo esse o seu escopo, na defesa do superior interesse da criança e do jovem, sujeitos débeis na relação familiar complexa e conflitual. (…) O decurso do prazo a que alude o art.º art.º 37.º, n.º 3, da LPCJP (Lei n.º 147/99, de 01-09, com as alterações posteriores) não implica, apesar da natureza urgente dos autos, a cessação automática da medida provisória aplicada, perante situação de emergência, por quadro de grave risco de pessoa menor. (…) Não sendo a celeridade um valor absoluto, em termos de se superiorizar ao interesse da criança ou do jovem – a que está funcionalizada –, pode, excecionalmente, em casos devidamente justificados, a mediada provisória ser prorrogada pelo tempo mínimo que se mostre indispensável. (…)”.

Assim sendo, importará, por ora, determinar a manutenção da medida cautelar vigente, ainda que já tenha decorrido o prazo máximo da sua duração – art. 37.º, n.º 3 da LPCJP – seguindo, entre outros, a linha de raciocínio do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-09-2022, processo n.º 1276/21.5T8CLD-C.C1, disponível em www.dgsi.pt.

Em consequência, decide-se manter a medida cautelar de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora, por mais 3 (três) meses, em conformidade com o disposto nos artigos 3.º, 4.º, 34.º, 35.º, alínea a), 37.º, 59.º, 62.º, todos da L.P.C.J.P.

Caso a progenitora do AA pretenda abandonar a casa de abrigo, determino, desde já, e também a título cautelar, que a criança aí fique acolhida, até decisão deste Tribunal em contrário, devendo o tribunal ser, de imediato, informado da conduta da progenitora da criança.

Informe a Segurança Social que, decorrido o período de 2 (dois) meses deverá remeter relatório social de acompanhamento da execução da medida de promoção e proteção.

Na hipótese de não ser junto aos autos, no prazo indicado, insista.

Notifique e Comunique.»

                                                           *

           Inconformado com este despacho, dele interpôs recurso o dito Requerido, BB, o qual finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

«A) Deste modo, o Recorrente vem impugnar a decisão proferida considerando-a, em primeira análise, nula:

1. Por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão nos termos do artigo 615º nº1 alínea b) do CPC.,

2. O que resulta da simples remição para os elementos constantes nos autos.

3. Porque o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar nos termos do artigo 615º, nº 1 alínea d) do CPC,

4. O que resulta da não apreciação da posição e pretensão do progenitor.

B) Impugna a decisão proferida por ter violado o disposto no artigo 4º, alíneas a), e), f) e g) da LPCJP.

5. Quanto à aliena a), não respeita o superior interesse da criança, por não ter sido dada continuidade de relações de afeto e qualidade e significativas, no caso concreto, quanto ao pai.

6. O interesse superior da criança não poderá ser prejudicado por interesses legítimos de outrem – neste caso da progenitora – mas tão só por outros interesses legítimos que ao menor correspondam.

7. Quanto à alínea e) há que considerar a desproporcionalidade da medida.

8. A medida cautelar de apoio junto dos pais não seria proporcional se fosse aplicada no ambiente familiar e conhecido do menor?

9. Quanto à alínea f) o pai está impedido, por esta medida, de assumir os seus deveres para com o menor.

10. A decisão recorrida viola, ainda, a alínea g) do artigo 4º da LPCJP, porquanto os laços do menor com o pai e com toda a família paterna foram cortados em Março de 2023, e a sua continuidade agora mantida, sem qualquer fundamento que o justifique.

Pelo exposto deve a sentença/decisão ora em crise ser declarada nula ou, em alternativa ser substituída por outra que não viole disposições legais, devidamente explanada supra e que permita ao ora recorrente manter contactos e visitas com o menor.

Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida.

Pois só assim se fará a costumada Justiça!»

                                                                       *

           Foram apresentadas contra-alegações pelo Exmo. Magistrado do MºPº, as quais foram rematadas com as seguintes conclusões:

 «1 - BB interpôs recurso da decisão de 6/11/2023, nos termos da qual foi mantida a medida cautelar de promoção e proteção de apoio junto da mãe (acolhida em casa de abrigo) aplicada a seu filho AA.

2 - Entende, o recorrente, que a citada decisão é nula, por violação do disposto no art. 615º.1 ais. a) e d) do CPC e deverá ser alterada, por violação do disposto no art. 4° ais. a), e), f) e g) da LPCJP.

3 - A decisão objeto de recurso não é nula, por falta de fundamentação.

4 - Ela levou em conta a factualidade resultante da aplicação da medida, em 21/3/2023.

5 - Como o recorrente bem sabe, a medida foi aplicada devido à sua agressividade nomeadamente para com a progenitora do filho, que levou a que a mesma tivesse de ser acolhida em casa de abrigo, com a criança, e ao incumprimento, por parte dele, do acordo de promoção e proteção de 1/3/2023, nos termos do qual ao AA fora aplicada a medida de apoio junto de ambos os progenitores.

6 - A factualidade que levou à aplicação da medida cautelar em curso mantém-se, como resulta nomeadamente das informações sociais entretanto juntas.

7 - Foi determinada a realização de perícia psicológica ao recorrente, ainda não realizada devido a falta do mesmo à entrevista marcada no Gabinete Médico-Legal, alegando dificuldades económicas "desmentidas" nos termos da informação social de 21/6/2023.

8 - O recorrente apenas depois de notificado, nos termos do art. 85 da LPCJP, para se pronunciar sobre a revisão da medida cautelar ora impugnada, veio pedir visitas ao filho como condição para concordar com a manutenção da medida.

9 - As razões que levaram à aplicação da medida, que se mantêm, face à prova existente, bem como a pendência de diligência como a perícia psicológica ao recorrente, justificam a revisão da citada medida, nos termos em que ela foi efetuada.

10 - Não há, assim, nulidade da decisão impugnada, por qualquer das razões alegadas.

11 - Tal decisão visou assegurar a proteção do interesse do AA, não da progenitora.

12 - A preservação das relações dos progenitores com os filhos não pode afetar a proteção destes.

13 - No caso, o tribunal procurou assegurar a proteção do AA através da aplicação, ao mesmo, por acordo, da medida de apoio junto de ambos os progenitores.

14 - Só porque tal proteção não foi possível, dessa forma, é que foi aplicada à criança a medida cuja revisão é, ora, impugnada.

15 - A manutenção das condições de aplicação da medida justifica a revisão da mesma, nos termos efetuados.

16 - Tal revisão é, assim, necessária e proporcional.

17 - Por isso, o tribunal não violou os princípios decorrentes do disposto no art. 4° als. a), e), f) e g) da LPCJP,

18 - Nem errou no seu julgamento, que deve manter-se.

19 - Em consequência, o recurso interposto deve ser considerado improcedente.»

                                                                       *

Também apresentou contra-alegações o menor, AA, das quais extraiu as seguintes conclusões:

«1. Não se pode considerar a decisão recorrida de nula;

2. A decisão especifica o perigo concreto a que o menor está sujeito, que subsiste, nomeadamente, os constantes na Douta Promoção do M.P. de 21/03/2023.

3. E a fundamentação é feita para todos as provas e indícios junto aos autos, peças processuais das partes e ainda do M.P. de 31/10/2023;

4. Fundamenta-se também a decisão nos termos do artº 92º da LPCJP, nem se trata de uma medida definitiva.

5. O Recorrente sempre pode suscitar por ele próprio a revisão da medida.

6. O recorrente opôs-se à medida, nunca fundamentou a sua oposição.

7. A oposição do recorrente é manifestamente vaga e genérica, não alega qualquer factualidade relevante.

8. O recorrente tem um exame psiquiátrico para realizar, determinado pelo Tribunal á quo, que ainda não foi realizado e junto aos autos.

9. Assim, o tribunal recorrido não pode pronunciar-se sobre a pretensão do recorrente.

10. Não tem portanto, a decisão qualquer falta de pronuncia.

11. E a decisão recorrida, não pode ser considerada nula, por ter violado o disposto no artº 4º, al. a), e), f) e g) da LPCJP;

12. No que tange á alínea a), vem sendo respeitados os interesses do menor, têm sido salvaguardados todos os afetos, porém, o progenitor dentro do jogo dos interesses, não tem concretizado qualquer facto para a continuidade dos afetos.

13. Sendo que os interesses em causa se reportam sempre à criança/jovem.

14. Que no caso não é o paradeiro da progenitora.

15. E o progenitor ainda não apresentou qualquer facto que seja capaz de assegurar as visitas ou outros contactos com o menor, e essa tarefa sempre incumbe ao progenitor.

16. Quanto á alínea e) a medida não é desproporcional.

17. A medida imposta foi aplicada para afastar o jovem menor do ambiente de conflituosidade do progenitor, que afecta o menor ao nível psicológico e estabilidade emocional.

18. Nunca podia ser aplicada uma medida junto de ambos os progenitores.

19. E o progenitor nunca requereu qualquer revisão da presente medida.

20. Porque não tem quaisquer factos que abalem os pressupostos que levaram á aplicação da presente medida.

21. E nada foi violado pelo Tribunal á quo.

22. A decisão ora recorrida, também não viola o disposto na alínea f) da LPCJP;

23. Pois, o progenitor não está impedido de assumir os seus deveres para com o menor.

24. Nem o progenitor alega que está obrigado ao pagamento de prestações alimentícias, a favor do menor, que resultam de qualquer imposição judicial.

25. E o mesmo progenitor não pode afirmar que não pode assumir as suas obrigações e deveres, decorrente da relação de paternidade.

26. O recorrente também nunca apresentou qualquer projecto de vida estruturado para o menor.

27. A decisão recorrida não viola a alínea g) do artº 4º da LPCJP.

28. E o recorrente bem sabe disso, que nunca aquele alegou tal factualidade nos seus requerimentos.

29. Nem elencou qualquer circunstancialismo sobre a continuidade da manutenção de laços afetivos do menor em relação à família paterna.

30. Assim, não se percebe, o alegado pelo recorrente sobre esta questão e nem sobre o alegado nas suas alegações de recurso.

31. Pelo que, ao decidir e nos termos em que o fez o Tribunal à quo, na sua Douta Decisão ora recorrida não violou qualquer disposição legal, nem violou as disposições invocadas pelo recorrente, do artº 4º da LPCJP.

Portanto, deve a decisão ora colocada em crise pelo presente recurso ser declarado que não padece de qualquer enfermidade, nulidade, nem que a mesma deverá ser substituída por outra que não viole disposições legais, tendo em conta o supra exposto, que foi correctamente elucidado.

Termos em que,

Com o Douto suprimento de Vª Exª, deverá este Venerando Tribunal não dar provimento ao Recurso ora apresentado pelo Recorrente e, em consequência ordenar a manutenção da Douta Decisão, mantendo-a nos seus precisos termos e, em consequência, decretar a condenação do ora recorrente.

ASSIM SE FARÁ,

JUSTIÇA»

                                                           *

Finalmente, foram ainda apresentadas contra-alegações pela Requerida, CC, as quais finalizaram com as seguintes conclusões:

«[1] – A decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade;

[2] – A decisão encontra-se devidamente fundamentada;

[3] – A decisão não padece de qualquer lacuna relativamente às matérias sobre as quais tivesse de se pronunciar;

[4] – A pretensão do recorrente -processualmente contextualizada- reporta-se à posição do mesmo relativamente à revisão/manutenção da medida;

[5] – Não ocorreu violação de qualquer normativo legal;

      *.*.*

Termos em que,

Deve o recurso interposto pelo recorrente ser indeferido - negando-se provimento ao mesmo-, mantendo-se inalterada a decisão recorrida, assim se fazendo justiça.»

                                                           *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                           *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

- nulidade da decisão recorrida por alegada falta de fundamentação [art. 615º, nº 1, al. b) do n.C.P.Civil], e nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia [art. 615º, nº 1, al. b) do n.C.P.Civil];

- em qualquer caso, desacerto da decisão recorrida, por ser injustificada e desproporcional [por traduzir a violação do «disposto no artigo 4º, alíneas a), e), f) e g) da LPCJP»].

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade que interessa ao conhecimento do presente recurso é a que consta do precedente relatório, para o qual se remete, por economia processual.          

                                                                       *                   

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 - Que dizer quanto à arguida nulidade da decisão recorrida, por alegada falta de fundamentação [art. 615º, nº 1, al. b) do n.C.P.Civil]?

Preliminarmente cumpre referir que face aos dados da situação, está em causa uma decisão “provisória” proferida no quadro do art. 37º da Lei 147/99 de 1 de Setembro[2], a qual se traduziu na manutenção da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, concretizada na pessoa da progenitora, prevista no art. 35º, nº 1, al. a) da LPCJP [assim prorrogando, por mais 3 meses, a medida anteriormente decretada igualmente como decisão “provisória” proferida no quadro do já citado art. 37º].

Assente isto, a que requisitos é que uma tal decisão devia obedecer?

Será à luz destes pressupostos, salvo o devido respeito, que se elucida o critério e diretriz da apreciação das questões preliminares da arguição de nulidade sob recurso.

Senão vejamos.

Consabidamente, as medidas de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo estão tipificadas no art. 35º da já citada LPCJP e podem ser decididas a título provisório conforme resulta do nº 2 desse normativo.

A revisão da medida aplicada pode ter lugar antes de decorrido o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial desde que ocorram factos que a justifiquem e pode determinar a substituição por outra medida mais adequada (cf. art. 62º nº 2 e nº 3 al. b) da mesma LPCJP).

Sendo certo que atento o disposto nos arts. 84º e 85º do mesmo diploma legal a criança ou jovem e os pais são ouvidos sobre a situação que deu origem à revisão.

Por outro lado, o art. 37º prevê a aplicação de medidas “provisórias” nas situações de emergência ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.

Neste contexto, obviamente que a tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias é instrumental face à pendência processual em curso.

Dito de outra forma: na pendência do processo de promoção e proteção, pode mostrar-se necessário acautelar eventuais efeitos negativos da dilação da decisão definitiva, donde tal justificar a consagração legal de algumas providências provisórias, designadamente das tidas por adequadas, em nome dos superiores interesses da criança, afastando, de imediato, uma concreta situação de perigo, nomeadamente na fase de execução da medida que foi aplicada.

            Por outro lado, não olvidamos que, ao contrário do que sucede quanto às providências tipificadas no C.P.Civil, as decisões “provisórias” proferidas em processo de promoção e proteção parecem ser reguladas segundo critérios de conveniência [cf. a situação paralela do art. 28º, nos 1 e 3 do RGPTC].

Simplesmente a estas ditas decisões provisórias proferidas em processo de promoção e proteção aplica-se o princípio geral decorrente do art. 154º, nº1, do n.C.P.Civil, a saber, encontra-se neste imposto um dever geral de fundamentação de todas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, acrescentando no nº2 que a justificação não pode consistir na mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, sendo certo que o já citado nº4 do art. 62º da LPCJP alude expressamente à fundamentação “de facto e de direito” da decisão.

            Acrescendo que em igual sentido se prescreve no art. 205º, nº1 da Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”), o qual nos diz que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.»

           Mas o que se deve entender afinal por dever de “fundamentação”?

           Conforme flui deste citado art. 205º, nº 1 da CRP, a fundamentação das decisões no nosso ordenamento jurídico é um elemento essencial, constituindo fonte de legitimação.

            Ocorre que, não obstante tudo o vindo de dizer, naturalmente que o dever de “fundamentação” tem uma geometria variável, que o mesmo é dizer, tem graus diversos em função das medidas em causa, fase em que são proferidas e sua substância.

            Na verdade, é em função do processo concreto e da particular questão a decidir que deve ponderar-se a eventual ausência de fundamentação do despacho que a decide, ao conceder ou negar a pretensão deduzida pela parte.

As decisão “provisórias” (assim como as “cautelares” no âmbito dos processos tutelares cíveis), conceptualmente, revestem natureza sumária, e por isso se impõe que sejam simples (o que não significa ligeireza) – espera-se ponderação adequada e proporcionada à situação que importa acautelar e aos interesses a tutelar, mas exige-se uma decisão pronta, uma justificação circunscrita aos aspetos que ao caso importem e, por isso, forçosamente frugal, ainda que esclarecedora quando às razões valorizadas para concluir pela injunção decretada (seja em vista de convencer as partes quanto ao seu mérito e justeza, seja para demonstrar, no mínimo, que a decisão foi alcançada pela ponderação das regras que ao caso importam).

Por outro lado, consabidamente, quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação” – isto para que se considere verificado o vício da nulidade da falta de fundamentação da decisão [cf. al.b) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil] – em tese geral está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente.

Na situação ajuizada, admite-se que a decisão recorrida tem uma fundamentação frugal, mas tem de reconhecer-se que a fundamentação da decisão não é inexistente nem padece de insuficiência que impossibilite os seus destinatários de apreender as razões justificativas.

Isto é, independentemente de ser deficiente, incompleta e/ou não convincente, não pode considerar-se que a fundamentação apresentada seja, de todo em todo, inexistente ou que padeça de deficiência que comprometa a exposição das razões para a decisão tomada (ou que a justificação seja incompreensível): atente-se que foi referenciado o quadro factual sumário da questão [a saber, decorrente da situação conflitual dos pais e situação de violência doméstica de que era vítima a progenitora por parte do progenitor, contexto este desestabilizador para o menor e de grave comprometimento da estabilidade psíquica deste último] e enunciada a justificação/fundamentação jurídica de tal decisão «(…) em conformidade com o disposto nos artigos 3.º, 4.º, 34.º, 35.º, alínea a), 37.º, 59.º, 62.º, todos da L.P.C.J.P.».

Ora, atendendo a que resulta inquestionável que estava em causa um despacho de revisão/manutenção da medida, e que esse despacho vinha naturalmente na sequência de um anterior que havia decretado a medida – sendo neste mais concretamente enunciado quer o quadro factual da situação, que a justificação para a medida adotada! – e bem assim que havia uma remissão expressa no despacho inicial para a promoção do Ministério Público em que mais discriminadamente fora descrita a situação, entendemos que não se verifica a arguida nulidade da falta de fundamentação.

                                                           ¨¨¨

E que dizer da igualmente arguida nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia [art. 615º, nº 1, al. b) do n.C.P.Civil]?

Cremos que a resposta já se adivinha.

Mais concretamente está em causa, segundo o progenitor ora recorrente a não pronúncia da decisão recorrida quanto ao aspeto do convívio do mesmo com o menor.

Ora, como já se aduziu, o que estava e esteve em causa no decretamento da medida “provisória” ora revista, foi o manter a medida cautelar de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora, por mais 3 (três) meses.

Sendo essa medida de promoção e proteção de apoio restrita à progenitora, e decorrendo da situação de violência doméstica de que ela era vítima por parte do progenitor, e bem assim de ser este contexto desestabilizador para o menor e de grave comprometimento da estabilidade psíquica deste último, que determinou a colocação de ambos em casa de abrigo, cuja localização é desconhecida.

Desconhecimento esse que se impõe que assim continue, designadamente em relação ao progenitor ora recorrente.

Ora se assim é, por definição e pressuposto lógico, o progenitor ora recorrente ficou e mantém-se arredado não só de qualquer guarda/cuidados do menor, como igualmente dos convívios com o mesmo.

A esta luz, não existe qualquer justificação para o mesmo argumentar que não foi ponderada a sua oposição à manutenção da medida – foi-o no sentido de que não mereceu acolhimento, tendo-se decidido pela continuação da medida.

Sendo que enquanto decisão de revisão/manutenção da medida, a decisão recorrida apreciou/pronunciou-se sobre o que importava fazer, e sendo a decisão implícita quanto a estarem impossibilitados/prejudicados quaisquer convívios do progenitor com o menor.

Mas mesmo a entender-se que também se devia ter pronunciado expressamente sobre o aspeto dos convívios do progenitor com o menor, existindo nulidade por omissão de pronúncia nesse particular, a questão deve considerar-se suprida pelo vindo de esclarecer, isto é, que é pressuposto lógico e necessário da medida decretada /revista, que enquanto ela assim existir, verifica-se e tem lugar uma suspensão do convívio/contacto entre o progenitor e o filho.

Nestes termos improcede a arguição de nulidades em apreciação.

                                                                       *

           4.2 - Apreciando agora o aspeto substantivo da decisão recorrida, vejamos do alegado desacerto da decisão recorrida, por ser injustificada e desproporcional [por traduzir a violação do «disposto no artigo 4º, alíneas a), e), f) e g) da LPCJP»].

Na verdade, neste particular pretende o progenitor/recorrente que a medida revista seja «(…) substituída por outra que não viole disposições legais, devidamente explanada supra e que permita ao ora recorrente manter contactos e visitas com o menor».

Esta é a única questão substantiva que importa abordar e decidir, o que iremos fazer procurando aferir o acerto das razões que para fundamentar tal pretensão o mesmo aduziu, naturalmente que em contraponto com aquela que se deteta ter sido a linha de entendimento de sinal contrário perfilhada pela decisão recorrida.

Será que a medida “provisória” mantida pela decisão recorrida não acautela o superior interesse do menor AA, antes se fundamenta exclusivamente nos “interesses legítimos” da progenitora?

Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão ao progenitor recorrente com esta linha de argumentação.

É que se a decisão aplicada e mantida se fundamentou no contexto de violência doméstica de que a progenitora era vítima por parte do progenitor, igualmente teve como pressuposto o decorrente e subjacente contexto desestabilizador para o menor e o grave comprometimento da estabilidade psíquica deste último.

Na verdade, foi essa mista e conjunta situação que determinou a colocação de ambos em casa de abrigo.

E se é certo que nos termos do art. 4º da já citada LPCJP, um dos princípios orientadores da intervenção é precisamente o “interesse superior da criança e do jovem[cf. al. a) desse normativo], na situação vertente não se vislumbra como podia mais direta e concretamente ser salvaguardado e tutelado que não com a decretada e mantida medida cautelar de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora, por mais 3 (três) meses.

O “superior interesse da criança” – conceito indeterminado, dotado de «especial expressividade, funcionando como ‘noção mágica’ de força apelativa e tendência humanizante»[3] –, enquanto critério decisório, identifica, na situação dos autos, de modo inequívoco e claro, o concreto[4] interesse do menor AA em desfrutar de estabilidade e equilíbrio emocional, de fruir de ambiente livre de violência.

Na verdade, na situação vertente, e nesta fase do processo, apenas à progenitora são reconhecidas competências para o exercício das responsabilidades parentais.

Ora, não questiona o progenitor recorrente que o menor seu filho se encontrava em situação de perigo[5] que legitimou a intervenção do Tribunal (arts. 3º e 4º, al. d) da LPCJP) e que a medida de apoio junto dos pais fosse a adequada a afastar o perigo a que se encontrava sujeitas, proporcionando-lhes as condições que permitem proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (art. 34º da LPCJP).

E também não questiona, pelo menos com suficiente consistência e concludência, que esse apoio junto dos pais tivesse sido restringido à progenitora.

Com efeito, centra-se no seu interesse e posição pessoal – o de que os convívios com o filho deviam ser possibilitados, para dele poder cuidar e bem assim assumir os seus deveres para com o menor – olvidando que está indiciariamente apurado nos autos que a verificada violência doméstica é desestabilizadora para o menor e origina um grave comprometimento da estabilidade psíquica deste último [cf. al. f) do art. 4º em referência].

Neste quadro, como podia aplicar-se a medida cautelar de apoio junto dos pais «no ambiente familiar e conhecido do menor»?

Quando ainda nem sequer teve lugar o já determinado exame psiquiátrico ao recorrente…

E sobretudo, se desconhecem as condições, quer psiquiátricas, quer psicológicas, do progenitor, que permitissem reverter/atenuar a situação presente.

Salvo o devido respeito, no quadro apurado e como medida “provisória” (cautelar e urgente também!) foi plenamente justificada a manutenção “provisória” do apoio restrito à progenitora, com a concomitante permanência de progenitora e menor em casa de abrigo, cuja localização é e deve continuar desconhecida (mormente para o progenitor).

Sendo então a medida decretada e mantida a necessária e adequada à situação de perigo em que o menor se encontrava!

O que tudo serve também para dizer que não foi uma medida “desproporcional” [cf. al. e) do mesmo normativo]!

Por outro lado, não se consegue operar qualquer enquadramento favorável à pretensão do progenitor/recorrente enquanto fundada no primado da “continuidade das relações psicológicas profundas” [cf. alínea g) do citado art. 4º da LPCJP] .

Aliás, decorre da literalidade conceitual da própria norma invocada a sem razão do progenitor ora recorrente.

Com efeito, explicita a própria norma, «(…) a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante.»

Conclusão esta que não se consegue de todo fazer no caso vertente a adotar-se a solução pretendida pelo progenitor recorrente.

Muito antes pelo contrário!

Senão vejamos.

Para tanto basta, s.m.j., o confronto/reprodução de alguns dados factuais que constam dos autos, como, aliás, já supra supra transcritos:

«Do relatório social que antecedeu a aplicação da medida vigente já resultava que o progenitor do AA é conflituoso, havendo receios em relação ao seu comportamento por parte da progenitora da criança, dos familiares paternos, com exceção da avó paterna, e até do AA.

O progenitor também terá sido agressivo com a anterior professora do AA e auxiliares da escola, como resulta do primeiro relatório social do ISS. Foi tentado, no entanto, que o progenitor alterasse a sua atitude, de modo a evitar o afastamento do AA.

É óbvio que tal não sucedeu, com prejuízo para a estabilidade, nomeadamente emocional, da criança.»

A medida de apoio junto dos pais a executar junta da mãe, provisoriamente determinada, é, assim, a única que se mostra conforme e respeitadora dos princípios orientadores da intervenção (art. 4º da LPCJP) – é conforme aos princípios da proporcionalidade a atualidade (no presente, é a adequada a proporcionar ao menor AA o ambiente livre de conflito e violência que os progenitores lhe devem proporcionar), da responsabilidade parental (a medida convoca os progenitores a assumirem os seus deveres enquanto pais) e do primado da continuidade das relações psicológicas profundas (assim se respeitando o direito do menor AA à preservação da relação afetiva com a sua progenitora, uma relação estruturante e de positivo significado para o seu sadio e harmonioso desenvolvimento), isto é, sendo esta a medida que melhor se adequa a proporcionar-lhe um ambiente propício ao seu harmonioso desenvolvimento.

Refira-se ainda que mais do que não demonstrarem os autos que o progenitor não tem as necessárias competências parentais para que, junto de si ou em contacto consigo, seja executada a medida tutelar de que o menor AA beneficia, interessa na situação providenciar por satisfazer o primordial (e imediato) interesse do menor AA, qual seja o de desfrutar de ambiente quotidiano pacífico e protetor, livre de violência e de perturbação da estabilidade psíquica deste último – o que ficaria em risco a deferir-se o requerido pelo recorrente.

Do exposto resulta que a decretada manutenção da medida se mostra conforme ao superior interesse do menor AA e é adequada e imprescindível à prossecução das finalidades que lhe presidiram.

Sendo certo que, como já exposto supra, é pressuposto lógico e necessário da medida decretada /revista, que enquanto ela assim existir, verifica-se e tem lugar uma suspensão do convívio/contacto entre o progenitor e o filho.

Acresce ainda que mesmo sem esquecer que a decisão é por sua natureza alterável, e que a medida é necessariamente revista por imposição legal, no contexto dessa revisão, afigura-se que não estavam ainda verificados os pressupostos para modificação do anteriormente decidido, como bem salientou o despacho impugnado ao sublinhar que não existiam factos novos para fundamentar uma qualquer mudança.[6]

Do exposto resulta que a decretada manutenção da medida se mostra conforme ao superior interesse do menor AA, e é adequada e imprescindível – face aos dados conhecidos e atuais, e enquanto medida “provisória”! – à prossecução das finalidades que lhe presidiram.

Do que precede resulta dever ser o recurso julgado improcedente.

(…)

                                                           *

6 - DISPOSITIVO

 Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação interposta pelo progenitor BB e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

                                                           *


Coimbra, 20 de Fevereiro de 2024  

  Luís Filipe Cravo

 Fonte Ramos

João Moreira do Carmo



[1] Relator: Des. Luís Cravo
   1º Adjunto: Des. Fonte Ramos
   2º Adjunto: Des. João Moreira do Carmo
[2] Doravante “LPCJP”.
[3] Assim MARIA CLARA SOTTOMAYOR, in “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 7ª Edição, revista, aumentada e atualizada, a págs. 57.
[4] Atente-se que o critério só adquire eficácia quando referido ao interesse daquele indivíduo, daquela criança, como sublinhado pela autora em obra e local referenciados na precedente nota, ora a págs. 58.
[5] O perigo a que se reporta o presente normativo «traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, não se exigindo a verificação da efectiva lesão da segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento. Basta, por isso, a criação de um real ou muito provável perigo, ainda longe de dano sério», sendo que a situação de perigo deve ser actual e persistente à data da decisão, conforme decorre do artigos 4º, alín. e) e 111º, do diploma em equação – cf. TOMÉ D’ALMEIDA RAMIÃO, in “Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”, Anotada e Comentada, 7ª Edição, Quid Juris, a págs. 25.
[6] Neste sentido também o acórdão do TRE de 30.06.2022, proferido no proc. nº 1137/21.8T8STR-A.E1, acessível em www.dgsi.pt/jtre.