Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
488/21.6T8MGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
MEIOS DE PROVA
Data do Acordão: 02/01/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 293.º, N.º 1 E 365.º N.º 1, AMBOS DO CPC
Sumário: Nos procedimentos cautelares, com excepção da prova documental, não é admissível a apresentação de novos meios de prova depois da petição e da oposição.
Decisão Texto Integral:






Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


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RELATÓRIO


A. intentou procedimento cautelar contra B., e mulher, C. (1.ºs RR) e D. (2.ª R.), peticionando que seja decretada providência que proíba os RR de venderem a terceiros, por escritura pública, por instrumento particular ou por qualquer outra forma, a fracção “D” do prédio descrito na conservatória do registo predial de … sob o n.º 17720 da freguesia de …, incluindo na venda da fracção qualquer direito sobre o “terraço” que entende ser parte comum (com excepção do direito inerente de compropriedade sobre partes comuns inerente à titularidade de fracção em propriedade horizontal).

Para fundamentar o peticionado alega ser proprietária da fracção C, sendo os requeridos proprietários da fracção D, ambas sitas no primeiro andar e com um terraço comum a ambas as fracções e que os requeridos prolongaram, aproveitando mera tolerância da requerente, a sua cozinha para o terraço comum.

Mais alega que estes pretendem vender a fracção, com a configuração que tem actualmente, não autorizando a utilização do terraço por desconhecidos e alegando que a possibilidade de litígio com terceiros desconhecidos, lhe causa prejuízo.


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 Citados, vieram os requeridos contestar invocando que o terraço em causa faz parte integrante da fracção D, há mais de 40 anos, tendo sido constituída a propriedade horizontal do imóvel com esta configuração, pelo pai da requerente e que assim são proprietários deste “terraço”, que constitui na realidade uma marquise integrada nesta fracção.

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A requerente deduziu por escrito resposta a estas excepções e à invocada litigância de má fé, mais requerendo afinal o “ADITAMENTO AO ROL DE TESTEMUNHAS.

1. E., com domicílio na Rua …, …;

2. F., com domicílio na …,…;.

B) INSPEÇÃO JUDICAL.

A Requerente requer, nos termos previstos no artigo 490.º do CPC, que seja efetuada uma inspeção ao local para prova dos factos alegados no RI e neste articulado, em concreto, para se verificar a situação física do terraço e da ocupação do mesmo por parte dos Requeridos.


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Após foi proferido despacho que admitindo este articulado, considerou que No entanto, o requerimento da A. sobre novas diligências de prova, quer o aditamento ao rol de testemunhas de testemunhas a notificar, quer o pedido de inspecção judicial (cfr. fls. 67-68), desrespeita frontalmente o disposto no art. 365.º/1 (e art. 293.º/1, ex vi art. 365.º/3) do NCPC, pelo que não pode ser admitido.

Nestes termos, INDEFIRO as diligências de prova requeridas a fls. 66-67.”


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Não se conformando com esta decisão, dela apelou a Requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“III – CONCLUSÕES.

1) Na Oposição à providência cautelar, os Requeridos, ora Apelados, alegaram que a Requerente, ora Apelante, atua com abuso de direito e invocam a usucapião para justificar o direito de propriedade sobre o terraço objeto dos presentes autos.

2) Além disso, alegaram que a Apelante litiga de má-fé, afirmando que não pode ignorar que o seu pai transformou o terraço em marquise e integrou essa marquise na fração D, como não pode ignorar a existência de elementos documentais que atestam a inexistência dos direitos de que se arroga.

3) A Apelante respondeu às exceções e imputação de litigância de má-fé e arrolou duas testemunhas para provar os factos por si alegados, bem como requereu a realização de uma inspeção judicial ao local.

4) O Tribunal a quo indeferiu o requerimento probatório da Apelante, em sede de resposta à Oposição, por entender que o regime legal não o permite.

5) É esta decisão que se impugna, por não acautelar devidamente a posição processual da Apelante no processo, podendo redundar na não prova de determinados factos que se têm por essenciais à decisão da causa e à pretensão da Apelante – neste caso a improcedência da providência cautelar.

6) Com certeza, caberá ao juiz controlar a observância das normas processuais, ao abrigo do seu dever de gestão processual previsto no artigo 6.º do CPC.

7) Contudo, o juízo quanto aos meios probatórios há-de rodear-se sempre das maiores cautelas, não devendo o Tribunal a quo, como entendemos que aqui ocorreu, fragilizar a posição processual das partes, abdicando de meios de prova por elas indicadas, a menos que os factos que esses meios de prova pretendem demonstrar sejam efetivamente inúteis ou inconsequentes para o julgamento da causa, em todas as suas vertentes – o que não se verifica in casu.

8) Sob pena, aliás, de violar o próprio dever de gestão processual, na parte em que cabe ao tribunal garantir “a justa composição do litígio”, o que só será cabalmente possível se a ambas

as partes for possível apresentar todos os meios de prova de que disponham.

9) O indeferimento dos meios de prova indicados pela Apelante também viola o princípio da igualdade das partes, decorrente do artigo 4.º do CPC, e plasmado no artigo 13.º, n.º 1, da CRP, pois que é dado um tratamento desigual às partes. A Apelante viu-se impossibilitada de apresentar meios de prova quanto aos factos (novos) que surgiram na Oposição.

10) E por esta via, viola também o princípio do contraditório, plasmado no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, na medida em que impede a “participação efetiva das partes (da Apelante) no desenrolar do litígio num quadro de equilíbrio e lealdade processuais.”

11) Os factos em relação aos quais a Apelante pretende que seja produzida prova são, resumidamente, os seguintes: i) que o terraço não foi transformado em marquise e, por essa via, incorporado exclusivamente na fração D; ii) que tal espaço é comum às duas frações (C e D); iii) que o acesso a tal terraço se faz diretamente através de uma escada, parte comum do prédio; iv) que não existe, portanto, qualquer atuação em abuso de Direito por parte da Apelante; v) e que não existe qualquer aquisição de direito de propriedade por usucapião.

12) O despacho recorrido viola, assim, e salvo melhor opinião, as normas constantes dos artigos 3.º, n.º 3, 4.º e 6.º do CPC e, ainda, dos artigos 13.º e 20.º da CRP, ficando a Apelante limitada na sua posição processual e impossibilitando-se de recorrer a meios de prova legais para prova de factos que validamente alegou, em momento processual próprio, perante o Tribunal competente.

Nestes termos e nos mais de Direito doutamente supridos por Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado provido e, em consequência, o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a realização das diligências probatórias requeridas pela Apelante.

Como é de Justiça!


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Não foram interpostas contra-alegações.


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QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

            Tendo este preceito em mente, a única questão a decidir consiste em saber se:
a) No âmbito de procedimentos cautelares, é admissível o aditamento de prova, testemunhal e por inspecção judicial, formulado em articulado de resposta à oposição.


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MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto a considerar é a descrita em relatório já elaborado.

 


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DO DIREITO

Alega a recorrente como fundamento do seu recurso que o despacho recorrido limitou a sua posição processual e violou as normas constantes dos artigos 3.º, n.º 3, 4.º e 6.º do CPC e, ainda, dos artigos 13.º e 20.º da CRP, uma vez que ficou impedida de produzir prova sobre os novos factos alegados pelos requeridos.

Sobre esta alegação há, em primeiro lugar, que referir que o processo civil constitui um conjunto de actos processuais que se destinam a regular e dar conformação ao direito substantivo, nos precisos termos definidos pelo legislador.

No que ao oferecimento da prova se refere, em relação aos procedimentos cautelares, dispõe o artº 365 nº1 do C.P.C que a prova do direito ameaçado e do receio de lesão deve ser oferecida como o r.i., à semelhança aliás do disposto para os acidentes da instância, conforme decorre do disposto no artº 293 do C.P.C., aplicável por via da remissão do nº3 do citado preceito legal.

Existindo contraditório do requerido prévio à decisão, na oposição deduzida deve este oferecer igualmente os seus meios de prova, seguindo-se após, sem mais articulados, a fase da audiência final.

Assim sendo, nos procedimentos cautelares, os meios de prova terão de ser requeridos com o requerimento inicial e com a oposição que lhe vier a ser deduzida. E, dada a natureza urgente deste procedimento, não são admitidos outros articulados, mormente de resposta a eventuais excepções, sem prejuízo do disposto no artº 3 nº4 do C.P.C, nem apresentação posterior de novos meios de prova.

Da conjugação destes preceitos legais resulta que o legislador estabeleceu momentos processuais para a apresentação de meios de prova pelas partes neste tipo de procedimentos, sob pena de preclusão deste direito para ambas as partes, sem prejuízo da produção de meios de prova pelo tribunal, oficiosamente, conforme decorre do disposto no artº 367 nº1 do C.P.C.

Não é assim aplicável aos procedimentos cautelares, pela sua urgência, o disposto no artº 598 do C.P.C., sem prejuízo da possibilidade de junção de documentos nos momentos processuais previstos no artº 423 do C.P.C., aliás admitida pelo tribunal recorrido, por tal junção não contender com a natureza urgente deste procedimento.[1]

Denote-se que mesmo a inspecção judicial, ainda que atempadamente requerida, só terá lugar se o tribunal o considerar conveniente para o apuramento de factos ainda controvertidos e se finda a produção da prova, considerar não estar ainda elucidado (artº 570 nº1 do C.P.C.)

Assim sendo, podendo a requerente produzir a prova que indicou no seu requerimento inicial, não se vê que tenha ficado limitada nos seus direitos processuais ou que a posição dos requeridos tenha sido beneficiada, mostrando-se por essa via, violado o direito a um processo equitativo e justo e o princípio da igualdade das partes, previstos nos artºs 4 do C.P.C., 13 e 20 nº1 da nossa Constituição.

A requerente não se viu impedida nem de aceder a tribunal para exercer o seu direito, nem viu afectada a sua garantia constitucional, prevista no artº 20 nº1 da Constituição de exercer eventual direito que lhe assistisse, mediante processo sujeito aos princípios do contraditório e da igualdade de armas (artigo 20.º, n.º 1, da CRP). Ambos os princípios mostram-se salvaguardados por via do disposto nos artsº 365 a 367 do C.P.C., sendo concedidas a ambas as partes, se não dispensado o contraditório prévio à decisão da providência, a possibilidade de dedução de prova com o respectivo articulado.

Acresce que, a citação dos requeridos visa o exercício do contraditório, podendo deduzir os seus meios de defesa, quer por impugnação quer por excepção, cabendo-lhe sempre o ónus de prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito, conforme o disposto no artº 342 nº2 do C.P.C.

Assim sendo, improcede o recurso interposto pela requerente.


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DECISÃO

Pelo exposto, julgo improcedente a apelação, confirmando-se na íntegra o despacho recorrido.
Custas do recurso pela apelante.


                                               Coimbra 1 de Fevereiro de 2022


[1] Neste sentido vide Ac. do TRP de 17/03/2009, proferido no proc. nº 3368/08.7TJVNF-A.P1