Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
27/10.4EASTR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
MODALIDADE AFIM
Data do Acordão: 03/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: DL. 422/89, DE 2-12
Sumário: I - À luz da doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2010, não são consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar as máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas, ainda que conferindo prémios monetários de pequena monta e de natureza pré-definida.

II - Constitui critério diferenciador, fundamental, das modalidades afins, a predeterminação do prémio e a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, pelo pequeno valor da aposta e pela certeza, pré-definida, dos prémios - objectos ou bens certos e determinados, característicos da rifas, tômbolas ou concursos.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO
Após audiência pública de discussão e julgamento, foi proferida sentença na qual foi decidido:
- Condenar A... pela prática, em autoria material, de um crime de crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 1º, 3º e 4º, nº 1, alínea g) do Decreto-Lei 422/89, de 02.12, na pena de 3 (três) meses de prisão e 30 (trinta) dias de multa;
- Condenar C..., pela prática, em autoria material, de um crime de crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 1º, 3º e 4º, nº 1, alínea g) do Decreto-Lei 422/89, de 02.12, na pena de 3 (três) meses de prisão e 30 (trinta) dias de multa;
- Substituir, nos termos do disposto no artigo 43º Código Penal, as penas de prisão referidas em a) e b) por igual período de multa, a saber, 90 (noventa) dias.

- Condenar os arguidos A... e C... , nos termos do disposto no 6º, nº 1 do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, na pena única, resultante da soma das penas aplicadas, de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €5,5 (cinco euros e cinquenta cêntimos), total de 660 € (seiscentos e sessenta euros), convertível, em caso de incumprimento e nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1 Código Penal conjugado com o artigo 6º, nº 2 do DL 48/95, em 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária.
- Condenar B... , pela prática, em autoria material, de um crime de crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 1º, 3º e 4º, nº 1, alínea g) do Decreto-Lei 422/89, de 02.12, na pena de 2 (dois) meses de prisão e 20 (vinte) dias de multa;

- Substituir, nos termos do disposto no artigo 43º Código Penal, a pena de prisão referida na alínea anterior por igual período de multa, a saber, 60 (sessenta) dias.

- Condenar o arguido B... , nos termos do disposto no 6º, nº 1 do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, na pena única, resultante da soma das penas aplicadas, de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,5 (cinco euros e cinquenta cêntimos), total de 440€ (quatrocentos e quarenta euros), convertível, em caso de incumprimento e nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1 Código Penal conjugado com o artigo 6º, nº 2 do DL 48/95, em 53 (cinquenta e três) dias de prisão subsidiária.

- Declarar perdidas a favor do Fundo de Turismo as quantias apreendidas nos autos (117º do DL 422/89, de 02.12)

- Declarar perdidas a favor do Estado as máquinas apreendidas nos autos (artigos 109º Código Penal e 116º do DL 422/89, de 02.12)

*

Inconformados com a sentença dela recorrem os arguidos A... e C... .

Na motivação do recurso formulam as seguintes CONCLUSÕES:

a) A douta sentença recorrida omite a explicação para ter dado como provado a exploração pessoal por parte do recorrente A... do estabelecimento " x... ", nem faz uma apreciação das circunstancias de tempo, modo e lugar em que ocorre essa dita exploração e em consequência dos equipamentos apreendidos à ordem destes autos. A douta sentença recorrida omite as circunstâncias e os factos que conduzem à verificação do elemento objectivo do tipo do crime pelo qual vem o recorrente A... , condenado.

b) O recorrente A... figura como gerente de direito do estabelecimento, mas este facto por si só não permite determinar com segurança que é o recorrente quem no dia à dia se encontra nele e efectivamente, e de facto explora o estabelecimento e os equipamentos, retirando, deles, lucro, que leva para casa ou faz seu.

c) A sentença recorrida violou o art. 127º do CPP, o art. 108º, nºs 1 e 2 do DL 422/89 e bem assim o art. 374° do CPP.

d) A sentença recorrida utiliza a perícia para qualificar os jogos tipo "haloween"e "poker" que alegadamente estarão inseridos no computador denominado "playcenter" (este tinha ligação à internet) como de fortuna ou azar e em simultâneo utiliza as regras da experiencia como para imputar aos recorrentes, o conhecimento desses mesmos jogos, sendo que tal utilização, destes meios de prova é em si contraditória e violadora dos princípios do in dúbio pró reo, da presunção de inocência, já que a intervenção de um perito nos autos faz inculcar a ideia de que existe a necessidade de especiais conhecimentos técnicos para aferir de algo, o que é incompatível, depois, com a aplicação das normais regras da vida em comunidade para se considerar, precisamente, esse mesmo conhecimento e que aqui seria, dos próprios recorrentes. A sentença recorrida violou os art.1° 1, 3°, 4° al. f) e 108°, nº 1 do DL 422/89; 127º do CPP e art. 374° do CPP.

e) A sentença recorrida é nula porque utiliza a perícia para qualificar o jogo e a máquina denominada por "Colorama" como proibida e ao mesmo tempo usa as regras de experiência comum para imputar esse mesmo conhecimento específico aos recorrentes, considerando demonstrado o preenchimento do elemento subjectivo do tipo do crime.

f) A sentença recorrida erra quanto à qualificação do jogo "Colorama" já que qualifica tal jogo corno de fortuna ou azar, quando na realidade tal jogo deve ser qualificado como modalidade afim de fortuna ou azar.

g) Falece assim a verificação do elemento subjectivo, e tal resulta por ausência absoluta de prova, que, salvo o devido respeito e melhor opinião, as regras de experiência comum não permitem fechar ou dar o salto da falta de prova no que toca ao alegado conhecimento que os recorrentes teriam do alegado carácter ilícito-criminal do aparelho, da máquina e do jogo aprendido a ordem destes autos denominado por "Colorama". 

h) Os recorrentes concluem que a sentença recorrida violou as normas constantes dos artigos 374°, nº 2 do C. P. P.; 1º, 3°, 4°, nº1, al.s f) e g) e 108° do D. L. 422/89 na redacção do D. L. 10/95; igualmente violou o art. 127° do C. P. P., porque utilizou as regras de experiência comum numa situação em que se encontrava vedada essa possibilidade, ou seja, através de tais regras é imputada aos recorrentes a verificação do elemento subjectivo, cujos conhecimentos para essa imputação são nulos e inexistentes e esse conhecimento do tema do jogo em causa - "Colorama" - não resulta de quaisquer regras de experiência comum e tanto assim é que o julgador socorreu-se da perícia existentes nos autos para qualificar o jogo inserto no aparelho apreendido à ordem destes autos.

i) O aparelho – “Colorama” - aprendido nestes autos não permite a exploração de um jogo de fortuna ou azar, mas tão só de um jogo afim de fortuna ou azar, cuja punição se encontra prevista nos artigos 159° e seguintes do DL 422/89 e não no art. 108º, nº 1 do DL 422/89 por referência aos artigos 1º, 3º e 4º al. f) ou g) do mesmo diploma, assim errando a douta sentença recorrida quanto á subsunção do Direito aos factos e à qualificação / classificação do jogo inserido no aparelho apreendido à ordem destes autos.

j) Foram igualmente violados os princípios da presunção de inocência do recorrente e o in dúbio pro reo.

k) A pena aplicada aos recorrentes mostra-se desconforme com os arts. 70º e 71º ambos do CP, pois não deveria ter sido fixada em quantidade superior a 2 meses de prisão e mais 30 dias de multa, porque nos mínimos legais da pena abstractamente prevista, atenta a ausência de antecedentes criminais dos recorrentes e as fracas razões de prevenção especial, atenta a vida conforme com o Direito e a justiça levada a cabo pelos recorrentes.

A entender-se que deve ser mantida a condenação dos recorrentes, o que não se concebe - ver pontos II e III das presentes motivações - deve a pena ser reduzida, porque aplicada em maior grau do que a culpa dos recorrentes, redução esta que se preconiza como justa na aplicação de uma pena de multa próxima dos limites mínimos, mais concretamente em 2 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa e mais 30 dias de multa, tudo à taxa diária de 5€, assim se cumprindo os art. s 40°, 70° e 71º todos do CP.

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Respondeu o digno magistrado do MºPº, alegando, em síntese conclusiva:

1) Não obstante considerarmos válidos os argumentos de direito utilizados na Douta Sentença e termos noção da discussão Jurisprudencial existente, entendemos que a máquina "Colorama" apenas permitia uma exploração de modalidade afim de jogo, sendo punida como ilícito contra-ordenacional, p. e p. pelo artigo 159° do Decreto-Lei nº 422/89, de 02 de Dezembro, assistindo razão aos recorrentes nesta parte.

2) No mais, a Douta Sentença não violou qualquer dos normativos legais indicados pelos recorrentes, nem houve qualquer violação dos princípios da presunção da inocência e in dúbio pro reo.

3) A Douta Sentença analisou de forma cuidadosa e correta os elementos documentais existentes nos autos, as relações familiares existentes entre os recorrentes, tudo conjugado com as regras de normalidade e de experiência, pelo que nenhum reparo merece na parte em que deu como provado a exploração pessoal do estabelecimento por parte do arguido A... no período dos factos.

4) O raciocínio lógico-dedutivo usado pelo Tribunal para dar como provado o elemento subjectivo do tipo de crime, a consciência da ilicitude e a voluntariedade da conduta não merece reparo, não havendo qualquer contradição entre o uso de prova pericial para análise dos elementos objectivos da conduta e a utilização das regras de experiência comum para aferir dos elementos subjectivos do tipo de crime. Aliás, o Tribunal baseou a convicção noutros elementos que não apenas esse, como o modo de funcionamento dos aparelhos e a intervenção obrigatória dos arguidos no "ocultar" do tipo de jogo mediante o uso de códigos e de pen para permitir o acesso dos clientes ao jogo que sem essa actuação se mostrava "oculto".

7) As penas aplicadas aos arguidos mostram-se conformes com o regime previsto nos artigos 70º e 71º do C.P, apenas devendo ocorrer alteração da medida das mesmas caso o Tribunal ad quem sufrague a corrente indicada no ponto 1).

6) Pelo exposto, com ressalva do defendido no ponto 1), o recurso interposto pelos arguidos não merece provimento, devendo manter-se a Douta Sentença recorrida.

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Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual secunda o entendimento sufragado na resposta apresentada em 1ª instância.

Corridos vistos, cumpre decidir.

***

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Vistas as conclusões, constituem objecto do recurso as seguintes questões:

- nulidade da sentença [conclusões a) a e)] - errada qualificação jurídica do jogo “colorama”, considerando que não constitui jogo de fortuna ou azar mas mera “modalidade afim” do jogo [conclusões f), g) e i)];

- violação do princípio in dubio pro reo e das regaras da experiência comum no que toca à imputação do elemento subjectivo relativamente ao conhecimento, pelos recorrentes, relativamente ao jogo “colorama” em questão [conclusões h) e j)];

- medida das penas aplicadas [conclusão k)].

As questões suscitadas serão apreciadas pela ordem de precedência lógica indicada nos artigos 368º/369º do CPP, por remissão do art. 424º, n.º2 do mesmo diploma.

Para proceder à apreciação importa ter presente a decisão da matéria de facto.

2. A decisão da matéria de facto com a apreciação da prova que a fundamenta é a seguinte:

 

A) Factos provados
1.

            A arguida C... e o arguido A... são empresários em nome individual e exploram o estabelecimento comercial denominado “Snack-Bar x... ”, sito na Rua x... , ... Nazaré.
2.

            No dia 17 de Fevereiro de 2010, pelas 14h10m, no interior do referido estabelecimento comercial, em cima do balcão e acessível a qualquer cliente, para quem se destinava o seu uso, encontrava-se uma máquina do tipo roleta electrónica, ligada à corrente eléctrica, que permitia fazer apostas em numerário de 0,50€ (cinquenta cêntimos), 1,00€ (um euro) e 2,00€ (dois euros), permitindo ganhar prémios em numerário até 200,00€ (duzentos euros).
3.

            No interior da máquina foram encontrados 14,00€ (catorze euros).
4.

            Na saída contígua ao balcão, encontrava-se outra máquina, acessível a qualquer cliente, para quem se destinava o seu uso, da marca “Play Center”, que é uma máquina de jogos, mas que através de teclado alfa-numérico, onde através da inserção do código “7DF8FF2B”, activava um jogo de “Poker” ou um jogo de “Halloween”, em tudo semelhante às “slot machines” encontradas nos casinos.
5.

            No interior desta máquina foi encontrada a quantia de 29,00€ (vinte e nove euros).
6.

            Exteriormente, a primeira máquina, descrita supra, constitui uma máquina do tipo roleta electrónica, com móvel portátil, estrutura em aglomerado, com a designação “Colorama”, sem qualquer referência exterior quanto à origem ou fabricante.
7.

            Na parede lateral direito da máquina encontra-se um dispositivo para introdução e eventual rejeição de moedas de 0,50€, 1,00€ e 2,00€.
8.

            Na parte traseira, sobre uma porta de acesso ao mecanismo electrónico da máquina, visualiza-se um interruptor on/off que permite ligar/desligar e uma tomada de alimentação à corrente eléctrica.
9.

            Na base da parede lateral esquerda localiza-se o cofre, acima do qual se encontram dois parafusos metálicos cujo contacto com uma moeda ou qualquer outro material condutor, permite fazer “reset”, isto é, desmarcar os créditos obtidos no decurso das jogadas.
10.

            No canto inferior direito da parte frontal está instalado um pequeno botão que permite atribuir bónus ao jogador, dando-lhe a possibilidade de efectuar duas jogadas, por conta dos pontos ganhos, arriscando apenas um desses créditos.
11.

            Ao centro do painel frontal, visualiza-se um círculo com um número indeterminado de pequenas lâmpadas/leds que se vão iluminando, estando oito deles destacados dos restantes com uma pequena circunferência e identificados com os seguintes números: 1, 50, 2, 100, 5, 20, 200, 10.
12.

            No interior do círculo encontra-se uma janela digital/”display” onde surge a pontuação obtida e acumulada no decurso das jogadas permitidas e, à direita desta, entre os números 10 e 1, uma outra janela regista os créditos introduzidos.
13.

            Após a introdução de uma moeda, automaticamente, os “leds” que formam o círculo iluminam-se sequencialmente, executando um movimento giratório.
14.

            Esse movimento termina no momento em que apenas um deles permanece aceso.
15.

            Neste ponto, uma de duas situações pode ocorrer: o led que permanece iluminado corresponde a um dos oito identificados números e neste caso, o jogador terá direito aos créditos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200 (1,00€e 200,00€); estes pontos são registados, bem como os créditos acumulados ganhos nas várias jogadas premiadas, no display/mostrador central, os quais, após pagos, são eliminados através dos dois parafusos metálicos instalados para o efeito ou o led em que se fixa a luz não se encontra destacado dos restantes, nem identificado com número nenhum, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio.
16.

            Em ambas as situações as jogadas sucedem-se, automaticamente, até se esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas.
17.

            No final, se houver pontos acumulados, o jogador poderá solicitar ao explorador a quantia monetária que lhe corresponde, ou poderá premir o botão que lhe concede um bónus de duas jogadas por cada crédito ganho.
18.

            Do exposto, resulta que o jogador aposta uma determina quantia monetária com o objectivo de obter um prémio, pecuniário ou em espécie, superior ao montante apostado, sendo as pontuações obtidas posteriormente convertidas, em regra, à razão de 1,00€ por cada ponto.
19.

            A intervenção do jogador limita-se à introdução de moedas no respectivo mecanismo e, eventualmente, a premir o botão que lhe permite utilizar os pontos acumulados, não podendo, por sua intervenção, condicionar o resultado final.
20.

            A segunda máquina referida é uma máquina electrónica, com a designação “Playcenter Evolution III”, tipo vídeo, com ecrã táctil “touch screen”, multijogos.
21.

            A máquina tem uma estrutura pesada, de metal, estando implantada num móvel de grandes dimensões.
22.

            Possui, na parte superior frontal, sob a designação “Playcenter”, um orifício para a câmara instalada no interior, abaixo do qual se situa um ecrã vídeo, com funcionamento táctil, em que o jogador, através de toques de dedo no mesmo, efectua as suas marcações, sem recurso a botões.
23.

            No canto superior direito, localiza-se o dispositivo para a introdução e eventual devolução de moedas.
24.

            Através da porta localizada na parte frontal inferior, acede-se ao mecanismo electrónico da máquina, onde se encontra o computador responsável pela execução das instruções e pelo controlo do sistema, bem como o disco rígido que funciona como suporte dos jogos que a mesma desenvolve.
25.

            Na parte posterior do corpo da máquina, na base, situa-se o cofre.
26.

            Na máquina estava instalado o ficheiro “comunity.exe”, na directoria “Play.Center/Comunity”, cujo conteúdo não contém os habituais logotipos de jogos de videopóquer, um deles designado “JOKER WILD” e um jogo de vídeo-rolo (próprio das “Slot Machines”), denominado “Halloween”, mas contém outros elementos associados ao vídeo-póquer, nomeadamente, a tabela de prémios onde constam as sequências/combinações premiadas, que consta de fls. 243.
27.

            O significado dos elementos encontrados é o seguinte:

            Termos alusivos ao jogo póquer:

            BET – Regista o número de créditos/pontos que cada jogador pretende arriscar em cada jogada;

            DRAW CARDS – Pedir cartas;

            WINNER TO – Regista os créditos/pontos ganhos numa jogada, ou seja, quando surge uma combinação premiada;

            DOUBLE – Permite ao jogador optar pela opção da dobra;

            HOLD CARDS – Permite que o jogador fixe uma ou mais cartas de forma a que, conjuntamente com as restantes, que irão ser substituídas, obtenha uma combinação premiada.
28.

            A tabela das combinações premiadas do jogo póquer é:

            PAIR – Duas cartas iguais;

            2 PAIR – Dois pares de cartas iguais;

            3 OF A KIND – Três cartas iguais;

            STRAIGHT – Sequência de naipes diferentes;

            FLUSH – Cinco cartas variadas do mesmo naipe;

            FULL HOUSE – Três cartas iguais mais duas;

            4 OF A KIND – Quatro cartas iguais;

            5 OF A KIND – Cinco cartas iguais;

            STRAIGHT FLUSH – Sequência de cor (cinco cartas do mesmo naipe);

            ROYAL FLUSH – Sequência real ou grande (ás, rei, dama, valete, dez)
29.

            No vídeo-póquer, decidido o número de apostas que o jogador pretende efectuar em cada jogada (BET), surgem de imediato, em simultâneo, de forma aleatória e dispostas em linha, na base do ecrã, cinco cartas de entre 52 que compõem um baralho, inclusive o JOKER, que substitui qualquer carta numa sequência premiada.  
30.

            O jogador poderá optar por fixar cartas na expectativa de que aquelas que não fixou sejam substituídas por outras que, conjuntamente com as primeiras, venham a constituir uma das sequências premiadas, visualizadas no próprio ecrã, no decurso do jogo.
31.

            A fixação das cartas é feita tocando/pressionando na carta escolhida, aparecendo de imediato essa informação através do surgimento das palavras “HOLD”, “STOP” ou “HOLD CARDS”. Se o jogador decidir alterar a sua escolha, a máquina permite fazê-lo.
32.

            Quando surgem, logo à partida, duas ou mais cartas com o mesmo número, mas de cores diferentes, ou qualquer outra combinação susceptível de atribuir prémio, é a própria máquina que fixa tais combinações.
33.

            O jogador tanto pode apostar na sequência de cinco cartas do mesmo naipe, como na escolha de três cartas do mesmo valor, mas de naipes diferentes, ou em qualquer outra combinação admitida no jogo de póquer.
34.

            Então duas situações podem ocorrer: a combinação que saiu não é premiada e, neste caso, a jogada termina; ou a combinação que saiu é premiada, sendo que, sempre que tal acontece o jogador poderá optar por somar/”creditar” os pontos ganhos aos que já detém, ou poderá tentar dobrar esses mesmos créditos.
35.

            A dobra dos créditos é a etapa final que o jogo proporciona, apresentando ao jogador uma carta virada de costas, para que este possa escolher entre uma carta alta (“High”) ou uma carta baixa (“Low”)
36.

            Se o jogador escolher uma delas e sair a oposta (se escolher uma carta alta e sair uma carta baixa), perde todos os créditos que tinha ganho na jogada.
37.

            Contrariamente, se acertar na escolha, os créditos são dobrados até decidir somá-los, ou perder, terminando assim a jogada.
38.

            O objectivo dos jogos, tal como no vídeo-póquer, é o de conseguir combinações premiadas.
39.

            O lançamento das cartas, a substituição das não “fixadas”, bem como o sorteio da carta para a dobra, são processos totalmente aleatórios executados pela placa do jogo.
40.

            Quanto ao jogo de vídeo-rolos denominada “Halloween”, no ecrã aparecem quinze quadrados (5x3) – cinco colunas e três linhas com imagens diversas. Nas partes laterais, dispostos em coluna, encontram-se números compreendidos entre 1 e 20, que correspondem às várias apostas que o jogador poderá efectuar em cada jogada.
41.

            No topo do ecrã visualizam-se os vocábulos:

            Crédito – indica os pontos das moedas ou notas introduzidas;

            Prémio – indica os créditos/pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas;

            Aposta – regista o número de apostas (créditos/pontos) que o jogador decide arriscar em cada jogada;
42.

            Decidido o número de créditos que se pretendem apostar numa jogada, e accionado o ícone “INICIAR”, os “rolos” que se encontram ao centro do ecrã começam a deslizar, tal como as “Slot Machines” em exploração nos casinos, até ao ponto em que, automaticamente, se imobilizam, ficando em cada um dos quadrados um símbolo.
43.

            Se a combinação aleatória desses símbolos constar do Plano de Prémios, o jogador ganha, perdendo caso contrário.
44.

            Se o jogador tiver uma combinação premiada, os pontos ganhos são de imediato incrementados na janela com a combinação “Prémio”.
45.

            O objectivo do jogo consiste em conseguir obter combinações com direito a prémio, arriscando dinheiro convertido em créditos.
46.

            O jogador está impossibilitado de influenciar o desfecho da jogada.
47.

            O arguido B... é empresário em nome individual e explora o estabelecimento comercial denominado “Bar y... ”, sito na Rua ... , Nazaré.
48.

             No dia 17 de Fevereiro de 2010, pelas 16h00, no interior do referido estabelecimento comercial e acessível a qualquer cliente, para quem se destinava o seu uso, encontrava-se uma máquina, colocada dentro de uma espécie de quiosque, ligada, estando K... a jogar um jogo denominado “Pantanal”.
49.

            Esta máquina era composta por CPU, um monitor, um teclado, um rato e um cabo USB, estando apetrechada com moedeiro e uma entrada para notas, que através da inserção de uma “PEN” no cabo USB, activa vários jogos, tais como o “Bingo”, “Poker” e o jogo “Pantanal” que é uma vulgar “Slot Machine” em tudo idêntica às encontradas nos casinos.
50.

            Tal máquina é uma máquina de grandes dimensões, sem designação, constituída por monitor, teclado, rato, colunas e CPU, integrados numa estrutura de madeira de cor preta.
51.

            O sistema de funcionamento é do tipo do vídeo.
52.

            De tal máquina foi possível extraírem-se ficheiros gráficos que são utilizados como recursos para o desenvolvimento dos jogos, e que nessa medida compõem graficamente os cenários de três jogos de “slot machine”, um de poker e um de bingo.
53.

            As imagens extraídas correspondem aos jogos com as seguintes designações: “Nitroball”, “Extra Poker”, “Halloween 3”, “Pantanal”, “Pantanal 3” e “Bang Bang”.
54.

            O jogo com a designação “Nitroball” é um jogo de bingo desenvolvido em máquina de jogo.
55.

            O jogador pode utilizar de 1 a 4 cartões para jogar e escolhê-los através da tecla referenciada para o efeito.
56.

            O objectivo do jogo é tentar obter uma das combinações premiadas de acordo com os cartões referenciados no canto superior direito do ecrã e cujas combinações estão demarcadas a azul, sendo a pontuação variável de 1 a 1500 pontos.
57.

            Após a introdução dos créditos é dado início ao jogo, saindo aleatoriamente 30 esferas numeradas.
58.

            Consoante os números que vão saindo, é marcado o cartão nos números que têm correspondência.
59.

            A intervenção do jogador fica restringida à verificação dos números que vão saindo e respectiva numeração.
60.

            No que respeita ao jogo de Poker, o objectivo do jogo de vídeo é o de conseguir combinações premiadas, tais como: sequência real, sequência numérica, sequência de cor, fullen, trios, pares, tudo dependendo da sorte, independentemente da perícia do jogador.
61.

            O jogo de vídeo-póquer inicia-se com a marcação de créditos que se pretende apostar na jogada.
62.

            Após o registo da aposta o jogador dá início ao jogo, e surge em simultâneo, de forma aleatória e dispostas em linha no ecrã, cinco cartas de face voltada.
63.

            Cada uma destas cartas pertence a um baralho, podendo por conseguinte aparecer qualquer uma das 52 cartas e 5 jokers.
64.

            O jogador pode, nesta fase do jogo e se assim o pretender, fixar alguma das cartas de modo a tentar obter uma sequência premiada.
65.

            De seguida dá-se prosseguimento à jogada, aparecendo novas cartas em detrimento daquelas que não foram fixadas.
66.

            O utilizador pode apostar em diversas sequências, designadamente na sequência de 5 figuras da mesma cor, como na escolha de 3 (trio) ou 4 (poker), figuras com o mesmo número mas de cores diferentes, ou em outra combinação admitida neste tipo de jogo.
67.

            Quando tem uma combinação premiada, o jogador pode optar por fazer a colecta dos pontos – “creditar” (ficando registados os pontos ganhos no visor identificado por “ganho”) – ou “dobrar” os pontos obtidos.
68.

            Caso o jogador opte por “dobrar”, aparece no ecrã apenas uma carta com a face voltada e deverá selecionar se pretende apostar no vermelho (qualquer carta de naipe vermelho) ou preto (qualquer carta de naipe preto).
69.

            Se apostar em preto e a carta for de naipe preto, é-lhe dada a possibilidade de dobrar novamente ou creditar os pontos obtidos, caso seja uma carta de naipe vermelho, então perde os créditos obtidos.
70.

            O processo é igual se jogar no vermelho.
71.

            No que respeita aos jogos de “Slot Machine” – “Halloween III”, “Pantanal”, “Pantanal III” e “Bang Bang”, são jogos de “slot machine” – rolos.
72.

            O que os distingue é a apresentação gráfica ao nível dos símbolos utilizados na apresentação do jogo, símbolos associados ou relacionados com a designação do jogo.
73.

            No que diz respeito ao desenvolvimento dos jogos, é igual em todos eles, isto é, o objectivo do jogo é obter uma combinação de símbolos premiada.
74.

            Após a introdução de créditos, o jogador decide o número de créditos a apostar por jogada através do teclado, e dá início ao jogo.
75.

            De imediato, começam a girar no sentido vertical as cinco colunas, sendo que cada uma tem três símbolos, e a jogada só acaba quando o movimento giratório termina, sendo assinalado pela máquina a existência ou não de uma das combinações premiadas, à semelhança do que acontece nas máquinas de exploração nas salas de jogo autorizadas – casinos.
76.

            Em todos estes jogos é possível visualizar no topo do ecrã o número/valor de créditos introduzidos (“créditos”), o número/valor de prémios obtidos (“prémio”) e o n.º/valor de créditos apostados por jogada (“aposta”).
77.

            Em qualquer dos jogos acima descritos a perícia do jogador não é determinante para a obtenção do resultado final.
78.

            Os estabelecimentos supra indicados encontram-se abertos ao público e as máquinas de jogo eram acessíveis a qualquer cliente que as pretendesse utilizar.
79.

            Não tinham os arguidos qualquer autorização da Inspecção-Geral de Jogos para explorar as máquinas de jogo acima descritas.
80.

            Agiram os arguidos de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que não podiam explorar máquinas de jogo de fortuna e azar no seu estabelecimento comercial, e que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Quanto aos antecedentes criminais:
81.

            Os arguidos A... e C... não têm quaisquer antecedentes criminais.
82.

            Por sentença de 31/05/2013, transitada em julgado a 01/07/2013, proferida no Proc. n.º 93/13.0GANZR, o arguido B... foi condenado pela prática, a 12/05/2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 75 dias de multa e pena acessória de 4 meses de proibição de conduzir.

Quanto às condições sócio-económicas dos arguidos:
83.

            Nada se logrou apurar quanto às condições sócio-económicas dos arguidos.

            B) Factos não provados

            Inexistem factos por provar com relevância para a boa decisão da causa.

            Ao demais não se responde por se considerar irrelevante, conclusivo ou matéria de Direito.

            C) Motivação

            Em obediência ao disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, importa indicar as provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal.

            O Tribunal serviu-se da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conjugada com a demais prova já junta aos autos, designadamente relatórios periciais de fls. 240 a 254 e 576 a 580, certificados do registo criminal de fls. 746, 750, 761 e 762, autos de notícia e apreensão de fls. 108 a 109 e 427 a 428, fotografias de fls. 111 a 113 e 429 a 433, documentos de fls. 110, 277 e 278, 283, 285 e 286 e 288 a 289.

            Em audiência de discussão e julgamento, os arguidos recusaram-se a prestar declarações.

            Os depoimentos dos inspectores da ASAE ouvidos em audiência de julgamento foram reputados de extremamente credíveis pelo Tribunal, porquanto coerentes, coincidentes entre si e reveladores de uma profunda experiência e conhecimento na matéria.

            Concretizando.

            As circunstâncias de tempo e modo em que ocorreram as acções de fiscalização, no decurso das quais vieram a ser apreendidas as máquinas aqui em causa, bem como os montantes que se encontravam no seu interior, estão provados pelo confronto dos autos de notícia e apreensão com os depoimentos testemunhais prestados em audiência de discussão e julgamento, excepção feita ao depoimento da testemunha F..., cuja intervenção foi restrita à elaboração de expediente processual.

            Quanto à intervenção dos arguidos na prática dos factos, dá-se como provado que os arguidos A... e C... eram empresários em nome individual, explorando o estabelecimento comercial “ x... ” pelo teor dos documentos juntos em sede de inquérito, de fls. 277 e 278, 283, 285 e 286 e 288 a 289, bem como dos depoimentos dos inspectores da ASAE em audiência de julgamento.

            Relativamente ao arguido A... , o que se constata da análise daqueles documentos é que o arguido celebrou, em seu nome, o contrato de arrendamento do imóvel onde estava instalado o “ x... ” e cumpriu formalidades relativas a este estabelecimento junto da Câmara Municipal da Nazaré, mais concretamente requerendo a instalação do contador aos Serviços Municipalizados e entregando a “Declaração de Instalação, Modificação e de Encerramento dos Estabelecimentos de Restauração ou de Bebidas” junta a fls. 288.

            Tudo isto num período temporal que vai desde 29/09/2009 (data do contrato de arrendamento) a 27/05/2011 (data em que entregou a declaração supra referida), ou seja, englobando a data dos factos aqui em apreço.

            A única explicação plausível, segundo as regras da experiência, para que o arguido A... assuma obrigações e cumpra formalidades legais em nome próprio, é a existência de um interesse directo na actividade do estabelecimento, ou seja, a exploração do mesmo.

            A esta conclusão também não foi alheio o facto de o arguido A... ser irmão da arguida C... , existindo assim uma relação familiar e de proximidade que nos leva a enveredar no sentido da existência de uma exploração conjunta do estabelecimento.

            Esta última assumiu-se prontamente perante os inspectores como sendo a proprietária do x... , revelando para além do mais conhecimento do negócio e do estabelecimento, já que foi ela quem facultou o código da máquina “Play center” - fls. 110.

            Nesta matéria, as declarações prestadas pelos inspectores são atendíveis pelo Tribunal. Com efeito, o direito do arguido ao silêncio, como salvaguarda do direito de se não auto-incriminar, pressupõe a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da constituição de alguém como arguido, essa pessoa assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais o de não se auto-incriminar. A partir desse momento, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas mantidas com membros de qualquer órgão de polícia criminal.

            Contudo, como sucedeu in casu, tudo é diferente quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que uma autoridade polícia acaba de ter notícia. Nesses casos, nos termos do disposto no artigo 249º do Código Processo Penal incumbe às autoridades praticar os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova entre os quais colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime. Estas diligências cautelares são, pois, fundamentais para investigar a infracção, para o sucesso da investigação. Nessa fase não há, ainda, inquérito instaurado nem arguidos constituídos, estamos na fase de pura recolha de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito, ainda que provenham de eventual suspeito, mas não são declarações em sentido técnico jurídico do termo, precisamente porque ainda não há inquérito[1].

            No atinente ao arguido B... , ainda que tenha havido alguma confusão da parte da testemunh aD... em audiência de julgamento, que apontou para o arguido A... quando instada a apontar para a pessoa que se identificou como proprietário do “ y... ” (o que, decorridos mais de 4 anos desde a data dos factos até não é de todo anormal), não sobressaem dúvidas quanto ao facto de ser B... quem explorava este estabelecimento.

            A testemunha E... recordava-se de ter sido identificado, à data dos factos, alguém que se assumiu como proprietário e D... também referiu que se recorda de alguém de nome “ B... ” ter invocado tal qualidade. Por este motivo, nada nos faz duvidar de que se trata do arguido B... , identificado logo no auto de notícia e apreensão de fls. 427 e 428.

            Quanto a estas declarações, são aqui aplicáveis, mutatis mutandis, as considerações tecidas a respeito da arguida C... .

             Os factos relacionados com os jogos que eram disponibilizados pelas máquinas apreendidas e o seu modo de funcionamento resultam provados pelo teor dos relatórios periciais e confirmados, de forma menos aprofundada, pelos depoimentos dos inspectores da ASAE em audiência de julgamento.

            Esclareceram ainda os Srs. Inspectores que os créditos ganhos neste tipo de jogos são posteriormente convertidos em dinheiro, por intermédio da pessoa que explora o estabelecimento.

            Nesta sede, ainda que as máquinas não estivessem a funcionar quando se procedeu a exame pericial, todas elas estavam funcionais, ligadas à corrente e disponíveis para quem as quisesse utilizar, quando os inspectores se deslocaram aos locais.

            A máquina apreendida no “Bar y... ” estava inclusivamente a ser utilizada por um cliente no momento em que se procedeu à acção inspectiva.

            Relativamente à máquina “Play center” apreendida no x... ”, foram levantadas dúvidas em sede de audiência quanto à questão de saber se a mesma estaria apta a desenvolver os jogos em causa ou se as imagens recolhidas configurariam uma mera “demonstração”.

            Os inspectores não souberam esclarecer se colocaram ou não o jogo em funcionamento, e mesmo se as fotos de fls. 113 se referem a uma situação de jogo; porém, a verdade é que os mesmos asseveraram, sem qualquer dúvida, que os jogos referidos no ponto 4. da factualidade provada se encontravam prontos a ser desenvolvidos, aquando do acto inspectivo.

            Inclusivamente, no exame pericial àquela máquina, apurou-se que a mesma continha elementos associados ao vídeo-póquer, nomeadamente palavras associadas ao jogo do póquer e uma tabela de combinações premiadas.

            Também o facto de a exibição daqueles jogos se encontrar rodeada de cautelas, sendo necessária a inserção de toques combinados e de um código para que surgissem no ecrã, é também indiciador de que os mesmos se encontravam instalados e prontos a funcionar, não se tratando de uma mera “demonstração”, a qual não teria, como é óbvio, de ser ocultada.

            Foi ainda possível retirar, novamente por apelo a regras de experiência e normalidade, da divulgação pública deste tipo de temática, que os arguidos sabiam que tal jogo só pode ser desenvolvido em zonas de jogo, o que manifestamente não é o caso dos estabelecimentos em causa nos autos, explorados pelos arguidos, porque é do senso comum que assim é, pelo que outro não poderia ser o conhecimento dos arguidos aquando da prática dos factos que não o de saberem que aqueles jogos ali não poderiam estar expostos.

            Aliás, tanto o sabiam que, no caso da “Play center” e do quiosque, a exibição dos jogos dependia da introdução de um código ou de uma pen, respectivamente.

            Para prova dos antecedentes criminais, foram relevados os respectivos CRCs.

            Nada se apurou quanto às condições de vida dos arguidos, na medida em que estes se recusaram a prestar declarações nessa matéria.


***

3. Nulidade da sentença [conclusões a) a e)]

Alegam os recorrentes {conclusão a)} que a sentença recorrida «omite a explicação para ter dado como provado a exploração pessoal por parte do recorrente A... do estabelecimento " x... " (…) omite as circunstâncias e os factos que conduzem à verificação do elemento objectivo do tipo do crime pelo qual vem o recorrente A... , condenado».

Questão que, a proceder, pode configurar nulidade da sentença por falta de apreciação crítica da prova, nos termos do art. 379º, 1), a) por referência ao art. 374º, 2 do CPP.

Ora a sentença apresenta como fundamento probatório para dar como provada a exploração do estabelecimento e máquinas ali em funcionamento por partes dos recorrentes. Veja-se:

««« Quanto à intervenção dos arguidos na prática dos factos, dá-se como provado que os arguidos A... e C... eram empresários em nome individual, explorando o estabelecimento comercial “ x... ” pelo teor dos documentos juntos em sede de inquérito, de fls. 277 e 278, 283, 285 e 286 e 288 a 289, bem como dos depoimentos dos inspectores da ASAE em audiência de julgamento.

   Relativamente ao arguido A... , o que se constata da análise daqueles documentos é que o arguido celebrou, em seu nome, o contrato de arrendamento do imóvel onde estava instalado o “ x... ” e cumpriu formalidades relativas a este estabelecimento junto da Câmara Municipal da Nazaré, mais concretamente requerendo a instalação do contador aos Serviços Municipalizados e entregando a “Declaração de Instalação, Modificação e de Encerramento dos Estabelecimentos de Restauração ou de Bebidas” junta a fls. 288.

   Tudo isto num período temporal que vai desde 29/09/2009 (data do contrato de arrendamento) a 27/05/2011 (data em que entregou a declaração supra referida), ou seja, englobando a data dos factos aqui em apreço.

   A única explicação plausível, segundo as regras da experiência, para que o arguido A... assuma obrigações e cumpra formalidades legais em nome próprio, é a existência de um interesse directo na actividade do estabelecimento, ou seja, a exploração do mesmo.

   A esta conclusão também não foi alheio o facto de o arguido A... ser irmão da arguida C... , existindo assim uma relação familiar e de proximidade que nos leva a enveredar no sentido da existência de uma exploração conjunta do estabelecimento.

   Esta última assumiu-se prontamente perante os inspectores como sendo a proprietária do x... , revelando para além do mais conhecimento do negócio e do estabelecimento, já que foi ela quem facultou o código da máquina “Play center” - fls. 110.»»

Vista a reprodução acabada de efectuar, dela resulta (cfr. designadamente destaques a negrito) o percurso lógico-dedutivo em que repousa a decisão, explicitando-o – em suma, a prática de actos objectivos necessários e inerentes à exploração do estabelecimento onde estavam em funcionamento as máquinas aprendidas nos autos.

Não enfermando, pois, neste aspecto, a sentença, da apontada nulidade.

*

Invocam ainda, como fundamento da nulidade da sentença que «utiliza a perícia para qualificar o jogo e a máquina denominada por "Colorama" como proibida e ao mesmo tempo usa as regras de experiência comum para imputar esse mesmo conhecimento específico aos recorrentes».

Ora a sentença valorou a prova pericial – como lhe competia, de acordo com o critério do art. 163º, nº1 e 2 do CPP – para definir as características, objectivas/técnicas, das máquinas e dos jogos nelas instalados. Não para nela ancorar o possível conhecimento dessas características por parte dos recorrentes

Com efeito, no que toca à prova dos elementos subjectivos do crime, face à negação do facto, por parte dos arguidos, resulta da motivação da sentença que teve por fundamento as regras da experiência comum, no pressupostos que estando em causa as pessoas que procediam à exploração do estabelecimento onde as máquinas estavam em funcionamento, tinham conhecimento da sua natureza e da ilicitude dessas suas características, objectivas.

Por outro lado, é conhecida a clássica distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II vol., p. 99. Enquanto aquela incide directamente sobre o facto probando, esta incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.

Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária, a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal terá que ser sempre objectivada e motivada.

Não fazendo a lei processual qualquer referência a requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador (critério do art. 127º do CPP) que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável. Nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios, por si e de acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação. 

No entanto a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, sendo certo que apenas se pode extrair o facto probando (no caso conhecimento da natureza do jogo) do facto indiciário (no caso a natureza, objectiva, desse mesmo jogo) quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II vol., p. 100/1001.

Na avaliação da prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do julgador – sendo do mesmo passo, mais relevante do que em qualquer outro meio de prova mais ou menos tarifado, o contacto directo e a imediação do julgador com a sua produção, para aquilatar a sua credibilidade. Sendo tanto mais consistente quanto menores os factores externos que possam perturbar a verificação do facto probando.

Aliás a associação que a prova indiciária entre elementos de prova objectivos e regras objectivas da experiência leva alguns autores a afirmarem a sua superioridade perante outros tipos de provas, nomeadamente a prova directa testemunhal, onde também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será mais perigoso de determinar, qual seja a credibilidade do testemunho – cfr. Mittermayer Tratado de Prueba em Processo Penal, p. 389.

Trata-se, aliás, de prova especialmente utilizada para os elementos do tipo subjectivo do crime - que de outra forma seriam impossíveis de demonstrar a não ser pela confissão.

 No entanto, para que a prova indirecta, circunstancial ou indiciária possa ser tomada em consideração devem exigir-se os seguintes requisitos: pluralidade de factos-base ou indícios; - precisão de tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; - que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; - racionalidade da inferência; expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência – cfr. FRANCISCO ALCOY, Prueba de Indicios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, Editora Tirant Blanch, Valencia 2003, p. 39, fazendo a síntese da doutrina e jurisprudência sobre o tema. No mesmo sentido, desenvolvidamente, cfr. CARLOS CLIMENT DURÁN, La prueba Penal, ed. Tirant Blanch p. 626 e segs., em especial p. 633.

No caso, o conhecimento da natureza (fortuna/azar, constituindo crime) de exploração do jogo “colorama” e vontade de realização do facto ilícito, face à negação do facto, por parte dos arguidos, tal resultou da utilização das chamadas presunções naturais.

Ora, se é questionada, objectivamente, a natureza do jogo, pondo em causa a base da presunção (premissa), for destruída, é evidente o efeito de arrastamento lógico da conclusão que a tem como pressuposto lógico.

Assim, a questão fica em aberto até á decisão sobre a também suscitada qualificação jurídica do jogo em causa.

*

3. Em matéria de direito, como já foi antecipado, alegam os recorrentes que a sentença recorrida erra quanto à qualificação do jogo "Colorama" já que qualifica tal jogo corno de fortuna ou azar, quando na realidade tal jogo deve ser qualificado como modalidade afim de fortuna ou azar. Entendimento este sufragado também quer na douta resposta do MºPº apresentada em 1ª instância quer no douto parecer.

O quadro legal relativo ao jogo e à definição do jogo ilícito é constituída pelo Decreto-Lei nº 422/89, de 02 de Dezembro, com sucessivas alterações, onde se destaca a redacção dada pelo DL 10/95 de 19.01.

Através do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, o legislador veio “reformular” a legislação pré-existente “com vista a instaurar um sistema mais adequado de regulamentação e de controlo da actividade” do jogo (cfr. § 2º do mesmo preâmbulo).

Consignando, entre as principias inovações (cfr. § 3 e 4) “uma liberalização (…) nos condicionamentos a que se sujeitam os acessos às salas de jogos de fortuna ou azar, mas por outro lado, ao acentuar-se o princípio da reserva de admissão, visa-se melhorar o nível de frequência das salas de jogos”. 

Posteriormente, em 1995, através do DL 10/95 de 19.01 o legislador - reconhecendo que “tendo a regulamentação do jogo permanecido inalterada nos sues aspectos essenciais, é inegável que as profundas mutações da realidade sócio-económica e cultural que entretanto se fizeram sentir no País não encontraram, até agora, reflexo no quadro normativo por que se rege a actividade” (cfr. § 4º do preâmbulo do DL 10/95 de 19.01), decidiu “regular no âmbito do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro a matéria relativa às modalidades afins de jogos de fortuna e azar” (cfr.§ 7 do preâmbulo do DL 10/95).   

Resulta, com relevo, do citado Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo DL 19/95: 

Artigo 1º: Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.

Artigo 3º: A exploração o e a prática dos jogos de fortuna e ou azar só são permitidos nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei.

Artigo 4º

Tipos de jogo de fortuna e azar

1- Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar:

a) Jogos bancados em bancas simples ou duplas: bacará ponto e banca, banca francesa, boule, cussec, écarté bancado, roleta francesa e roleta americana com zero;

b) Jogos bancados em bancas simples: black Jack/21, chukluck e trinta e quarenta;

c) Jogos bancados em bancas duplas: bacará de banca limitada e craps;

d) Jogo ancado: Keno;

e) Jogos não bancados: bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo;

f) Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;

g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna e azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

Artigo 108º: Quem, por qualquer forma, fizer exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, será punido com pena de prisão até dois anos e multa até 200 dias.

Artigo 159º

Modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo

1 – Modalidades afins de jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.

2 – São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.

3 – Sempre que qualquer modalidade afim do jogo de fortuna ou azar ou outras formas de jogo atinjam tal incremento que ponham em perigo os bons costumes, ou esteja em causa a honestidade dos resultados, o membro do Governo responsável pela administração interna tomará as medidas convenientes à protecção dos interesses (…).

Artigo 160º

Condicionantes

1 – A exploração de modalidades afins de jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo referidas no artigo anterior fica dependente de autorização do membro do Governos responsável pela administração interna, que fixará, em cada caso, as condições que tiver por convenientes e determinará o respectivo regime de fiscalização.

(…)

Artigo 161º

Proibições

(…)

3 – As modalidades afins dos jogos de fortuna e azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159º não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.

Movendo-se no descrito quadro legal, tendo em vista, especificamente os jogos em máquinas, decidiu o STJ em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (n.º 4/2010, publicado no DR, 1ª série, de 08.03.2010):

Constitui modalidade afim e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público”.

*

Nos autos está em causa o jogo instalado na máquina descrita no ponto 2 da matéria provada: “máquina do tipo roleta electrónica, ligada à corrente eléctrica, que permitia fazer apostas em numerário de 0,50€ (cinquenta cêntimos), 1,00€ (um euro) e 2,00€ (dois euros), permitindo ganhar prémios em numerário até 200,00€ (duzentos euros)”. Cujo funcionamento é melhor explicitado nos pontos 11 a 17: “Ao centro do painel frontal, visualiza-se um círculo com um número indeterminado de pequenas lâmpadas/leds que se vão iluminando, estando oito deles destacados dos restantes com uma pequena circunferência e identificados com os seguintes números: 1, 50, 2, 100, 5, 20, 200, 10. No interior do círculo encontra-se uma janela digital/”display” onde surge a pontuação obtida e acumulada no decurso das jogadas permitidas e, à direita desta, entre os números 10 e 1, uma outra janela regista os créditos introduzidos. Após a introdução de uma moeda, automaticamente, os “leds” que formam o círculo iluminam-se sequencialmente, executando um movimento giratório. Esse movimento termina no momento em que apenas um deles permanece aceso. Neste ponto, uma de duas situações pode ocorrer: o led que permanece iluminado corresponde a um dos oito identificados números e neste caso, o jogador terá direito aos créditos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200 (1,00€ e 200,00€); estes pontos são registados, bem como os créditos acumulados ganhos nas várias jogadas premiadas (…) Em ambas as situações as jogadas sucedem-se, automaticamente, até se esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas. No final, se houver pontos acumulados, o jogador poderá solicitar ao explorador a quantia monetária que lhe corresponde, ou poderá premir o botão que lhe concede um bónus de duas jogadas por cada crédito ganho”.

A norma incriminatória constitui uma norma compósita, que reclama, para a caracterização do crime, o recurso ao conceito de “jogos de fortuna ou azar”, previsto em outras disposições legais do mesmo diploma, designadamente os artigos 1º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º.

No seu preenchimento têm sido avançados vários critérios jurisprudenciais, mais relevantes (cfr. síntese em Comentário das Leis Penais Extravagantes organizado por Pinto de Albuquerque e José Branco, Vol. II, p. 361, comentário de Conde Fernandes): - o carácter aleatório do resultado; - a natureza do prémio; - a natureza da relação com o jogador, sendo nas modalidades afins a oferta iria ao encontro do público e nos jogos de fortuna a azar o jogador o jogador a procurar a entidade exploradora; - um critério meramente formal (aqueles jogos cuja exploração apenas é autorizada nos casinos.

Por outro lado, pondera o citado Acórdão Uniformizador do STJ, com relevo determinante da decisão tomada, a dado passo, da sua fundamentação:

«««(…)O critério para se distinguirem os dois tipos de ilícito — ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social — não pode deixar de ser material, no sentido de que se há -de partir das próprias categorias legais, em que assumem, quanto aos tipos legais de crime, relevo especial, na respectiva interpretação, o critério teleológico, fundamentalmente ligado à protecção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associados princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal. Destes princípios decorre que, traduzindo-se a estatuição da pena numa limitação mais ou menos grave da liberdade, a sanção só se justifica quando esteja em causa a necessidade de protecção de um relevante valor com ressonância ético-social, prévio à constituição do tipo legal de crime, ao contrário do que sucede com as contra-ordenações, que são ético -socialmente indiferentes e em que a ilicitude deriva da valoração delas pela lei como proibidas, dando origem a uma sanção de carácter não penal — uma coima. Daí que as sanções penais, enquanto atentam contra o direito fundamental à liberdade, devem limitar -se ao mínimo imprescindível para garantir a paz na vida em comunidade. Uma das realizações do princípio da legalidade é a da definição, tanto quanto possível precisa, dos respectivos elementos do tipo legal de crime, uns dizendo respeito ao tipo objectivo do ilícito e outros ao tipo subjectivo, pois o tipo legal de crime tem uma função de garantia dos direitos individuais das pessoas, devendo estabelecer com a máxima objectividade a conduta ou omissão que são valoradas como proibidas. A definição do tipo legal de crime implica, por consequência, a concretização do princípio da máxima determinabilidade, ou seja, de um certo grau de determinação dos respectivos elementos, definição que, por isso, não pode ser tão genérica, que corresponda praticamente a uma indeterminação, nem tão particularista ou casuística, que dissolva na profusão de elementos o que deve ser tido como essencial. Daí que, muitas vezes, o legislador combine elementos generalizadores com elementos concretizadores, nomeadamente por meio do emprego da técnica de exemplos regra ou exemplos padrão. Quanto mais grave for a sanção estabelecida maior determinação se exige na definição dos elementos do tipo legal, em obediência estrita ao princípio da legalidade, que tem ínsito nas suas implicações o princípio constitucional e, portanto, material, da proporcionalidade. O grau de exigência desta determinação é maior na definição dos tipos legais de crime do que nos tipos contra-ordenacionais. Uma outra consequência importante do princípio da legalidade é o de que a norma incriminadora deve ser interpretada restritivamente (odiosa restringenda), ao menos quando haja dúvida séria e firme sobre o seu sentido, e de que o direito penal não tem lacunas, forma uma ordem jurídica completa, na medida em que só as acções ou omissões nela previstas são puníveis (…)

É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo artigo 161.º, n.º 3, do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a «específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão fundamento. Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim. Acresce que a tutela penal adscrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu (cf. supra n.º 7.1.1), em valores de relevante ressonância ético -social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrolo pode acarretar. Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente.»»»

O critério hermenêutico referido na fundamentação do AFJ do STJ nº4/2010, não pode deixar de ser material, reconstruindo o tipo de crime a partir das próprias categorias definidas especificamente pelo legislador, dentro de um critério de interpretação teleológico perspectivado para a protecção do bem jurídico, como emanação, em concreto, do principio da legalidade e da tipicidade, a que estão associados princípios de natureza constitucional da dignidade penal, da carência de tutela penal, da máxima restrição penal.

À luz da doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010, não são consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar as máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas, ainda que conferindo prémios monetários de pequena monta e de natureza pré-definida.

No caso, ainda que não totalmente coincidente, trata-se de um jogo com identidade substancial, nas suas características típicas relevantes, com a máquina em causa na apreciação efectuada pelo citado Acórdão do STJ para uniformização de jurisprudência: o jogador introduz uma moeda, fazendo a roleta girar de forma aleatória até se fixar num dos números ali inscritos, dos quais apenas 8 dão direito a prémio. Nesse caso, as jogadas sucedem-se, automaticamente, até se esgotarem os créditos e, no final, se houver pontos acumulados, o jogador poderá solicitar ao explorador a quantia monetária que lhe corresponde ou converter em novas jogadas com um bónus de duas jogadas por cada crédito ganho.

Na sequência do expendido concluímos constituir critério diferenciador, fundamental, das modalidades afins, a predeterminação do prémio e a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, pelo pequeno valor da aposta e pela certeza, pré-definida, dos prémios - objectos ou bens certos e determinados, característicos da rifas, tômbolas ou concursos. O que, no caso dos jogos em máquinas, estando em causa pequenos prémios constituídos, pela possibilidade de repetição de novas apostas (novas jogadas no caso das máquinas) ainda que susceptíveis de conversão - subsidiária e automática - em quantias pré-definidas, em dinheiro. Como tal, materialmente sem a assumpção de uma álea desproporcionada e imprevisível (fortuna/azar) inerente aos jogos de fortuna ou azar - do género (iguais ou equivalentes) aos jogos “típicos” definidos na lei como reservados aos casinos) em que as probabilidades de perder a “aposta” são incomensuravelmente superiores à de ganhar o prémio, além do valor desproporcionado do prémio possível e incertíssimo em relação à aposta, sempre efectiva e de sorte apetecida.

Deste entendimento resulta a procedência do recurso e a necessidade de retirar consequências, a nível da pena, face à decidida irrelevância criminal de parte da matéria valorada pela decisão recorrida como constitutiva do crime (jogo “colorama”).

*

5. Afastada a qualificação como crime da exploração do jogo “colorama”, podia considerar-se aplicável uma coima pela contra-ordenação prevista no art. 163º do DL 422/89 de 02.12, tendo em vista, nomeadamente, o mecanismo previsto no art. 77º do RCCC.

No entanto, se é certo que tal preceito permite a apreciação de contra-ordenações no processo-crime, não é menos certo que exige a conexão entre a contra-ordenação e o crime investigado. Ou uma situação que foi investigada como crime mas veio a apurar-se no processo constituir apenas mera contra-ordenação.

Exigindo, em todo o caso, que o arguido seja confrontado com tal possibilidade, em tempo oportuno, a fim de poder exercer amplamente o contraditório. Importando ainda a comunicação da qualificação jurídica no sentido de poder ver produzida/discutida a prova pertinente, com vista à nova perspectiva surgida durante a discussão - em audiência, nos ternos do art. 158º do CPP.

Aliás o RGCC exige (quando se conclui que o “tema do processo” iniciado como contra-ordenação, constitui crime) a prévia “conversão” do processo em processo-crime (cfr. art. 76º).

Ou, no caso contrário (crime que passa a contra-ordenação) que “o processo passará a obedecer aos requisitos desta lei” – art. 77º do RGCC.

Ora, não é o que sucede, no caso, uma vez que a questão surgiu / foi equacionada apenas, como possível, na fase de recurso, além do mais sem possibilidade de discussão, em tempo e com os meios próprios do processo por contra-ordenação, dos pressupostos fácticos do ilícito desta natureza.

6. No âmbito da pena sustentam os recorrentes que “deve a pena ser reduzida (…) redução esta que se preconiza próxima dos limites mínimos, mais concretamente em 2 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa e mais 30 dias de multa, tudo à taxa diária de 5€”.

A perspectiva dos recorrentes surge ancorada na (des)qualificação jurídico-penal do jogo “colorama”.

A sentença recorrida condenou os recorrentes pela prática de um único crime. De onde que, face à decidida irrelevância criminal de parte da matéria valorada pela decisão recorrida como constitutiva do crime, importe daí retirar consequências a nível da pena.

A sentença recorrida fundamenta a aplicação ao caso concreto dos critérios do art. 71º com referência às finalidades da pena previstas no art. 40º, em argumentação para que, por não rebatida, se remete.

Face ao disposto no referenciado art. 40º do CP, a prevenção geral, no Estado de Direito, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, e coloca assim a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum. Acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Subordinada a função intimidatória da pena à sua outra função socialmente integradora, a pena preventiva (geral) deverá ser limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum.

Ora, face à conclusão a que se chegou relativamente à referida máquina “colorama”, importa daí retirar consequências, a nível da pena concreta.

Visto o relevo da matéria em causa na globalidade da matéria provada, atentos os demais pressupostos não questionados da decisão recorrida, a pretensão dos recorrentes (2 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa mais 30 dias de multa) surge como proporcionada à desqualificação penal da exploração da máquina em questão.

Já no que toca à redução da taxa diária (de €5,50 para € 5,00), além da quase irrelevância da diferença, não se mostra fundada em dados relevantes da situação económica dos recorrentes. Pelo que, por já fixada muito próxima do limite mínimo, esta pretensão deve improceder.


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III. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se julgar o recurso parcialmente procedente, declarando criminalmente atípica a detenção/exploração da máquina “colorama” identificada nos pontos 2 e 6 a 12 da matéria provada, cujo sistema de funcionamento é descrito nos pontos 13 a 19 da mesma matéria, mantendo-se a decisão recorrida em tudo o mais, com a manutenção da condenação dos recorrentes pelo crime mas com redução proporcional da pena à matéria remanescente, nos seguintes termos:
- A... pela prática, em autoria material, de um crime de crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 1º, 3º e 4º, nº 1, alínea g) do Decreto-Lei 422/89, de 02.12, na pena de 2 (dois) meses de prisão substituída por multa e 20 (vinte) dias de multa. E, nos termos do disposto no 6º, nº 1 do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, condena-se o arguido na pena única de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) a que correspondem 60 dias de prisão subsidiária; e
- C... , pela prática, em autoria material, de um crime de crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 1º, 3º e 4º, nº 1, alínea g) do Decreto-Lei 422/89, de 02.12, na pena na pena de 2 (dois) meses de prisão substituída por multa e 20 (vinte) dias de multa. E, nos termos do disposto no 6º, nº 1 do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, condena-se a arguida na pena única de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) a que correspondem 60 dias de prisão subsidiária.
Sem tributação (parcial provimento).
Coimbra, 18 de Março de 2015

(Belmiro Andrade – relator)
(Abílio Ramalho - adjunto)


[1] Neste sentido e entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.02.2012, relatado por Paulo Guerra e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.02.2007, relatado por Maia da Costa, ambos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt