Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
980/09.0TBPBL.C1-A
Nº Convencional: JTRC
Relator: GREGÓRIO JESUS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 04/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTº 771º, ALS. B) E C), E 772º DO CPC
Sumário: I – A infracção das regras de competência em razão da hierarquia é de conhecimento oficioso em qualquer estado do processo e enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (artºs 101º e 102º, nº 1, do CPC).

II – Dispõe o nº 1 do artº 772º do CPC, na redacção conferida pelo artº 1º do Dec. Lei nº 303/2007, de 24/08, que o recurso de revisão “…é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever”.

III – Perante os termos do artº 772º do CPC de 1939, norma idêntica à do vigente nº 1 do mesmo preceito, segundo os quais é competente para conhecer do recurso de revisão o tribunal que proferiu a decisão a rever, entendia a doutrina e a jurisprudência (a respeito dos nºs 2 e 3 do artº 771º do CPC de 1939, a que correspondem hoje as als. b) e c) do actual artº 771º) que a revisão teria, quase sempre, de ser requerida na 1ª instância – é que sendo o fundamento da revisão uma questão de facto, se a matéria de facto ficou arrumada na 1ª instância e a Relação e o STJ só conheceram de questões de direito, o que se pretende realmente rever é a sentença da 1ª instância.

IV – Este entendimento tem plena actualidade, acrescida perante o regresso ao regime do Código de 1939.

V – O conceito de “trânsito em julgado” empregue no actual artº 771º tem como única dimensão a de estabelecer um dos pressupostos, o nuclear, da revisão, e não o de indirectamente definir competências.

Decisão Texto Integral: A...., residente em ...., intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Pombal – 3º Juízo – com o nº º 980/09.0TBPBL, procedimento cautelar não especificado contra B.... e marido C...., D...., por si e em representação do seu filho menor E..... e F.... e mulher G...., todos residentes em Queluz, pedindo:

a) Se reconheça que o requerente é dono e legítimo possuidor do prédio que identificava no artº 1º da petição;

b) Se ordene a restituição da posse da faixa de terreno que constitui o leito da servidão de passagem do seu prédio para a via pública, da qual foi esbulhado, por forma a que o requerente tenha livre acesso ao seu prédio a pé e de carro, com a sua consequente desobstrução, devendo, para tanto, ser ordenada a demolição e remoção dos muros nela construídos de modo a permitir a passagem do requerido e, por último, ordenar a remoção do portão em ferro colocado junto à via pública, caso não seja entregue uma cópia da chave do mesmo portão ao requerente.

Foi proferida decisão final que julgou procedente a providência requerida, dela apelando os requeridos motivando o acórdão desta Relação de 19/01/10, inserto de fls. 302 a 313 do processo apenso, transitado em julgado, que julgou improcedente tal recurso.

Agora vêm F... e mulher G..., invocando o disposto na al. c) do art. 771º do Código de Processo Civil, interpor recurso de revisão deste acórdão oferecendo documentos que alegam não ter podido fazer uso no procedimento cautelar e que, por si só, eram suficientes para modificar a decisão em sentido que lhes fosse mais favorável.

Admitido o recurso, respondeu o recorrido impugnando os documentos e sustentando o seu indeferimento.

Cumpre apreciar, mas primeiro que tudo importa ponderar se é este Tribunal da Relação o competente, pois que a infracção das regras de competência em razão da hierarquia é de conhecimento oficioso em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (cfr. arts. 101º e 102º, nº1 do CPC), o que é o caso.



Dispõe o nº 1 do art. 772º do CPC, na redacção conferida pelo art. 1º do Dec. Lei nº 303/2007 de 24/08 aqui aplicável, que o recurso de revisão “…é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever”.

Com esta nova redacção regressou-se ao regime do Código de 1939, depois que com a reforma de 61 o recurso de revisão, embora continuasse a ser dirigido ao tribunal que proferiu a decisão a rever, devia ser interposto no tribunal onde estivesse o processo no momento da revisão, não tendo de o ser no tribunal que a proferiu.

De facto, na anterior redacção dizia-se que “O recurso é interposto no tribunal onde estiver o processo em que foi proferida a decisão a rever, mas é dirigido ao tribunal que a proferiu”. Termos estes que motivaram algumas decisões no sentido de atribuir competência às Relações para conhecer do recurso de revisão quando proferia acórdão, transitado em julgado, que julgava o recurso de apelação da sentença de 1ª instância, confirmando-a ou não (v.g. Acs. do STJ de 18/12/03, Proc. nº 03B2840, e de 12/02/04, Proc. 03B 3461, disponíveis no ITIJ).

Terá sido no acatamento desta linha de orientação jurisprudencial que os recorrentes se dirigiram a esta Relação. Todavia, a nosso ver, e com todo o respeito pela opinião contrária, assim não deveria ser.

Invocam para tal, em síntese, que só agora lhes foi possível saber, no âmbito do processo de licenciamento de obras da Câmara Municipal de Pombal, que o prédio do recorrido está a ocupar uma área do terreno dos recorrentes superior a 52,50 m, e que o pai do recorrido há muito não habita e vive no prédio em causa, mas antes reside no Lar da Santa Casa da Misericórdia ....

Os recorrentes defendem, assim, o reconhecimento como sua de uma área de terreno onde está construído um muro e a falsidade do depoimento das testemunhas quanto à residência do pai do recorrido. Invocam, por isso, como fundamento do recurso, as alíneas b) e c) do art. 771º CPC.

Ou seja, pretendem atacar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância e que esta Relação manteve inalterada, para por essa via, logrando êxito, obterem a revogação da decisão revidenda.

Perante os termos do art. 772º do CPC de 1939, norma idêntica à do vigente nº 1, segundo os quais competente para conhecer do recurso é o tribunal que proferiu a decisão a rever, Alberto dos Reis escreveu a respeito dos nºs 2 e 3 do art. 771º do CPC de 1939, a que correspondem hoje as invocadas als. b) e c) do actual art. 771º, o seguinte:

Nos casos dos ns. 2 e 3 é que a revisão terá, quase sempre, de ser requerida na 1ª instância. O fundamento da revisão é uma questão de facto, se a matéria de facto ficou arrumada na 1ª instância e a Relação e o Supremo só conheceram de questões de direito, o que se pretende realmente rever é a sentença da 1ª  instância[1].

Este entendimento tem plena actualidade, a nosso ver acrescida perante o regresso ao regime do Código de 1939, não sendo por isso de estranhar que recentemente, no estudo do preceito em causa, outras vozes autorizadas se tenham vindo pronunciar na mesma linha de pensamento.

Por exemplo, Cardona Ferreira mantém que quanto à competência para julgar subsiste a orientação que já considerava a legal “mesmo pelo velho nº 1 do art. 772º”, é o tribunal “onde fora proferida a decisão dita afectada, directamente, pelo alegado vício”[2], e os Exmos Juízes Desembargadores Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes sustentam que no caso de documento novo quase sempre a revisão terá de ser requerida na 1ª instância, porquanto só aí deve ser apresentada prova testemunhal, e quanto à falsidade de depoimento “a competência da Relação fica circunscrita aos casos excepcionais em que os referidos depoimentos e declarações tenham sido prestados em sede de renovação dos meios de prova, ex artigo 712º, nº 3, falecendo, por sua vez, competência ao Supremo, por só conhecer de direito”[3].

Identificamo-nos plenamente com esta orientação doutrinal, afigurando-se-nos, com o respeito que é devido, e é muito, que as decisões divergentes acima indicadas perderam boa parte da sua força perante o retorno à clareza da solução do Código de 39, para além de enfermarem na colocação do acento tónico da definição da competência no lugar, ou tribunal, onde a decisão transitou em julgado, valendo-se do proémio do art. 771º, obliterando que a mesma tem residência e solução expressa no art. 772º, nº 1, ou seja, no tribunal que proferiu a decisão a rever. É essa claramente a preocupação e o critério da lei que fala no tribunal que “proferiu a decisão” e não no tribunal onde “transitou em julgado a decisão”.

O conceito de trânsito em julgado empregue no art. 771º tem como única dimensão a de estabelecer um dos pressupostos, o nuclear, da revisão, e não o de indirectamente definir competências. Por isso, que Alberto dos Reis tenha dito que se a Relação alterou a decisão da 1ª instância será ela a competente por ser o seu acórdão a decisão a rever (ob.cit., pág. 378), tal como Jacinto Rodrigues Bastos tenha escrito que os tribunais superiores têm competência para conhecer do recurso de revisão, quando for sua a decisão a rever[4].

Assim sendo, e, como vimos, no caso esta Relação manteve inalterada a matéria de facto que foi dada como provada na 1ª instância e confirmou a sua decisão final, razões pelas quais carece de competência.



Pelo exposto, declaro este Tribunal da Relação incompetente para conhecer do recurso de revisão, absolvendo da instância o recorrido, sendo competente para o efeito o 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, a quem se remeterão os autos, após trânsito deste despacho.

Custas pelos recorrentes.


[1] Código de Processo Civil anotado, vol. VI, 1981, pág. 379.
[2] Guia de Recursos em Processo Civil, 4ª ed., pág. 235.
[3] In Dos Recursos (Regime do Decreto-Lei nº 303/2007), Quid Juris, 2009, pág. 361.
[4] Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 1972, pág. 430.