Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
967/15.4T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
OPOSIÇÃO
BENFEITORIA
DIREITO DE RETENÇÃO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. CENTRAL - 2ª SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 929º, Nº 1 E Nº 3, DO CPC, NA SUA ANTERIOR REDACÇÃO – ACTUAL ART. 860º, Nº 3, DO CPC
Sumário: Face ao disposto no art. 929º, nº 1 e nº 3, do CPC, na sua anterior redacção – a que corresponde, com idêntica redacção, o actual art. 860º, nº 3, do CPC –, quando a execução para entrega de coisa certa se baseie em sentença, o executado apenas poderá deduzir-lhe oposição com fundamento em benfeitorias e no inerente direito de retenção, caso não tenha tido a oportunidade de fazer valer esse direito na acção declarativa; se, na acção declarativa, não fez valer esse direito, apesar de ter tido oportunidade de o fazer, não poderá vir invocá-lo, posteriormente, em sede de oposição à execução, para paralisar os efeitos decorrentes da sentença condenatória que serve de base à execução e para obstar à imediata entrega da coisa que foi determinada por tal sentença, sendo irrelevante, para esse efeito, a circunstância de o executado ter instaurado, posteriormente, uma nova acção com vista ao reconhecimento daqueles direitos e com vista à condenação dos exequentes ao pagamento de indemnização pelas benfeitorias realizadas.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A..., residente na Rua (...) , Vila Cã, veio deduzir oposição à execução para entrega de coisa certa que contra si foi instaurada por B... e C... , residentes na Rua (...) , Vila Cã, invocando a inexistência de título executivo (porquanto interpôs recurso da sentença que serve de base à execução e tal recurso tem efeito suspensivo por estar em causa a casa de habitação) e alegando ter efectuado diversas benfeitorias na casa cuja entrega é pedida e onde está instalada a sua morada de família, benfeitorias essas que ascendem ao valor global de 49.000,00€ e das quais tem direito a ser compensado.

Conclui pedindo que:

a) A sentença apresentada à execução seja julgada não constitutiva de título executivo e, em consequência, que a execução seja julgada extinta, por falta de título (art.ºs 45.º e 46.º do CPC).

Quando assim se não entenda,

b) Se declare ter o Opoente direito a ser indemnizado pelas benfeitorias efectuadas, no valor de € 49.000,00 (quarenta e nove mil euros);

c) Seja reconhecido o direito, do Opoente, de retenção sobre o imóvel; e

d) Seja suspensa a execução até o Opoente ser pago da importância apurada quanto ao valor das benfeitorias.

Os Exequentes contestaram, alegando, em suma, que a oposição é manifestamente improcedente por não se enquadrar nos fundamentos previstos na lei, sendo que tais benfeitorias não foram reclamadas na acção declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução, pelo que, nos termos do art. 929º, nº 3, não constituem fundamento para oposição à execução.

Assim, e impugnando os factos alegados, concluem pedindo que a oposição seja liminarmente indeferida, com fundamento no disposto no art. 929º, nº 3, do CPC e que, caso assim não se entenda, seja julgada improcedente.  

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador que, além de julgar improcedente a excepção de inexistência de título executivo (por ter, entretanto, transitado o Acórdão proferido por esta Relação que confirmou a sentença que servia de fundamento à execução), julgou inadmissível a oposição e determinou o prosseguimento da execução.

Discordando dessa decisão, o Executado/Opoente veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

a) A decisão ora recorrida deve ser revogada.

b) A oposição, oportunamente deduzida, fundamenta-se na pretensão do opoente em lhe ser reconhecido o seu direito de retenção sobre o imóvel objecto da execução, enquanto não for indemnizado pelas benfeitorias necessárias e úteis realizadas, antes da propositura da acção declarativa, em quantia não inferior a € 45.000, e as realizadas na pendência da acção, em quantia não inferior a € 4.000, no montante total de €49.000.

c) Contrariamente ao raciocínio expendido, pela Meritíssima Juiz a quo, entende o recorrente que a oposição deduzida deveria ter sido discutida e sujeita à produção de prova.

d) O objecto em causa nos presentes autos trata-se da casa de morada de família do recorrente, desde 19 de Fevereiro de 1977.

e) Nela instalou os seus bens pessoais: móveis e demais pertences;

f) Aí passou a confeccionar e tomar as refeições, a dormir, passar os momentos de lazer, receber familiares e pessoas amigas.

g) Tal factualidade, além de alegada na oposição, já o havia sido em sede de contestação, tendo a mesma sido dada por assente, conforme alegado no ponto 19 da oposição e resulta da própria sentença dada à execução.

h) Mostra-se provado que o recorrente e a ex-mulher conceberam e idealizaram a referida casa (ponto 55 da matéria dada como provada na sentença); contrataram pedreiros, serventes, carpinteiros, electricistas, canalizadores e pintores (ponto 56 da matéria dada como provada na sentença); adquiriram materiais; que para a construção da casa parte da mão-de-obra foi paga pelo réu e ex-mulher e alguma fornecida pelos autores e outros familiares gratuitamente (ponto 60 da matéria dada como provada na sentença); no terreno anexo à casa o casal construiu, após a construção da casa, um barracão para curral e arrumos e garagem (ponto 63 da matéria dada como provada na sentença).

i) Entende o recorrente, da prova produzida e da factualidade dada como assente, encontrar-se preenchido os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 929.º do CPC.

Sem conceber ou condescender, ainda que assim se não entenda,

j) Antes do trânsito em julgado da acção principal, o recorrente intentou acção declarativa com vista à liquidação do seu direito de crédito a título de benfeitorias, realizadas na casa morada de família, na quantia de € 49.000, requerendo a condenação dos recorridos no pagamento de tal montante e, o reconhecimento do direito do recorrente de retenção sobre o imóvel, até efectivo e integral pagamento daquela quantia pelos recorridos - acção que deu entrada no dia 30 de Outubro de 2013, e que corre termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, sob o número de processo 1990/13.9TBPBL.

k) Tal circunstância não foi tida em consideração pela Meritíssima Juiz a quo na prolação da decisão agora recorrida e que fundamenta o direito de retenção invocado pelo recorrente.

Sem prescindir, e caso assim não se entendesse,

l) A oposição à execução sempre seria admissível com o fundamento nas benfeitorias realizadas na pendência e depois do encerramento da audiência e julgamento da causa, e que foram alegadas na oposição sob ponto 29 a 32.

m) Na pendência da acção principal, o opoente tem vindo sozinho, e a suas expensas, a conservar e a preservar toda a casa de habitação, anexos, quintal e barracão; tendo despendido e aplicado, tendo-se em conta o custo dos respectivos materiais e da mão-de-obra aplicada, que estima em valor não inferior a € 4.000.

n) Tal direito é de considerar superveniente, relativamente ao momento em que era oportuno deduzi-lo na acção declarativa.

o) Assim, a decisão recorrida viola o disposto nos art.os 814.º, n.º 1, al. g) e 929.º, n.os 1 e 3 a contrario, ambos do CPC, devendo a mesma ser revogada, proferindo-se douta decisão que determine a revogação da sentença recorrida e, substituída por despacho que dê seguimento aos trâmites processuais a que se refere o artigo 817.º, n.º 2, do CPC.

Os Apelados apresentaram contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1ª – O recurso interposto é intempestivo, devendo ser indeferido o respectivo requerimento;

2ª – A decisão recorrida julgou inadmissível a oposição determinando o prosseguimento da execução;

3ª - Nos termos legais o prazo para a interposição de recurso e apresentação de alegações é reduzido para 15 dias;

4ª - O acto foi praticado muito para além dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo;

5ª - Presumindo-se a notificação feita na data da expedição, devidamente certificada – a expedição presume-se efectuada no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil;

6ª - No caso concreto o ilustre mandatário do recorrente foi notificado, via Citius da sentença ora recorrida com data de 31/03/2014;

7ª – Presume-se feita três dias depois, sendo que, mercê do decurso das férias da Páscoa em que os prazos estiveram suspensos desde o domingo de Ramos a segunda-feira de Páscoa e só deu entrada ao requerimento de interposição de recurso com data de 12/05/2014, em que notificou, via Citius, também a signatária;

8ª – Não foi invocada qualquer situação de justo impedimento;

9ª – Nos termos do nº 3 do artigo 139º do C.P.C.:

o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto”;

Sem conceder:

10ª – Lê-se no Acórdão da Relação de Évora de 17/03/2011, in dgsi.pt, onde por unanimidade foi decidido:

O que o artigo 929º, nº 3 do C.P.C. pretende é impedir que, perante o título executivo “sentença condenatória”, seja invocado um direito a benfeitorias, sempre que esse direito não tiver sido previamente invocado, na própria acção em que foi proferida a sentença que constitui título executivo – ou seja, a invocação de benfeitorias deve ter lugar na acção declarativa (a título de reconvenção), estando vedado invocá-lo na execução se não houve essa prévia invocação na acção. É este o sentido da expressão “oportunamente”- isto é, reporta-se à acção declarativa em que foi proferida a sentença que constitui título executivo”.

11ª - Bem andou a Mª Juiz no caso sub judice em julgar “inadmissível a oposição à execução determinando o prosseguimento da execução “;

12ª – Pelo exposto, e sempre com o douto suprimento de Vs. Exas., deve a sentença ser mantida, quer seja pela intempestividade da interposição do recurso, seja, pela falta de fundamento fáctico e legal.


/////

II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se o Executado (ora Apelante) pode ou não deduzir oposição à presente execução com fundamento em benfeitorias realizadas no imóvel cuja entrega é pedida e no direito de retenção de que alega ser titular com fundamento nessas benfeitorias.


/////

III.

Antes de entrar na apreciação do objecto do recurso, importa analisar a questão suscitada pelos Apelados, nas respectivas contra-alegações, a propósito da tempestividade do recurso.

Dizem os Apelados que o recurso é extemporâneo, na medida em que, estando em causa uma decisão proferida no âmbito de processo de execução (situação que sustentam inserir-se no disposto no art. 644º, nº 2, do CPC), o prazo para a sua interposição era de quinze dias.

Mas não lhes assiste razão.

Como resulta do disposto nos arts. 852º e 853º do CPC – aplicáveis à execução para entrega de coisa certa (como é aqui o caso), por força do disposto no art. 551º, nº 2 –, o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração é aplicável aos recursos interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da acção executiva.

A decisão sobre a qual incide o presente recurso foi proferida no âmbito de uma oposição à execução que se configura, claramente, como um procedimento ou incidente que, estando inserido na tramitação da acção executiva, tem natureza declaratória para os efeitos previstos na norma citada e, como tal, o recurso que dela seja interposto está sujeito ao regime estabelecido para os recursos em processo de declaração.

Ora, ao contrário do que sustentam os Apelados, a decisão recorrida não se enquadra em nenhuma das situações previstas no nº 2 do art. 644º (para as quais a lei estabelece – art. 638º, nº 1 – o prazo de quinze dias para a interposição do recurso); a decisão recorrida pôs termo à oposição deduzida à execução (oposição que corresponde a um incidente processado autonomamente) e, como tal, insere-se no âmbito de previsão do art. 644º, nº 1, alínea a), sendo de 30 dias o prazo para a interposição do respectivo recurso (art. 638º, nº 1).

A notificação da decisão recorrida foi efectuada em 31/03/2014, presumindo-se efectuada em 03/04/2014, pelo que, descontando o período de férias judiciais ocorridas durante esse período e durante o qual o prazo se suspendeu, impõe-se concluir que o recurso foi apresentado dentro do aludido prazo de trinta dias.

Nada obsta, portanto, à apreciação do objecto do recurso.

  

Analisemos, então, as questões suscitadas no recurso.

Está em causa uma execução para entrega de coisa certa, baseada em sentença, à qual o Executado veio deduzir oposição com fundamento em benfeitorias que havia realizado no imóvel cuja entrega era pedida e no direito de retenção que alegadamente lhe assistia, por força dessas benfeitorias.

A decisão recorrida julgou a oposição inadmissível (ou improcedente) e determinou o prosseguimento da execução, considerando, face ao disposto no art. 929º do CPC, que, baseando-se a execução em sentença, era na acção declarativa que o Executado deveria ter feito fazer valer o seu direito emergente das benfeitorias e que, não o tendo feito, não poderá agora invocar tais benfeitorias para se opor à execução.

O Apelante insurge-se contra essa decisão, dizendo, em primeiro lugar, que a factualidade aqui alegada já havia sido alegada e dada por assente na acção declarativa e que, como tal, se encontram preenchidos os requisitos previstos no art. 929º, nº 1, do CPC; diz, em segundo lugar, que a decisão recorrida não tomou em consideração a circunstância de o Apelante ter intentado – antes do trânsito em julgado da sentença que constitui o título executivo – uma nova acção declarativa onde reclama o seu direito às benfeitorias e o reconhecimento do seu direito de retenção sobre o imóvel e diz, por último, que, de qualquer forma, a oposição sempre teria que ser considerada admissível com fundamento nas benfeitorias realizadas na pendência e depois do encerramento da audiência de discussão e julgamento e que foram alegadas na oposição nos artigos 29 a 32, já que o direito a tais benfeitorias é superveniente relativamente ao momento em que era oportuno deduzi-lo na acção declarativa.

Vejamos então essas questões, começando por referir que o regime processual civil a considerar será o que constava do CPC na redacção anterior àquela que foi introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26/06, tendo em conta o disposto no art. 6º, nº 4, deste diploma e dado que está em causa uma oposição deduzida antes da sua entrada em vigor[1].

No que toca à execução para entrega de coisa certa (como é aqui o caso), determinava o art. 929º, nº 1, que “o executado pode deduzir oposição pelos motivos especificados nos artigos 814º, 815º e 816º, na parte aplicável, e com fundamento em benfeitorias”. Mas, determinava o nº 3 da norma citada que “a oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas”.

É certo, portanto, que, quando a execução se baseia em sentença condenatória (como é aqui o caso), não é admitida oposição à execução com fundamento em benfeitorias quando o executado não tenha feito valer, oportunamente, o seu direito a elas e tal não poderá deixar de significar que o executado não poderá invocar, para efeitos de oposição à execução da sentença, quaisquer benfeitorias que, não obstante ter a oportunidade de o fazer, não tenha invocado na acção declarativa onde foi proferida a sentença.

Ao preceituar nesses termos, pretendeu o legislador adoptar para este fundamento de oposição, que é específico da execução para entrega de coisa, a regra ou doutrina que já havia estabelecido no art. 814º, nº 1, g), segundo a qual, sempre que a execução seja baseada em sentença, é na acção declarativa que o réu deve invocar os fundamentos de que disponha para se opor à pretensão do autor, sob pena de não os poder invocar em sede de oposição à execução que, com fundamento nessa sentença, venha a ser instaurada.

O disposto no citado art. 814º, nº 1, g) encontra a sua justificação no respeito devido ao caso julgado formado pela sentença e no âmbito do qual se devem considerar abrangidos todos os meios de defesa – designadamente as excepções – que podiam ter sido invocados, ainda que o não tenham sido. Com efeito, tendo em conta o disposto no art. 489º -  segundo o qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado, bem como as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente –, impõe-se concluir que, em relação à pretensão formulada pelo autor e eventualmente considerada procedente na sentença, ficam precludidos, quer na acção, quer fora dela, todos os meios de defesa que o réu tenha invocado ou pudesse ter invocado contra ela[2] e esse efeito preclusivo de alegação dos meios de defesa que podiam e deviam ter sido deduzidos na contestação tem sido integrado, pela doutrina, no caso julgado, por se entender que o caso julgado abrange não só aquilo que foi objecto de controvérsia na acção, mas também os assuntos ou factos que o réu tinha o ónus de trazer à colação[3].

É certo que essa justificação não procederá inteiramente relativamente ao direito de indemnização por benfeitorias que, configurando um direito com existência autónoma, não se extingue pela mera circunstância de não ter sido invocado em determinada acção; tal direito não fica abrangido pelo caso julgado formado pela decisão proferida numa acção onde ele não foi invocado e, portanto, o seu exercício não ficará precludido pelo facto de não ter sido invocado na acção declarativa onde era pedida a entrega da coisa onde foram realizadas tais benfeitorias.

Importa notar, de qualquer forma, que a relevância das benfeitorias, enquanto meio de oposição à execução para entrega de coisa certa, se reconduz, no essencial, ao direito de retenção que, por regra, lhe anda associado (art. 754º do CC), já que é este direito – e não a mera existência de um direito de indemnização por benfeitorias – que tem a virtualidade de obstar à entrega imediata da coisa cuja entrega está a ser pedida na execução. E, nesta medida, justifica-se que, tal como acontece com as demais excepções, o executado não possa invocar esse direito em sede de oposição à execução, quando podia tê-lo invocado na acção declarativa, no sentido de paralisar (pelo menos em termos imediatos) o direito do autor e evitar que fosse proferida sentença que o condenasse, sem consideração de qualquer direito de retenção decorrente da existência de um direito de indemnização por benfeitorias, a entregar de imediato a coisa de que era detentor. E, se não o fez, nessa altura, não será legítimo que venha depois invocar esse direito para obstar à execução da sentença que foi proferida.

Poder-se-á entender – é certo – que, ao admitir a possibilidade de oposição, neste tipo de execução, com fundamentos em benfeitorias, o legislador não terá pretendido limitar-se aos casos em que elas atribuem um direito de retenção, uma vez que não o disse expressamente (embora nos pareça que, inexistindo direito de retenção, tal oposição não será susceptível de impedir a efectiva entrega do imóvel e, como tal, não traduzirá uma verdadeira oposição à execução). Mas, seja como for, o que estaria em causa seria sempre o reconhecimento e a definição de um direito de indemnização por benfeitorias que o legislador entendeu apenas poder lugar em sede de oposição à execução quando o executado não tenha tido a oportunidade de o invocar em prévia acção declarativa, em virtude de os factos em que ele assenta serem supervenientes relativamente ao momento em que aí poderia ser exercido.

Conclui-se, portanto, face ao disposto no art. 929º, nº 1 e nº 3, do CPC, que, quando a execução para entrega de coisa certa se baseie em sentença, o executado apenas poderá deduzir-lhe oposição com fundamento em benfeitorias e no inerente direito de retenção, caso não tenha tido a oportunidade de fazer valer esse direito na acção declarativa; se, na acção declarativa, não fez valer esse direito, apesar de ter tido oportunidade de o fazer, não poderá vir invocá-lo, posteriormente, em sede de oposição à execução, para paralisar os efeitos decorrentes da sentença condenatória que serve de base à execução e obstar à imediata entrega da coisa que foi determinada por tal sentença[4].

 Ora, parece não haver dúvidas que o Executado, ora Apelante, não fez valer, oportunamente (ou seja, na acção declarativa), o seu direito a benfeitorias, porquanto, não invocou aí qualquer direito relativamente a benfeitorias realizadas, não reclamou aí qualquer indemnização a esse título e não invocou o direito de retenção decorrente desse direito. E teve oportunidade de o fazer, já que, como decorre do seu requerimento de oposição, tais benfeitorias já existiam à data e, portanto, já estavam verificados os pressupostos que eram necessários para fazer valer os direitos delas emergentes. Mas, não obstante ter deduzido reconvenção, o Executado limitou-se a pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel, por usucapião ou acessão imobiliária, sem que tenha pedido – e podia tê-lo feito, a título subsidiário – o reconhecimento de qualquer direito emergente de benfeitorias e sem que tivesse sequer invocado tais benfeitorias e o inerente direito de retenção para o efeito de paralisar e impedir (em termos imediatos) a pretensão dos ali Autores (ora Exequentes) que se reconduzia à condenação do Executado a entregar o imóvel em questão.

E, se não fez valer, na acção declarativa, o seu direito por benfeitorias realizadas, também não poderá fazê-lo agora, em sede de oposição à execução, como decorre do disposto no art. 929º, nº 3.  

E, ao contrário do que sustenta o Apelante, essa conclusão não é afectada pela circunstância de ter instaurado, entretanto, uma nova acção com vista ao reconhecimento do seu direito a benfeitorias e do direito de retenção e com vista à condenação dos réus (aqui Exequentes) ao pagamento do respectivo valor.

Com efeito, na interpretação que temos por correcta do citado art. 929º, nº 3, o que releva, para efeitos de inadmissibilidade da oposição à execução com fundamento em benfeitorias, é a circunstância de o executado, não obstante ter a oportunidade de o fazer, não ter feito valer esse direito na acção declarativa em que foi produzido o título executivo (sentença) que serve de base à execução ou em anterior acção que, à data, se encontrasse pendente ou já decidida. Assim, se tinha a oportunidade de fazer valer esse direito nessa acção declarativa – seja pela efectiva reclamação do direito, seja pela invocação de decisão anterior já proferida ou pendência de acção com esse objectivo – e se não o fez, tanto basta para que não possa opor-se à execução com esse fundamento, sendo totalmente irrelevante, para esse efeito, a circunstância de ter instaurado, entretanto, outra acção com o objectivo de fazer valer esse direito.

Sustenta ainda o Apelante que a oposição à execução sempre seria admissível relativamente às benfeitorias que alegou no requerimento inicial sob os arts. 29 a 32 e que foram realizadas na pendência e depois do encerramento da audiência e julgamento da causa, já que o direito delas emergente é superveniente relativamente ao momento em que era oportuno deduzi-lo na acção declarativa.

Sucede que, no que toca a essas benfeitorias (a que aludem os citados arts. 29 a 32 do requerimento de oposição), o Apelante limitou-se a alegar que elas foram realizadas na pendência da acção principal. Não alega, no entanto, qual o exacto momento ou data em que elas foram realizadas e sem esse elemento não será possível afirmar que o Apelante não podia ter feito valer, na acção declarativa, o direito emergente dessas benfeitorias em virtude de estas terem sido realizadas em momento posterior àquele em que o direito poderia ali ser exercido. Importa notar que a instância se inicia com a recepção da petição inicial na secretaria (art. 267º do CPC) e, portanto, a afirmação de que as benfeitorias foram realizadas na pendência da acção não legitima, sem mais, a afirmação que elas foram realizadas depois da citação do réu e depois de decorrido o prazo para contestar e para deduzir reconvenção. Para que fosse possível tal conclusão, era necessário que o Executado/Apelante tivesse alegado a data em que tais benfeitorias foram realizadas, porquanto só na posse desse elemento estaríamos habilitados a concluir se o direito delas emergente podia ou não ter sido invocado, em tempo oportuno, na acção declarativa.

Improcede, portanto, o recurso e confirma-se a decisão recorrida.


******

SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

Face ao disposto no art. 929º, nº 1 e nº 3, do CPC, na sua anterior redacção – a que corresponde, com idêntica redacção, o actual art. 860º, nº 3, do CPC –, quando a execução para entrega de coisa certa se baseie em sentença, o executado apenas poderá deduzir-lhe oposição com fundamento em benfeitorias e no inerente direito de retenção, caso não tenha tido a oportunidade de fazer valer esse direito na acção declarativa; se, na acção declarativa, não fez valer esse direito, apesar de ter tido oportunidade de o fazer, não poderá vir invocá-lo, posteriormente, em sede de oposição à execução, para paralisar os efeitos decorrentes da sentença condenatória que serve de base à execução e para obstar à imediata entrega da coisa que foi determinada por tal sentença, sendo irrelevante, para esse efeito, a circunstância de o executado ter instaurado, posteriormente, uma nova acção com vista ao reconhecimento daqueles direitos e com vista à condenação dos exequentes ao pagamento de indemnização pelas benfeitorias realizadas.


/////

IV.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro

                    


[1] Ainda que, no que toca a esta matéria, o regime actual seja, no essencial, coincidente com o anterior.

[2] cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 713, nota 2.

[3] cfr. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, págs. 178 a 186 e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 324.
[4] Vejam-se, a propósito, o Acórdão do STJ de 19/10/99, processo nº 99A673 os Acórdãos da Relação do Porto de 19/11/2009, 03/12/1997 e 02/07/1997, proferidos nos processos nº 144-B/2001.P1, 9820585 e 9830348, respectivamente; o Acórdão da Relação de Évora de 17/03/2011, proc. nº 449/06.5TBEVR-B.E1 e Acórdão da Relação de Guimarães de 23/10/2014, processo nº 917/13.2TBGMR-A.C1.