Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
72/08.0GTSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MATINS
Descritores: MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR
PROVA TESTEMUNHAL
VALORAÇÃO DA PROVA
RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 10/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 125º,127º 128º,355º, 374º,410º, 412º E 428 DO CPP
Sumário: 1. A lei (artigo 374º,nº2 do CPP) impõe um especial dever de fundamentação da decisão sobre a matéria facto, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção – indicando os meios de prova em que a fez assentar e esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância – não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.
2 Na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.
3.Quando está em causa prova testemunhal, deve o julgador proceder a um seu tratamento cognitivo, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções baseadas na correcção de raciocínio mediante a utilização das regras de experiência.


4. Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, na observância do disposto no n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, o recorrente está onerado a especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, e, quando disso seja o caso, das que devam ser renovadas; especificações estas que devem ser feitas de acordo com o estabelecido no n.º 4 do preceito acima referido.
5.Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. J e L, arguidos já devidamente identificados, foram submetidos a julgamento, porquanto acusados pelo Ministério Público da prática indiciária de factualidade consubstanciadora:

- O primeiro, como autor material, em concurso efectivo, de um crime de injúrias agravado, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2, l) do Código Penal, na pessoa do ofendido João Fernando Santarém da Silva, e um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao disposto na al. l) do n.º 2 do artigo 132.º, todos do Código Penal, na pessoa da Guarda Nacional Republicana;

- O segundo, como autor material, de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348.º, n.º 1, a) e 69.º, n.º 1, a) e c), ambos do Código Penal, e do artigo 152.º, n.º 3 do Código da Estrada.

No decurso da audiência de julgamento procedeu-se à convolação do crime de difamação agravado para o crime de injúria agravado, cometido na pessoa da Guarda Nacional Republicana, tendo-se comunicado a alteração da qualificação jurídica, conforme consta da respectiva acta.

Findo o contraditório, proferiu-se sentença determinando ao ora relevante 1) condenar o primeiro arguido na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o quantitativo global de € 900,00 (novecentos euros) e, subsidiariamente, na pena de 100 (cem) dias de prisão subsidiária, pela comissão do crime de injúria agravada, p. e p. pelos aludidos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, l), na pessoa da Guarda Nacional Republicana, bem como 2) condenar o segundo deles pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos também citados artigo 348.º, n.º 1, al. a), conjugado com o artigo 152.º, n.ºs 1, a) e 3 do Código da Estrada, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz um total de € 540 (quinhentos e quarenta euros), a que correspondem 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária, além de mais o condenar na pena acessória de inibição de conduzir, pelo período de três meses, a contar do trânsito em julgado da decisão emanada.

1.2. Irresignados, ambos os arguidos interpuseram competente recurso, apresentando, após motivação dos requerimentos impugnativos, a seguinte ordem de conclusões:

(o arguido J)

1.2.1. O Tribunal a quo fundou a sua convicção, essencialmente, nas declarações das testemunhas de acusação.

1.2.2. Ora, a análise da prova produzida em audiência, mostra que ela se apresentou repleta de imprecisões e de contradições, impondo distinta sentença.

1.2.3. O caso concreto, perante a incerteza absoluta da prática dos factos pelo arguido, impunha a aplicação do princípio do in dúbio pro reo.

1.2.4. Omitindo tal aplicação, preteriu-se o disposto no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

(o arguido L)

1.2.5. Perante o teor dos elementos fornecidos pelo processo, especialmente os depoimentos das testemunhas de acusação inquiridas, impunha-se sentença distinta da prolatada, pois que se não logrou fazer prova dos elementos constitutivos do tipo legal em causa.

1.2.6. A decisão recorrida padece do vício de insuficiência da matéria de facto provada para a condenação do recorrente.

1.2.7. As contradições dos depoimentos das testemunhas de inquirição sobressaem do documento que ora junta emitido pela empresa M…, Lda.

1.2.8. O caso vertente impunha a aplicação do princípio do in dúbio pro reo, integrando a sua desconsideração violação ao artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

Terminaram pedindo os dois arguidos o eximir da responsabilidade penal decretada.

1.3. Cumprido o disposto pelo artigo 411.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento de ambos os recursos.

1.4. Proferido despacho da sua admissão, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, com vista dos autos, atento o estatuído pelo artigo 416.º do mesmo diploma adjectivo, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente à manutenção do sentenciado.

1.6. Foi dado acatamento ao disciplinado no subsequente artigo 417.º, n.º 2.

1.7. No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se inexistir fundamento conducente à apreciação sumária dos recursos, e, por outro lado, nada obstar ao seu conhecimento de meritis. Por isso que se ordenou o respectivo prosseguimento, com recolha dos vistos devidos e submissão à presente conferência.

Urge, então, ponderar e decidir.


*

II – Fundamentação de facto.

2.1. A decisão recorrida anotou a seguinte matéria de facto como provada:

1. Pelas 00:45 horas do dia 17 de … de 2008, o arguido L conduzia um veículo automóvel ligeiro de passageiros, com o número de matrícula …-GQ, pelas Estrada Municipal n.º 539, no sentido Barroca/Entroncamento, área da comarca de Torres Novas, tendo-se despistado.

2. JF, Major da GNR e 2.º Comandante do Grupo Regional de Trânsito da GNR, em Santarém, circulava à retaguarda, na mesma via e no mesmo sentido de marcha do arguido L.

3. No momento do despiste, que ocorreu após uma curva, JF não tinha contacto visual com o veículo.

4. Após o despiste referido em 1), ao retomar o contacto visual com o veículo referido em 1), despistado na via, abeirou-se do arguido L, no sentido de averiguar se precisava de auxílio médico, o que este rejeitou.

5. Como o veículo referido em 1) se encontrava parado na via, após uma curva, causando perigo para quem nela circulava, e que não se conseguia deslocá-lo para fora da via, JF  sugeriu que se chamasse a assistência em viagem, o que o arguido L  logo rejeitou, por antever a possibilidade da autoridade policial comparecer no local e ter de ser sujeito a exame para pesquisa de álcool no sangue.

6. Entretanto, havia chegado ao local o arguido J, pai de L, e ambos insistiam com JF para que fosse embora, dado que o assunto não lhes dizia respeito.

7. Nessa ocasião, JF, apercebendo-se que o arguido L exalava um hálito a álcool, revelou aos arguidos a sua qualidade de militar e as funções que exercia no Grupo Regional de Trânsito da GNR, em Santarém, de segundo Comandante, solicitando, nesse momento, a comparência do carro patrulha da GNR/BT ao local.

8. O arguido J, ao tomar conhecimento das funções exercidas por JF  aproximou-se do mesmo e proferiu as seguintes expressões, num tom de voz audível para quem ali se encontrava “Eu vou ao cu aos geninhos” “A GNR é uma merda, eu quero que esses filhos da puta se fodam todos.”

9. Entretanto, a patrulha da GNR/BT, cujos agentes se encontravam devidamente uniformizados e no exercício das funções de fiscalização rodoviária, compareceu no local e, ao tomar conhecimento da ocorrência do despiste, solicitou ao arguido L  que fizesse o exame para pesquisa de álcool no sangue, através do ar expirado.

10. Todavia, o arguido L  recusou sujeitar-se ao aludido exame, referindo não ter sido ele o condutor, facto que sabia não corresponder à verdade.

11. Os elementos da patrulha da GNR insistiram com o arguido L  no sentido de o mesmo realizar o exame para pesquisa de álcool no sangue e advertiram-no de que, se fosse ele o condutor, incorria na prática do crime de desobediência se mantivesse a recusa em sujeitar-se às provas legalmente estabelecidas para a detecção de álcool no sangue, mas o arguido manteve-se irredutível na sua recusa.

12. Durante a abordagem dos elementos da GNR, o arguido L  exalava um hálito a álcool.

13. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente.

14. Ao actuar da forma descrita, o arguido L  previu e quis desacatar a ordem para efectuar o teste de pesquisa de álcool no sangue que lhe era regularmente transmitida pelos agentes de autoridade policial, que se encontravam uniformizados e no exercício das suas funções de fiscalização rodoviária, como o arguido bem sabia.

15. O arguido J sabia que JF era oficial da GNR e exercia funções de 2.º Comandante do Grupo Regional de Trânsito da GNR, em Santarém.

16. Ao proferir as expressões supra descritas, que dirigiu à Guarda Nacional Republicana e a todos os seus efectivos, por causa das funções por eles exercidas, previu e quis o arguido J  afrontar e ofender o bom nome e o prestígio daquela corporação e a honra e consideração pessoal e profissional dos que a integram, estando igualmente ciente de que à GNR e aos seus efectivos estão cometidas, por Lei, funções de autoridade pública.

17. Sabia o arguido J  que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

18. O arguido J trabalha por conta de outrem, auferindo mensalmente a quantia de € 700,00.

19. O arguido J  reside com a mulher, a filha e a sogra.

20. O agregado familiar do arguido J  reside em casa arrendada, pagando cerca de € 130,00 mensais de renda.

21. O arguido J despende mensalmente, a título de prestação para aquisição de veículo, a quantia de € 400,00.

22. A esposa do arguido J não exerce qualquer profissão remunerada, sendo que a filha do mesmo, de 25 anos, trabalha.

23. O arguido L e trabalha na firma E…, Lda., na Zona Industrial do Entroncamento, auferindo mensalmente cerca de € 500,00.

24. O arguido L  necessita da carta de condução para efectuar as suas deslocações em veículo a motor.

25. O arguido reside com a namorada, em casa arrendada, sendo que pagam a título de renda a quantia de € 250,00 mensais.

26. A namorada no arguido trabalha por conta de outrem.

27. Ao arguido J  não são conhecidos antecedentes criminais.

28. Ao arguido L  não são conhecidos antecedentes criminais.

29. O arguido L  negou ser o condutor do veículo referido em 1), nas referidas circunstâncias de tempo e lugar.

2.2. Já no que concerne a factos não provados, consignaram-se como tais na dita decisão que:

30. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1), o arguido J  se tivesse aproximado de JF e dirigido seguintes expressões “Mas o que é que estes merdas estão aqui a fazer? Eu como esses geninhos e PSPs todos” e “Já aqui tenho testemunhas”.

31. O arguido J  tivesse dirigido as expressões referidas em 8) e 28) a JF, por causa das funções por este exercidas, prevendo e querendo afrontar e ofender a honra e consideração pessoal e profissional do visado.

32. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1), era a namorada do arguido L , de nome C, quem conduzia o veículo aí identificado.

2.3. Por fim, a motivação probatória constante da aludida decisão tem o teor seguinte:

O Tribunal fundou a sua convicção nos seguintes elementos de prova:

- O arguido J  confirmou que, depois de JF lhe ter dito, perante a sua afirmação “até parece que és GNR”, que “Por acaso até era”, que se virou para o mesmo e disse “Eu vou ao cu a esses GNRs”.

No mais, a sua versão dos factos surge como incoerente, eivada de contradições, sendo certo que a postura do mesmo em Tribunal, quer pelo baixar de olhos, quer pelo nervosismo que evidenciou, não permitiu que o Tribunal conferisse credibilidade ao seu depoimento, até pelo confronto com os depoimentos, em sentido contrário, das demais testemunhas, abaixo valorados.

Consideraram-se as declarações por si prestadas quanto à condição económica e pessoal.

- Quanto à versão apresentada pelo arguido L , o mesmo denotou nervosismo, inquietação e falta de segurança no seu depoimento, mostrando-se hesitante, apresentando uma versão que não se apresenta como coerente, pelo que o Tribunal, até por contraponto com a demais prova produzida e abaixo valorada, em sentido contrário, não lhe atribuiu credibilidade.

Consideraram-se as declarações por si prestadas quanto à condição económica e pessoal, no que lograram merecer a credibilidade pelo Tribunal, por seguras e espontâneas.

- Quanto às declarações do ofendido JF, este justifica a sua razão de ciência com o facto de circular numa viatura, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, atrás do veículo do arguido, e ter posteriormente saído do carro e falado com ambos.

A testemunha efectuou um depoimento que se mostrou isento, coerente, espontâneo, evidenciando segurança e que se reportava apenas a factos de que tinha conhecimento, assim contribuindo para prova dos factos 1) a 8) e 15), e infirmação dos factos 30) a 32).

De facto, e ressalvando as falhas próprias de quem depõe algum tempo depois após a ocorrência dos factos descritos, a testemunha confirmou que, na data, hora e local referidos, seguia com o seu veículo atrás do veículo conduzido pelo arguido, sendo certo que apenas perdeu contacto visual com a mesma durante alguns segundos, numa curva, para logo depois retomar o mesmo, tendo ouvido o embate e sendo nesse momento que visualiza o carro acidentado, a ocupar parte da faixa de rodagem.

Confirma que saiu do carro e foi a pé até à viatura, na qual apenas se encontrava uma pessoa, o arguido L , a sair do veículo, pela porta do passageiro.

Acrescente-se aliás, que não se afigura essencial apurar se a porta do lado do condutor estava ou não danificada, pelo facto de que o depoimento da testemunha, ao referir que o arguido pretendia sair pelo lado do passageiro, o que fez, se apresenta como totalmente credível, independentemente da porta estar efectivamente danificada ou apenas apresentar alguma dificuldade na abertura. Aliás, caso a testemunha faltasse à verdade, seria seguramente mais fácil à mesma afirmar que o arguido saiu pelo lado do condutor, pelo que não se vislumbra motivo para colocar em causa as suas afirmações.

De facto, pela curta fracção de tempo em que a testemunha refere ter deixado de ver o veículo e o momento em que retoma o contacto visual, não se afigura possível que fosse outro o condutor, que não aquele que tentava sair do carro, única versão que se apresenta coerente, face às regras da normalidade e experiência comum.

No mais, a testemunha, após se referir ao desenrolar dos acontecimentos, designadamente a que, após constatar que o arguido J não fazia nada para tirar o carro da faixa de rodagem, e encarou mal a sugestão da testemunha para colocar o triângulo e o colete, confirma que se identificou verbalmente como 2.º Comandante da GNR-BT de Santarém, e que o arguido J disse as expressões referidas em 8).

Confirma que apenas mais tarde, chegaram duas senhoras a pé, do lado da Barroca.

- Quanto às declarações da testemunha M, esposa da testemunha anterior e que seguia no carro com o mesmo, na altura referida em 1), as mesma foram consideradas pelo Tribunal, devido à foram isenta e coerente com que depôs, denotando espontaneidade e segurança, no que não deixou margem para dúvidas acerca da sua veracidade.

A mesma confirmou os factos vertidos em 1) a 8) e 15), e infirmação do facto 30) e 32).

De facto, não obstante a mesma ter referido que ainda viu o embate, ao invés da testemunha anterior, denotou-se do seu depoimento que tal se deveu à imediatez do ocorrido, ou seja, o momento em que fazem a curva e o momento do embate e em que retomam o contacto visual do carro acidentado, sendo certo que a mesma pode ter visualizado não todo o embate, mas parte dele ou o parar do carro, dando-lhe a sensação de o ter presenciado. De facto, a testemunha gesticula e procura descrever o que visualiza com tal naturalidade e espontaneidade, que o Tribunal, pelo facto da mesma não conseguir precisar efectivamente que momento do embate é que ainda presenciou, não pode deixar de atribuir credibilidade ao seu depoimento. Aliás, é da experiência comum que, no que concerne a factos ocorridos em questão de segundos, a memória por vezes não permite descrever com exactidão todos os pormenores, sendo certo que, no essencial, o seu depoimento foi coerente e permitiu a prova dos supra mencionados.

Confirma que, mais tarde, apareceram duas senhoras.

- Quanto ao depoimento da testemunha CR, agente da GNR/BT que compareceu no local a chamado da testemunha JF o mesmo depôs de forma espontânea, segura e coerente, assim contribuindo para prova dos factos 9) a 12).

Na realidade, o mesmo confirmou que, uma vez que tinha informação de que o condutor do veículo era o L , se dirigiu ao mesmo para que ele se submetesse ao teste de pesquisa de álcool no sangue, sendo certo que, perante a resposta do mesmo no sentido de lhe dizer que não era o condutor, o mesmo o avisou de que, caso fosse o condutor, era obrigado a submeter-se ao teste, sob pena de incorrer em crime de desobediência, não tendo o arguido aceitado submeter-se ao mesmo.

- Quanto ao depoimento da testemunha A, agente da GNR/BT que compareceu no local, à semelhança da testemunha anterior, contribuiu para a prova dos factos 9) a 12), tendo deposto no mesmo sentido da testemunha anterior, também de forma isenta, segura e credível.

- Quanto ao depoimento das testemunhas P, AS e JV, todos amigos dos arguidos e que referem que, na data referida em 1), se encontraram parados perto de uma roulote na qual se servem bebidas e café, com o arguido J  que conduzia o seu jipe, e o arguido L, que seguia num carro, como passageiro, carro este conduzido por uma rapariga (que as duas primeiras testemunhas identificam como sendo a C), que, após voltou a arrancar, conduzido pela mesma rapariga. 

As três testemunhas apresentam uma versão idêntica e mecanizada dos factos, sendo certo que, por contraponto com a demais prova produzida e valorada, não se apresentam com credibilidade suficiente para fazer concluir que era a namorada do arguido L que conduzia o veículo identificado.

Aliás, a testemunha CO apresentando exactamente a mesma versão que as demais, quando questionado, não soube identificar a data (nem sequer o ano) em que tal ocorreu, nem o dia da semana, nem situar como tendo ocorrido no Verão ou Inverno, ou seja, apresenta uma versão nada coerente ou credível, fazendo crer que faltou à verdade.

- Quanto à testemunha C, namorada do arguido L, e que reside com o mesmo em condições análogas às dos cônjuges, apresentou uma versão idêntica à dos arguidos e totalmente desfasada da realidade.  

De facto, o que a mesma refere é que, conduzindo o veículo, imediatamente saiu do mesmo e se afastou do local, para uma zona isolada, do outro lado da estrada, só aparecendo muito depois.

Tal versão, além de praticamente improvável, atento o curto lapso de tempo decorrido entre o momento em que a testemunha JF deixou de ver o carro e retomou depois o contacto visual com o mesmo, também se afigura incoerente e fora da normalidade, já que, tendo ocorrido um acidente, envolvendo o seu namorado, a mesma nem sequer se teria preocupado em perguntar se queria ajuda ou ver se o mesmo estava bem, para imediatamente se ausentar para longe.

Assim, a sua versão dos factos não logrou merecer a credibilidade do Tribunal.

- Quanto ao depoimento da testemunha B, irmã do arguido, mostrou-se parcial e tendencioso, pelo que não foi valorado pelo Tribunal.

- Documento de fls. 6 e ss. e fls. 60.

- Reconhecimento pessoal de fls. 73 e ss.       

- Os elementos subjectivos são os mais conformes à prova supra indicada, analisada à luz de critérios de normalidade

C.r.c. de fls. 136 e 137.


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III – Fundamentação de Direito.

3.1. Mostra-se pacífica a doutrina e jurisprudência[1] no sentido em que o âmbito do recurso se define através das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, mas isto sem prejuízo, todavia, das questões de conhecimento oficioso[2].

In casu, ambos os recorrentes opõem à decisão recorrida a valoração da prova produzida no decurso da audiência de julgamento e, com ela, sufragam, o preenchimento dos elementos típicos dos ilícitos criminais por cuja autoria acabaram condenados. O segundo recorrente ainda descortina padecer a decisão recorrida do vício elencado no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.

Antecedendo a apreciação concreta dos recursos em causa, duas ordens de prévias e parcas considerações permitirão aquilatar da sua sorte:

Uma primeira, incidindo sobre os termos em que pode ser sindicada a forma como o tribunal recorrido decidiu a matéria de facto – primeiro fora e, depois, dentro do quadro dos vícios decisórios que hão-de ser aferidos circunscritamente perante o texto da decisão em reapreciação;

Uma outra, precisando do conteúdo e alcance do princípio do in dúbio pro reo.

3.2. De acordo com a regra geral contida no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”

Assim, na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. De facto, a livre apreciação da prova “não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.”[3] Sendo “a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir chamada «verdade material»”[4] que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa com consagração constitucional –, impõe a lei (cfr. n.º 2 do artigo 374.º, do Código de Processo Penal) um especial dever de fundamentação, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção[5] (indicando os meios de prova em que a fez assentar e esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância), não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.

Dentro dos limites apontados, o juiz que em primeira instância julga goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção[6] e apreciação da prova. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade[7].

É na audiência de julgamento que este princípio assume especial relevância, encontrando afloramento, nomeadamente, no artigo 355.º, do Código de Processo Penal, pois é aí o local de eleição onde existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova[8]. Só os princípios da oralidade e da imediação “permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”[9] No respeito destes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum[10]. Assim, para impugnar eficientemente a decisão sobre a matéria de facto, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode (…) assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.”[11] É que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si.”[12] Dito de outra forma: “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas.”[13] A reponderação de facto não é ilimitada, antes se circunscreve à apreciação das discordâncias concretizadas pelo recorrente “já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.”[14]

Em conclusão: os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no encimado artigo 127.º e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.

Por outro lado, a possibilidade de sindicância da matéria de facto quando assente na impugnação da decisão que sobre ela foi proferida depende da observância, por parte do recorrente, dos requisitos formais indicados no n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, em concreto da delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas que, em seu entender, impõem[15] decisão diversa da recorrida, e (quando disso seja o caso) das que devam ser renovadas, especificações estas que hão-de ser feitas de acordo com o estabelecido no n.º 4 do preceito acima referido.

A sindicância da matéria de facto pode, ainda (apenas ou mesmo simultaneamente com a impugnação da matéria de facto nos termos acabados de referir), obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão (desta, e não do julgamento) – de resto, vimos, de conhecimento oficioso –, que podem constituir fundamento do recurso “mesmo nos casos em a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito” como expressamente permitido no n.º 2 do referido artigo 410.º. Esses vícios, os três que vêm enumerados nas alíneas deste preceito (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova), terão de ser ostensivos e passíveis de detecção através do mero exame do texto da decisão recorrida (sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo), por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.

Nota que cabe também aqui e desde já introduzir, a de que embora os recursos da matéria de facto não cumpram estes requisitos expostos no citado artigo 412.º (rectius, seus n.ºs 3 e 4), uma vez que se mostra de simples percepção o teor de tal impugnação, dispensaremos a necessidade de qualquer convite aos recorrentes no sentido de os suprirem (cfr. artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

3.3. O princípio do in dúbio pro reo é uma emanação do princípio da presunção de inocência, surgindo como resposta ao problema da incerteza em processo penal, e impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de violação do dito princípio.

Em todo o caso convém não olvidar que na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (ut apontado artigo 127.º, não haverá que lançar mão, limitando-a, deste princípio (do in dúbio pro reo), se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto.

Isto porquanto e com efeito, o in dúbio pro reo “parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador.”[16]

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade. Nessa tarefa, o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar». E, por isso, é que, nos casos em que as regras da experiência, a razoabilidade e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (Suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto.”), não há lugar à intervenção da contra face (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva que é o in dúbio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador»).

A prova, o processo probatório traduz-se em verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa. Para o prosseguir, o tribunal está munido de uma racionalidade própria, em parte comum só a ela e que pode apelidar-se de razoável. A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador-juíz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível. Donde que não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido, mas apenas a chamada dúvida razoável (“a doubt for which reasons can be given”)». Isto porque nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida. Assim, pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais. A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal.

A sua violação há-de resultar do texto da decisão recorrida, integrando, una voce, o vício de erro notório[17].

Revertendo ao caso presente:

3.4. O primeiro segmento da irresignação dos recorrentes contende com o que entendem – aliás, por forma demasiado vaga e genérica –, indevida ponderação dos depoimentos oralmente colhidos no decurso da audiência, eivados de “incoerências e contradições”.

Quando está em causa prova testemunhal, como é o caso, deve o julgador proceder a um seu tratamento cognitivo, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções baseadas na correcção de raciocínio mediante a utilização das regras de experiência.

A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta então numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. Por isso que, v.g., o juiz seja livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários[18].

Como anota, v.g., o Professor Cavaleiro Ferreira, isto porque só a oralidade e imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido (assistente e testemunhas) e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1.ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto aí fixada deva ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não afecte o princípio da imediação.

Nesta perspectiva, a decisão da primeira instância será sempre o resultado duma «convicção pessoal» nela desempenhando papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionais não explicáveis – v. g., a credibilidade que se concede a determinado meio de prova -, pelo que o tribunal de recurso ao apreciar a prova por declarações deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Como, aliás:

Se exarou em aresto deste próprio Tribunal[19], referindo: “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.”

E, escreveu[20] Paulo Saragoça da Matta, mencionando que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.

Bem como, ainda, no recurso desta Relação[21]: “Para respeitar os princípios da oralidade e da imediação, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das soluções possíveis segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.”

E, por último, no recurso da Relação de Lisboa[22]: “O local ideal para apreciar criticamente as provas é a audiência de discussão e julgamento, em que os julgadores dispõem de melhores condições para as apreciar. A conclusão que se impõe é que, perante o texto da decisão recorrida, nada ressalta que indique apreciação notoriamente errada.”

No que ao segmento do recurso mencionado concerne o que os recorrentes pretendem é que este Tribunal de apelo faça um novo julgamento. Ora, vimos, o que aqui cumpre diligenciar é tão-somente se a convicção a que chegou o Tribunal a quo [consequentemente destrinçando dos factos objecto do processo os que entendeu por provados, daqueles outros que sustentou como não provados], se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

Tarefa perfeitamente cumprida acaso se ouçam os depoimentos controvertidos e a fundamentação da decisão recorrida.

Na verdade, surpreende-se então que, descridibilizando os depoimentos que os recorrentes, em contrário, queriam ver acolhidos (os seus próprios), se acobertou a decisão da 1.ª instância em regras da experiência segundo as quais, em situações similares às dos autos (de descoberta, em flagrante, de condução delitiva e que se quer menosprezar, ademais quando a partir de certa altura se sabe estar perante autoridade policial), muitas das vezes ensaiam os respectivos agentes uma fuga em frente, negando os factos em audiência, mas que, perante a sua total evidência, fácilmente se esboroam.

Nenhuma censura pois a opor ao juízo valorativo acolhido em 1.ª instância.

Por outro lado, também de menosprezar o alegado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão que o recorrente L estruturalmente confunde com (alegada) insuficiência da prova para a decisão tomada pelo Tribunal a quo. Coisa distinta, já que a matéria de facto a si respeitante se mostrou assaz suficiente para preenchimento do ilícito que lhe vinha assacado, como bem decorre do texto da decisão sindicada.

3.5. Igualmente a conclusão manifesta de improcedência da segunda linha de defesa oposta.

Na verdade, lendo-se o texto da decisão recorrida, em ponto algum sobressai que relativamente aos factos provados e objecto dos autos, a julgadora se defrontou com dúvidas que resolveu contra os recorrentes; demonstrou qualquer dúvida na formação da convicção e, ademais, se impunha que a devesse ter tido.

Ao invés, o que sobressai da fundamentação de facto operada é uma descrição exaustiva dos termos dos depoimentos acolhidos, perfeitamente coincidentes, atenta a credibilidade atribuída a cada um deles e a desconsideração feita relativamente a outros, com destrinça subsequente na matéria de facto provada e naquela outra não provada.

Tudo a permitir concluir pela inexistência de qualquer violação ao propalado princípio do in dúbio pro reo, e, consequentemente, pela manutenção, in totum, do acervo factual acolhido na 1.ª instância devidamente enquadrado de direito na decisão recorrida.


*

IV – Decisão.

São tudo termos em que se nega provimento aos recursos interpostos.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça devida, por cada um deles, em 5 UCs.

Notifique.


*
BRÍZIDA MATINS (RELATOR)
ORLANDO GONÇALVES



[1] Germano Marques da Silva, in Código de Processo Penal, II, 2.ª edição, Editorial Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ, de 24 de Março de 1999, in Colectânea de Jurisprudência (STJ), ano VII, tomo I, pág. 247.
[2] Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), todos do CPP, e Ac. para fixação de jurisprudência de 19 de Outubro de 1995, publicado sob o n.º 7/95, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28 de Dezembro de 1995.

[3] Cfr. CPP de Maia Gonçalves, 12.ª ed., pág. 339.
[4] Cfr. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1.º vol., pág. 202.

[5] Com interesse neste particular, veja-se este trecho retirado do Ac. T.C. 198/2004 de 24/3/04, DR, II S., de 2/6/04: “O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.

Como ensina Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, pp. 135 e segs.), na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:

A recolha de elementos — dados objectivos —, sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;

Sobre esses dados recai a apreciação do tribunal – que é livre — artigo 127.º do Código de Processo Penal mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;

A liberdade da convicção aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;

Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis como a intuição.

Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dúbio pro reo).

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.”

[6] A livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.” – cfr. Idem, Ibidem, pág.298.

[7] “ (…) há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” Ac. RG 20/3/06, proc. n.º 245/06-1.

[8] Como se refere no Ac. STJ de 20/9/2005, www.dgsi.pt, “a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, olhares, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos". Elementos que a transcrição não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe”.

[9] Cfr. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1.º Vol., págs. 233-234.

[10] Cfr. Ac. RC de 6/3/02, CJ, ano XXVII, t. II, pág. 44, “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.”

[11] Cfr. Ac. T.C. 198/2004 de 24/3/04, acima citado.
[12] Cfr. Ac. RC de 3/10/00, CJ., ano 2000, t. IV, pág. 28.

[13] Cfr. Ac STJ 7/6/06, proc. 06P763.

[14] Cfr. Ac. STJ 12/6/08, proc. n.º 07P4375.

[15] “Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa. É que se afigura indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” - Ac. STJ 17/2/05, proc. n.º 04P4324.

[16] Cfr. Cristina Líbano Monteiro, In Dúbio Pro Reo, Coimbra, 1997.

[17] Cfr., por todos, o Ac. do STJ, de 15 de Abril de 1998, in BMJ, 476,82.
[18] Cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, I, 207.
[19] A 6 de Março de 2002, e publicado in C.J., ano XXVII, II, página 44.
[20] In Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 253.
[21] N.º 4172/05, de 15 de Março de 2006.
[22] De 12 de Dezembro de 2006, in C.J., V, pág. 136.