Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
44/10.4TASBG-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: ASSISTENTE
DESPACHO DE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
REQUERIMENTO DE ABERTURA DA INSTRUÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Data do Acordão: 04/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA GUARDA - JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 77.º DO CPP
Sumário: Em função da natureza de verdadeira acusação em sentido material que reveste o requerimento de abertura da instrução apresentado, na sequência do despacho de arquivamento [no caso de crimes públicos e/ou semipúblicos], pelo assistente, a lacuna verificada quanto ao momento da dedução do pedido de indemnização civil no referido condicionalismo processual há-de ser integrada pela aplicação analógica do n.º 1 do artigo 77.º do CPP, conduzindo à conclusão de aquele pedido dever ser apresentado no prazo legalmente fixado para a entrega do RAI.
Decisão Texto Integral:






Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do PCS n.º 44/10.4TASBG do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Guarda – JL Criminal, por despacho judicial de 03.11.2016, com fundamento na respetiva extemporaneidade, foi liminarmente rejeitado o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante/assistente A... contra os demandados/arguidos B... e C... .

2. Inconformado com o assim decidido recorreu o assistente/demandante A... , formulando as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da douta Decisão ref.ª 24708646, de 03.11.2016, constante de fls. 1444 e 1445 dos autos, supra transcrita, a qual foi notificada ao aqui recorrente em 07.11.2016, que, por extemporaneidade, rejeitou liminarmente o pedido de indemnização civil formulado, a fls. 1425 a 1443, pelo assistente/demandante A... contra os arguidos/demandados B... e C... .

2. Salvo o devido respeito não colhe a argumentação pelo Mm.º Juiz aduzida, na Decisão recorrida, desde logo porque a norma aplicável ao caso é – não a do n.º 3 do art.º 77º na qual o Mmº Juiz a quo fundamentou a Decisão recorrida – mas a do n.º 2 do mesmo artigo.

3. Como o Mmº Juiz expressamente afirma, na Decisão recorrida, o demandante/recorrente manifestou o propósito de deduzir o pedido de indemnização, pelo que, o caso é subsumível à previsão da norma do n.º 2 do citado art.º 77º.

4. Não tendo sido formulada acusação contra os arguidos B... e C... , nem tendo eles responsabilidade meramente civil – segundo a Acusação Pública, que o assistente não pode alterar substancialmente, (art.º 284º n.º 1) -, o pedido de indemnização civil deve ser deduzido no prazo de 20 dias a contar da notificação do Despacho de Pronúncia ao assistente/lesado, nos termos do n.º 2 do art.º 77.º

5. A Decisão Instrutória deve ser notificada ao advogado e pessoalmente ao assistente, contando-se o prazo para a prática de ato subsequente a partir da data efetuada em último lugar (art.º 113º n.º 10), sendo certo que, como o Mm.º Juiz reconhece, o assistente/demandante ainda não foi pessoalmente notificado do Despacho de Pronúncia dos arguidos B... e C... .

6. Daí que o ora recorrente esteja em tempo para eduzir o pedido de indemnização civil contra aqueles arguidos.

7. Ainda que, porém, se entenda que a norma do n.º 2 do art.º 77º não é diretamente aplicável – o que só por mera hipótese de raciocínio se admite – tal norma seria aplicável por analogia.

8. Com efeito a causa de pedir da ação civil enxertada no processo penal é o dano ex delicto.

9. Ora, o Mº Pº não só arquivou o inquérito contra os arguidos B... e C... – daí que o assistente tenha requerido a abertura de instrução contra os mesmos – como na infeliz (neste aspeto) Acusação que deduziu contra os demais arguidos, colocou aqueles arguidos, por incrível que pareça, na posição de testemunhas e de enganados, de vítimas do crime de burla que imputou aos demais arguidos, como decorre do ponto 14. Da Acusação do Mº Pº.

10. Daí que ora recorrente ficasse juridicamente impossibilitado de deduzir o pedido de indemnização civil contra os arguidos B... e C... , pois que, por um lado, segundo a Acusação Pública, não participaram na prática do crime, sendo certo que o assistente só podia deduzir Acusação pelos factos acusados pelo Mº Pº, por parte deles ou por outros que não importassem alteração substancial daqueles (cit. Art.º 284º n.º 1) e, por outro lado, não tendo sequer responsabilidade meramente civil – pois que, repete-se, também eles, tal como o assistente, foram colocados na posição de testemunhas, de enganados e de vítimas do crime de burla que imputou aos demais arguidos, de harmonia com a Acusação deduzida pelo Mº Pº contra os demais arguidos – não podia o assistente deduzir o pedido de indemnização civil contra os arguidos B... e C... .

11. Por isso, só contra os arguidos T C... , seus administradores e funcionário G... , o assistente deduziu pedido de indemnização civil.

12. O assistente não podia juridicamente deduzir o pedido de indemnização civil contra os arguidos B... e C... antes destes terem sido pronunciados, porque – segundo a Acusação Pública, que o assistente não podia alterar substancialmente (artº 284º n.º 1) – não praticaram o crime nem tinham responsabilidade meramente civil pelos danos sofridos pelo assistente, ocasionados pelo crime imputado aos demais arguidos, sob pena de o pedido de indemnização civil deduzido contra os arguidos B... e C... entrar em contradição com a Acusação Pública que o assistente, insiste-se, não podia alterar substancialmente (e, por isso, requereu abertura de instrução contra esses arguidos).

13. O Mº Pº colocou o assistente na impossibilidade jurídica de formular o pedido de indemnização civil contra os arguidos B... e C... porque na Acusação que deduziu contra os demais arguidos, os arguidos B... e C... não só não participaram no crime que ocasionou os danos sofridos pelo assistente, como até eles próprios (arguidos B... e C... ) foram vítimas desse crime (art.º 74º nº 1) e, por essas razões, o assistente não pôde juridicamente deduzir pedido de indemnização civil contra os arguidos B... e C... porque – na ótica da Acusação Pública, que o assistente não podia alterar substancialmente (artº 284º nº 1) – não são responsáveis criminalmente, nem têm responsabilidade meramente civil, pelos danos sofridos pelo assistente, ocasionados pelo crime praticado pelos demais arguidos e figuram até como testemunhas.

14. Portanto, não foi por esquecimento ou por errada interpretação da lei que o pedido de indemnização civil contra os arguidos/demandados B... e C... não foi deduzido antes da notificação pessoal do Despacho de Pronúncia ao assistente/demandante, mas por impossibilidade face aos termos da infeliz Acusação Pública ao arquivar o inquérito contra os arguidos B... e C... e, sobretudo, ao coloca-los na posição de testemunhas e vítimas do crime, indiciariamente, também por eles praticado, como viria a decidir o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, em recurso interposto pelo assistente do Despacho de Não Pronúncia desses arguidos.

15. Repare-se que o pedido de indemnização civil contra os demandados C... e B... , que foi rejeitado liminarmente pela Decisão recorrida, é rigorosamente igual ao que foi deduzido contra os demais arguidos/demandados (apenas foram acrescentados dois factos pessoais).

16. Daí que – não fosse a referida impossibilidade jurídica provocada pela Acusação Pública – seria extremamente fácil deduzir o pedido de indemnização civil contra os arguidos C... e B... : bastaria acrescentar o nome destes arguidos ao pedido formulado contra os demais arguidos/demandados.

17. Todavia, ainda que, uma vez mais por hipótese de raciocínio, se admitisse que – não obstante a impossibilidade jurídica – o assistente tivesse deduzido, de qualquer maneira, o pedido de indemnização civil contra os arguidos B... e C... , na mesma ocasião em que o deduziu contra os demais arguidos, tal pedido teria de ser alterado após a notificação do Despacho de Pronúncia ao assistente por forma a harmonizá-lo com a Pronúncia, até porque o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, na sequência do recurso interposto, pelo assistente, do Despacho de Não Pronúncia, determinou a harmonização da pronúncia dos arguidos B... e C... com a Pronúncia dos demais arguidos, ordenando, nomeadamente, que fosse eliminado o ponto 14. da Acusação Pública (“Perante o documento apresentado, até C... e B... ficaram convencidos que a sociedade ora arguida iria mudar a linha no prazo de 30 dias, sendo que a autorização para a passagem seria apenas provisória”).

18. O mesmo é dizer que, se acaso tivesse sido deduzido antes da notificação do Despacho de Pronúncia que veio a ser proferido também contra os arguidos B... e C... , (na sequência do provimento do recurso interposto, pelo assistente, do despacho de Não Pronúncia destes arguidos), o pedido de indemnização civil contra os arguidos B... e C... estaria em contradição com o mesmo Despacho. Daí que tivesse de ser alterado para ser harmonizado com o Despacho de Pronúncia dos arguidos B... e C... .

19. Conclui-se, pois, que – além de impossível juridicamente – era inútil o assistente ter deduzido o pedido de indemnização civil contra os arguidos B... e C... antes de o Despacho de Pronúncia ser notificado ao assistente.

20. No sentido defendido pelo assistente/recorrente decidiu a Relação do Porto, no Douto Acórdão de 28/10/2009, Proc. 672/06.2PEGDN.P1.

21. De tudo quanto de deixa alegado tem de concluir-se que, da conjugação do disposto no artº 77º nº 2 com o disposto no art. 113º nº 10, o prazo de 20 dias previsto no nº 2 do art.º 77º do C.P. Penal, para a dedução do pedido civil, tem o seu início na data de notificação pessoal do Despacho de pronúncia ao assistente, notificação essa que ainda não foi efetuada, como expressamente reconhece o Mm.º Juiz a quo no Despacho recorrido.

22. O Douto Despacho recorrido aplicou erradamente a norma do nº 3 do art.º 77º, sendo certo que a norma aplicável é a do n.º 2 do mesmo artigo, conjugada com a norma do n.º 10 “in fine” do art.º 113º, devendo, por essa razão, ser revogado e substituído por outro que admita o pedido civil deduzido, pelo aqui recorrente, contra os arguidos demandados B... e C... a fls. 1425 a 1443 dos autos.

Face ao exposto, pelas razões e fundamentos invocados, no mais de Direito e com o Mui Douto suprimento de V. Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogado o Douto despacho recorrido e, substituído por outro que admita o pedido de indemnização civil deduzido, a fls. 1425 a 1443, pelo recorrente/demandante contra os arguidos/demandados B... e C... .

Assim se fará Justiça!

3. O recurso foi admitido com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

4. Em resposta ao recurso o demandado B... defendeu a respetiva improcedência.

5. Também o Ministério Público reagiu ao recurso, concluindo:

1ª. Afigura-se-nos que não assiste razão ao assistente, devendo ser chumbado o seu recurso;

2ª. A situação aqui trazida pelo assistente cai no número três e não no número dois da disposição legal que vem de citar-se;

3ª. O assistente esteve presente na diligência de pronúncia dos arguidos B... e C... , pelo que começou a correr para este, a partir desta data, o prazo de 20 dias para deduzir o pedido de indemnização civil, encontrando-se tal prazo já há muito ultrapassado, quando o veio fazer;

4ª. Não foram violadas, com a decisão ora recorrida quaisquer normas processuais penais.

Termos em que, deve ser mantido, nos seus precisos termos, o despacho recorrido, como é de Justiça e Direito.

6. Remetidos os autos à Relação, não sem que antes tivesse sido sustentada a decisão recorrida, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o visto.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso.

No caso concreto a questão a decidir traduz-se em saber se o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante, ora recorrente, datado de 31.10.2016 foi, como defende, tempestivamente deduzido.

2. A decisão recorrida

É o seguinte o teor do despacho recorrido:

Mediante o respetivo requerimento de fls. 1425 a 1443, datado do passado dia 31 de Outubro de 2016, vem o lesado e assistente A... deduzir agora pedido de indemnização civil contra os atuais arguidos B... e C... , contra os quais não havia deduzido anteriormente tal pedido, na medida em que tais arguidos não foram originariamente acusados, tendo sido apenas posteriormente pronunciados por despacho de pronúncia proferido nos autos (após determinação superior) no passado dia 12 de Julho de 2016.

Ora, é verdade que o lesado e agora demandante manifestou logo ab initio nos autos o seu propósito de oportunamente deduzir pedido de indemnização civil, e é verdade que o mesmo lesado não foi pessoalmente notificado do despacho de pronúncia proferido nos autos a fls. 1395 a 1397 (do dia 12 de Julho de 2016), em que os ora novos demandados foram (pela primeira vez) pronunciados, tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 77º, nº 2, e 113º, n.º 10, ambos do Cód. De Proc. Penal.

No entanto, ainda assim não nos parece correto o entendimento que vem sufragado pelo demandante no sentido de que, porque tal notificação nunca se efetuou, então está sempre em tempo de deduzir o novo pedido de indemnização civil que agora pretende formular contra os novos demandados agora pronunciados.

Com efeito, para casos como este antes nos parece que rege o artigo 77º, nº 3, do Cód. De Proc. Penal, o qual nos diz, na parte que aqui interessa, que, se o lesado não tiver sido notificado nos termos do anterior n.º 2 de tal artigo 77º do Cód. De Proc. Penal (como neste efetivamente não foi), então o prazo de que dispõe para deduzir pedido de indemnização civil é o de 20 dias depois de o arguido ser notificado do despacho de pronúncia.

Desta forma, e no nosso caso, todos os arguidos (incluindo os agora demandados B... e C... foram presencialmente notificados do despacho de pronúncia no próprio dia em que o mesmo foi proferido, ou seja no dia 12 de Julho de 2016 (cf. fls. 1394 a 1397).

Assim sendo, e como tal o pedido de indemnização civil que o lesado agora pretende formular a fls. 1425 a 1443, tendo sido apresentado apenas no passado dia 31 de Outubro de 2016, surge largamente para lá do aludido prazo de 20 dias a que se refere o artigo 77º, n.º 3, do Cód. de Proc. Penal (parte final), e por isso é extemporâneo e não pode ser já admitido.

Assim, pelo exposto, e por extemporaneidade, decide-se rejeitar liminarmente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante A... contra os demandados B... e C... a fls. 1425 a 1443.

Notifique.

3. Apreciação

Controvertida nos presentes autos surge tão só a questão da tempestividade do pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante A... contra os arguidos/demandados B... e C... .

Dos elementos que instruem o presente recurso em separado e, bem assim, dos dados fornecidos pela decisão recorrida na parte em que não mereceu contestação podemos proceder à seguinte súmula:

(i) Encerrada a fase de inquérito, em 07.06.2013, o Ministério Público, por entender não se mostrarem suficientemente indiciados os elementos típicos do crime de burla no que concerne aos arguidos B... e C... , determinou, quanto a estes, o arquivamento dos autos, acusando os demais arguidos [ T... , SA; D... ; D... ; F... e G... ] a quem imputou a prática de um crime de burla;

(ii) Em 02.07.2013 o assistente deduziu acusação [artigo 284.º do CPP] contra os cinco arguidos acima identificados [acusados pelo Ministério Público], formulando, no mesmo articulado, contra os mesmos, pedido de indemnização civil;

(iii) E requereu, em 12.07.2013, a abertura da instrução pugnando pela pronúncia dos arguidos B... e C... por um crime de burla;

(iv) Finda a instrução em 13.07.2015, no que ora releva, foi proferido despacho de não pronúncia dos arguidos B... e C... , decisão esta impugnada [pelo assistente] por via de recurso, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 27.04.2016 revogado a decisão, determinando que fosse a mesma substituída por outra que pronunciasse os ditos arguidos;

(v) O que veio a suceder por decisão de 12.07.2016, ocasião em que foram todos os arguidos presencialmente notificados do despacho de pronúncia.

Relevante, ainda:

(vi) O demandante manifestou logo ab initio nos autos o propósito de oportunamente deduzir pedido de indemnização civil;

(vii) O demandante não foi pessoalmente notificado do despacho de pronúncia proferido em 12.07.2016, no qual os arguidos B... e C... foram [pela primeira vez] pronunciados.

Isto dito, cabe pois indagar se o pedido de indemnização civil, datado de 31.10.2016, formulado contra os demandados B... e C... , foi, à luz do direito estabelecido, tempestivamente deduzido.

Sobre os prazos para a formulação do pedido de indemnização civil enxertado no processo penal rege o artigo 77.º do CPP, havendo unanimidade nos autores quando, a propósito, os distinguem consoante a veste do ofendido.

Assim - deixando de lado por não assumir relevância na situação que nos ocupa, o caso do pedido formulado pelo Ministério Público -, de jure constituto, podemos assentar em que se deduzido pelo assistente [por quem já revista essa qualidade à data da respetiva formulação] tem aplicação a disciplina do n.º 1 do artigo 77.º, enquanto se o for por quem possua, tão só, a qualidade de lesado as normas a convocar serão, antes, as contidas nos n.ºs 2 e 3 do dito preceito.

Sinteticamente:

- Se o pedido for apresentado pelo assistente [já constituído à data] terá de ser formulado na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deva ser deduzida;

- Se apresentado pelo lesado não assistente dentro dos vinte dias seguintes à notificação da acusação ou, não o havendo, do despacho de pronúncia se a ele houver lugar [caso o lesado tenha manifestado no processo o propósito de deduzir pedido de indemnização civil]; dentro dos vinte dias seguintes à notificação ao arguido do despacho de acusação ou, se não o houver, do despacho de pronúncia [caso o lesado não tenha manifestado a intenção de deduzir o pedido ou não haja sido notificado nos termos do n.º 2 do artigo 77.º].

Transpondo a enunciada disciplina para o caso concreto impõe-se reconhecer estarmos perante uma situação não diretamente contemplada. Com efeito, do excurso já levado a cabo sobre os atos processuais pertinentes, ressalta que, por ocasião, da apresentação do pedido de indemnização civil contra os demandados B... e C... já há muito revestia o demandante [ora recorrente] a qualidade de assistente, circunstância que, em princípio, conduziria a subtração do regime do pedido à disciplina dos n.ºs 2 e 3 do artigo 77.º do CPP, não tendo sido, porém, essa a posição defendida no despacho recorrido.

Afigura-se-nos, contudo que caso o legislador tivesse previsto a situação, por uma questão de unidade do sistema, a teria contemplado expressamente no n.º 1 do citado preceito.

Expliquemo-nos.

É pacífica, na doutrina e jurisprudência, a posição que encara o requerimento da abertura da instrução apresentado pelo assistente na sequência do despacho de arquivamento do Ministério Público [estamos, naturalmente, a equacionar os casos dos crimes públicos ou semipúblicos] como uma verdadeira acusação alternativa, na qual – desde logo por via do princípio do acusatório e da vinculação temática - tem de constar os elementos descritos nas alíneas b) e c) do n.º 3 artigo 283.º do CPP a saber: A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; A aplicação das disposições legais aplicáveis [cf. o artigo 287.º, n.º 2 in fine do CPP], sob pena de, assim não sendo, para além de nulo, constituir motivo de rejeição, por inadmissibilidade legal, da «acusação».

A propósito lê-se no acórdão do STJ de 12.03.2009 (proc. n.º 3168, 5.ª Secção): Dado o paralelismo entre a acusação e o requerimento para abertura da instrução apresentada pelo assistente, deve aquilatar-se da possibilidade de aplicação ao requerimento para abertura da instrução do disposto no art.º 311º, que considera manifestamente infundada a acusação: a) quando não contenha a identificação do arguido; b) quando não contenha a narração dos factos; c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que as fundamentam; d) se os factos não constituírem crime; Se o requerimento para abertura de instrução requerida pelo assistente não contém a identificação do arguido, ainda que por simples remissão (…), a instrução será inexequível e constituirá uma fase processual sem objeto se o assistente deixar de narrar os factos e de indicar as disposições legais aplicáveis.

No sentido da verificação do dito paralelismo, refere o acórdão do STJ de 07.05.2008 (proc. n.º 4551/07, 3.ª Secção): No caso de ter sido proferido despacho de arquivamento, o requerimento de abertura de instrução determinará o objeto desta, definindo o âmbito e os limites da investigação a cargo do juiz de instrução, bem como os da decisão de pronúncia. Atento o paralelismo que se estabelece entre a acusação e o requerimento para abertura da instrução deduzido pelo assistente na sequência de um despacho de arquivamento, sendo que tal requerimento contém substancialmente uma acusação, deverá o mesmo conter a narração dos factos e indicar as provas a produzir ou a requerer, tal como para a acusação o impõe o artigo 283º, nº 3do CPP; (…) A exigência de rigor na delimitação do objeto do processo – note-se que a exigência feita ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao MP no momento em que acusa - sendo uma concretização das garantias de defesa, não consubstancia uma limitação injustificada ou infundada do direito de acesso aos tribunais (…); É, pois, de rejeitar, por inadmissibilidade legal, «vista a analogia perfeita entre a acusação e a instrução» no qual este (…) omite em absoluto a alegação de concretos e explícitos factos materiais praticados pelo arguido e do elemento subjetivo que lhe presidiu para cometimento do crime (cf. Ac. deste STJ de 22-03-2006, Proc. n.º 357/05 – 3.ª).

A configuração de acusação alternativa, de acusação em sentido material, ou seja que não sendo uma acusação em sentido processual-formal, deve constituir processualmente uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objeto do processo, da acusação que o assistente entende que deveria ter sido produzida, é uma constante na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, objeto de afirmação em vários arestos, como, a título exemplificativo, sucede ainda nos acórdãos de 16.06.2008 (proc. n.º 2050/06 -3.ª), de 25.10.2006 (proc. n.º 3526/06.3.ª).

Significa, pois, que estando perante um caso omisso, nos termos do disposto no artigo 4.º do CPP, é de aplicar por analogia o n.º 1 do artigo 77.º do CPP, porquanto dada a natureza de acusação alternativa que reveste o requerimento em questão procedem as razões justificativas daquela disciplina, assim se garantindo a harmonia do sistema.

Bem vistas as coisas o recorrente ao colocar – para a refutar, é certo – a hipótese de vir a ser perfilhado o entendimento de o pedido de indemnização civil dever ter sido deduzido por ocasião de idêntico pedido formulado contra os demais demandados [simultaneamente arguidos] ab initio acusados não se afasta, pese embora num quadro diverso, da posição defendida, apontando-lhe obstáculos, jamais decisivos.

Vejamos.

Parece assistir-lhe razão quando afasta a possibilidade do pedido de indemnização civil [agora em questão] ter sido deduzido na peça processual em que o foi quanto aos demais demandados [acusados], não pelos fundamentos que vem invocados, mas antes pela falência de um pressuposto até então não verificado, qual seja a ausência da acusação pública contra os mesmos [relativamente aos quais o inquérito foi arquivado] – cf. o n.º 1 do artigo 77.º do CPP.

De facto, a circunstância do pedido em função do sentido de uma futura decisão, designadamente de não pronúncia ou de pronúncia, mas sem o alcance requerido, poder resultar, pelo menos em parte, comprometido, é realidade que não difere daquela outra suscetível de ocorrer quando o pedido deduzido pelo demandante, simultaneamente assistente, por ocasião da acusação ou no prazo em que a mesma deva ser deduzida – por força do princípio da adesão com fundamento nos factos constitutivos do ilícito típico – resulta abalado por via da decisão instrutória, proferida na sequência da instrução requerida pelo arguido, de não pronúncia ou de pronúncia apenas por parte dos crimes imputados na acusação, cujos factos também surgiram a suportar/fundamentar o pedido de indemnização civil contra ele, na qualidade de demandado, formulado.

Ademais, a lei processual civil não deixa de contemplar mecanismos de ajustamento do pedido inicialmente deduzido - [cf. artigos 264.º/265.º do CPC].

Concluindo:

Em função da natureza de verdadeira acusação em sentido material que reveste o requerimento de abertura da instrução apresentado, na sequência do despacho de arquivamento [no caso de crimes públicos e/ou semipúblicos], pelo assistente perfilhamos o entendimento de que a lacuna assinalada há-de ser integrada pela aplicação analógica do n.º 1 do artigo 77.º do C. Penal, conduzindo à necessidade do pedido ser deduzido no prazo em que aquele deve ser formulado, o que não havendo sucedido conduz à respetiva extemporaneidade.

Contudo, mesmo para quem não siga o caminho traçado – como sucedeu na decisão em crise - e entenda colher aplicação, ao caso, as demais normas do artigo 77.º do CPP, a disjuntiva prevista no seu n.º 3, posto que o demandante manifestou o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, mas não foi (pessoalmente) notificado nos termos do n.º 2, levaria, igualmente, com recurso àquela norma, em cuja previsão cabe a situação em apreço, atenta a data da notificação aos arguidos do despacho de pronúncia, à rejeição, por extemporâneo, do pedido.

Não resultam, assim, violadas as normas convocadas pelo recorrente, sendo de manter o sentido da decisão recorrida.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Fixa-se a taxa de justiça, a cargo do recorrente em 3 (três) UCs – artigo 515º do CPP e 8.º do RCP.

Coimbra, 26 de Abril de 2017

[Processado e revisto pela relatora]

 (Maria José Nogueira – relatora)

 (Elisa Sales – adjunta)