Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1593/10.0PBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CRIME CONTINUADO
CONCURSO REAL
CIRCUNSTÂNCIAS EXTERIORES
Data do Acordão: 04/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 30º CP
Sumário: 1. O crime continuado ocorre quando, através de várias ações criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente.

2. As circunstâncias exteriores conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa não podem ser consideradas como facilitadoras da sua reiteração criminosa, mas antes como uma clara persistência criminosa, que afastam a diminuição da culpa.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
***
No processo supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferido acórdão que condenou o arguido A... como autor material e em concurso real, pela prática de:

a) um crime de furto qualificado, p. e p. pelos Arts. 203º, 204º Nºs 2 e), com referência ao Art. 202º e) do mesmo diploma legal, com referência à residência de B..., na pena de 2 ( dois ) anos e 8 ( oito ) meses de prisão;
b) um crime de furto qualificado, p. e p. pelos Arts. 203º, 204º Nºs 2 e) do C. Penal, com referência ao Art. 202º e) do mesmo diploma legal, mo que respeita à residência de C..., na pena de 2 ( dois ) anos e 5 ( cinco ) meses de prisão;
c) um crime de furto qualificado, p. e p. pelos Arts. 203º, 204º Nºs 2 e) do C. Penal, com referência ao Art. 202º e) do mesmo diploma legal, com respeito à residência de D..., a pena de 2 ( dois ) anos e 2 ( dois ) meses de prisão;
d) um crime de furto qualificado, p. e p. pelos Arts. 203º, 204º Nºs 2 e) do C. Penal, com referência ao Art. 202º e) do mesmo diploma legal, com respeito à residência de E..., na pena de 3 ( três ) anos e 2 ( dois ) meses de prisão;
e) um crime de furto qualificado, p. e p. pelos Arts. 203º, 204º Nºs 2 e) do C. Penal, com referência ao Art. 202º e) do mesmo diploma legal, com respeito à residência de F..., na pena de 2 ( dois ) anos e 4 ( quatro ) meses de prisão;
f) um crime de furto qualificado, p. e p. pelos Arts. 203º, 204º Nºs 2 e) do C. Penal, com referência ao Art. 202º e) do mesmo diploma legal, com respeito à residência de G..., na pena de 3 ( três ) anos e 2 ( dois ) meses de prisão;
g) um crime de furto qualificado, p. e p. pelos Arts. 203º, 204º Nº1 f) do C. Penal com respeito à residência de H... ( para o qual se convola o crime de furto qualificado, p. e p. pelos Arts. 203º e 204º Nº2 e) com referência ao disposto no Art. 202 alínea d) de que vinha acusado ), na pena de 1 ( um ) ano e 8 (oito ) meses de prisão;
h) um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos Arts. 203º, 204º Nº 2 e), 73º Nº1 a) e b) todos do C. Penal, com referência ao Art. 202º e) do mesmo diploma legal, com respeito à residência de I... ( para o qual se convola o crime de furto qualificado, p. e p. pelos Arts. 203º e 204º Nº2 e) com referência ao disposto no Art. 202 alínea e) de que vinha acusado ), na pena de 1 ( um ) ano de prisão.
i) E, em cúmulo jurídico de tais penas, condena-se o mesmo arguido na pena única de 6 ( seis ) anos de prisão.

Deste acórdão interpôs recurso o arguido, A....
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, interposto pelo arguido:

1ª Salvo o devido respeito pela opinião ali demonstrada, considera o arguido ter o digno Tribunal a quo julgado incorrectamente o ponto 10 dos factos provados com base apenas e só no relatório social junto aos autos e ter omitido o arrependimento sincero demonstrado pelo arguido na audiência de julgamento.
2a) Não podendo o arguido concordar com a parte do acórdão onde se diz «Estes os factos provados , mais nenhum outro se provou com relevo para a decisão da causa» (final (a página 7).
3a) Com efeito, de todas as vezes que o arguido prestou declarações em sede de audiência de julgamento (que se encontram gravadas em cd no dia 04 / 11 / 2011, entre as 10:19:15 e as 10:33:27; as 12:02:27 e as 12:09:50; as 12:21:40 e as 12:2:33 e as 12:22:33 - cfr. acta da audiência de julgamento) este fez questão de afirmar e reafirmar o seu arrependimento por tudo o que fez, justificando a sua actuação com o facto de naquela altura ser toxicodependente e se encontrar desempregado, sem qualquer fonte de rendimento para prover ao sustento do vício da heroína e cocaína, tendo encontrado nos furtos forma de conseguir dinheiro para a droga (cfr. os minutos (9:48 a 10:00 entre as 10:19:15 e as 10:33:27; os minutos 05:50 a 06:10 entre as 12:02:27 e as 12:09:50; os minutos 00:00:01 e 00:00:53 entre as 12:21:40 e as 12:22:33;).
4a) Tendo referido que tinha como projecto para o futuro afastar-se definitivamente da prática de crimes, através do afastamento do mundo da droga, estudar, trabalhar, fazer-se um homem (cfr. minutos 06: 58 a 07:17 entre as 12:02:27 e as 12 :09:50).
5a) Em face dessas declarações, através das quais confessou de forma integral, livre e desinteressada a prática dos factos que lhe eram imputadas (o que por si só é já uma forma de contrição) e demonstrou o seu arrependimento sincero perante o sucedido, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que o arguido mostrou arrependimento pela prática dos factos sub judice.
6ª) E não que o mesmo demonstra uma não ressonância face aos factos por ele cometidos, conforme o fez no ponto 10 dos factos dado como provados.
7a) Ou então, deveria o Tribunal a quo ter justificado a preferência plasmada no acórdão recorrido pelo relatório social (no que diz respeito à atitude do arguido perante os factos) em vez das declarações prestadas pelo arguido directamente na sala de audiências, em pleno julgamento;
8) Crê-se que a consideração do arrependimento demonstrado pelo arguido, aliado a outros factos que se encontram já dados como assentes no acórdão recorrido, teria certamente reflexos positivos quer nas penas parcelares que lhe foram aplicadas, quer na pena única, bem ainda na suspensão da pena de prisão.
9ª) Sendo certo que perante as regras da experiência comum nenhum motivo existe ou existia que a atitude de contrição sincera e sentida do arguido não fosse atendida pelo digno Tribunal a quo.
10ª) Acresce que, o Tribunal a quo considerou como provado que o arguido entre Dezembro de 2010 e Março de 2011 praticou os crimes de que vinha acusado, sem no entanto ter considerado que o caso sub judice configura a execução de uma só actuação, totalmente homogénea (quer no modus operandi, quer no tipo e valor dos objectos furtados, quer até em termos espaço temporal) e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente, nos termos definidos pelo art. 30°, nº 2 do C.P ..
11ª) O acórdão recorrido condena o arguido pela prática de 8 crimes de furto qualificado, sendo um na forma tentada;
12ª) No entanto, existindo elementos nos autos suficientes para condenar o arguido como autor material de um crime furto qualificado na forma contínua, como impõe o art. 30°, n° 2 do C.P., o Digno Tribunal a quo optou (erradamente) por desconsiderar a importância dessa factualidade.
13a) Na verdade, resulta dos autos, quer do próprio acórdão recorrido que o arguido agiu sempre de forma homogénea, utilizando sempre o mesmo modus operandi, isto é o arguido entrava sempre para o interior das residências que iria furtar escalando uma parede e entrando por uma janela, cujo vidro poderia ou não partir, consoante fosse ou não necessário.
14a) Modus operandi que se revelou eficaz no primeiro furto praticado, quiçá auxiliado pelo facto da janela dessa residência se encontrar aberta e o arguido ter aproveitado;
15ª) Tendo tal furto ocorrido sem sobressaltos e sem que o arguido fosse surpreendido;
16a) O que inevitavelmente determinou que na mesma manhã daquele dia o arguido aproveitasse para furtar outra residência, na mesma localidade, imbuído no espírito de sorte que teve no primeiro furto e na necessidade de conseguir obter objectos dos quais pudesse realizar algum dinheiro.
17a) E outras mais residências por aí em diante, em localidades próximas, sempre nas imediações da cidade de Viseu e sempre do mesmo modo, furtando o mesmo tipo de objectos, algumas das quais durante o mesmo dia;
18a) Tudo no quadro da mesma solicitação exterior que diminuía consideravelmente a sua culpa e contribuía de forma cabal para que o mesmo deixasse, a cada lia que passava, a cada furto que praticava, de se comportar de acordo com o Direito e com as regras de vivência em sociedade, por não lhe ser exigível;
19a) Essa fortíssima solicitação exterior era a dependência de heroína e cocaína, a necessidade desmedida e descontrolada de adquirir estupefacientes para consumir, a todo o custo;
20a) Ajudada de sobremaneira pelo facto do arguido não ter qualquer fonte de rendimento, pois na altura encontrava-se desempregado e necessitar de conseguir realizar dinheiro para poder fazer face à dependência de estupefacientes;
21ª) E ainda pelo facto dos primeiros furtos terem corrido "bem" ao arguido.
22ª) Em face deste circunstancialismo é patente que a resolução criminosa do arguido foi só uma, repetida por cada vez que furtava objectos de uma habitação;
23a) Para efeitos de determinação da existência de crime continuado ou não o que revela é ".,.a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crimes que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico…” – art. 30º, nº 2 do C.P..
24a) Pelo que, deveria o tribunal a quo ter apenas considerado a prática de um crime de furto qualificado na forma continuada, porquanto houve apenas e só, sempre, a mesma resolução criminosa;
25ª) Ao não entender assim, o Tribunal a quo violou o art. 30°, nº 2 do C.P., bem como o art. 79° de C.P. que impõe que neste tipo de crimes seja aplicada pena que terá necessariamente que ter como limite máximo a pena aplicável à conduta mais grave e que deverá ser especialmente atenuado.
26a) Relativamente à concreta pena aplicada ao arguido, em face pena de seis anos de prisão aplicada ao arguido, em face dos factos que constam dos autos.
27a) Sem prescindir de tudo o que se deixou exposto e no que concerne à medida quer das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes, quer à pena única aplicada em cúmulo jurídico, entende o arguido que na determinação concreta das penas violou o Tribunal a quo o art. 71 ° do C.P., uma vez que não pode deixar de considerar exagerada e desproporcional que lhe foi aplicada.
28a) Na verdade, o recorrente considera que o Tribunal a quo ao aplicar-lhe as penas parcelares que aplicou a cada um dos crimes, assim como a pena única de 6 anos de prisão, alheou-se por completo do facto de no caso do arguido não serem elevadas as necessidades de prevenção especial e ressocialização, fazendo tábua rasa do valor da confissão do arguido e do arrependimento demonstrado pelo menos em julgamento, assim como de todo os circunstancialismo social e familiar do mesmo;
29ª) Para além de ter também atendido indevidamente ao prejuízo patrimonial que a conduta do mesmo provocou às vítimas, pois no modesto entendimento do recorrente tais elementos já se encontram contemplados no tipo legal de crime imputado ao arguido - furto qualificado - assim como na respectiva moldura penal;
30ª) Sendo certo que o arguido não retirou dos furtos praticados o proveito económico equivalente ao valor atribuído aos objectos subtraídos;
31ª) Tendo em consequência violado o Tribunal a quo o nº 2 do art. 71° do C.P. que prevê que na determinação da pena o Tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o arguido;
32ª) Acresce que o arguido em audiência de julgamento não só reconheceu serem as suas condutas reprováveis perante os valores da sociedade como mostrou sincero arrependimento colaborando, na medida das suas possibilidades e necessidades do Tribunal a quo, quer confessando, quer esclarecendo a forma como procedeu.
33ª) A confissão e a colaboração do arguido era merecedora, por parte do Tribunal a quo, da devida valoração e não do desprezo por já não ser considerada importante para a descoberta da verdade.
34ª) Para além de ter que ser considerada, à luz da experiência comum, como um importante e sincero acto de contrição do arguido perante os factos.
35ª) O arguido à data dos factos era primário, não contando com nenhuma condenação no registo criminal;
36ª) Nunca passou por nenhuma experiência em ambiente prisional a não ser ao abrigo dos presente s autos;
37ª) A prática dos factos sub judice estava intrinsecamente relacionada com o problema da toxicodependência, que actualmente já se encontra ultrapassado pois o arguido encontra-se compensado.
38ª) Em face de todo este circunstancialismo e manifesta a desproporcionalidade das penas parcelares aplicadas e em consequência da pena única de 6 anos de prisão, que coloca em causa a ressocialização do arguido;
39ª) Até porque tal pena ultrapassa a culpa do arguido, bem como as necessidades de prevenção especial na vertente da ressocialização.
40°) Melhor teria andado o Tribunal a quo se tivesse aplicado ao arguido uma pena de prisão inferior a 5 anos (que caberia ainda na moldura do concurso de crimes) e suspensa na execução, de acordo com o preceituado no art. 50º do C.P., uma a vez que sendo o arguido primário e um jovem adulto que se encontra agora liberto da dependência de drogas, era e é possível realizar um juiz o de prognose favorável, em termos de se entender que a censura do facto é a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
41ª) Ao não ter decidido assim, violou o Tribunal a quo os artigos 30°, 79°, 40°, 70°, 71 ° e 50° do C .P., impondo-se a revogação do acórdão recorrido no sentido de reduzir a pena aplicada ao arguido para uma pena abaixo dos 5 anos de prisão e suspensa na sua execução sujeita a regime de prova e plano de reinserção sacia" e acompanhamento adequado.
TERMOS EM QUE DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E EM CONSEQUÊNCIA SER O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO E REVOGADO DE ACORDO COM AS PREMISSAS SUPRA EXPOSTAS.
DE TODO O MODO FARÃO V. EX.ªS COMO SEMPRE, INTEIRA JUSTIÇA!

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

I-
1. No dia 15 de Novembro de 2010, durante a manhã, na Rua de … , área desta comarca, o arguido dirigiu-se à residência de B..., e, ali chegado, subiu a uma janela que se encontrava parcialmente aberta e entrou para o interior da mesma.
2. Aí retirou e levou com ele os seguintes objectos: um fio em ouro amarelo, no valor de cerca de 650 €; dois pares de brincos em ouro amarelo, no valor de 360 €; uma pulseira em ouro amarelo, no valor de 400 €, três anéis e duas alianças também em ouro amarelo, no valor global de 700 €.
3. Na ocasião o arguido deixou ficar caído na referida habitação um telemóvel marca Nokia, modelo 1208 com o IMEI nº … , no qual tinha introduzido um cartão de acesso à rede de comunicações móveis com o número … .
II-
1. No dia 15 de Novembro de 2010, pelas 11 horas e 45 minutos, na Rua … , área desta comarca, o arguido dirigiu-se à residência de C..., e, ali chegado partiu um vidro de uma janela da casa de banho, após o que subiu a tal janela e entrou para o interior de tal residência.
2. Aí retirou e levou com ele os seguintes objectos: um colar de pérolas com pulseira, no valor de cerca de 400 €; um colar de pérolas em prata, no valor de 200 €; uma pulseira em ouro amarelo, no valor de ainda não concretamente apurado e vários anéis e brincos, também em ouro amarelo, no valor de 500 €.
III-
1. Entre os dias 08 e 09 de Dezembro de 2010, a hora não concretamente apurada, na localidade de … , área desta comarca, o arguido dirigiu-se à residência de D..., e, ali chegado, após ter subido ao 1º andar, forçou o estore da janela e entrou para o interior da mesma.
2. Aí retirou e levou com ele os seguintes objectos: dois relógios de pulso de homem de valor não concretamente apurado; dois frascos de perfume, estes no valor global de 120 €; um volume de 10 maços de cigarros, no valor de 40 € e várias moedas de euro.
IV-
1. No dia 08 de Fevereiro de 2011, a hora indeterminada e durante o dia, na Rua do … , área desta comarca, o arguido dirigiu-se à residência de E..., e, aí chegado, após partir um vidro de uma janela da cozinha, subiu a tal janela e entrou para o interior de tal residência.
2. Aí retirou e levou em com ele os seguintes objectos: um conjunto de argolas grossas, em ouro, no valor de cerca de 650 €; um conjunto de argolas finas, em ouro, no valor de 220 €; um anel azul e uma medalha azul, tudo no valor de 380 €; um fio em ouro amarelo e 33 bolas de ouro amarelo, tudo no valor de 1620 €; uma medalha no valor de 250 €, um par de brincos azuis, em ouro, no valor de 250 €; uma libra, no valor de 380 € e um fio em ouro, no valor de 1500 €.
V-
No dia 08 de Fevereiro de 2011, entre as 10 horas e as 15 horas e 30 minutos, na Rua do … , área desta comarca, o arguido dirigiu-se à residência de F..., e, ali chegado, após partir um vidro de uma janela, subiu a tal janela e entrou para o interior da mesma.
2. Aí retirou e levou com ele os seguintes objectos: três relógios de pulso de homem, todos com o valor de 450 €.
VI-
1. No dia 03 de Março de 2011, cerca das 16 horas e 50 minutos, na Estrada de … , área desta comarca, o arguido dirigiu-se à residência de G... e, ali chegado, entrou para o interior da residência através de uma porta que se encontrava fechada que logrou abrir por forma não concretamente apurada.
2. Aí retirou e levou com ele os seguintes objectos: dois relógios de pulso, no valor global de 1300 €; dois cordões em ouro amarelo, no valor global de 1000€; dois fios de ouro amarelo, no valor global de 1500 €; dois medalhões em ouro, no valor global de 1000 €; uma libra em ouro, no valor de 300 € e um alfinete em ouro, no valor de 300 €.
VII-
1. No dia 29 de Março de 2011, entre as 14 horas e as 17 horas e 15 minutos, na Quinta de … , área desta comarca, o arguido dirigiu-se à residência de H..., e, aí chegado, após partir um vidro de uma janela da sala, subiu a tal janela e entrou para o interior da dita residência.
2. Aí retirou e levou com ele os seguintes objectos: uma máquina de calcular e quatro carteiras, tudo com valor ainda não apurado; um fio em ouro amarelo, no valor de 160 € e uma pulseira em ouro amarelo, no valor de 500 €, os quais vieram a ser recuperados e entregues à respectiva proprietária, e, ainda, um relógio de pulso, um brinco em ouro, 1 conjunto de garfo e faca em prata e uma navalha, tudo no valor de pelo menos 360 €, quatro moedas de prata, de valor não concretamente apurado, e uma nota de 1.000$00.
VIII-
1. No dia 31 de Março de 2011, pelas 11 horas e 30 minutos, na Rua … , área desta comarca, o arguido, dirigiu-se à residência de I..., e, ali chegado, após partir um vidro de uma janela colocada a cerca de 2 metros do solo, subiu a tal janela e entrou para o interior da dita residência.
2. Aí quando remexia em gavetas de móveis e abria portas com vista a retirar de tal residência e levar com ele bens que ali existiam de valor não inferior a € 102, foi surpreendido pelo dono da casa, tendo-se posto em fuga, após tentativa do respectivo dono da referida casa para o agarrar.
IX-
1. Actuando da forma descrita o arguido agiu, em todas as circunstâncias, com o propósito de integrar no seu património os mencionados objectos que retirou das residências referidas em I- a VII- e que pretendia retirar da residência referida em VIII-, como efectivamente integrou no caso dos bens que retirou das residências referidas em I- a VII- , bem sabendo que tais bens não lhe pertenciam, e que, com tal conduta, actuava contra a vontade dos respectivos proprietários.
2. Sabia ainda o arguido que tais residências se encontravam fechadas, não sendo ele possuidor de chave, nem sendo o habitual local de entrada as referidas janelas, e que, ao entrar ali, o fazia sem a autorização dos respectivos proprietários, por forma ilegítima e mediante a subida das paredes até às janelas e a transposição destas para o interior, ou, como aconteceu na residência de Lisete do Nascimento, através de uma porta que estava fechada.
3. Agiu o arguido livre e conscientemente, bem sabendo que praticava actos proibidos por lei penal.
X-
1. O arguido confessou a subtracção dos objectos das referidas residências, mas não já o valor destes.
2. O desenvolvimento do arguido decorreu em contexto familiar marcado por grandes carências sócio-económicas e sem uma família estruturada, sendo o mais novo de uma fratria de 4 irmãos, que foi apenas criado pela mãe, sem protecção e exigências educacionais, o que não lhe permitiu adquirir valores morais e ter modelos parentais.
3. Iniciou a escolaridade em idade regular, mas pela falta de acompanhamento e estimulação teve fraco aproveitamento escolar, tendo apenas concluído a 4ª classe.
4. Aos 13/14 anos de idade foi orientado para um curso de formação profissional do qual foi retirado quando a mãe se apercebeu da sua instabilidade e da falta de aproveitamento, derivadas do facto de passar os dias sozinho e de faltar ao curso para andar a vaguear e de passar a fumar haxixe.
5. Devido ao facto da mãe se sentir impotente para alterar a situação pediu ajuda aos filhos mais velhos residentes na Alemanha para protegerem o arguido e o levarem para junto deles, o que ocorreu entre os seus 14 e 17 anos, período esse durante o qual o arguido trabalhou na indústria hoteleira.
6. Apesar disso não se conseguiu organizar e passou a consumir heroína, o que agravou a sua instabilidade e degradou a sua relação com os irmãos, acabando por regressar a Portugal para viver novamente junto da mãe.
7. À data dos factos o arguido residia com a mãe, embora por vezes pernoitasse fora de casa e sem paradeiro fixo, sobretudo nos últimos meses antes de ser detido à ordem dos presentes autos.
8. Aquando da detenção à ordem dos presentes autos encontrava-se desempregado desde há cerca de 1 ano e 6 meses.
9. Nas diferentes fases da vida apresentou dificuldades de organização e estabilidade, estando a instabilidade sócio-profissional associada à problemática do consumo de estupefacientes e inserção em grupo desviante.
10. Em termos pessoais revela, para além de uma instabilidade comportamental agravada pelo consumo de estupefacientes, uma não ressonância face aos factos por ele cometidos e supra descritos, e, ainda, ser uma pessoa imatura, com fraca tolerância à frustração, baixa auto-estima e acentuadas dificuldades em se organizar.
11. No E.P. onde se encontra recluído é uma pessoa ajustada que cumpre as normas e regras gerais e colaborante.
12. Está compensado ao nível do consumo de estupefacientes, não necessitando de fazer medicação específica para a toxicodependência, apenas tomando medicação ansiolítica para dormir.
13. No exterior tem apenas apoio precário da mãe, pessoa com 69 anos de idade, com vários problemas de saúde e sem qualquer controle sobre o arguido.
14. Consta do seu CRC junto aos autos um condenação pelo crime de condução sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a multa global de € 300,00, por factos ocorridos em 28.03.2011, por decisão proferida em 30.03.2011, transitada julgado em 09.05.2011, no âmbito do Processo Sumário Nº 279/11.2GCVIS, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu.
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Estes os factos provados, mais nenhum outro se provou com relevo para a decisão da causa.
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CONVICÇÃO
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados alicerçou-se na análise crítica do conjunto da prova produzida na audiência de julgamento, com recurso às regras da experiência comum, e, designadamente:
Sobre a autoria dos factos por parte do arguido considerou o Tribunal, desde logo, as declarações do arguido prestadas na audiência de julgamento, o qual confessou a autoria dos assaltos às residências descritos na factualidade provada, pondo apenas em causa o valor dos bens delas por ele retirados, esclarecendo quanto a tal valor que os objectos em ouro que retirou de tais residências e de que se apoderou foram por si vendidos posteriormente nas lojas que compram ouro usado por preço bastante inferior ao que relativamente aos mesmos constam da acusação.
Ainda sobre a autoria pelo arguido dos furtos ocorridos na residência dos mencionados E... e … , ancorou-se o Tribunal nos Relatórios Técnicos de inspecção judiciária relativamente aos vestígios recolhidos nas residências daqueles, constantes de fls. 10-17 e 32- 51 do Apenso 137/11.0GCVIS e fls. 67 e 78-84 do Apenso 137/11.0GCVIS e fls. 8-15 e 27-28 e 32 e 37 do Apenso 116/10.6GCVIS, respectivamente, dos quais resulta que os vestígios com valor intrínseco recolhidos em tais residências se identificam, de acordo com as informações de serviço que fazem parte integrante de tais relatórios técnicos, no caso dos recolhidos na residência do E..., com o dactilograma dos dedos polegar e médio da mão esquerda do arguido, e no caso da residência do Nuno Miguel Campos, com o dactilograma do dedo polegar da mão esquerda do arguido, informações de serviço essas que não sendo, embora, conclusões periciais propriamente ditas, emergem dos exames a que foram submetidos os vestígios lofoscópicos recolhidos em tal residências, as quais não foram postas em causa pelo arguido, porquanto, este, conforme já referido, assumiu a autoria dos assaltos a tais residências e às demais residências referidas na factualidade provada.
Sopesou, também, o Tribunal os autos de reconhecimento presencial constantes de fls. 17-18, 19-20, 21-22, 70-71, 183-184, fls. 228-229 dos quais resulta que o arguido foi reconhecido como sendo a pessoa que foi vista no interior de um e junto outras três das residências assaltadas, bem assim como a informação da TMN junta a fls. 153, conjugada com o auto de apreensão de fls. 140-141, do cotejo das quais foi possível apurar que o telemóvel Nokia, modelo 1208 com o IMEI nº … , no qual tinha introduzido um cartão de acesso à rede de comunicações móveis com o número … , encontrado na residência do mencionado B... e que ali foi deixado aquando do assalto à mesma, tinha como titular do respectivo registo o arguido.
Sobre o valor dos bens retirados pelo arguido das 7 residências por ele assaltadas, sopesou o tribunal os depoimentos das testemunhas proprietário das mesmas, F..., C..., G…, E... e H..., os quais esclareceram na audiência de julgamento quais os bens que foram retirados das suas residências aquando do assalto às mesmas, bem assim como qual o respectivo valor, que fundamentaram com base no custo de aquisição dos bens e na desvalorização dos mesmos, depoimentos esses que se revelaram concisos e objectivos, sendo certo que também os valores adiantados por tais testemunhas se coadunam, à luz das regras da experiência, com o tipo de objectos a que respeitam, alguns dos quais objectos em ouro, para além de que, em relação aos objectos subtraídos da residência de E..., o respectivo valor consta também da relação junta a fls. 55-56 do Apenso 137/11.0GCVIS, sendo que a de fls. 55 foi elaborada por pessoa que não só conhecia os bens nela descritos como também trabalhava numa ourivesaria, de acordo com o que a esse propósito adiantou a testemunha E....
Neste particular cumpre também referir que no depoimento prestado pela testemunha H... a mesma confirmou não só os bens que foram subtraídos da sua residência e que vieram a ser apreendidos e avaliados, conforme consta do auto de fls. 7-8 do Apenso 518/11.0PBVIS, como também outros bens que também subtraídos na mesma ocasião e que não foram recuperados, que descreveu, e a parte dos quais atribuiu o valor de € 360 por ter sido este aquele que pelo furto dos mesmos veio a receber da seguradora, a título de indemnização, que não comportou o desconto de qualquer franquia.
Já sobre o valor dos bens subtraídos pelo arguido da residência do mencionado B... entretanto falecido, sopesou o Tribunal o depoimento por este prestado na fase de inquérito, constante do auto de fls. 146-147, a cuja leitura se procedeu na audiência de julgamento a requerimento da defensora do arguido e verificados os necessários pressupostos legais, conforme melhor consta da acta de audiência de julgamento em conjugação com a denúncia pelo mesmo apresentada para a qual se remete em tal auto de inquirição, sendo certo que também o valor por aquele atribuído a tais bens se harmoniza, à luz das regras da experiência, com valor dos objectos em causa, visto tratarem-se todos eles de objectos em ouro.
Por fim, sobre o valor dos bens existentes na residência do mencionado I... dos quais nenhum chegou a ser subtraído pelo arguido por ter sido surpreendido quando ainda se encontrava no interior da mesma, considerou o Tribunal que embora em concreto nada tenha sido carreado para os autos a propósito dos bens que constituam o recheio da dita residência, a verdade é que tratando-se o local de uma residência habitada pelo respectivo dono, seguramente no recheio da mesma se compreendiam bens de idêntica natureza e características dos bens subtraídos pelo arguido das demais residências susceptíveis de dela serem subtraídos pelo arguido, os quais, à luz das regras da experiência nunca teriam valor inferior a 102 Ucs.
Com efeito, as regras da experiência “ expressam aquilo que acontece na maioria dos casos, sendo extraída de casos similares, gerando um prejuízo de probabilidade, de um idêntico comportamento humano, devendo o juiz formular um raciocínio de tipo indutivo e sucessivamente um raciocínio dedutivo – neste sentido, Maria do Carmo Saraiva de Meneses da Silva Dias, in Particularidades da Prova em Processo Penal, Revista do CEJ Nº 3, pag. 179.
Na ausência de prova directa nada impede que o tribunal deduza racionalmente a verdade dos factos a partir de prova indiciária ( prova artificial ou por concurso de circunstâncias ), que deverá obedecer, em princípio aos seguintes requisitos: existência de uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados e absolutamente credíveis; racionalidade da inferência obtida, de maneira que o facto « consequência » resulte de forma natural e lógica dos factos – base, segundo um processo dedutivo, baseado na lógica e nas regras da experiência – Neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.05.2005, in www.dgsi.pt.
Sobre as condições de vida do arguido considerou o Tribunal o que a esse propósito resultou das declarações do mesmo prestadas na audiência de julgamento em conjugação com o Relatório Social junto aos autos a fls. 367-371.
Sobre o passado criminal do arguido revelou-se essencial, o teor dos CRC do mesmo junto a fls. 316-317

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Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).

Questões a decidir:
- Se foram incorrectamente julgados os factos dados como provados sob o pontos 10;
- Se a pena peca por excessiva;



Sustenta o recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o arguido demonstrou estar arrependido e, por outro lado que o Tribunal não deveria ter dado como provado os factos constantes do ponto 10, ou seja, que o arguido “revela uma não ressonância face aos factos por ele cometidos”.
Portanto, o recorrente discorda com a forma como na decisão recorrida foi apreciada a prova produzida em julgamento e as conclusões de convicção probatória a que ali se chegou.
De acordo com o disposto no art 412 nº 3 al b) do Código Processo Penal, a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que “imponham decisão diversa”.
Ora, o recorrente ao pretender a alteração da matéria de facto defende que o Tribunal formou a sua convicção essencialmente nas declarações prestadas pelo arguido, declarações repletas de parcialidade e subjectividade. Ora, tal não é indicar provas que imponham decisão diversa. Estas declarações têm de ser apreciados em conjugação com todos os outros elementos trazidos aos autos. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.
O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
« Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pelo recorrente.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando cada uma das diversas provas tidas em consideração.
O recorrente com a sua argumentação apenas pretende e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
O recorrente fez o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando a recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.
O recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos” (Rec nº 2541/2003).
A critica do recorrente, patenteia a sua discordância com a opção do Sr Juiz ao não dar crédito às declarações do arguido no que respeita ao seu arrependimento.
Na verdade, o recorrente referiu estar arrependido, o Tribunal entendeu perante o Relatório elaborado pelos Serviços de Reinserção Social não valorar tais declarações.
Ora, foram os Técnicos de Reinserção Social que acompanharam o arguido, que apreciaram o comportamento do arguido. Dizer que está arrependido é uma coisa, estar arrependido é outra. Portanto, o Tribunal apreciou e decidiu de acordo com as regras da experiência.
Ora, a matéria apurada baseia-se na prova testemunhal e documental produzida em julgamento. Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida e encontrando-se devidamente fundamentada, nada há a alterar. Na verdade é o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida esta encontra-se devidamente fundamentada e, faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A sentença recorrida indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.
Assim, perante os factos apurados e a sua motivação não procede a critica do recorrente. Este esquece a prova produzida e as regras da experiência e sobrevaloriza a sua apreciação subjectiva do que deveria ter sido considerado provado, querendo fazer prevalecer a sua versão dos factos, sem apoio na prova produzida.
É de notar que o juiz da 1ª instância é o juiz da oralidade e da imediação da audiência de julgamento, logo está numa posição que lhe permite apreender as emoções, a sinceridade, a objectividade, as contradições, todas os pequenos gestos que escapam no recurso. Portanto, o juiz do julgamento, em virtude da oralidade e da imediação, portanto, do seu contacto, com arguidos, testemunhas, tem uma percepção que escapa aos juízes do tribunal da Relação.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.

Sustenta o recorrente que deveria ter sido condenado pela prática de um crime de furto qualificado na forma continuada.
Preceitua o art.º 30º nºs 1 e 2, do Código Penal que:
1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
O crime continuado ocorre quando, através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente.
O fundamento desta diminuição da culpa encontra-se na disposição exterior das coisas para o facto, isto é no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do arguido e o pressuposto da continuação criminosa será assim e verdadeiramente a existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente. (DEC da RP nº 4148/05).
Conforme tem sustentado o Supremo Tribunal de Justiça são pressupostos do crime continuado:
- realização plúrima do mesmo tipo de crime, ou de vários que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico;
- Homogeneidade da forma de execução;
- unidade de dolo: as diversas resoluções devem conservar-se dentro de “uma linha psicológica continuada”;
- Persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente. (AC do STJ de 5/4/2000, de 15/6/2000, de 9/11/200).
No caso vertente verifica-se a realização plúrima do mesmo tipo de crime, ocorre homogeneidade na forma de execução e as diversas resoluções podem ser reconduzidas a una unidade jurídica.
No entanto, não se vislumbra na matéria de facto qualquer facto que nos leve a considerar pela persistência de uma situação exterior que facilitou a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente (art. 30 nº 2 do CPenal).
Tal como decidiu o Ac do STJ de 23/01/1983 no BMJ 323, 208 “Para que exista um crime continuado não basta uma pluralidade de acções violadoras dos mesmos preceitos legais, ainda que praticados dentro de um período limitado de tempo, sendo ainda necessário que o agente tenha sido influenciado por circunstâncias exteriores que facilitem a repetição dos actos criminosos, pois é este condicionalismo que concorre para diminuir o grau de culpa, tornando menos exigível comportamento diverso”.
No caso vertente, não se verifica a existência de um crime continuado pois não se mostra que a realização plúrima do mesmo tipo de crime tenha sido executada no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
“Fundando-se a diminuição da culpa no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente, o pressuposto da continuação criminosa deverá ser encontrado numa relação que, de modo considerável, e de fora, facilitou aquela repetição, conduzindo a que seja, a cada crime, menos exigível ao agente que se comporte de maneira diversa.
Importante, portanto, será determinar quando existiu um condicionalismo exterior ao agente que facilitou a acção daquele, facilitou a repetição da actividade criminosa (“tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito” – cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 209) e, por isso, diminui/atenua a respectiva culpa”.
É que, se o agente concorre para a existência daquele quadro ou condicionalismo exterior, está a criar condições de que não pode aproveitar-se para que possa dizer-se verificada a figura legal de continuação criminosa.
É esse o entendimento da jurisprudência dominante ao afirmar que inexiste crime continuado – mas concurso de infracções – “quando as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem ou arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa” (cf. Aos. STJ de 10.12.1997 in Prol. 1192/97; e de 07.03.2001 e 12.06.2002 in Boletim interno deste STJ, nºs 49 e 62, respectivamente.
Da matéria de facto assente, cremos não haver dúvidas de que o arguido agiu sempre de forma homogénea e lesou sempre o mesmo bem jurídico.
Só que dos factos assentes não resulta a existência de um condicionalismo exterior ao agente que facilitou a acção daquele, que facilitou a repetição da actividade criminosa e que, por isso, diminua a culpa do arguido.
Dos factos provados resulta antes que foi o arguido que criou todo um esquema, para cometer os crimes, conhecendo os meios para os levar a cabo. O arguido não se deparou com uma situação exterior que facilitou toda a sua actuação.
Portanto, resulta da matéria de facto assente que foi sempre o próprio arguido quem criou as condições necessárias para a prática dos factos/crimes, formulando várias resoluções criminosas, agindo e concretizando-as em função de cada caso concreto, “adaptando o modos operando às circunstâncias específicas dos seus desígnios”. Na verdade, o seu problema de toxicodependência e ao contrário do que sustenta, não é exógeno mas endógeno e não diminuidor da culpa, antes agravando a mesma. Aliás, dos factos apurados não resulta nenhuma circunstância exógena diminuidora da culpa do arguido.
Em face do que se deixa dito, concluímos que no caso em análise inexiste crime continuado.

Sustenta o recorrente que a pena de prisão aplicada peca por excessiva.
No que respeita à determinação da medida da pena temos que considerar o que dispõe os arts 40, 70 e 71 do Código Penal.
Dispõe o art 40 que “a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Sendo certo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, ou seja, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável da sua medida.
Como se diz no acórdão desta relação de 17/1/1996 na CJ, Ano XXI, Tomo I, pg 38, (...) a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em primeiro lugar, o da culpa do agente, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção especial e geral”.
“(...) Na determinação da medida judicial da pena, o julgador terá de se movimentar tendo em atenção, em primeira linha, a culpa do agente, entendida esta no sentido atrás referido, qual seja de que o objecto de valoração da culpa é prevalentemente o facto ilícito praticado.
Por outro lado, o preceito que vimos de analisar (...) manda igualmente que o julgador, proceda à fixação do quantum de pena concreto, tendo em conta considerações de prevenção (geral e especial), concretizadas pelo seu nº 2.
(...) Os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa (num primeiro momento) e a prevenção (na fase subsequente, mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”
O critério para a escolha da pena, bem como os limites a observar no que respeita ao seu quantum encontram-se fixados nos arts 70 e 71 do Código Penal. O art 70 dá primazia às penas não detentivas; o segundo aponta para a determinação da medida da pena a culpa do agente e as exigências de prevenção bem como, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
“Atribuindo-se à pena um critério de reprovação ética, têm de se levar em conta as finalidades de prevenção geral e especial; fazendo apelo a critérios de justiça, procurar-se-á uma adequada proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa por um lado e a pena por outro” (CJ, Ano XVII, Tomo I, pg 70).
No caso concreto há a ponderar que o arguido foi julgado pela prática de oito crimes de furto qualificado (um dos quais na forma tentada), em residências particulares, com recurso a arrombamento ou estroncamento, a natureza dos objectos subtraídos, facilmente transaccionáveis e os respectivos valores. Os crimes de furto foram praticados com regularidade ao longo de cerca de cinco meses, só vindo a terminar com a detenção do arguido, o que demonstra a acentuada propensão do arguido para a prática deste tipo de ilícito, o que, além de relevar em sede de culpa, convoca fortes exigências de prevenção especial;
Acrescem fortes exigências de prevenção geral, em face da proliferação de crimes de furto por todo o país, pelo forte alarme social que a prática deste tipo de crimes provoca, especialmente os assaltos a residências, pelos sentimentos de insegurança e intranquilidade que causem na comunidade;
No que respeita à sua personalidade, apesar de não ter antecedentes criminais à data dos factos o arguido, mantém uma postura de alheamento perante os factos e suas consequências, justificando-os com hábitos de consumos de estupefacientes, sendo certo que tais circunstâncias, não podem servir de pretexto para o arguido atentar contra o património alheio.
A personalidade do arguido – naquilo que resulta da projecção da reiterada prática de delitos de alguma gravidade - revela-se refractária a uma convivência social de acordo com as regras do direito.
As necessidades de socialização do arguido tornam particularmente infundado qualquer juízo positivo sobre a socialização em liberdade poder ser lograda.
Por outro lado, uma pena não detentiva não acautelaria devidamente a defesa do ordenamento jurídico porque não seria compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a manutenção da sua confiança no direito e na administração da justiça.
Por isso, só a pena efectiva de prisão poderá assegurar o efeito essencial de prevenção geral e satisfazer a necessidade de socialização do arguido.

Assim atendendo que a pena única aplicada tem como limite superior a soma das penas concretas aplicadas e como limite inferior a pena parcelar mais elevada concluímos que quer as penas parcelares, quer a pena única aplicada mostra-se justa, equilibrada e proporcional.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 ucs.





Alice Santos (Relatora)
Belmiro Andrade