Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
182/13.1JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FORMA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROV
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
IN DUBIO PRO REO
PROSTITUIÇÃO DE MENORES
ATO SEXUAL DE RELEVO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA CENTRAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 127.º, 364.º, 410.º, 412.º E 417 DO CPP; ART. 40.º, 71.º, 174.º E 177.º DO CP
Sumário: I - Quando o recorrente pretende por em causa a totalidade dos depoimentos que serviram de base à convicção do tribunal, em vez de contrapor outra prova concreta que impõe decisão diversa, não pode ser considerado uma forma de atacar a sentença com base em erro de julgamento.

II - E não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto com observância do disposto no art. 364.º, n.º 3, do CPP, rejeita-se tal forma de impugnação, não se convidando o recorrente ao aperfeiçoamento, por não ser permitido modificar o âmbito do recurso fixado na motivação, como impõe o art. 417.º, n.º 4, do mesmo diploma legal.

III - O erro notório na apreciação da prova, trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

IV - A existência de duas versões contraditórias (a do ofendido, acolhida pelo tribunal a quo que relevou as suas declarações e as conjugou com os diversos elementos de prova e que foram apreciados e relacionadas de forma crítica com as circunstância em que os factos ocorreram e a versão do arguido que negou a prática dos crimes que lhe são imputados) não implica necessariamente a aplicação do princípio in dubio pro reo.

V - O princípio in dubio pro reo tem de resultar de um juízo positivo de dúvida resultante de um impasse probatório. Não se pode confundir a diferente valoração que o tribunal fez da prova, relativamente à versão do arguido, com violação do princípio in dubio pro reo.

VI - A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre aqueles factos [factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência - art. 339.º, n.º 4, do CPP] e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento nos termos constantes na decisão.

VI - O bem jurídico protegido pela incriminação do art. 174.º, do CP é o livre desenvolvimento da personalidade, na esfera sexual, do menor/adolescente entre os 14 e os 18 anos de idade, criando as condições para que esse desenvolvimento se processe de uma forma adequada e sem perturbações, podendo esse desenvolvimento estar em causa quando o menor é levado a praticar o (s) acto (s) sexual (sexuais) de relevo, mediante pagamento ou outra contrapartida, efectuada pelo agente. – cfr. Maria João Antunes e Cláudia Santos, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª edição, pág. 866 e 867.

VIII - A lei não fornece indicação definidora do que deva entender-se por acto sexual de relevo, devendo porém considerar-se como acto sexual de relevo a conduta sexual que ofenda bens jurídicos fundamentais ou valores essenciais das pessoas no tocante à sua livre expressão do sexo e para justificar a expressão “de relevo” terá a conduta de assumir gravidade, intensidade objectiva e concretizar intuitos e desígnios sexuais visivelmente atentatórios da auto determinação sexual da vítima.

IX - A prevenção e a culpa são instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.

X - Devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

No processo supra identificado o Ministério Público deduziu acusação contra A... , divorciado, reformado, nascido a 3 de Fevereiro de 1946 em (...) , Lisboa, filho de (...) e de (...) e residente na Avenida (...) , Lisboa, imputando-lhe a prática em concurso efectivo dos seguintes crimes:

- três crimes de actos sexuais com adolescentes p. e p. pelo art. 173.º n.º 2 agravado pelo art. 177.º n.º 3 ambos do CP em concurso aparente com três crimes de recurso a prostituição de menores, p. e p. pelo art. 174.º n.º 2 agravado pelo art. 177.º n.º 3 do CP;

- dezassete crimes de actos sexuais com adolescentes p. e p. pelo art. 173.º n.º 1 agravado pelo art. 177.º n.º 3 ambos do CP em concurso aparente com três crimes de recurso a prostituição de menores, p. e p. pelo art. 174.º n.º 1 agravado pelo art. 177.º n.º 3 do CP.


*

B... , em representação do menor C... , deduziu pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais da quantia de 10.000,00 €.

*

O tribunal colectivo deliberou:

a) Absolver o arguido da prática de:

- três crimes de actos sexuais com adolescentes p. e p. pelo art. 173.º n.º 2 agravado pelo art. 177.º n.º 3 ambos do CP;

- dezassete crimes de actos sexuais com adolescentes p. e p. pelo art. 173.º n.º 1 agravado pelo art. 177.º n.º 3 ambos do CP.

b) Condenar o arguido pela prática de:

- um crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo art. 174.º n.º 1 agravado pelo art. 177.º n.º 3 do CP, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo prazo de duração da mesma, com regime de prova assente num plano de reinserção social que permita a reinserção social do arguido, com vista à reorganização pessoal, social e profissional e identificação de factores de risco de repetição das condutas, devendo ainda aceitar o acompanhamento/tratamento em consulta da especialidade de psiquiatria e/ou psicologia, se possível em sub-especialidade preferencialmente direccionada para o seguimento de perturbações como a apresentada.

Mais impôs que arguido ficasse impedido durante o prazo da suspensão de exercer qualquer profissão ou actividade que tenha menores como destinatários.

c) Julgando procedente o pedido de indemnização civil, condenou o arguido no pagamento da quantia 10.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros contados desde a data da decisão.


*

Inconformado recorreu o arguido, o qual pugna pela sua absolvição, formulando as seguintes conclusões:

«1. O arguido não se conforma com a sua condenação pela prática de um crime de recurso à prostituição de menores, previsto e punido pelo artigo 174 n.º 1, agravado pelo 177 n.º 3 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, pena essa suspensa na sua execução, mediante regime de prova, e na indemnização de 10.000,00€, a que acrescem juros contados desde a data da decisão.

2.            Com tal decisão e com a sua fundamentação não se pode manifestamente o arguido conformar, no seu e no seu como, porquanto a mesma não resultou da prova produzida em julgamento, nem tem expressão do que resultou da investigação realizada.

3.            Padece o acórdão de uma insuficiência de matéria de facto dada como provada e, num erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal ad quo, nos termos do artigo 410 n.º 2 alínea a) b) c) do CPP, conforme doravante se exporá.

4.            Desde logo o Tribunal julgou incorrectamente os factos 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16) a 24).

5.            Dado que o recorrente não concorda que o tribunal tenha dado como provado:

a.            Que o recorrente tenha convidado o C... para lhe tocar no corpo e vice-versa;

b.            No fim de cada acto dava ou prometia dar um presente ao C... .

6.            Segundo a fundamentação apresentada pelo Tribunal para formação da sua convicção o tribunal atendeu às declarações do arguido, do ofendido, ao depoimento da testemunha B... e D... e ao relatório social

7.            Analisando os meios de prova elencados na “Fundamentação dos factos” não se retira a mesma conclusão e o tribunal não demonstra como formou a sua convicção e como desenvolveu o seu raciocínio que culminou com tal decisão, senão vejamos:

a. Declarações do arguido: o tribunal considerou como provados os seguintes factos: “ (…) comprou livros, cadernos, a cartilha do João de Deus que deu ao menor; igualmente lhe deu uma máquina fotográfica, imagens de santos, livros de orações, um crucifixo; comprou-lhe e deu-lhe um telemóvel, uma vez deu-lhe dinheiro (5€) (...) ”, o que é contraditado pela audição da transcrição n.º 20160314100530 (…).wma de 00:7:28 a 00:8:30, de 00:11:54 a 00:12:46, de 00:13:00 a 00:14:36, de 00:11:05 a 00:11:44, e 00:16:05 a 00:16:16; considerou o tribunal que o arguido falava com o ofendido pelo skyp e “uma vez o menor masturbou-se em frente ao skyp”, o que é contraditado pela audição da transcrição n.º 20160314100530 (…).wma de 00:26:55 a 00:29:00.

i. Atendendo às declarações prestadas, entende a defesa o Tribunal deveria ter dado como provados os seguintes factos:

1.            O arguido e a família do ofendido conheciam-se e conviviam (transcrição n.º 20160314100530 (…).wma de 00:11:05 a 00:13:00)

2. O arguido esteve a morar em x... até 2013, ou seja durante 7 anos arguido e família de ofendido conviveram (transcrição n.º 20160314100530 (…).wma de 00:26:55 a 00:29:00).

3. O arguido era visita da família e convidado para ocasiões festivas; arguido e família do ofendido faziam passeios para fora de x... (Fátima, Coruche, Tomar). (transcrição n.º 20160314100530 (…).wma de 00:11:05 a 00:13:00)

b.            Pelo depoimento de B... (audição da transcrição n.º 20160314111602_ (..).wma), avó do menor, deviam ser dados como provados os seguintes factos:

i. confirma a amizade

ii.  e a ajuda do arguido para com o menor, nada mais acrescentando,

iii. afirma nunca ter desconfiado de qualquer acto do arguido para com o ofendido seu neto,

iv. afirma não ter visto ou desconfiado de nada,

v. confirma as ofertas ao neto, sem localizar no tempo

O depoimento desta testemunha não põe em causa as declarações do arguido, nomeadamente quanto a localização temporal das ofertas e a sua justificação dada pelo arguido.

c.            Depoimento do menor (audição da transcrição 20150602115324_ (…).wma), Com base nas declarações do ofendido o tribunal deu como provado que: (…) por várias vezes o arguido tocou no pénis do menor e pedia-lhe para o menor tocar no seu (do arguido), isto aconteceu na Quinta para onde o menor ia todos os dias, rente à noite; terão sido aí umas 20 vezes, que estes factos aconteceram; por 3 vezes pensa que o arguido introduziu o seu pénis no seu ânus, ejaculou para fora, para cima de um cobertor; sempre que o menor ia à quinta o arguido dava-lhe um presente; (...) ”.Ou seja, deu como provado que:

i. O arguido várias vezes tocou no seu pénis e vice versa

ii. Os actos aconteceram na Quinta y...,

iii. Durante 20 dias, todos os dias, rente à noite

iv. O ofendido ia ter com o arguido à quinta

v.            Ao contrário do mencionado pelo tribunal, o ofendido declarou que “por 3 vezes o arguido introduziu o pénis no seu ânus” (transcrição da gravação nº 20150602115324_3603438_2870946.wma 00:08:40 a 00:09:53, 00:13:32 a 00:13:41, 00:16:19 a 00:16:50 e 00:17:50 a 00:18:18);

vi. Sempre que o ofendido ia à quinta o arguido dava-lhe prendas (transcrição. Gravação nº 20150602115324_3603438_2870946.wma 00:09:23 a 00:10:20, 00:16:59 a 00:17:59).

Acontece que o Tribunal considerou o ofendido é “limitado de um modo grave nas funções de percepção” pelo que “pode o menor ter percepcionado e relatado um facto como ocorrido (…) e de facto o mesmo não ter ocorrido”, ou seja considerou o Tribunal que o ofendido podia ficcionar um facto como ocorrido, quando o mesmo não aconteceu.

Foi por esse motivo que o Tribunal considerou que havia dúvidas quanto à penetração/coito anal, dúvidas essas adensadas por ter sido junto documentação a atestar a disfunção eréctil do arguido.

Igualmente por esse motivo – pelo facto do ofendido padecer de uma limitada percepção da realidade que conduz à ficção factual - considera a defesa que não pode tão-só o tribunal afirmar que “o depoimento do menor merece-nos crédito” para dar como provados todos os factos alegados, não basta, terá de haver um plus, uma prova suplementar e complementar.

Poderia bastar a menção por parte do Tribunal sobre a credibilidade das declarações do ofendido, atento o princípio do art. 127 do CPP, no entanto tendo o tribunal considerado que o ofendido padece de uma limitação nas funções da percepção, podendo ficcionar a realidade, situação que fez com que o tribunal ficasse com dúvidas sobre um facto minuciosamente relatado pelo ofendido, não pode o tribunal, relativamente aos demais factos considerar sem mais as declarações do ofendido, terá de haver prova suplementar que corrobora tal versão por forma a que o tribunal possa considerar provados tais factos.

Ora tal não aconteceu, atenta a prova indicada pelo Tribunal em sede de fundamentação de facto, e analisada a referida prova, a mesma não corrobora a versão do ofendido; pelo contrário houve mais prova produzida em sede de audiência de julgamento, e que o Tribunal não tomou em consideração, que corrobora a versão trazida aos autos pelo arguido.

Afirmar que “ o depoimento do menor merece-nos crédito” , justificando o “crédito” com base no relatório social e na “envolvência que o arguido procurou ter com este menor” é pouco para tão grave acusação!

Para os factos 6) a 24) serem dados como provados terá de haver algo mais que as declarações do ofendido, o testemunho de B... e as declarações do arguido, que como vimos, em nada densificam os factos para serem dados como provados.

d.            O depoimento de D... (transcrição 20160314113931_ (…).wma): Ao contrário do facto dado como provado pelo tribunal, esta testemunha não afirma contactos frequentes entre arguido e ofendido via mensagem.

O tribunal não tomou em consideração outra prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente sobre os testemunhos do rol da defesa e tais depoimentos tinham interesse para a decisão.

O tribunal nem uma linha gastou a pronunciar-se sobre a prova trazida pela defesa.

Nos presentes autos considera a defesa não só que o tribunal deu como provados factos que não poderia ter considerado como tal e não valorizou, como deveria valorizar, factos corroboradores da versão da defesa.

vejamos outros depoimentos que corroboram a versão da defesa:

e.            Depoimento E... (transcrição 20160314120637_(..).wma): A veracidade das declarações prestadas pelo ofendido são postas em causa, (transcrição gravação n.º 20160314120637_3660783_2870943.wma de 00:02:03 a 00:02:34, 00:08:30 a 00:09:09, 00:14:01 a 00:14:.12) afirmando em tribunal que o ofendido não tem noção da diferença entre o bem e o mal, ou seja que o ofendido poderá ficcionar factos, o que corrobora as dúvidas levantadas pelo tribunal e pela defesa: não podem bastar para a condenação as declarações do ofendido que tem limitações de percepção no sentido de poder ficcionar a ocorrência de uma facto que não ocorreu; não basta as suas declarações para haver condenação é necessário o plus de prova.

 - A testemunha também afirma que nunca soube, viu, presenciou a qualquer comportamento menos próprio por parte do arguido, nem a relação a qualquer menor ou para com o ofendido.

f. Depoimento de F... (transcrição 20160314122211_ (…).wma): A testemunha corrobora a versão do arguido relativamente aos factos:

- o arguido deu explicações ao ofendido (transcrição gravação n.º 20160314122211_3660783_2870943.wma 00:03:32 a 00:04:30);

- o arguido é uma pessoa pronta a ajudar outros.

Mais acrescenta a testemunha que nunca soube, viu, presenciou a qualquer comportamento menos próprio por parte do arguido, nem a relação a qualquer menor ou para com o ofendido.

g. Depoimento de G... (transcrição 20160314123603_8…).wma): A testemunha corrobora a versão das demais testemunhas em como o arguido é pessoa amiga de ajudar, mais afirma que nunca soube, viu, presenciou a qualquer comportamento menos próprio por parte do arguido, nem a relação a qualquer menor ou para com o ofendido.

h.            Menciona o tribunal preconceituosamente que teve em consideração a menção que consta do Relatório social de uma entrevista da:” irmã do arguido que relata que “desde muito cedo era perceptível que este (arguido) teria uma orientação homossexual (…) ”.

Não entende a defesa que indicio poderá advir da orientação sexual do arguido e a prática de prostituição de menor?

Acontece, porém que o tribunal deu como facto provado que “ (…) 25) Condições pessoais do arguido A... . (…) n) A irmã do arguido referiu nunca lhe ter identificado propensão para estabelecimento de relações com pessoas mais jovens (…) ”.

Não se compreende o raciocínio lógico do tribunal para dar como provados tais factos e em que prova se fundamenta, uma vez que além das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas de defesa, a restante prova testemunhal foi irrelevante, sendo mesmo inócua.

8.            Pelos motivos indicados deverão ser dados como não provados os factos constantes nas alíneas 6) a 24) dos factos provados

9.            O arguido considera não ter ficado suficientemente provado a prática do crime pelo qual foi condenado.

10. Da prova produzida, o Tribunal só podia extrair os seguintes factos:

a.            O arguido (…) em 7.9.2003 (..) foi viver da x...;

b.            nessa data conheceu o C... (…)

c.            a avó (…) pediu (…) para este lhe dar umas explicações (….)

d.            o arguido ao ofendido. “ (…) comprou.: - O caderno de duas linhas e a cartilha de João de deus oferecido aquando das explicações da 3.ª classe, a máquina fotográfica aquando do 14.º aniversário do ofendido, em frente à família, Imagens de santos, livros de orações, um crucifixo aquando da visita a Fátima em frente à família, um telemóvel velho, o arguido carregou uma vez o telemóvel com 5€;

e. Arguido e ofendido tiveram conversas via skyp após a saída do arguido de x...;

i. Numa dessas ligações o menor estava a masturbar-se aquando da ligação do arguido.

f. O arguido e a família do ofendido conheciam-se e conviviam

g.            O arguido esteve a morar em x... até 2013, ou seja durante 7 anos arguido e família de ofendido conviveram

h. O arguido era visita da família e convidado para ocasiões festivas;

i. arguido e família do ofendido faziam passeios para fora de x... (Fátima, Coruche, Tomar).

j. Nenhuma das testemunhas afirma ter desconfiado de qualquer acto do arguido para com o ofendido ou com quem quer que fosse, nada foi visto ou desconfiado de nada

k. A testemunha E... põe em causa a veracidades das declarações do ofendido afirmando que o ofendido não tem noção da diferença entre o bem e o mal

l. A testemunha F... assistiu o arguido a dar explicações na Quinta ao ofendido.

11. A decisão padece dos vícios previstos no art. 410 n.º 2 alíneas a) a c) do CPP, ao dar como provado os factos 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16) a 24)

12. Não existe qualquer prova para dar como provado os factos 6) a 11), 13), 15) e 16) não há qualquer prova, nem mesmo indiciária da prática dos actos sexuais entre arguido e ofendido. Nenhuma testemunha corrobora a versão do ofendido, nem mesmo as testemunhas de acusação.

13. A fundamentação do tribunal apresenta uma contradição, uma vez que considerou a incapacidade do ofendido para ter dúvidas sobre a versão por ele apresentada quanto á penetração anal, no entanto quanto ao demais não considerou a falha de percepção que o ofendido tem.

14. Corroborando as dúvidas da defesa, há o facto de o ofendido não apresentar quaisquer sequelas físicas dos supostos actos, sendo que padecendo o arguido de HIV a serem verdadeiros os factos 6) a 11), 13), 15) e 16) o ofendido teria de ter algum vestígio de tais actos.

15. Não existe qualquer prova dos factos 12), 14).

16. As prendas dadas ao ofendido pelo arguido foram temporalmente determinadas e justificadas pelo arguido, sendo que tais declarações não foram contraditadas por qualquer outra prova.

17. Não ficou provado a existência de pagamento ou contrapartida pelo acto sexual com a entrega de oferta por forma a poder concluir pela prática sexual remunerada: nem o ofendido declarou ou manifestou que a sua eventual participação em acto sexual era determinada pelo pagamento ou contrapartida, pelo presente.

18. Não há qualquer prova nem da prática de actos sexuais, nem da existência de pagamentos, nem da correlação entre umas e outras

19. Não há qualquer prova que “sempre que o menor se deslocava à Quinta, o arguido presenteava este com uma prenda”, até porque se o tribunal considera que houve repetição nos actos sexuais deveria haver prova, não só de “tantos” actos, como das respectivas (muitas) contrapartidas, o que no caso em apreço não existe; não foi feita qualquer prova nesse sentido:

20. O número de ofertas – “santitos, livros de orações, máquina fotográfica” - não se enquadra com o número de actos que a acusação menciona – “durante cerca de vinte dias”, todos os dias – uma vez que o número de ofertas é significativamente inferior, não alcançando o número 20.

21. Acresce que provada que está a relação de amizade ao longo de 7 anos entre ofendido e arguido, o número de ofertas do arguido ao ofendido é manifestamente normal numa relação de amizade de 7 anos.

22. Consequentemente os factos dados como provados em 17) a 24) são meras conclusões dos factos erradamente dados como provados supra identificados.

23. A decisão por ter referências genéricas feitas a propósito das declarações das testemunhas assinaladas, não permitem deduzir qual foi o raciocínio do julgador, nem tão pouco equivalem ao exame crítico das provas.

24. O tribunal omitiu o exame crítico das provas produzidas em audiência de julgamento, o julgador não explicitou o processo de valoração que deveria ter feito, não se percebendo, por isso, o respectivo juízo decisório. Tal trajecto intelectual tem de ser vertido no acórdão.

25. Considera a defesa que o tribunal a quo violou os limites da livre apreciação da prova ou as regras da experiência comum na sua apreciação, dando como provados factos que não poderia considerar como tal.

26. A decisão viola claramente o princípio do in dúbio pró reo, sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo.

27. O Recorrente por não ter praticado os Factos erradamente dados como provados, sempre haverá de ser absolvido quer quanto à parte criminal quer quanto à parte cível, sendo certo que, não foi feita qualquer prova relativamente aos factos consubstanciadores do pedido cível, sendo que a prova à matéria cível assentou tão só no depoimento da testemunha B... , avó do ofendido, limitando-se esta a confirmar o que lhe era perguntado, não efectuando qualquer relato.

28. A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 483°, 496°, nos 1 e 3, e 562° do CC.

29. O arguido foi condenado pela prática de 1 crime de prostituição de menores p.p. pelo art. 174 n.º 1 agravado pelo 177 n.º 3 do C.P. Para tal condenação considera-se que não é suficiente qualquer acto sexual com o menor, tem de ser acto sexual de relevo a que acresce o facto de ter de existir uma contrapartida para pratica sexual, ou seja exige-se que seja uma prática sexual remunerada, sendo a participação do menor determinada pelo pagamento ou contrapartida.

30. No caso dos presentes autos, a ser verdadeira a acusação, o que não se aceita, os actos descritos nela não são aptos e suficientes para suportar a lesão do bem jurídico protegido naquela norma,

31. Pelo que a sentença padece do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, constante da al. a) do artº 410°, n.º 2 do C.P.P.

32. A motivação existirá e será suficiente se com ele se conseguir conhecer as razões do decisor, a não observância deste dever fundamental deixa-nos perante uma inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 205 da CRP, corolário esse que se encontra traduzido no art. 374 n.º 2 do CPP quando impõe o dever de fundamentação traduzido numa exposição completa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.

33. Ao ter decidido como o fez o tribunal violou as normas contidas 410 n.º 2, 374 nº 2, todos do CPP e artigos 32 e 205 da CRP.

34. O Tribunal fez errada interpretação da prova que é insuficiente para dar como provado aqueles factos e é inexistente para dar como provados os factos que levaram à condenação

Impugnação da matéria de facto – art. 412 n.º 3 CPP

35. Os factos incorrectamente julgados consistem nos factos dados como provados constam dos pontos 6) a 24), respectivamente por ausência de prova produzida que tal leve a concluir, além das declarações do arguido, do ofendido, os depoimentos das testemunhas B... , D... , E... , F... , G... que se encontram nas sessões de 2/6/2015 e 14/3/2016, cuja passagem impõe uma decisão diversa que se encontram transcritas na motivação, devendo tais factos dar-se como não provados

36. As testemunhas põem em causa a veracidade das declarações prestadas pelo ofendido,

37. Se o tribunal considerou que o ofendido pode ficcionar factos, não pode o mesmo tribunal considerar credíveis as declarações do ofendido, para fundamentar a sua decisão é necessário mais, sob pena de estarmos perante uma condenação arbitrária e preconceituosa, atenta a fundamentação. Para haver condenação é necessário o plus de prova.

38. Considerando que do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base ao acima referido já que foi documentada toda a prova, deverá a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto ser modificada, como acima explicitado, o que se requer, no termos do art. 431 do CPP

39. De tudo o exposto resulta que deverão dar-se por não provados os factos elencados de 6) a 24), sendo o arguido absolvido do crime pelo qual foi condenado, bem como do pedido de indemnização cível contra si deduzido. 

40. Por mera cautela de patrocínio sempre se dirá que a medida da pena aplicada é injusta e desproporcionada, já que a condenação pouco falha o limite máximo da pena, atento as necessidades de prevenção especial: o arguido é primário, não houve penetração, afastou-se do local de residência do ofendido, a prática dos supostos factos ocorreu há mais de 5 anos, pelo que a pena a ser aplicada teria de ser outra, em quantum.

41. E por cautela, caso se venha demonstrar ter o arguido praticado o crime pelo qual foi acusado, o que não se concede, resulta que, o Tribunal ao condenar o arguido na pena de prisão de 2 anos e 3 meses DE PRISÃO suspensa na execução por igual período, violou o disposto nos art. 40°, n.º 1 e 2 e 71°, n.ºs 1 e 2 e 77°, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, devendo em conformidade aquela pena ser assim reduzida para o limite mínimo suspensa na sua execução, atendendo às circunstâncias pessoais e profissionais do arguido provadas nos autos. 

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente Recurso, e consequentemente:

a) Revogar a decisão sobre a matéria de facto e modificar a factualidade provada no termos supra alegados;

b) Aplicar, no caso de subsistência de dúvida, o princípio in dúbio pró reo;

c) Sendo o Recorrente absolvido do crime pelo qual foi condenado, e consequentemente no pedido cível.

Sem prescindir

d) Em caso de manutenção da condenação, deverá o pedido cível ser reduzido atento a redução e limites impostos pela condenação penal

Sem conceder

e) Em caso de manutenção da condenação e atentas as necessidades de prevenção especial deverá e pena a aplicar ser reduzida no seu limite mínimo e suspensa na sua execução».


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Notificados os intervenientes processuais, da interposição do recurso, nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, vieram o responder o Ministério Público e a assistente B... , em presentação do menor C... no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, devendo manter-se integralmente o acórdão recorrido.

*

Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.ma Senhora Procuradora-geral Adjunta, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, a qual, em síntese, acompanhando a resposta do Ministério Público na 1.ª instância emitiu douto parecer no sentido de que deve improceder totalmente o recurso, devendo manter-se integralmente o acórdão recorrido

*

Notificado o arguido e assistente, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, respondeu o arguido sustentando que não existe prova quanto aos factos 6 a 24 dados como provados e que se não mostram verificados os elementos constitutivos do crime pelo qual foi condenado.

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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.

*

Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação.

A) Factos provados:

«1).- C... nasceu no dia 27 de Maio de 1998. - (ficha de identificação civil de fls. 26)

2).- O mesmo padece de atraso de desenvolvimento motor, com um QI total (prova de WISC-III) muito inferior (53), um QI verbal igualmente muito inferior (64) e um QI de realização também um valor muito inferior (47), com deficiência grave nas funções intelectuais, de atenção, de memória, psicomotoras, de percepção, cognitivas de nível superior e de cálculo. - (relatórios médicos de fls. 33 a 41)

3).- Pertence a uma família desestruturada e com graves dificuldades económicas. - (informação de fl 42 a 45)

4).- Desde os oito anos de C... que o arguido, bem sabendo quer as condições mentais quer as condições materiais daquele, começou a ajudar aquele nas tarefas da escola.

5).- Estabelecendo uma relação de confiança e amizade entre ambos.

6).- Em data indeterminada, na altura do verão, quando C... tinha catorze ou quinze anos, no interior de Quinta (...) em y..., o arguido convidou C... para lhe tocar no corpo, mais especificamente no pénis alegando que era para descobrir o seu corpo.

7).- Nesse dia, o arguido encostou o seu pénis no ânus de C... .

8).- Após o que ejaculou para o chão.

9).- Findo o acto, o arguido deu a C... um presente.

10).- A partir da referida data, durante cerca de vinte dias, rente à noite, C... deslocava-se à Quinta (...) em y..., em x....

11).- Dirigia-se aos aposentos do arguido.

12).- Aí este prometia a C... que lhe dava um presente depois do mesmo lhe friccionar o seu pénis até ejacular.

13).- Bem como friccionava o pénis de C... até o mesmo ejacular.

14).- Após a prática do referido acto, o arguido dava sempre ao C... um presente, como por exemplo, um telemóvel, uma máquina fotográfica, livros de orações, imagens de santos e diversas quantias em dinheiro, cujo montante máximo foi de cinco euros.

15. No referido período temporal acima referido, pelo menos mais de 19 vezes, o arguido colocou o seu pénis junto ao ânus do menor, após o que em duas delas ejaculou para o chão.

16. O arguido é portador de HIV e não informou C... desta condição, praticando sexo sem protecção.

17).- O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente.

18).- Bem sabia a idade de C... .

19).- Actuou com o propósito de dar satisfação à sua luxúria e instintos lascivos bem sabendo que ofendia a liberdade e os sentimentos de vítima, a qual que não tinha consciência para perceber os actos que praticava e era pessoa inexperiente na vida sexual.

20).- Previu e quis entregar os bens materiais acima referidos para assim obter os referidos actos sexuais.

21).- Sabia igualmente que as suas condutas eram censuradas, proibidas e punidas pela lei penal bem como que tinha capacidade de determinação segundo as prescrições legais.

22).- Os familiares do menor e este recearam ter contraído o vírus HIV por contacto sexual.

23).- O menor e seus familiares viveram momentos de angústia pelo facto de o arguido ser portador de HIV e não se coibir de ter contactos sexuais com o menor.

24).- Entre eles reinou a incerteza e o pânico, que só o resultado das análises os tranquilizou.

 25).- Condições pessoais do arguido A... .

a).- A... é natural de Lisboa sendo o segundo filho de uma fratria de seis elementos germanos, filhos de um casal casado entre si, o qual manteve a relação ao longo da vida (ambos já falecidos). O pai do arguido era funcionário da central hidro-elétrica do (...) e a mãe dedicava-se à gestão doméstica e tomada a cargo dos filhos.

b).- A dinâmica familiar era harmoniosa e sem conflituosidade. Não obstante, e relativamente à orientação sexual do arguido, a sua irmã referiu que desde muito cedo era perceptível que este teria uma orientação homossexual, facto que era ignorado e dissimulado pelos pais, tendo estes inclusivamente vindo, mais tarde, a organizar o casamento do arguido.

c).- A... após ter concluído o 4° ano de escolaridade ingressou no Seminário das Missões de (...) , onde concluiu o 4° ano do Seminário, tendo vindo a sair após recomendação do médico da família, o qual veio a convencer o pai do arguido de que o ambiente do Seminário não lhe era favorável.

d).- Após ter saído do Seminário, A... iniciou actividade laboral, primeiro como aprendiz de empregado de balcão e caixeiro, tendo durante o período em que manteve esta actividade frequentado o ensino nocturno e concluído o 2° ciclo do ensino básico. Mais tarde e após o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório (SMO) veio a concluir o 9° ano de escolaridade.

e).- A... cumpriu SMO durante dois anos, tendo estado 2 anos em Angola. Após cumprimento do SMO arrendou um quarto em Lisboa, onde residiu até se casar aos 24 anos. O arguido tem dois filhos do casamento ( G... , 44 anos; I... , 43 anos). O casamento durou cerca de 3 anos, justificando o arguido o seu fim com a saída do cônjuge de casa para regressar à sua terra natal, sem que tenha aludido aos motivos subjacentes. Todavia, a irmã do arguido referiu que o seu cônjuge sabia a orientação sexual do arguido, bem como que ele mantinha em paralelo uma relação com outro indivíduo, podendo ter sido esse o motivo da ruptura conjugal.

f).- O arguido veio a divorciar-se em 2003. A... desde que se separou do cônjuge que não voltou a manter relacionamentos em que coabitasse, nem referiu nenhum que tivesse sido significativo, fazendo apenas referência a encontros de natureza sexual.

g).- A... referiu que tomou consciência da sua orientação sexual, a qual diz ser bissexual, mas que a sua irmã considera ser tendencialmente homossexual, por volta dos 17 anos.

h).- A... reformou-se aos 55 anos, na sequência de diagnóstico de HIV+, em 1991, tendo iniciado tratamentos em 1996 no Hospital Egas Moniz.

i).- A... , à data dos factos de que se encontra acusado residia sozinho numa quinta onde desempenhava as funções de responsável por um turismo rural, contando com a presença de uma empregada durante o dia. Presentemente reside com a sua irmã, J... , num imóvel de que esta é proprietária, mantendo com a irmã boa relação. A... referiu que mantém boa relação com os filhos, assim como com a restante família, sabendo os primeiros da existência do presente processo.

j).- A... auferia pelas funções desempenhadas no turismo rural o equivalente ao salário mínimo nacional, contando com alojamento gratuito, mas sendo a alimentação suportada por si. Presentemente, subsiste com base na sua pensão de reforma no valor mensal de 1 029,00 € contribuindo para as despesas do agregado familiar com cerca de 200€/mês, tendo ainda como encargo fixo a aquisição de medicação no valor de 100€/mês. A irmã do arguido é professora reformada possuindo uma pensão de reforma no valor de 1 700,00€/mês. Não foram identificados problemas económicos.

l).- A... para além do quadro de HIV+, foi diagnosticado com uma neoplasia do intestino, tendo sido sujeito a uma intervenção cirúrgica em 2015, não se encontrando a fazer tratamentos por impossibilidade relacionada com o HIV+. O arguido tem ainda sequelas de três acidentes vasculares cerebrais. Referiu ainda que lhe foi diagnosticada disfunção eréctil em 2007.

m).- A... conhece a alegada vítima desde que este era uma criança, tendo referido que a recente proximidade a esta se deveu a uma solicitação por parte de um familiar para que a apoiasse ao nível escolar.

n).- A irmã do arguido referiu nunca lhe ter identificado propensão para estabelecimento de relações com pessoas mais jovens, tendo ainda acrescentado que na terra onde ocorreram os factos de que o arguido se encontra acusado existem muitos preconceitos, dos quais o próprio foi alvo em tempos, podendo a sexualidade do arguido ser tida, por si só, como desvio ou uma vivência de risco para terceiros.

­o).- A... é um septuagenário que ao longo da vida vivenciou a sua orientação sexual de forma pouco livre, em parte devido aos modelos sociais da época, mas também aos modelos familiares, podendo, por isso, ter feito escolhas ao nível dos relacionamentos que não lhe permitiram estabelecer relações afectivas suficientemente gratificantes e estáveis, optando por manter encontros de natureza sexual com parceiros.

p).- A... tem dificuldade em compreender a sua constituição como arguido, até porque os factos constantes na acusação colidem com o diagnóstico de disfunção eréctil que referiu lhe ter sido feito em 2007.

q).- A... compreende os bens jurídicos em causa e a necessidade da sua protecção.

26).- O arguido é delinquente primário. - RC de fls 752.

B) Factos não provados:

- não se provou que o arguido tivesse introduzido o seu pénis no ânus do menor e aí tivesse ejaculado.

C) Fundamentação da matéria de facto:

Os factos acima provados tiveram por fundamento os seguintes meios de prova, declarações do arguido, disse que em 7.9.2003 quando se reformou foi viver da x...; nessa data conheceu o C... porque pertencia a um grupo de adoração e o menor ia com a avó, integrando esse grupo; em 2007 a avó do C... pediu ao arguido para este dar umas explicações ao C... , o que o arguido fez; as explicações eram na casa do arguido por cima da Repartição de Finanças; comprou livros, cadernos, a cartilha do João de Deus, que deu ao menor; igualmente lhe deu uma máquina fotográfica, imagens de santos, livros de orações, um crucifixo; comprou-lhe e deu-lhe um telemóvel, uma vez deu-lhe dinheiro (5 €); falavam os dois (arguido e C... ) pelo skyp e uma vez o menor masturbou-se em frente ao skyp; o arguido fazia estiramentos ao C... , pois o mesmo parecia sofrer de raquitismo; o arguido é portador de HIV mas nunca o disse ao C... ; pelo depoimento do menor C... , disse que conheceu o arguido quando tinha 8 anos, era amigo da sua avó; o arguido vivia por cima das Finanças mas tinha uma Quinta; disse que por várias vezes o arguido tocou no pénis do menor e pedia-lhe para o menor tocar no seu (do arguido); isto aconteceu na Quinta para onde o menor ia todos os dias, rente á noite; terão sido aí umas 20 vezes, que estes factos aconteceram; por 3 vezes pensa que o arguido introduziu o seu pénis no seu ânus, ejaculou para fora, para cima de um cobertor; sempre que o menor ia à Quinta o arguido dava-lhe um presente; a testemunha B... , avó do menor e conhecida do arguido, disse que este telefonava muitas vezes para o menor; o arguido perseguia o menor; o C... vive na companhia da sua avó desde os 3 anos; a testemunha pediu ao arguido para dar umas explicações ao C... , uma vez que este na escola tinha pouco sucesso na aprendizagem; a testemunha H... disse que, um determinado dia, o C... integrou um grupo de menores que foi visitar o Pavilhão do Conhecimento em Lisboa, e nesse dia o arguido foi ter com ele e deu-lhe uma telefonia; contactavam frequentissimamente os dois através de mensagens; o relatório social elaborado com base em elementos recolhidos, um deles uma entrevista à irmã do arguido ( J... ) onde esta relata que “desde muito cedo era perceptível que este (arguido) teria uma orientação homossexual, facto que era dissimulado pelos pais”; mais diz a irmã que o arguido apesar de casado manteve durante o casamento uma relação sexual com outro indivíduo. 

Apreciação crítica da prova: apesar de o arguido negar as práticas sexuais vertidas na acusação, o depoimento do menor merece-nos crédito; crédito este suportado pelo que consta do relatório social e por toda a envolvência que o arguido procurou ter com este menor; temos dúvidas no entanto que tenha havido introdução do pénis do arguido no ânus do menor; e as dúvidas resultam do facto de na avaliação feita ao menor se ter concluído que “o seu desenvolvimento cognitivo global é muito inferior relativamente aos parâmetros médicos esperados para o seu grupo etário. O seu perfil cognitivo é heterogéneo, sendo revelada maior aptidão para tarefas de natureza verbal (cognição verbal) relativamente a tarefas de realização (cognição não verbal). No que diz respeito à cognição verbal (a mais implicada nas aprendizagens escolares) verificam-se dificuldades ao nível do conhecimento factual adquirido (a partir da educação na escola e na família), do cálculo mental, do conhecimento lexical, do conhecimento de padrões de comportamento convencional e da memória de trabalho. O desempenho é adequado à idade cronológica em termos do pensamento categorial e da memória auditiva sequencial a curto prazo. No âmbito da cognição não verbal, verificam-se dificuldades em todas as áreas avaliadas, nomeadamente ao nível da distinção de detalhes essenciais face a detalhes não essenciais (estímulos visuais) da memória visual a curto prazo, da antecipação de consequências e conceito de tempo e do raciocínio vísuo-espacial”. 

Na informação clínica provinda do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra referente ao arguido de fls. 728 e 729 diz-se que “o arguido sofre de disfunção eréctil com 4 anos de evolução, sem qualquer erecção mas mantém capacidade orgâsmica e ejaculatória”. Realizado doppler peniano o relatório diz “após administração intra-cavernosa de vasodilatador fármaco que desencadeou significativa tumescência, no entanto sem evidência de rigidez peniana, durante o tempo de realização do estudo”. Ora sendo o arguido incapaz de erecção e sendo o menor C... limitado de um modo grave nas funções de percepção, pode o menor ter percepcionado e relatado um facto como ocorrido (a introdução do pénis no ânus) e de facto o mesmo não ter ocorrido (por falta de erecção); perante esta realidade, ficamos com dúvidas se terá havido introdução do pénis, no ânus. Em reforço desta dúvida está o facto de o arguido ser portador do HIV e apesar dos vários actos sexuais com o menor, não ter o mesmo sido infectado com tal vírus, talvez porque, reforçando a nossa dúvida, não tenha havido introdução do pénis do ânus do menor».


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II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questão a decidir:

a) Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, relativamente aos factos 6 a 24, dados como provados, os quais devem ser dados como não provados.

b) Vício de erro notório na apreciação da prova.

c) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

d) Falta de fundamentação e exame crítico da prova.

e) Qualificação jurídico-penal dos factos. Falta dos elementos constitutivos.

f) Medida concreta da pena.

g) Montante de indemnização.

Apreciando:

a) Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento

Neste segmento do recurso o arguido impugna a matéria de facto, por erro de julgamento, relativamente aos factos 6 a 24, dados como provados, os quais, no seu entender devem ser dados como não provados.

Põe em causa a mesma matéria de facto invocando ainda os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova previstos no art. 410.º, n.º 2, al. a) e c), do CPP, como se alcança da conclusão 11, quando refere:

«A decisão padece dos vícios previstos no art. 410 n .º 2 alíneas a) a c) do CPP, ao dar como provado os factos 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16) a 24)».

A confusão é patente quanto às diferentes formas de atacar a matéria de facto.

O recorrente ataca aquela matéria de facto, por erro de julgamento, por via do art. 412.º, n.º 3, do CPP, alegando ausência de prova, alegando que as declarações do arguido, do ofendido, os depoimentos das testemunhas B... , D... , E... , F... , G... , prestadas nas sessões de 2/6/2015 e 14/3/2016, impõe uma decisão diversa, conforme se encontram transcritas na motivação, devendo tais factos dar-se como não provados

Conclui que as testemunhas põem em causa a veracidade das declarações prestadas pelo ofendido e tira a ilação de que se o tribunal considerou que o ofendido pode ficcionar factos, não pode o mesmo tribunal considerar credíveis as declarações do ofendido, para fundamentar a sua decisão é necessário mais, sob pena de estarmos perante uma condenação arbitrária.

O arguido para impugnar a matéria de facto, por erro de julgamento limitando-se a indicar os seguintes depoimentos transcritos:

1. Arguido (fls. 790 a 794).

2. Testemunha B... (fls. 794 a 795v.).

3. Menor C... (fls. 795v. a 797).

4. Testemunha D... (fls. 798 a 799v.).

5. Testemunha E... (fls. 799v. a 800).

6. Testemunha F... (fls. 800v. a 801).

7. Testemunha G... (fls. 801 a 802).

Depois faz uma apreciação crítica de cada depoimento.

Ora, a impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, não se pode tornar num 2.º julgamento no tribunal de recurso.

Sobre a ocorrência concreta dos factos só o ofendido e arguido podem atestar a forma como ocorreram, uma vez que ninguém os presenciou, a não ser de uma forma indirecta, como passaremos a demonstrar.

O arguido põe em causa a matéria de facto constante dos pontos 6 a 24 dos factos provados. 

O recorrente não é rigoroso e nem claro, nas questões que suscita e que quer submeter à apreciação deste tribunal de recurso relativamente impugnação da matéria de facto quanto àqueles factos dados como provados.

Concretamente na sua motivação de recurso, limita-se a dizer que aqueles pontos da matéria de facto os factos foram incorrectamente julgados, pois em seu entender tal matéria de facto, deveria ter sido dada como não provada, por falta de credibilidade do depoimento do ofendido.

Pretende atacar a matéria de facto com base em erro de julgamento nas contradições e incongruência que aponta, mas não identifica os pontos concretos do depoimento.

Depois pretende o arguido infirmar a versão acolhida pelo tribunal, não com elementos probatórios dos quais resulte decisão diversa, mas com base na valoração subjectiva que ele pretende dar à prova de forma diferente.

Ora, nesta segmento do recurso, importa lembrar que há diversas formas de atacar a matéria de facto.

Uma é que resulta dos elementos intrínsecos da própria sentença, isto é, a forma processual para pôr em causa a matéria de facto é a via dos vícios da sentença do art. 410.º, n.º 2, do CPP e que devem resultar do texto da sentença recorrida, outra é a impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, por via do art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP, cuja alteração pretendida deve resultar da reapreciação dos depoimentos indicados e apenas relativamente aos pontos concretos em que o tribunal errou no julgamento.

No erro notório da apreciação da prova está em causa não o depoimento em si, que se aceita, mas a apreciação e valoração do mesmo, enquanto no erro de julgamento o tribunal considera que a testemunha diz uma coisa, quando disse outra (por exemplo o tribunal por lapso deu como provado que o acidente ocorreu 7h, quando a testemunha disse 17H) ou o depoimento de outra pessoa impõe decisão diversa.

Ora, o recorrente, o que discorda é da versão colhida pelo tribunal, que partindo da credibilidade do depoimento do ofendido, em detrimento da versão do arguido, deu como provados os factos constantes dos pontos 6 a 24.

Por isso, entende que a versão por si sustentada e corroborada por outros elementos, merecia credibilidade e como tal aqueles factos deviam ter sido dados como não provados.

O julgamento em tribunal de recurso não deve ser a repetição do julgamento da 1.ª instância, como parece fazer crer o recorrente.

Diversamente a impugnação especificada da matéria de facto, deve assentar nos pontos concretos que o recorrente entende haver erro de julgamento, com a indicação das provas concretas que apontam decisão em sentido diverso e não atacar a matéria de facto na generalidade.

Nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPP a motivação especifica os fundamentos do recurso, devendo terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, devendo ainda obedecer às prescrições dos n.ºs 2 a 5.

Em bom rigor o art. 412.º, n.º 3, do CPP impõe o seguinte:

«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devam ser renovadas».

O recorrente indica como pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, praticamente toda a matéria de facto que integra os elementos constitutivos dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, isto é, os factos 6 a 24 dados como provados.

Em bom rigor, o recorrente não dá cumprimento ao disposto no art. 412.º, n.º 3 e 4, do CPP, preceito este que exige, que quando as provas sejam gravadas, as especificações previstas nas al. b) e c), do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

Aliás, pretende por em causa na totalidade dos depoimentos que serviram de base à convicção do tribunal, em vez de contrapor outra prova concreta que impõe decisão diversa, o que não pode ser considerado uma forma de atacar a sentença com base em erro de julgamento.

Aliás, é o que de corre da motivação de recurso, onde o recorrente faz a apreciação do depoimento do ofendido, do arguido e das testemunhas acima identificadas, pretendendo retirar a credibilidade ao depoimento do ofendido.

Manifestamente que tal não é impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento.

E não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto com observância do disposto no art. 364.º, n.º 3, do CPP, rejeita-se tal forma de impugnação, não se convidando o recorrente ao aperfeiçoamento, por não ser permitido modificar o âmbito do recurso fixado na motivação, como impõe o art. 417.º, n.º 4, do mesmo diploma legal.


*

b) Vício de erro notório na apreciação da prova.

O próprio recorrente, embora tenha enveredado por alguma confusão na impugnação da matéria de facto ao longo da motivação do recurso, refere quanto à modificabilidade da matéria de facto, que houve violação do art. 410.º, n.º 2, al. a) e c), do CPP e violação entre outros o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º do CPP.

Não se questionam as duas versões em confronto e nem os depoimentos que respectivamente as sustentam, mas apreciar se a versão acolhida pelo tribunal se mostra ou não razoável e se não ofende os princípios da livre apreciação da prova, face às regras da experiência comum e da livre apreciação do julgador e sem ofensa dos princípios da inocência e do in dúbio pro reo.

Postas as coisas nestes termos vejamos se existe erro notório na apreciação da prova.

Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

A existência de duas versões contraditórias (a do ofendido, acolhida pelo tribunal a quo que relevou as suas declarações e as conjugou com os diversos elementos de prova e que foram apreciados e relacionadas de forma crítica com as circunstância em que os factos ocorreram e a versão do arguido que negou a prática dos crimes que lhe são imputados) não implica necessariamente a aplicação do princípio in dúbio pro reo, dando como não provada a matéria de facto integradora dos elementos constitutivos do crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo art. 174.º n.º 1 agravado pelo art. 177.º n.º 3 do CP.

O princípio in dubio pro reo tem de resultar de um juízo positivo de dúvida resultante de um impasse probatório.

O recorrente confunde a diferente valoração que o tribunal fez da prova, relativamente à versão do arguido, com violação do princípio in dubio pro reo.

Sustenta o arguido, que à míngua de prova suficiente e que em seu entender deveria ter sido valorada de forma diferente, isto é, perante duas versões contraditórias, o tribunal, por respeito àquele princípio de presunção de inocência, deveria ter absolvido o arguido.

Também aqui o arguido confunde insuficiência de prova, com insuficiência da matéria de facto provada.

A insuficiência de prova tem a ver com o princípio de presunção de inocência e in dúbio pro reo, isto é, ninguém deve ser condenado sem provas que sustentem a condenação.

A insuficiência da matéria de facto provada, traduz-se na insuficiência de factos para a decisão proferida.

No caso dos autos é manifesto que os factos dados como provados e que o recorrente pretende ver alterados, permitem a conclusão a que o tribunal colectivo chegou de condenar o arguido pelo crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo art. 174.º n.º 1 agravado pelo art. 177.º n.º 3 do CP.

Nos termos do art. 32.º, n.º 2, da CRP todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado.

Este princípio de inocência in dubio pro reo, deve estar sempre presente na mente do julgador, mas este, em cada caso concreto, designadamente quando está em causa a mediação e oralidade da prova, pautado princípio da livre apreciação da prova, cabe-lhe a apreciação crítica que fez dos vários elementos probatórios e em que termos os conjugou, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros.

Ora, de acordo com o disposto no art. 127.º, do CPP, o princípio da livre apreciação da prova, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não deve apreciar a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP.

A apreciação em sede de recurso da eventual violação do princípio in dúbio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, isto é, deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.

O juiz deve procurar a verdade material, como meta a atingir, que tem de ponderar, de forma objectiva, imparcial e com bom senso, conciliando a preocupação da verdade com o respeito por aquele princípio constitucional de presunção de inocência.

A existência de duas versões contraditórias (a do ofendido C... e a do arguido que negou a prática do crime) não implica necessariamente a aplicação do princípio in dubio pro reo, dando como não provada a autoria dos crimes imputados ao arguido.

Tal tem de resultar de um juízo positivo de dúvida resultante de um impasse probatório.

No seguimento das conclusões a que chegámos para enquadrar a motivação de recurso do arguido se pronunciou a seguinte jurisprudência: Ac. do STJ, de 12/03/2009 – Proc. 07P1769, in www.dgsi.pt; Ac. do STJ, de 3/04/2003 – Proc. 975/03, in www.pgdlisboa.pt/iure/stj; Ac. do TRC de 30/09/2009 – Proc. 195/07.2GBCNT.C1 e de 6/09/2009 – Proc. 363/08.00GACB.1, in www.dgsi.pt/jtrc.

O papel do julgador tem de ir muito mais além do que ser um mero recolhedor de provas e particularmente nos crimes de natureza sexual, onde as declarações do ofendido têm particular interesse, desde que se mostrem credíveis, atendendo ao secretismo em que os factos ocorrem, quase sempre só com o conhecimento do arguido e ofendido.

Por isso, as declarações dos ofendidos, nestes crimes têm especial valor (Ac. do TRP de 6/03/1991, in CJ T. II, pág. 287).

Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.

A sentença recorrida está bem fundamentada quanto à apreciação crítica que fez da prova, credibilizando a versão da ofendida, apoiada noutros elementos probatórios circunstanciais, que soube apreciar e conjugar de forma lógica e coerente, de acordo com observância das regras da experiência e da livre convicção, dando como provada a factualidade imputada ao arguido, integradora da prática do crime pelo qual foi condenado.

O recorrente faz ele a apreciação da prova oral, como que em jeito de 2.º julgamento, referindo os factos que deviam ser dados como provados, dizendo:

- «Nenhuma das testemunhas afirma ter desconfiado de qualquer acto do arguido para com o ofendido, o menor em causa ou outra pessoa, nada foi visto ou desconfiado de nada» (fls. 802v.).

Diz-nos a experiência que crimes de natureza sexual, envolvendo menores, são praticados frequentemente durante anos, sem que os mais próximos se apercebam, por razões de diversa ordem, por a vítima não reagir por medo, coacção, vergonha e até por tirar proveito ou compensação pecuniária. 

- «A testemunha I... põe em causa as declarações do ofendido, afirmando que o ofendido não tem noção da diferença entre o bem e o mal» (fls. 802v.).

Trata-se de um mero juízo da testemunha.

Também nos diz a experiência que frequentemente, crimes desta natureza, ocorrem com vítimas com deficiência mental ou carenciadas e inseridas em famílias desestruturadas em que o predador ganha a confiança dos pais e do menor.

O caso dos autos não foge à regra, como decorre dos factos 2, 3, 4 e 5, dos factos provados, dos quais consta o seguinte:

«2).- O mesmo padece de atraso de desenvolvimento motor, com um QI total (prova de WISC-III) muito inferior (53), um QI verbal igualmente muito inferior (64) e um QI de realização também um valor muito inferior (47), com deficiência grave nas funções intelectuais, de atenção, de memória, psicomotoras, de percepção, cognitivas de nível superior e de cálculo. - (relatórios médicos de fls 33 a 41)

3).- Pertence a uma família desestruturada e com graves dificuldades económicas. - (informação de fl 42 a 45)

4).- Desde os oito anos de C... que o arguido, bem sabendo quer as condições mentais quer as condições materiais daquele, começou a ajudar aquele nas tarefas da escola.

5).- Estabelecendo uma relação de confiança e amizade entre ambos».

- «A testemunha F... assistiu o arguido dar explicações na Quinta do ofendido» (fls. 802v.).

Não pomos em causa a veracidade da constatação da testemunha.

Porém, é absolutamente irrelevante para pôr em causa a factualidade dada como provada.

Tal só prova a confiança que o arguido tinha com o menor e a família, o que aliás até podia facilitar a prática do crime, como normalmente acontece a facilidade de oportunidade para o predador atacar a vítima.

- Sobre o relatório social o recorrente adianta: «…menciona o Tribunal que numa entrevista a irmã do arguido ( J... ) onde esta relata que “desde muito cedo era perceptível que este (arguido) teria uma orientação homossexual (…)» (fls. 802v.).

Depois o recorrente questiona: o que tem a ver a orientação sexual com o crime de recurso à prostituição de menores?

Tal afirmação sobre a orientação homossexual do arguido, pode não dizer nada, mas antes vem de encontro aos factos dados como provados, pois no caso concreto a vítima é do mesmo sexo.

Vejamos em que provas se alicerçou o tribunal a quo.

O arguido confirmou que em 7.9.2003, foi viver para x..., onde conheceu o C... porque pertencia a um grupo de adoração e o menor ia com a avó, integrando esse grupo.

Em 2007, o arguido passou a dar explicações ao C... , a pedido da avó deste, que ocorriam na casa do arguido por cima da Repartição de Finanças, tendo comprado livros, cadernos, a cartilha do João de Deus, uma máquina fotográfica, imagens de santos, livros de orações, um crucifixo, um telemóvel, que deu ao menor e uma vez deu-lhe 5 €.

O arguido falava com o C... pelo skyp, referindo que uma vez o menor masturbou-se em frente ao skyp.

Também referiu que fazia estiramentos ao C... .

O arguido era portador de HIV mas nunca o disse ao C... .

O menor C... , disse que conheceu o arguido quando tinha 8 anos, por ser amigo da sua avó. Confirmou que o arguido vivia por cima das Finanças mas tinha uma Quinta.

Relatou que por várias vezes o arguido lhe tocou no pénis e pedia-lhe para o menor tocar no seu (do arguido), o que acontecia na Quinta do arguido para onde o menor ia todos os dias, próximo da noite, o que terá ocorrido cerca de 20 vezes.

Admite que por 3 vezes o arguido introduziu o seu pénis no seu ânus, ejaculando para cima de um cobertor.

Também referiu que sempre que o menor ia à Quinta o arguido dava-lhe um presente.

A testemunha B... , avó do menor, confirmou que o arguido, telefonava muitas vezes para o menor e que perseguia o menor C... , que vive na sua companhia desde os 3 anos. Confirma ter pedido ao arguido para dar umas explicações ao C... .

A testemunha H... , referiu em determinado dia, o C... integrou um grupo de menores que foi visitar o Pavilhão do Conhecimento em Lisboa, e nesse dia o arguido foi ter com ele e deu-lhe uma telefonia. Os contactos entre os dois eram muito frequentes através de mensagens.

No relatório social é referida uma entrevista à irmã do arguido J... , na qual esta alude que o arguido tem orientação homossexual.

Na apreciação crítica da prova o tribunal a quo deu crédito à versão do menor, que tem suporte na conjugação dos depoimentos das testemunhas atrás mencionadas que atestam a envolvência deste com o arguido que ia muito além dos meros contactos para explicações, sendo que estas foram um pretexto e que proporcionaram os contactos frequentes entre arguido e ofendido.

A versão do menor apenas mereceu reservas ao tribunal colectivo quanto ao facto de ter havido ou não introdução do pénis no ânus do C... , só não dando como provado o facto por ficar na dúvida, tendo assim deste modo decidido em benefício do arguido, face aos elementos probatórios, designadamente o atraso intelectual do menor e informação clínica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.

As leccionações proporcionaram que a avó do menor depositasse confiança no arguido, sendo esta a melhor forma do arguido poder praticar os actos, para satisfazer os seus instintos libidinosos, por se encontrar com frequência a sós com o menor tanto na sua casa, como na sua quinta.

Os depoimentos das testemunhas acima referidas, embora não tenham presenciado os factos em concreto praticados pelo arguido, como normalmente acontece nos crimes de natureza sexual, segundo as regras da experiência, confirmaram a versão do menor, para a versão deste merecer credibilidade, o que aliás se conclui facilmente pelo interesse do arguido pelo menor.

Nesta conformidade, concluímos não se verificar o vício de erro notório da apreciação da prova, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e não foi violado o princípio da inocência ou in dúbio pro reo, constante do art. 32.º, n.º 2, da CRP.


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c) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Como atrás referimos o arguido confunde insuficiência de prova com insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Estamos perante insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando os factos dados como provados não permitem a decisão posta em causa ou há factos importantes para a decisão que ficaram por apurar e que eventualmente poderão implicar alteração da decisão.

Resulta do art. 339.º, n.º 4, do CPP que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre aqueles factos e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento nos termos constantes na decisão.

Admite-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal “a quo” através dos meios de prova disponíveis, apreciados de forma crítica e segundos os princípios da livre apreciação ad prova e das regras da experiência comum, seriam dados como provados, determinando uma alteração da qualificação jurídica da matéria de facto, ou da medida da pena ou de ambas – Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, 2.ª Ed., pág. 737 a 739.

Verifica-se pois o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – Cfr. entre outros os Acórdãos do STJ de 6/4/2000, in BMJ n.º 496, pág. 169 e de 13/1/1999, in BMJ n.º 483, pág. 49.

Os factos da acusação foram todos provados, com excepção de que o arguido tenha introduzido o pénis no ânus do menor, sendo que o tribunal deu-lhe a qualificação jurídica diferente, condenando o arguido pela prática de um crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo art. 174.º n.º 1 agravado pelo art. 177.º n.º 3 do CP.

A matéria de facto permite a condenação do arguido, independentemente do acerto do enquadramento penal dos factos, que não se confunde com a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Concluímos pois que o acórdão recorrido não padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, constante do art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, pois foram apurados os factos sobre os quais o tribunal tinha o dever de se pronunciar e os factos apurados permitem a decisão de condenação.


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e) Qualificação jurídico-penal dos factos. Falta dos elementos constitutivos.

Por outro lado o acórdão não sofre da nulidade por falta de fundamentação e procedeu à apreciação crítica da prova, contrariamente ao alegado pelo recorrente.

O julgador, devendo obedecer regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com referência aos elementos probatórios e os termos em que foram apreciados.

Assim, nos termos do disposto no art. 374.º n.º 2 CPP “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.

Relativamente à redacção anterior do referido preceito legal, a revisão do CPP levada a cabo pela Lei 59/98 de 25 de Agosto, aditou a exigência do exame crítico das provas.

Na verdade o Tribunal Constitucional já havia julgado inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º CPP/87, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se bastava com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por entender ser violado o dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º 1 do art. 205.º da CRP, bem como quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do art. 32.º CRP (Acórdão nº 680/98, P. 456/95, 2ª Secção, de 2 de Dezembro de 1998, DR II Série, nº 54, 99.03.05, pág. 3315.).

Significa isto que, para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tenha ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas e depois a justificação pela qual o tribunal optou por determinada solução de direito.

O objectivo dessa fundamentação é, no dizer do Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, 2.ª Ed., III, pág. 294 a de permitir “ a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.

Como escreve Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processo Penal, pág. 229, “ Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”.

Também a propósito da fundamentação das sentenças refere Eduardo Correia "só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, “convencer” as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por “convencido” sugere" - Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o artigo 653º do Projecto, em 1ª Revisão Ministerial, de alteração do Código de Processo Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXVII (1961), pág. 184.

Não basta fixar os factos, dando-os como provados ou não provados, mas é preciso explicar e dizer o porquê de tal opção, relativamente a cada um deles.

É isto a fundamentação a que se alude no art. 374.º, n.º 2, do CPP.

Impõe-se pois, que no exame crítico se indique, no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da sua convicção.

Ora, nesta perspectiva a sentença em análise está fundamentada, constando da mesa a motivação, através da qual o tribunal explica o modo como chegou à matéria dada como assente, designadamente quanto às razões por que deu como provada a factualidade, tendo explicado devidamente a razão por que deu credibilidade à versão do menor, apoiada noutros elementos probatórios, designadamente as testemunhas B... , avó do menor e H...

Aliás, teve o cuidado de se pronunciar sobre as capacidades cognitivas do menor e justificou até as razões por que lhe mereceu reservas o facto do arguido ter chegado a introduzir o pénis no ânus do menor.

A justificação relativamente à realidade dos factos que o tribunal deu como assentes, advém da apreciação crítica que fez da prova, face às regras da experiência comum, não menosprezando a natureza do crime de caris sexual, onde o julgador deve apreciar com ponderação e bom senso, tendo em conta a normalidade como as coisas acontecem neste tipo de crimes.

Concluímos deste modo que o acórdão recorrido encontra-se devidamente fundamentado, justificando o tribunal a quo de forma adequada o processo de formação da sua convicção, enunciando os elementos probatórios que lhe serviram de base e a apreciação crítica que fez dos mesmos, com observância da exigências do art. 374.º, n.º 2, do CPP, não sofrendo assim da nulidade por falta de fundamentação, prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal.


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Uma vez dada como definitivamente assente a matéria de facto, importa aferir da adequada qualificação jurídico-penal dos factos e apreciar designadamente se faltam os elementos constitutivos como alega o recorrente.

O arguido foi condenado por um crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo art. 174.º n.º 1 e 177.º n.º 3 do CP,

Pratica o crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo art. 174.º, n.º 1, do CP, na versão anterior à Lei nº 103/2015 de 24/8, «Quem, sendo maior, praticar acto sexual de relevo, com menor entre os 14 e 18 anos, mediante pagamento ou outra contrapartida..».

As penas previstas neste preceito são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se o agente for portador de doença sexualmente transmissível, por força do art. 177 nº 3 do CP.

O crime de recurso à prostituição de menores faz parte dos crimes inseridos no Capítulo V dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.

O bem jurídico protegido pela incriminação do art. 174.º, do CP é o livre desenvolvimento da personalidade, na esfera sexual, do menor/adolescente entre os 14 e os 18 anos de idade, criando as condições para que esse desenvolvimento se processe de uma forma adequada e sem perturbações, podendo esse desenvolvimento estar em causa quando o menor é levado a praticar o (s) acto (s) sexual (sexuais) de relevo, mediante pagamento ou outra contrapartida, efectuada pelo agente. – cfr. Maria João Antunes e Cláudia Santos, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª edição, pág. 866 e 867.

No caso dos autos o arguido praticou acto sexual de relevo com o menor que sabia ter entre os 14 anos e os 18 anos de idade.

Acto sexual de relevo será todo o acto praticado, que tendo relação com o sexo (relação objectiva) se reveste de certa gravidade e em que além disso há da parte do seu autor a intenção de satisfazer apetites sexuais – Cfr. Ac. do STJ 24/10/96, referido por Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado 2.º Vol., pág 441.

Vejam-se ainda os acórdãos da Relação de Coimbra de 25/01/2012, 02/02/2011, 18/01/2009 e 09/07/2008, e do STJ de 07/01/2010 e 09/12/2010, todos disponíveis em www.dqsi.pt.apenas, dos quais constam diversos actos de cariz sexual praticados com menores de 14 anos e idade, susceptíveis de serem classificados como “actos sexuais de relevo”, para efeitos de integrarem objectivamente os elementos integradores de crime de natureza sexual praticados com adolescentes.

A lei não fornece indicação definidora do que deva entender-se por acto sexual de relevo, devendo porém considerar-se como acto sexual de relevo a conduta sexual que ofenda bens jurídicos fundamentais ou valores essenciais das pessoas no tocante à sua livre expressão do sexo e para justificar a expressão “de relevo” terá a conduta de assumir gravidade, intensidade objectiva e concretizar intuitos e desígnios sexuais visivelmente atentatórios da auto determinação sexual da vítima.

No caso dos autos a factualidade descrita nos pontos 6 a 24 integram manifestamente os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime pelo qual o arguido foi condenado.

Concretamente “tocar no pénis do arguido”, “encostou o pénis no ânus do menor C... e ejacular para o chão”,” friccionar o menor o pénis do arguido até ejacular”, “friccionar o arguido o pénis do menor C... até este ejacular”, são manifestamente actos objectivamente considerados como actos sexuais de relevo, na esteira da jurisprudência e doutrina acima mencionadas.

O arguido sabia a idade do menor, a quem dava explicações, facto que não se questiona.

O menor praticava os actos sexuais aliciado pela promessa de presentes que recebia após a consumação do acto sexual, chegando a receber dinheiro, conforme consta dos pontos 9, 12, da matéria de facto:

«9) Findo o acto, o arguido deu a C... um presente.

12).- Aí este prometia a C... que lhe dava um presente depois do mesmo lhe friccionar o seu pénis até ejacular.

14).- Após a prática do referido acto, o arguido dava sempre ao C... um presente, como por exemplo, um telemóvel, uma máquina fotográfica, livros de orações, imagens de santos e diversas quantias em dinheiro, cujo montante máximo foi de cinco euros».

Estes factos consubstanciam o elemento objectivo do crime tipificado no art. 174.º, n.º 1, do CP, isto é o menor praticava ou sujeitava-se aos actos sexuais a solicitação do arguido mediante contrapartida ou pagamento.

Por outro ledo o arguido era portador de HIV e não informou C... desta condição, praticando sexo sem protecção (facto 16); os familiares do menor e este recearam ter contraído o vírus HIV por contacto sexual (facto 22) e o menor e seus familiares viveram momentos de angústia pelo facto de o arguido ser portador de HIV e não se coibir de ter contactos sexuais com o menor, reinando a incerteza e o pânico, que só o resultado das análises os tranquilizou (factos 23 e 24).

Não obstante o arguido ser portador de HIV não se inibiu de praticar os actos sexuais com o menos, o que fez sempre de forma deliberada e consciente.

Face ao que deixamos exposto, inquestionavelmente que se mostra adequada a subsunção da factualidade dada como provada, ao crime de um crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. pelo art. 174.º n.º 1 agravado pelo art. 177.º n.º 3 do CP, não merecendo qualquer censura neste segmento ao cordão recorrido.


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f) Medida concreta da pena.

Vejamos agora a medida da pena.

O crime de recurso à prostituição de menores agravado, p. e p. pelo art. 174.º, n.º 1 e 177 n.º 3, do CP, é punido com a pena de prisão de 40 dias a 2 anos e 8 meses de prisão, ou multa de 13 dias a 320 dias.

O arguido foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo prazo de duração da mesma, com regime de prova.

Não se questiona a opção da pena de prisão e a suspensão da sua execução.

O arguido entende que a pena deve ser diminuída para o mínimo.

É manifesto o exagero do recorrente, face à extrema gravidade dos factos praticados!

A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).

A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

Na determinação da medida concreta da pena, devemos partir dos limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.

E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.

E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.

A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.

No caso dos autos é elevadíssima a culpa e ilicitude do arguido relativamente aos factos que integram os elementos constitutivos do crime de recurso à prostituição de menores agravado, sendo também elevadíssimas as exigências de prevenção geral nestes casos.

A culpa e ilicitude dos factos são intensas, não só pelo modo de execução dos factos, como pelo longo período de tempo em que foram praticados, abusando o arguido do menor, com que se começou a relacionar dando-lhe explicações a pretexto de colmatar as dificuldades escolares.

As consequências da conduta do arguido na personalidade da vítima são elevadas, não só no sofrimento e perturbação de ordem psicológica enquanto criança e adolescente, como nas angústias provocadas nos familiares que só descansaram que o menor não tinha sido infectado com o vírus HIV.

As sequelas tanto no menor, como nos familiares foram graves.

O arguido agiu com dolo na sua forma mais grave, dolo directo.

A favor do favor do arguido militam o facto de ser delinquente primário e ainda encontrar-se fisicamente debilitado devido a uma neoplasia do intestino e sequelas de três acidentes vasculares cerebrais.

Porém, as circunstâncias agravantes sobrepõem-se de forma acentuada sobre as atenuantes.

Nesta conformidade, não se justifica alteração da pena aplicada.


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g) Montante de indemnização.

O tribunal a quo julgando procedente o pedido de indemnização civil, condenou o arguido no pagamento da quantia 10.000,00 €, (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros contados desde a data da decisão.

O recorrente, neste segmento da motivação de recurso, formula o pedido de que em caso de manutenção da condenação, deverá o pedido cível ser reduzido atento a redução e limites impostos pela condenação penal, sem especificar em que termos.

Apreciemos a adequação do montante indemnizatório fixado.

Segundo o art.129.º do CP, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

Dispõe do artigo 483º, n.º 1 do Código Civil:

«Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

A indemnização que se pretende ver efectivada nos autos emerge de crime contra a personalidade da menor ofendida, a qual beneficia de protecção legal contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, fundada na responsabilidade subjectiva do demandado, nos termos dos art. 70.º, do CC.

Nos termos do art. 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada); por outro lado, a gravidade apreciar-se-à em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” - Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2.ª Edição, pág. 486 e 489.

Não há fórmulas concretas ou tabelas para de uma forma matemática se determinar o “quantum” indemnizatório.

Aliás a própria natureza dos danos não se quadunam com tais critérios, o que se conclui de uma simples leitura dos art. 496, n.º 3 e 494.º, do Cód. Civil.

No primeiro preceito acabado de citar, consagra-se que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias relevantes do caso concreto.

O facto de se tratar de um julgamento de equidade não impede que se deva atender à justa medida da gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras que o juiz deve seguir, com motivação adequada, o processo lógico através do qual chegou à liquidação equitativa do dano.

O ofendido, como resulta da matéria de facto provada, sofreu danos não patrimoniais irreparáveis, que se traduzem no desequilíbrio e afectação da liberdade de auto-determinação e orientação sexual, bem como no abalo psicológico, angústia e ansiedade que sentiu após saber que o arguido estava infectado com o vírus HIV, sentindo receio e até pânico em ser infectado por este.

O tribunal a quo atendeu à acentuada gravidade das consequências dos danos causados, ao grau de culpabilidade do arguido, o qual agiu com dolo directo e intenso, à condição social e económica do arguido e da condição humilde do lesado.

Foram variáveis que o tribunal a quo teve em consideração, de acordo com o disposto nos art. 496.º, n.º 1 e 2 e 494.º, do CC, não havendo razões para reduzir a módica quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) fixada equitativamente para o ressarcimento de tão elevados danos não patrimoniais sofridos pelo ofendido.


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III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... , e, em consequência, confirmam integralmente o acórdão recorrido.


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Custas pelo arguido, cuja taxa de justiça se fixa em 4 UCs.

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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 


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Coimbra, 9 de Janeiro de 2017


(Inácio Monteiro - relator)


(Alice Santos - adjunta)