Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
127/06.5TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS
GERÊNCIA PLURAL
REPRESENTAÇÃO
PROCURAÇÃO
IRREGULARIDADE. CURADOR AD LITEM
Data do Acordão: 11/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PORTO DE MÓS - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 252, 243, 261 CSC, 21, 23, 40 CPC, 268 CC
Sumário: 1. Impondo o pacto social que a administração da sociedade por quotas e a sua representação em juízo e fora dele, activa e passivamente, sejam exercidas pelos dois gerentes em conjunto, importa que a correspondente procuração forense seja outorgada por ambos, sob pena de vício de representação da sociedade em juízo.

2. Nas acções entre a sociedade e o seu representante, cumpre proceder à nomeação de curador ad litem para representar aquela, dada a impossibilidade/incompatibilidade em o representante assumir as suas funções de representação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:         

            I. A (…) instaurou, no Tribunal Judicial de Porto de Mós, acção de anulação com processo ordinário contra A (…) & Filhos, Lda., pedindo que seja declarada a falsidade do instrumento de acta de reunião de assembleia geral de sócios da sociedade Ré lavrada em 14.12.2005 (melhor identificada nos autos) [a)] e, em consequência, declarado o mesmo documento destituído de qualquer força probatória da vontade social da mesma sociedade [b)]; ou, para o caso de assim não se entender, declaradas inexistentes as deliberações tomadas na assembleia de sócios da sociedade Ré realizada em 14.12.2005 e constantes do referido instrumento de acta [c)], ou declaradas nulas as mesmas deliberações [d)] ou serem as mesmas deliberações anuladas [e)].

            Alegou, em síntese: a sociedade Ré, constituída em 27.4.1973 e com o capital social de 100 000 000$00 (€ 498 797,90), teve as ocorrências/vicissitudes aludidas na petição inicial (p. i.), nomeadamente o falecimento de dois dos três sócios que a constituíram; na sequência da carta registada de 23.11.2005 que a gerente M (…) remeteu ao A. realizou-se a “reunião” mencionada nos art.ºs 22º e seguintes da p. i., lavrando-se o instrumento de acta de fls. 18 e seguintes, sendo falsa a asserção nele inserida quanto à representação da totalidade do capital social na assembleia de 14.12.2005; consta ainda do mesmo instrumento de acta, a fls. 14 e 16, que o voto da referida M (...) é produzido “atendendo aos termos do art.º 251º do CSC que impedem a votação do restante sócio” (A.), sem que tal situação tenha sido previamente constatada e objecto de deliberação pelo colectivo dos sócios; à data e no presente, não havia nem existe qualquer conflito de interesses entre o A. e a Ré; em 14.12.2005 não estiveram presentes titulares do capital social por forma a poder, a assembleia de sócios da sociedade Ré, ser declarada constituída e em condições de deliberar validamente; as pretensas deliberações tomadas são totalmente inexistentes (porque resultaram de uma assembleia sem quórum constitutivo previamente determinado e identificado na acta), ou nulas (nos termos do disposto no art.º 56º, n.º 1, alínea d), do CSC, por violarem o art.º 7º do pacto social e o disposto no art.º 222º, do mesmo Código) ou anuláveis (nos termos do art.º 58º, do CSC, face aos seguintes vícios constantes da acta: a) não ter comparecido a totalidade do capital social tal como se encontra declarado; b) ter sido atribuída a qualidade de sócia à gerente M (…) sem que tenha sido nomeada representante dos contitulares das quotas sociais indivisas; c) não se mostrarem escrutinados os votos e expresso o respectivo n.º e bem assim o resultado das votações em face do capital social declarado como estando representado; d) não se encontrar expressa a forma de aprovação e/ou rejeição das propostas em relação a cada um dos pontos da Ordem de Trabalhos constante da convocatória subscrita pela gerente M (…)).

            A Ré contestou invocando as circunstâncias que, em seu entender, levaram à realização da convocatória e da assembleia que agora se questiona e, ainda, que desde há mais de dez anos que nas assembleias se fez constar como sócios o A. com 50 % do capital social e a herança do J (…) com os outros 50 %, quota que se mantém indivisa, sendo a mesma representada na sociedade pela viúva, M (...), que nessa qualidade foi nomeada gerente e sempre representou a quota em todas as assembleias, o que sempre foi reconhecido, tendo inclusivamente sido feita a respectiva comunicação por escrito à sociedade; aduziu também que a dita deliberação de 14.12.2005 é válida, não correspondendo à verdade o alegado nos art.ºs 31º a 60º da p. i.. Pediu a condenação do A. como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor da Ré, nunca inferior a € 50 000, e concluiu pela improcedência da acção.

            O A. replicou suscitando, como “questão prévia”, que a sociedade Ré não se encontra devida e regularmente representada por mandatário forense e, depois, nomeadamente, que a Ré alegou factos estranhos à causa de pedir da acção, as actas anteriores em que é declarado ter estado representada a totalidade do capital social não constituem qualquer facto impeditivo do direito do A. de impugnar as deliberações tomadas na assembleia de 14.12.2005, a Ré e todos os sócios tiveram conhecimento da autoria da proposta de compra do prédio pela sociedade Rolândia, Lda., e que se deixam impugnados todos os factos alegados na contestação e estranhos aos factos fundamentadores e caracterizadores da causa de pedir da acção consubstanciada nos vícios das deliberações constantes da acta da assembleia de sócios da sociedade Ré de 14.12.2005; referiu, ainda, que a Ré deduz contestação cuja falta de fundamento não pode ignorar, o que deve ser avaliado e sancionado. Rematou dizendo que, sem prejuízo da aludida “questão prévia”, e concluindo-se como na p. i., deve a matéria em causa ter-se por não escrita.

            Por despacho de 16.02.2007, foi determinada a “notificação da sociedade ré para, no prazo de 10 dias, instruir os autos com procuração forense outorgada pela sócia gerente M (…), nessa qualidade e em sua representação, bem assim com declaração emitida por esta gerente, nesta qualidade e em representação da sociedade ré, com ratificação de todo o processado, sob pena de, não o fazendo no prazo legal, ficar sem efeito tudo quanto haja sido praticado pelo Ilustre mandatário subscritor da contestação (…) nos termos previstos pelo artigo 40°, n.° 2, do Código de Processo Civil”.

            O A. agravou do referido despacho, a M (…) juntou aos autos a declaração e a procuração de fls. 251 e 252 e o mencionado recurso foi admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo; “face ao teor de fls. 251 e 252”, o Tribunal julgou “prejudicado tudo o alegado pelo autor nos pontos 1 a 11 do requerimento em apreciação (de interposição do aludido recurso/fls. 245 a 248)” (fls. 255).

            Esta parte do despacho, de 29.3.2007, foi objecto de agravo interposto pelo A. e admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo (fls. 399).

            Decidida a reclamação contra a retenção deste recurso e proferido, entre outros, o “despacho-convite” de fls. 515 (com as “respostas” de fls. 519 e 560) e o despacho de fls. 645, de 26.4.2010 - no qual, além do mais, não foi admitida a junção aos autos de certidão apresentada pelo A., considerou-se não escrito parte do alegado pelo A. no requerimento de fls. 622 e não foi admitida a junção aos autos de uma outra certidão apresentada pelo A. (em requerimento junto após a abertura de conclusão) -, o A. agravou deste último despacho, recurso admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo.

            Porque, no ponto prévio à admissão do dito recurso se consideraram “não escritas as considerações tecidas sob os pontos 4 a 6 do requerimento de interposição do recurso porque ultrapassam manifestamente o âmbito do requerimento a que alude o art.º 687º, n.º 1, do Código de Processo Civil (…)”, o A. agravou, de novo, quanto a este segmento, recurso admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo.

         Delimitada a matéria assente e a factualidade controvertida, o A. apresentou reclamação, não atendida, contra essa selecção.  

            Realizada a audiência de discussão e julgamento e tendo sido reconhecida e aceite a irrelevância da factualidade da base instrutória (fls. 904), o Tribunal a quo, por sentença de 19.11.2013, julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré de todos os pedidos formulados pelo A..

            Inconformado e pugnando pela procedência dos “pedidos deduzidos” na p. i., o A. interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões:

            (…)

            Foram violados os art.ºs 54º, 59º, 63º, 197º, 199º, 222º, 223º, 224º, 248º, 249º, 251º e 385º, todos do Cód. das Sociedades Comerciais; 363º, 369º, 370º, 372º e 1407º, do Código Civil; 5º e 611º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

            A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

            Foram mantidas todas as decisões sob censura (fls. 1060) e indeferidas as “nulidades da sentença” invocadas pelo recorrente (fls. 1061-A).               

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar e decidir: a) conhecimento dos agravos, pela ordem da sua interposição, recaindo o primeiro (despacho de 16.02.2007) sobre a problemática da representação da sociedade Ré em juízo; b) se a resposta à questão colocada no dito agravo prejudica o conhecimento das restantes questões, inclusive, das relativas à validade das deliberações sociais da assembleia geral de 14.12.2005 (designadamente, se a acta em causa foi elaborada de acordo com a lei; se compareceu e esteve representada a totalidade do capital social da Ré; se existe impedimento de voto do A., por conflito de interesses).

*

            II. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:[1]

            a) A sociedade comercial "A (…) & Filhos, Lda." está matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Batalha sob o n.º 395/931202, tem como objecto a indústria de curtumes, comércio de couros curtidos e seu armazenamento, tendo sido sócios J (…), A (…) e AM (…) e tendo pertencido a gerência aos sócios J (…) e A (…), com quotas de 49 970 000$00, quanto aos dois primeiros, e de 60 000$00 quanto ao terceiro. [A)]

            b) A quota que pertencia a A (…) foi transmitida a favor AM (…)  de J (…), por partilha da herança, cf. Ap.18/931202. [B)]

             c) Por falecimento em 06.3.1995, foi destituído da gerência J (…) cf. Ap.0l/950420, tendo ocorrido transmissão da quota que lhe pertencia de 49 970 000$00 sem determinação de parte ou direito a favor de M (…), A (…) e J (…) como ocorreu transmissão de 1/2 da quota de 60 000$00 sem determinação de parte ou direito a favor de M (…), A (…) e J (…)por dissolução, por óbito, da comunhão conjugal e sucessão, cf. Ap. 43/011217. [C)]

            d) Na sequência dos factos que antecedem e da alteração da denominação do capital social para euros, os sócios e quotas da sociedade identificada na alínea II. 1. a) consubstanciam-se no seguinte:

            1 – A (…), com uma quota de € 249 249,31;

            2 – M (…), A (…) e J (…)  com uma quota, sem determinação de parte ou direito, de € 249 249,31;

            3 - Uma quota no valor de € 299,28, pertencendo metade a A (…) e metade, em comum e sem determinação de parte ou de direito, pertencendo a M (…), A (…) e J (…) [D)]

            e) M (…), que fora casada com J (…) em comunhão geral de bens, foi nomeada gerente da sociedade em 26.3.1995, cf. Ap.02/950420. [E)]

            f) Por escrito datado de 23.11.2005, subscrito pela gerente M (…) e dirigido ao A., ao qual foi enviado através de carta registada com aviso de recepção, e que este recebeu, aquela declarou: "Na qualidade de gerente da sociedade "A (…)& Filhos, Lda.", venho convocá-lo para a Assembleia Geral Extraordinária, a realizar no próximo dia 14 de Dezembro, pelas 11h00m, na sede da sociedade, em (...), que será dirigida pela 'Notária Dr." (…) (sic) e com a seguinte ordem de trabalhos:

            1 - Deliberar sobre a posição a tomar face à venda do prédio de que somos inquilinos no concelho de Sintra, nomeadamente quanto ao exercício do direito de preferência;

            2 - Deliberar sobre a negociação do empréstimo com vista ao financiamento para a referida preferência". [F)]

            g) Consta do instrumento de acta de reunião de Assembleia Geral que no dia 14.12.2005, pelas 11h00, compareceram na sede da sociedade a Sr.ª Notária identificada na alínea II. 1. f), o A. e a gerente M (…), e que a assembleia geral extraordinária da sociedade se reuniu, concluindo-se, em sede do referido instrumento de acta, que assim estaria representada a totalidade do capital social. [G)]

            h) Consta, ainda, do instrumento de acta a que se alude em II. 1. g) que: "posto à votação o ponto um da Ordem de Trabalhos pela sócia M (…)a foi dito: que vota a favor aprovando o ponto um, atendendo aos termos do artigo 251.º do Código das Sociedades Comerciais que impedem a votação do restante sócio. Pelo sócio A (...) foi dito que em relação ao ponto um vota contra". [H)]

            i) Mais consta do mesmo instrumento de acta: "posto à votação o ponto dois da Ordem de Trabalhos pela sócia M (…) foi dito: que vota a favor do financiamento, assim como a autorização para constituir garantias reais sobre os bens da sociedade, aprovando o ponto dois, uma vez que o restante sócio se encontra impedido de votar, nos termos do artigo 251º do Código das Sociedades Comerciais. Sobre a votação do ponto dois pelo sócio (…) foi dito que vota contra". [I)]

            j) Consta ainda do dito instrumento de acta que antes de serem postos à apreciação da assembleia os pontos da convocatória, foi entregue pelo sócio A (…) uma carta, dirigida à mesa da assembleia geral, que se declarou ficar anexa ao instrumento de acta e cujo teor se transcreveu no mesmo. Essa carta enuncia, em síntese, a posição do sócio relativamente à falta de competência da Sr.ª Notária para dirigir a assembleia e presidir à mesa; e relativamente ao incumprimento da lei no que concerne ao exercício do direito de voto pelo menos no que se refere à quota com o valor nominal de € 299,28. [J)]

            k) Na sequência de tal carta, consta do instrumento de acta que o sócio A (...) assumiu a presidência. [K)]

            l) Posto à apreciação o ponto um da ordem de trabalhos, pela sócia M (...) foi manifestado o apelo de que se reconsiderasse o impedimento do sócio A (...) em participar nas votações relativas aos pontos um e dois da ordem de trabalhos, com base em conflito de interesses com a sociedade, ao que o sócio A (...) se pronunciou. [L)]

            m) Por escrito datado de 29.4.2002, subscrito pela sociedade Ré representada pelo A. e dirigido a M (…) através de carta registada com aviso de recepção, que o recebeu, aquela dava conta da notificação que havia recebido para exercício de direito de preferência na venda de um prédio do qual a sociedade era arrendatária - e que corresponde ao prédio a que se alude nos pontos um e dois da ordem de trabalhos da convocatória aludida em II. 1. f) -, ao que esta M (…) respondeu, também por escrito datado de 03.5.2002 enviado por carta registada com aviso de recepção, dando conta da sua opinião de que a empresa deveria manifestar interesse em exercer o direito de preferência, carta que mereceu a resposta da sociedade, datada de 07.5.2002, dando conta que o A., enquanto titular de 50 % do capital social, não estava disposto a exercer o direito de preferência na compra do imóvel. [M)]

            n) A empresa "R (…), Lda.", sociedade comercial da qual o A. e a sua mulher, M (…), casados no regime de comunhão de adquiridos, eram sócios, bem assim C (…) e A (…), sendo o A. o único gerente, apresentou, em 29.11.2001, uma proposta de compra do prédio em causa. [N)]

            o) A sociedade comercial "C (…), Lda.", matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Batalha sob o n." 1094/040107, tem como sócios o A. e a sua mulher, bem assim C (…) e A (…), sendo o A. o único gerente, declarou comprar à massa falida de J (…), Lda., dona do prédio identificado em II. 1. alíneas m) e n), e que o declarou vender, esse mesmo prédio, por escritura pública outorgada no dia 18.8.2004, no Segundo Cartório Notarial de Leiria - compra e venda autorizada por despacho judicial datado de 15.7.2004 no âmbito do processo de falência n." 926-A/1990, que correu termos pelo 4° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra. [O)]

            p) Consta da acta de assembleia da sociedade Ré realizada em 17.11.2003, presidida pelo A. e que assinou tal instrumento, que a sócia M (…) intervinha em representação dos herdeiros de J (…). [P)]

            q) Consta da acta de assembleia da sociedade Ré realizada em 11.10.2002 e presidida pelo A. e que assinou tal instrumento, que a sócia M (…) intervinha em representação dos restantes cinquenta por cento do capital social. [Q)]

            r) Consta da acta de assembleia da sociedade Ré realizada em 29.5.1996 presidida pelo A. e que assinou tal instrumento, que a sócia M (…) intervinha em representação do falecido J (…) titular da restante quota de cinquenta mil contos. [R)]

            s) Consta da acta de assembleia da sociedade ré realizada em 31.3.1995, presidida pelo A. e que assinou tal instrumento, que a sócia M (…) agia em representação dos herdeiros de J (…), "estando assim constituída a totalidade do capital social". [S)]

            t) Consta da acta de assembleia da sociedade Ré realizada em 16.02.1996 que a sócia M (…) intervinha em representação da herança indivisa aberta por óbito de J (…). [T)]

            u) Consta da acta de assembleia da sociedade ré realizada em 26.3.1997, presidida pelo A., que assinou tal instrumento, que a sócia M (…) intervinha em representação dos herdeiros de J (…)[U)]

            v) Através da acção declarativa sob a forma de processo ordinário que correu termos por este Tribunal e Juízo sob o n.º 436/1999, a sociedade Ré instaurou contra M (…), A (…) e J (…), pedindo que fosse decretada a exclusão dos Réus da sociedade A., acção que foi decidida por sentença transitada em julgado em 19.01.2004, julgando a mesma improcedente e absolvendo os Réus do pedido. [V)]

            w) Através da acção declarativa sob a forma de processo ordinário que correu termos por este Tribunal e Juízo sob o n.º 26/1999, o aqui A. instaurou contra a aqui Ré e contra M (…), pedindo que fosse decretada a destituição da segunda Ré como gerente da Ré e, em consequência, que fosse declarada caduca a cláusula do contrato social que considera necessárias as assinaturas dos dois gerentes para obrigar a mesma sociedade, acção que foi decidida por sentença transitada em julgado em 19.7.2007, julgando a mesma improcedente e absolvendo os Réus do pedido. [X)]

            x) Por escrito datado de 26.3.1997, subscrito por J (…), A (…) e M (…) e dirigido à sociedade Ré, que esta recebeu, aqueles declararam: "Na sequência do comunicado já aquando da reunião com os advogados, vimos informar que a posição social que era detida pelo nosso marido e pai J (…), será representada nas assembleias gerais ordinárias ou extraordinárias pela herdeira M (…) que em nossa representação também já foi nomeada para a gerência. Quando aquela não puder representar-nos, será indicado outro dos herdeiros". [Z)]

            y) Por escrito datado de 11.12.2005, subscrito por J (…), A (…) e M (…) e dirigido à sociedade Ré, que esta recebeu, aqueles declararam: "Reportando-nos à assembleia geral convocada para o dia 14, vimos reafirmar que a participação social que pertencia a J (…), nosso familiar, será representado como tem acontecido noutras assembleias por M (…)”. [A’)]

            z) Por escrito sem data, a sociedade Ré enviou a M (…), que o recebeu, cópia da acta da assembleia geral extraordinária que tinha tido lugar "no passado dia 8", "para v/conhecimento", tratando-se de acta avulsa que considerava a sócia M (…) como representante da quota do sócio J (…); constam, ainda, da referida acta que "aberta a sessão, o J (…), que apenas acompanhava a sua mãe a qual representava a quota, entregou ao presidente da mesa - o aqui autor - uma declaração assinada pelos três herdeiros que junta e passa a fazer parte desta acta"; bem assim que "o presidente recusou-se a ler tal declaração, porque entendeu que quem representava a quota do falecido por se encontrar ainda por partilhar era a viúva D. (…), de acordo aliás com a carta que no mesmo momento também o João Pedro entregou - na qual nomeiam como representante a viúva". [B’)]

            aa) Por escrito datado de 26.11.2007, relativo ao assunto "assembleia convocada para 28 próximo", subscrito por J (…), A (…) e M (…) e dirigido à sociedade Ré, que esta recebeu, aqueles declararam: “(…) conforme sempre aconteceu e se manterá a quota que pertenceu a J (…) será representada pela esposa". [C’)]

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Tendo em atenção o disposto nos art.ºs 710º, n.º 1, 1ª parte, e 752º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC) de 1961, na redacção anterior à conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8 (que reza o seguinte: “a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição”), aplicável ao presente caso, importa conhecer, primeiro, dos agravos interpostos pelo A. relativamente aos despachos de fls. 234, 255, 645 e 650, sendo que o A./apelante disse que “mantém interesse em todos os agravos interpostos nos autos, e a decisão dos mesmos tem influência directa na decisão da causa, especialmente o recurso de Agravo com alegações apresentadas em 04.5.2007 (recurso do despacho de 16.02.2007) e recurso do despacho de 26.4.2010 com alegações apresentadas em 01.7.2010”.

3. No agravo interposto do despacho de 16.02.2007, o A./agravante alinhou as seguintes “conclusões”:

1ª - No caso de gerência plural, não pode um só gerente praticar actos que obriguem a sociedade.

2ª - Se a forma de obrigar a sociedade depende da assinatura de dois gerentes, ela não está bem representada em juízo através de procuração emitida por um único gerente.

3ª - O art.º 253º do CSC prevê a falta definitiva de um gerente cuja intervenção é, nos termos do pacto social, indispensável para que a sociedade fique vinculada, e que essa necessidade de intervenção seja uma exigência contratual consagrada em cláusula do pacto social donde conste o nome do gerente.

4ª - Apenas nas situações em que a falta do gerente é definitiva e que a exigência de intervenção de um gerente seja nominal e conste de cláusula do pacto é legal considerar caduca a respectiva cláusula nos termos do art.º 253º, n.º 3 (1ª parte), do CSC.

5ª - Nas situações em que a falta é definitiva, mas em que não existe cláusula a exigir, nominalmente, a intervenção do gerente em falta, é aplicável o disposto no art.º 253º, n.º 3 (2ª parte), do CSC, competindo, prioritariamente, ao colectivo dos sócios encontrar um representante em substituição daquele que falta definitivamente e reconstituir a gerência plural.

6ª - A expressão constante do art.º 253 do CSC -“(…) considera-se caduca a cláusula do contrato (…)” - significa que se extinguem os direitos sociais atribuídos, nominalmente, ao sócio, sendo, consequentemente, ilegal declarar caduca qualquer cláusula do contrato de sociedade apenas em relação e certos actos e não a todos e mesmo em situação de falta definitiva.

7ª - O art.º 253 do CSC é uma norma excepcional em relação à regra geral prevista no art.º 252º do mesmo Código e, por isso, não é susceptível de aplicação analógica porque a tal se opõe o disposto no art.º 11º, do CC.

8ª - O A. sócio e gerente da Ré não beneficia de qualquer cláusula do pacto social da sociedade que exija a sua intervenção pessoal para que a sociedade fique obrigada nem se encontra em situação de falta definitiva ou temporária nos termos e para os efeitos do art.º 253 do CSC, não sendo, consequentemente, aplicável esta disposição legal para assegurar a representação em Juízo da sociedade Ré.

9ª - A situação dos autos não se integra no art.º 253 do CSC porque também não se verifica qualquer falta definitiva ou mesmo temporária do gerente, mas existe tão só uma situação prevista na Lei Processual para a representação das sociedades em que um sócio e gerente de uma sociedade requer a anulação de uma deliberação social de uma sociedade por quotas cuja gerência é constituída por dois gerentes sendo, um deles, o demandante da própria sociedade.

10ª - A ratificação dos actos praticados em nome da sociedade Ré por quem não tinha poderes bastantes para o efeito, deverá ser feita por quem tem poderes para obrigar a sociedade, nos termos previstos na Lei Civil, na Lei Comercial e pacto social e respeitando a forma prevista para a procuração inexistente conforme o impõe o art.º 268º, n.º 2, do CC.

Foram violados os art.ºs 11º; 268º e 328º, do CC; art.ºs 252º; 253º, n.ºs 1 e 3, do CSC e art.º 21º, do CPC.

Remata dizendo que deve ser revogado o despacho proferido em 16.02.2007, nomeadamente, na parte em que determina dever ser junta aos autos procuração forense outorgada pela gerente M (...) na qualidade de única representante da sociedade Ré e na parte em que ordena que a mesma gerente emita declaração, igualmente, em representação da mesma sociedade Ré com ratificação de todo o processado [cf. o teor do segmento decisório aludido em I. supra].

O tribunal recorrido baseou a referida decisão, entre outros, nos seguintes fundamentos:

«- A sociedade Ré apresentou-se a contestar, juntando procuração forense outorgada em 27.9.1984, assinada pelos dois gerentes em exercício de funções à data. Nessa data, eram sócios e gerentes J (…)  e A (…) sendo a forma de obrigar a assinatura dos dois gerentes.

- Em 20.4.2005, foi nomeada gerente M (…) na sequência da destituição da gerência do referido J (…) (decesso).

- Da acta da assembleia geral da sociedade Ré de 11.10.2002, consta o ponto de ordem n.º 3, referente a deliberação sobre as medidas a tomar para acautelar os interesses da sociedade, nomeadamente nomeação de novo advogado a representar a sociedade nos processos pendentes. A propósito desse ponto, a sócia M (...) declarou que a sociedade deveria ser representada por outro advogado, em substituição daquele que “patrocina os interesses particulares do Sr. (…)”. Assim, propôs que fosse constituído outro advogado, o Sr. Dr. (…), “(…)para o que devemos comunicar esta decisão àquele advogado, com as demais consequências”. A propósito do ponto 3, o sócio A (…) declarou não concordar nem admitir que se substituísse “o advogado que agora tem os processos pendentes”.
            - Dispõe o art.º 21°, n.° 1, do CPC, que as sociedades são representadas em juízo
por quem a lei, os estatutos ou o pacto designarem.

As sociedades por quotas são representadas pelos gerentes (art.º 252°, n.° 1, do CSC), e à gerência, que pode ser singular ou plural, como órgão necessário, estão confiadas as funções de exteriorizar perante terceiros a vontade da sociedade, ou seja, é o círculo de competência representativa que lhe vale a designação de órgão social externo, vinculativo da sociedade.

- Constando do contrato de sociedade, como decorre do registo comercial, que a gerência da Ré fica a cargo de ambos os sócios A (…), aqui
A., e M (…)a, sendo obrigatória a assinatura de ambos para obrigar a sociedade, está-se a prever uma gerência plural e conjunta, para cujos actos de representação, designadamente em juízo, é necessária a assinatura de ambos, em conformidade com o disposto nos art.ºs 252º e 261º, n.° 1, do CSC.

- Daqui resulta que, obrigando-se a Ré sociedade pela assinatura de dois gerentes, ela não está, em princípio, devidamente representada em juízo através de procuração que não seja emitida por ambos, muito menos através de procuração emitida em data em que a identidade dos gerentes não coincide com aquela que se verifica na data da prática do acto em juízo, como aqui se verifica.

Acontece que a presente acção foi intentada por um dos gerentes da sociedade contra esta, de forma que se verifica uma situação de conflito de interesses entre a Ré e uma das pessoas que a representa.

A este propósito, prescreve o art.º 21º, n.° 2, do CPC, que “sendo demandada pessoa colectiva ou sociedade que não tenha quem a represente, ou ocorrendo conflito de interesses entre a ré e o seu representante, designará o juiz da causa represente especial, salvo se a lei estabelecer outra forma de assegurar a respectiva representação em juízo”.

- A questão que se coloca é, assim, a de saber se o facto de a representação da sociedade ser plural e conjuntamente exercida por dois gerentes e a incompatibilidade se verificar, apenas, em relação a um deles, impõe o recurso à referida norma ou se a mesma se aplica, unicamente, caso a representação da sociedade seja exercida, apenas e de forma singular, pela pessoa que mantém o conflito com a sociedade por si representada.

Para decidir a questão, julgamos dever atender à letra do citado art.º 21º, n.° 2, que equipara a situação de falta de representante à situação de conflito de interesses entre representante e representada, de forma que apenas parece impor a necessidade de designação de representante especial nos casos em que a representação da sociedade seja exercida, única e singularmente, pela pessoa em relação à qual se verifica o conflito; bem assim ao teor do preceituado no art.º 253° do CSC, disposição que regula a substituição de gerentes em três situações: falta definitiva de todos os gerentes (n.° 1); falta temporária de todos os gerentes (n.° 2); e falta definitiva de gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade (n.° 3), prevendo para cada uma das hipóteses um mecanismo de suprimento.

Ora, a situação em apreciação, não se confundindo especificamente com nenhuma daquelas que este preceito prescreve, equipara-se à situação de falta definitiva do gerente, aqui A., no que a este litígio em concreto respeita e unicamente quanto ao mesmo, precisamente porque a situação de conflito existente se traduz no facto que determinou a pendência desta acção judicial, de forma que em relação à mesma tudo se processa como se a falta deste gerente fosse definitiva.

E assim, prescreve o citado art.º 253° do CSC, no seu n.° 3, que “faltando definitivamente um gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade, considera-se caduca a cláusula do contrato, caso a exigência tenha sido nominal (...)“.

Por outro lado, a equiparação do conflito de interesses que neste caso em concreto se verifica à situação de falta definitiva, nos termos que antecedem, encontra também apoio na letra do n.° 3, do art.º 21°, do CPC, o qual prescreve que “as funções de representante a que se refere o número anterior cessam logo que a representação seja assumida por quem deva, nos termos da lei, assegurá-la”.

Ora, a julgar-se aplicável o preceituado no n.° 2, do art.º 21°, citado, ao caso dos autos, então jamais a norma do n.° 3 teria aplicação, já que, no âmbito da presente acção, jamais o A., embora gerente da sociedade Ré, e também por este facto, poderá assumir as respectivas funções de representação.

Por tudo o que se expôs, julgamos que a norma contida no art.º 23°, n.° 2, do CPC, não tem aplicação aos casos em que, sendo a gerência da sociedade comercial exercida plural e conjuntamente por, pelo menos, dois gerentes, a situação de conflito de interesses se verificar apenas em relação a um deles.

Do mesmo modo, e com os fundamentos já aduzidos (…), julgamos que se deve aplicar, por analogia, a regra contida no n.º 3, 1ª parte, do art.º 253°, do CSC e, assim, considerar caduca a cláusula do contrato que exige a assinatura de ambos para obrigar a sociedade, no que à presente acção, e unicamente quanto a esta, concerne, de forma que a sociedade Ré, para efeitos da mesma, deve ser representada, unicamente, pela gerente que não se encontra em situação de conflito com a sua representada.

- Tudo para concluir que a procuração forense constante dos autos no que à sociedade Ré concerne não poderia deixar de ter sido outorgada por esta, mas representada pela sócia gerente M (…). De forma que, não se mostrando outorgada em conformidade com o exposto, se verifica uma situação de irregularidade deste acto como forma de conferir o mandato ao Exmo. advogado que subscreve a contestação apresentada, nos termos do disposto no art.º 40° do CPC, importando determinar que o vício seja corrigido e ratificado o processado.»

4. Decorre da alegação de recurso que o A. questiona o decidido quanto à forma de “suprir a falta de mandato forense” e de “ratificação do processado”, por considerar, além do mais, que a ratificação imposta por Lei e cuja necessidade foi reconhecida pelo Tribunal há-de respeitar a forma exigida para a procuração (art.º 268, do CC) e respeitar o pacto social da sociedade, e que a M (…) gerente, por si só, não tem legitimidade para subscrever uma declaração de ratificação do processado em representação da sociedade Ré, sendo que, decorre da 1ª parte do despacho de 29.3.2007 e do subsequente processado, que o Tribunal a quo veio a concluir pela regularidade da representação da sociedade demandada, através do mandato judicial conferido pela gerente M (…) a fls. 252.

5. Na apreciação desta problemática importa considerar ainda os seguintes factos:[2]

a) Da Ap. 02/730704 da matrícula do Registo Comercial da Ré consta que a gerência pertencia aos sócios J (…) e ao A. e que a sociedade se obrigava com a assinatura de dois gerentes.

b) Nos termos do art.º 4º do pacto social da Ré “a administração da sociedade e a sua representação em juízo e fora dele, activa e passivamente, serão exercidas pelos dois sócios”, acrescentando-se no seu parágrafo 2º que “para a sociedade ficar obrigada é necessário que os respectivos actos e documentos sejam em nome dela assinados pelos dois gerentes em conjunto; para actos de mero expediente bastará a assinatura de qualquer gerente”.

6. Sobre a mesma questão e em idêntico enquadramento fáctico (numa outra acção instaurada posteriormente e envolvendo as mesmas partes), pronunciou-se esta Relação, recentemente, da seguinte forma:[3]

«(…) o pacto social impõe que a administração da sociedade e a sua representação em juízo e fora dele, activa e passivamente, seja exercida, em conjunto, pelos dois gerentes, ali se impondo que a sociedade só fica obrigada pela “assinatura” dos dois gerentes.

De acordo com o disposto no artigo 25º, n.º 1, do NCPC[4], as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.

No caso das sociedades por quotas, são representadas pelos seus gerentes – cf. artigos 252º e 261º, do CSC.

Como refere Raul Ventura, in Sociedades Por Quotas, Vol. III, Almedina, 1991, a págs. 131 e 132 “A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a algumas espécies de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade, com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.”.

Dito de outra forma, a gerência “é o órgão (necessário) de administração da pessoa jurídica, que, no âmbito das suas funções, forma e executa a sua vontade.” – cf. Ricardo Costa/Carolina Cunha, in CSC Em Comentário, Vol. IV, Almedina, 2012, a pág. 74, ali acrescentando, a pág. 75, quanto à representação da sociedade, que esta abrange a representação orgânica em nome da sociedade perante outros sujeitos, seja nas relações internas (com o sócio ou sócios) seja nas relações com terceiros e é activa e passiva.

No caso, como vimos, a gerência é conjunta entre os dois sócios, só se obrigando a sociedade mediante a assinatura de ambos.

Por outro lado, o pacto social é expresso em referir que tal condicionalismo também se verifica quanto à sua representação em juízo, tanto activa como passivamente, o que afasta, desde logo, a aplicabilidade da doutrina fixada no Acórdão do STJ, de 12 de Julho de 2007, Processo n.º 07A1874, disponível no respectivo sitio do itij, em que se decidiu que em caso de o pacto social ser omisso quanto à representação das sociedades em juízo bastaria a assinatura de um dos gerentes, por aplicação da norma supletiva do artigo 985.º do CC, ex vi seu artigo 966.º e, ainda assim, apenas para actos que não obrigassem especifica e directamente a sociedade, no caso, a propositura de uma acção para cobrança de dívida.

Sendo que in casu se trata de ratificar o mandato conferido a Advogado para intentar e contestar acções em que se discute a validade/invalidade de um contrato de arrendamento e exercício do direito de preferência sobre o imóvel alegadamente arrendado à sociedade, do que poderão surgir ónus financeiros para a sociedade que, como tal, não se poderão qualificar como “actos de administração corrente”.[5]

De resto, como observa Raul Ventura, ob. cit., a pág. 132, ainda que o pacto seja omisso quanto à representação em juízo, nos poderes representativos dos sócios já se deve considerar incluída a representação em juízo, tanto activa como passivamente.

De acordo com o disposto no artigo 251º do CSC, no caso de existência de vários gerentes, os respectivos poderes são exercidos conjuntamente, salvo estipulação em contrário.

Nos termos do artigo 4º do pacto social e artigos 252º e 261º, ambos do CSC, conclui-se estarmos em presença de gerência plural e conjunta, sendo obrigatória a assinatura de ambos os gerentes para obrigar a sociedade em termos de representação da mesma em juízo, pelo que é insuficiente para tal a assinatura de apenas um deles, o que acarreta que se verifica um vício de representação da sociedade ao outorgar procuração para os termos da presente acção, apenas mediante a assinatura de um dos seus gerentes.[6]

De salientar que esta forma de obrigar a sociedade nem sequer pode ser derrogada mediante deliberação da respectiva assembleia geral, por a atribuição de poderes a um implicar a retirada de poderes a outro, o que a lei não consente.

Efectivamente, como se escreve, a título de exemplo, no Acórdão do STJ, de 23/09/2008, Processo 08A2239, disponível no mesmo sítio do anterior, “a distribuição interna de competências dos órgãos sociais e a forma de gestão e de representação de uma sociedade por quotas, definidas no pacto social, não podem ser objecto de deliberação dos sócios.”.

O mesmo é defendido por Raul Ventura, ob. cit., a págs. 172 e 197, que ali refere que os “poderes representativos dos gerentes ficam imunes às restrições que os sócios pretendam estabelecer, quer logo no contrato de sociedade, quer posteriormente por meio de deliberações” e “ficando vedada aos sócios a criação de sistemas de gerência pelos quais alguns deles deixe de ter poderes representativos.”.

No mesmo sentido pugna Alexandre Soveral Martins in CSC Em Comentário, já citado, em anotação ao artigo 261º, onde se refere que “Não poderá o contrato de sociedade retirar a qualquer dos gerentes os poderes de representação da sociedade. Como não poderá estabelecer um regime que, na prática, conduza a esse resultado. É que, dessa forma, o gerente que fosse abrangido por essa cláusula ficaria impedido de praticar os actos que fossem necessários ou convenientes para a realização do objecto social.”.

De tudo isto se impõe concluir que a sociedade ora ré não se encontra devidamente representada em juízo através da procuração que apenas se encontra assinada pela gerente M (...).

Alegadamente, apenas esta gerente a assinou atento a que se trata da representação da sociedade ré em acções que vão contra os interesses de outra sociedade de que é sócio maioritário o ora autor que, nessa qualidade, como é óbvio, está em manifesto conflito de interesses com a ora ré.

Mas, neste caso, tudo se passa como se se tratasse de um caso de falta temporária de todos os gerentes, havendo que, nos termos do artigo 253º, n.ºs 1 e 2, transferir os poderes de representação para os sócios para a prática de um específico acto que se pressupõe urgente e em que se pode enquadrar a situação de existência de conflito de interesses entre um dos gerentes e a sociedade – neste sentido, Raul Ventura, ob. cit., págs. 48 e 49, ali acrescentando que, nos termos do seu n.º 3, nada está previsto para o caso de falta temporária, caso em que os sócios “terão de encontrar remédio para a crise, por exemplo, designando temporariamente mais um gerente.”.

O mesmo é defendido por Ricardo Costa, CSC Em Comentário, já citado, págs. 88 a 90, ali enquadrando a hipótese do “conflito de interesses”, que se pode resolver ou através da substituição de gerente ou mediante a alteração do pacto social e nada disto resultando, terá de solicitar-se ao tribunal a nomeação de um gerente.

Se bem que se diga que, na situação em apreço, em rigor, ambos os sócios estão em condições de exercer a gerência, tudo se resumindo a uma situação de incompatibilidade que importa ultrapassar.

Tudo o que ora se deixou dito, embora se aplique mais directamente ao fundo da questão (validade da deliberação), também é útil para a questão processual da representação da sociedade para os termos da causa, sendo difícil dissociar ambos planos, porque só se verifica a falta de representação se existir a necessidade de haver mais do que um gerente (no caso o autor) para representar a ré, através da outorga de procuração a Advogado para a representar nas ditas acções.

Como vimos, era necessária a intervenção de ambos os gerentes, o que, não se tendo verificado, como não se verificou, acarreta a falta de representação da sociedade para os termos da causa.

E um outro aspecto mais reforça esta conclusão e que se prende com o facto de a quota “residual” acima já referida pertencer em partes iguais a ambos os grupo de sócios, o que, na prática, impede o consenso para a tomada de qualquer decisão/deliberação e também, naturalmente, para a outorga de procuração a advogado para os pretendidos termos, aliado ao facto de, relativamente a esta quota, não se poder “cindir” o voto, cf. artigo 385º, n.º 1, ex vi artigo 248º, n.º 1, ambos do CSC e não intervindo o autor na deliberação, seja qual for a razão, relativamente a esta quota nunca se poderá ter em linha de conta a totalidade do voto a ela correspondente.

Mas este dissídio não pode conduzir à inactividade da ré e a forma de ultrapassar este impasse resultante da incompatibilidade/irredutibilidade das partes tem de colher-se do disposto no artigo 25º, n.º 2, do NCPC, de acordo com o qual nos casos em que uma sociedade não tenha quem a represente ou ocorrendo conflito de interesses entre a ré e o seu representante, o juiz da causa designa representante especial.

Como refere M. Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, págs. 146 e 147, há que distinguir, para efeitos da representação das pessoas colectivas entre as acções dessas entidades com terceiros, caso em que são representadas por quem os estatutos designarem, os seus gerentes, no caso de sociedades por quotas e as acções entre a sociedade e o seu representante, caso em que se procede à nomeação de curador ad litem, dada a impossibilidade ou incompatibilidade em o representante, neste caso, assumir as suas funções de representação.

O mesmo defende Lebre de Freitas, CPC Anotado, 1º, pág. 43, para o caso de existência de conflito de interesses entre a sociedade e o seu representante.

A nível jurisprudencial, no sentido ora propugnado, pode ver-se o Acórdão desta Relação, de 06/12/2005, Processo n.º 2546/05 e um outro da Relação do Porto, de 15/07/2009, Processo 199/07.5TYVNG-B.P1, ambos disponíveis dos respectivos sítios no itij.

Ou seja, impunha-se e impõe-se, a nomeação de um representante especial à sociedade ré para a representar para os termos da causa, nos termos do disposto no artigo 25º, do NCPC, a fim de suprir esta falta de representação, nos termos do disposto nos artigos 27º e 28º do mesmo Código[7], sob pena de se verificar, como, de momento, se verifica irregularidade na representação judiciária da ré.[8]

Após a nomeação deste representante especial, poderá este ratificar ou não a outorga de procuração em causa, do que haverá que extrair as devidas consequências a nível dos ulteriores termos do processo, em conformidade com o disposto no citado artigo 27º, n.º 2.

Em suma, tem de proceder esta questão do recurso, nos termos expostos, havendo que nomear um representante especial à ré para os termos da causa. (…). » (fim de citação)

7. Não vemos razões para dissentir do expendido no citado aresto.

Perante os mencionados fundamentos e dada a similitude das situações versadas (relativas às mesmas partes, no âmbito de uma mesma problemática e envolvendo o mesmo ou idêntico interesse), conclui-se, ao contrário do que se infere do despacho de fls. 255 e do subsequente processado, que a sociedade Ré não se encontra validamente representada em juízo, importando, assim, nomear um representante especial para os termos da causa.

8. No âmbito dos procedimentos de regularização da instância importa também verificar e analisar os instrumentos de mandato forense sucessivamente juntos aos autos [juntos ou reproduzidos a fls. 183, 252, 431, 514, 538, 639 e 825 - o penúltimo, terá sido junto, apenas, aos autos do processo 1346/05.7TCSNT e, o último, aparentemente, subscrito por quem não demonstra ter, nos presentes autos, os “poderes forenses” que diz “substabelecer “ (cf. ainda, fls. 78 e 183), não se antolhando, pois, correcto o que se fez constar da 1ª parte do despacho de 21.3.2012/fls. 844], providenciando-se, sendo caso disso, pela eliminação de eventuais falhas ou vícios.[9]

9. Procedendo o 1º recurso de agravo considera-se prejudicado o conhecimento das questões relacionadas com os demais agravos e o recurso da sentença final.

                                                      *

III. Pelo exposto, na procedência do primeiro recurso de agravo interposto nos autos, revoga-se o despacho de 16.02.2007, com as consequências assinaladas em II. 7. e 8., decisão que deverá ser substituída por outra que nomeie um representante especial à Ré, com vista a suprir a invocada irregularidade de representação judiciária, como se explicita em II. 6., ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

Custas a fixar a final.

                                                     *

                                              18.11.2014

           

Fonte Ramos ( Relator )

Maria Inês Moura

Fernando Monteiro

[1] Referindo-se na sentença: “provados por acordo das partes ou decorrem do teor objectivo dos documentos juntos aos autos e por isso mesmo já foram considerados assentes nas alíneas A) a C’) da matéria de facto assente, de fls. 651 a 656” (cf. fls. 911, in fine).

[2] Atento o teor dos documentos de fls. 12 e 13.
[3] Cf. o acórdão da RC de 14.10.2014-processo 653/10.1TBPMS.C1, publicado no “site” da dgsi.
[4] Que reproduz, sem alterações, o art.º 21º, n.º 1, do CPC de 1961.
[5] Sublinhado nosso.
[6] Idem.
[7] Idêntico era o regime estabelecido nos art.ºs 23º e 24º do CPC de 1961, o primeiro, na redacção conferida pelo DL n.º 180/96, de 25.9.
[8] Sublinhado nosso.
[9] Cf. o art.º 24º, n.º 1, do CPC de 1961 (na redacção introduzida pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12)/art.º 28º, n.º 1, do CPC de 2013.