Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
982/09.7T2OBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
COMPETÊNCIA
REQUERIMENTO
EXPROPRIADO
BEM PRÓPRIO
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 05/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST.CÍVEL DE OLIVEIRA DO BAIRRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 42º, NºS 2, AL. C) E 3, 43º E 96º DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES; 165º DO ESTATUTO DAS ESTRADAS NACIONAIS (LEI Nº 2037, DE 19/08/1949).
Sumário: I – Decorre do artº 1º do Código das Expropriações (Lei nº 168/99, de 18/09) que “os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do (presente) código”.

II - Donde decorre que as expropriações são habitualmente promovidas/requeridas por entidades públicas e por razões de utilidade pública, o que também resulta muito claramente dos preceitos 10º a 22º do citado Código, onde se atribui a competência para a declaração de utilidade pública ao ministro a cujo departamento compete a apreciação final do processo e também às assembleias municipais – artº 14º, nºs 1 e 2.

III - E entende-se que assim seja, uma vez que “o Estado garante o pagamento da justa indemnização, nos termos previstos no presente Código” – artº 23º, nº 6.

IV - Essa “justa indemnização” obtém-se ou por acordo (com o expropriado), nos termos dos artºs 33º e 34º do citado código, ou por constituição de arbitragem (com recurso para os tribunais comuns), nos termos dos artºs 38º e segs. do dito código.

V - Porém, há casos, muito especiais (em consequência de disposição especial), em que também os proprietários de imóveis têm o direito de requerer a expropriação de bens próprios, situações em que não há lugar a declaração de utilidade pública – artº 96º do Código das Expropriações.

VI - Nestes casos, a constituição e o funcionamento da arbitragem já não são promovidos/requeridos pela entidade expropriante mas são requeridos pelo “pretenso expropriado” ao juiz de direito da comarca do local da situação do bem ou da sua maior extensão – artºs 42º, nºs 2, al. c) e 3, e 43º do referido código.

VII - O artº 165º do Estatuto das Estradas Nacionais (Lei nº 2037, de 19/08/1949), dispõe, na sua redacção actual, o seguinte:

“A Junta Autónoma de Estradas poderá impedir a execução de quaisquer obras na faixa de terreno que, segundo projecto ou anteprojecto superiormente aprovado, deva vir a ser ocupada por um novo troço de estrada nacional ou por uma variante a algum troço de estrada existente:

1.º No caso de o impedimento referido neste artigo durar por mais de três anos, o proprietário da faixa interdita pode exigir indemnização pelos prejuízos directa e necessariamente resultantes de ele ter sido e continuar a estar reservada para expropriação.

2.º Se o impedimento se prolongar por mais de cinco anos, o proprietário pode exigir que a expropriação se realize desde logo”.

VIII - Mas para que este impedimento – por mais de 5 anos – seja relevante para o dito efeito (expropriação requerida pelo proprietário) é necessário que “A Junta Autónoma de Estradas impeça a execução de quaisquer obras na faixa de terreno que, segundo projecto ou anteprojecto superiormente aprovado, deva vir a ser ocupada por um novo troço de estrada nacional ou por uma variante a algum troço de estrada existente”.

IX - Isto é, para tal efeito é necessário que tal impedimento de obras pela JAE (actual E.P. – Estradas de Portugal, S.A.) ao particular resulte de “projecto ou anteprojecto superiormente aprovado, segundo o qual deva vir a ser ocupado o prédio em causa”, o que se compreende dado que “o Estado garante o pagamento da justa indemnização, nos termos previstos no presente Código” – artº 23º, nº 6.

X - Logo, tal recurso a uma expropriação requerida pelo proprietário apenas pode ter lugar ou é admissível em casos em que o ministro da tutela tenha aprovado um dado projecto ou anteprojecto, segundo o qual deva vir a ser ocupado o prédio do particular em causa.

Decisão Texto Integral:             Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            Na Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Média e Peq. Inst. Cível de Oliveira do Bairro, M… E O…, casados, residentes na Rua …, propuseram contra E.P. – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., com sede na Praça da Portagem, em Almada, a presente acção declarativa sob a forma de processo especial de expropriação, pedindo que seja decretada a expropriação total do seu prédio que identificam ou, subsidiária e parcialmente do identificado solo, com 130,5 m2 e 750 m2, no total de 880,5 m2 que integram esse mesmo prédio dos AA. e a consequente constituição e funcionamento da arbitragem, com todas as consequências legais.

            Para tanto e muito em resumo alegam que são proprietários de um prédio urbano sito em …, inscrito na respectiva Repartição de Finanças sob o artigo matricial urbano n.º …, ...

Que o solo em causa tem uma inequívoca vocação edificatória, tratando-se de solo inserido em Espaço Urbano Central, como tal identificado na planta de ordenamento e nos artigos 22.º a 26.º do Regulamento do Plano Director Municipal de Oliveira do Bairro, I série – B, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 80/99, de 29 de Julho.

Que o solo de que se trata, que integra o prédio identificado supra, tem 3.168 m2, encontrando-se a casa nele existente desabitada há longos anos e em ruínas, não pretendendo os AA. proceder a qualquer aproveitamento da mesma, nem o mesmo se justifica economicamente atenta a vocação para edificação de habitações do solo em causa.

Que sucede que o R. tem um projecto aprovado para implantar uma via ou estrada nacional que atravessa e corta a referida propriedade dos AA., projecto esse que tem mais de 10 ou 15 anos e nunca se concretizou.

Que este facto tem condicionado seriamente a pretensão de edificar dos AA. nesse solo, pelo que há mais de 10 anos não sabem verdadeiramente o que hão-de fazer - se assumir o prejuízo, se esperar que o R. desista definitivamente das suas intenções.

Que os entendimentos do que é possível edificar no solo em causa têm variado no tempo, somando-se restrições e limitações, que vão desde a impossibilidade de edificar no leito da projectada estrada e do dever de respeitar afastamentos de 20 metros para um e outro lado dessa mesma estrada, até à necessidade de não edificar em zonas que prejudiquem a visibilidade entre a denominada Rua 30 de Junho e a nova via projectada.

Que face a esta situação de facto, afirmada pelo R., alternativa não restou aos AA. senão requerer, em 2007, a prestação de informações pelo Réu, relativamente ao que o R. consignou, entre o mais, que: “de acordo com os elementos do projecto existente, está previsto que um restabelecimento da nova estrada se implante parcialmente no prédio do exponente; não está programada a execução da obra no período em questão; devido á antiguidade do projecto, ainda que houvesse uma decisão de prossecução à fase da obra seria necessário promover uma profunda reformulação, que poderia implicar a alteração do seu traçado”.

Ou seja, informou o R. que de facto está previsto construir-se uma estrada nacional no terreno dos AA., sem que, contudo, se tenha iniciado a construção dessa mesma estrada, inexistindo qualquer prazo para que esse desiderato se cumpra.

Facto que importa sérios, claros e irrefragáveis prejuízos para os AA., que se vêem há mais de 10 anos a esta parte impedidos de edificar no seu terreno, reservado que está para uma hipotética expropriação cujo início não é minimamente previsível.

Em situações deste jaez (de reservas de expropriação ou de expropriação a prazo incerto) o legislador atribui aos particulares o direito de requerer a expropriação de bens próprios: in casu o terreno destinado à futura estrada de acordo com o projecto aprovado no qual é interdita, há (mais de) 5 anos a edificação.

O que bem se compreende, pois se é certo que a Administração pode reservar terrenos para construção de equipamentos públicos ou infra-estruturas urbanísticas, a verdade é que tal reserva deve ocorrer durante um lapso de tempo razoável (visto a mesma onerar o terreno com vínculo de inedificabilidade desacompanhado de qualquer indemnização) sob pena de, caso assim não suceda, se estar a constituir uma expropriação de carácter substancial.

Nesta conformidade, nos termos e ao abrigo do estatuído nos arts. 42º, n.º 2, al. c) e n.º 3, e 96º do CE, deve o prédio dos AA., identificado supra, ser expropriado, expropriação que se entende dever ser total, porquanto: - as partes que restariam da expropriação destinada à construção da estrada seriam ainda oneradas com a servidão de recuo imposta por lei que, nos atermos do art. 5.º, al. c) do DL n.º 13/94, de 15 de Janeiro, é de 20 metros para cada lado do eixo da mesma – como aliás já foi decido expressamente pelo R.; - por outro lado, a existência da rotunda prevista para o local faz com que se deva, entre outros, nos termos do estatuído no art. 7º, n.º 2 do sobredito DL manter parte do terreno sem qualquer aproveitamento edificativo em razão da necessidade de manter a visibilidade entre os troços existentes e aquele que consta do projecto e que corta a propriedade dos AA. – como, aliás, também já foi decidido expressamente pelo R.; - ao que acresce que a propriedade fica sem qualquer acesso apto a permitir a construção de habitações colectivas, pois: a) não são permitidos acessos pela EN 235, que aliás está vedada de um e de outro lado da estrada – cfr. art. 10.º do DL n.º 13/94, de 15/01 e art. 7.º do DL n.º 222/98, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 98/99, de 26 de Julho, pela declaração de rectificação n.º 19- D/98 e pelo DL n.º 182/2003, de 16 de Agosto; b) E pela Rua 30 de Junho, como a propriedade margina essa via e está a cerca de 12 a 14 metros do limite da zona de estrada que integra a rotunda, é igualmente proibido, por razões de liminar segurança rodoviária, fazer acesso à propriedade em causa – cfr., entre o mais, art. 7.º do DL n.º

13/71, de 23 de Janeiro, proibição que constitui prática administrativa corrente.

Tais limitações despedem o terreno sobrante de qualquer possibilidade edificativa que constitui a vocação (ou vinculação) substancial do solo em causa.

Quando assim se não entenda e apenas se considere, para o efeito jurídico que se pretende obter com a presente acção, o leito de estrada, o triângulo que se referirá infra e a parte da propriedade que ficará a integrar a rotunda, então teríamos uma expropriação parcial de 880,5 m2 - cfr. planta que se junta sob o doc. n.º 6 - assim distribuídos: 750 m2 correspondentes ao triângulo da propriedade dos AA. situado a norte da estrada identificada a amarelo e cor de laranja na planta junta, posto que a parte sobrante desta zona triangular (colorida a cor de laranja) ficaria sem qualquer aproveitamento económico possível, atenta a circunstância de esta área não ter mais do que 126 m2, não ter acessos e, atendendo à vocação do solo, consideradas as limitações á edificação (20 metros contados do eixo da estrada), e 130,5 m2 correspondentes ao polígono irregular da propriedade dos AA. situado a poente junto à rotunda identificado na planta junta a verde.

Desde já se adiantando que as zonas de servidão non aedficandi (como referimos de 20 metros) existentes a sul da estrada projectada e a nascente da área necessária à rotunda terão que ser contabilizados na arbitragem.


II

            Contestou a Ré alegando, muito em resumo, que não se encontra patente qualquer admissibilidade de expropriação do prédio dos AA, já que não se encontra em curso qualquer processo expropriativo pela EP, nem tão pouco a intenção de o vir a iniciar.

O que leva a que se desconheça se será necessário proceder à expropriação de qualquer parcela de terreno propriedade dos expropriados, pelo que não faz sentido dar-se inicio a um processo expropriativo, quando se desconhece que locais/terrenos irão ser necessários expropriar e se irá ter lugar a concretização de alguma obra, já que o que existe é apenas um projecto.

Terminou pedindo que seja julgada improcedente a presente acção, por não provada, não se promovendo o requerido pelos interessados.


III

            Terminados os articulados foi proferido despacho saneador-sentença, no qual foi reconhecida a regularidade processual da acção, sem nulidades nem excepções dilatórias, tendo aí sido decidido indeferir a peticionada declaração de expropriação do prédio dos AA.

IV

            Desta sentença interpuseram recurso os AA, recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

            Nas alegações que apresentaram os Apelantes formularam as seguintes conclusões:


V

            Contra-alegou a EP- Estradas de Portugal, S.A., onde defende, em atitude conclusiva, que ...

            Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


VI

            Nesta Relação foi aceite o presente recurso, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual passa pela reapreciação da decisão recorrida, na parte em que indeferiu a peticionada declaração de expropriação do prédio dos Recorrentes e sua fundamentação.

            Reapreciando, cumpre referir, antes de mais, que o Código das Expropriações aplicável à presente acção é o decorrente da Lei nº 168/99, de 18/09, na sua redacção resultante da 4ª alteração nele introduzida pela Lei nº 56/2008, de 4/09, diploma este que republicou o referido Código.

            Decorre, desde logo, do artº 1º desse código que “os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do (presente) código”.

            Donde decorre que as expropriações são habitualmente promovidas/requeridas por entidades públicas e por razões de utilidade pública, o que também resulta muito claramente dos preceitos 10º a 22º do citado Código, onde se atribui a competência para a declaração de utilidade pública ao ministro a cujo departamento compete a apreciação final do processo e também às assembleias municipais – artº 14º, nºs 1 e 2.

            E entende-se que assim seja, uma vez que “o Estado garante o pagamento da justa indemnização, nos termos previstos no presente Código” – artº 23º, nº 6.

            Essa “justa indemnização” obtém-se ou por acordo (com o expropriado), nos termos dos artºs 33º e 34º do citado código, ou por constituição de arbitragem (com recurso para os tribunais comuns), nos termos dos artºs 38º e segs. do dito código.

            Porém, há casos, muito especiais (em consequência de disposição especial), em que também os proprietários de imóveis têm o direito de requerer a expropriação de bens próprios, situações em que não há lugar a declaração de utilidade pública – artº 96º do Código das Expropriações.

            Esta especialidade apenas surgiu com a Lei nº 168/99, de 18/09, já que o anterior código de expropriações, aprovado pelo Dec. Lei nº 438/91, de 9/11, não continha qualquer preceito desta natureza.          

            Nestes casos, a constituição e o funcionamento da arbitragem já não são promovidos/requeridos pela entidade expropriante mas são requeridos pelo “pretenso expropriado” ao juiz de direito da comarca do local da situação do bem ou da sua maior extensão – artºs 42º, nºs 2, al. c) e 3, e 43º do referido código.

            É um destes “casos” a situação que é colocada nos presentes autos, porquanto os Requerentes se dizem “beneficiários” de uma disposição especial que lhes permite requererem a expropriação de um imóvel próprio (que dizem ser constituído por solo com aptidão edificativa).

            Essa disposição é, segundo os Requerentes, o artº 165º do Estatuto das Estradas Nacionais (Lei nº 2037, de 19/08/1949), onde se dispõe, na sua redacção actual, o seguinte:

“A Junta Autónoma de Estradas poderá impedir a execução de quaisquer obras na faixa de terreno que, segundo projecto ou anteprojecto superiormente aprovado, deva vir a ser ocupada por um novo troço de estrada nacional ou por uma variante a algum troço de estrada existente:

1.º No caso de o impedimento referido neste artigo durar por mais de três anos, o proprietário da faixa interdita pode exigir indemnização pelos prejuízos directa e necessariamente resultantes de ele ter sido e continuar a estar reservada para expropriação.

2.º Se o impedimento se prolongar por mais de cinco anos, o proprietário pode exigir que a expropriação se realize desde logo”.

Com efeito, resulta de tal norma que “2.º Se o impedimento se prolongar por mais de cinco anos, o proprietário pode exigir que a expropriação se realize desde logo”.

Mas para que este impedimento – por mais de 5 anos – seja relevante para o dito efeito (expropriação requerida pelo proprietário) é necessário que “A Junta Autónoma de Estradas poderá impedir a execução de quaisquer obras na faixa de terreno que, segundo projecto ou anteprojecto superiormente aprovado, deva vir a ser ocupada por um novo troço de estrada nacional ou por uma variante a algum troço de estrada existente”.

Isto é, para tal efeito é necessário que tal impedimento de obras pela JAE (actual E.P. – Estradas de Portugal, S.A.) ao particular resulte de “projecto ou anteprojecto superiormente aprovado, segundo o qual deva vir a ser ocupado o prédio em causa”, o que se compreende dado que “o Estado garante o pagamento da justa indemnização, nos termos previstos no presente Código” – artº 23º, nº 6.

            Logo, tal recurso a uma expropriação requerida pelo proprietário apenas pode ter lugar ou é admissível em casos em que o ministro da tutela tenha aprovado um dado projecto ou anteprojecto, segundo o qual deva vir a ser ocupado o prédio do particular em causa.

            Convenhamos que não é esta a situação que nos é relatada nos presentes autos, quer por parte dos Requerentes, que não aludem a qualquer projecto superiormente aprovado que vise ocupar o seu prédio, quer por parte das “Estradas de Portugal”, que referem “não se encontrar em curso qualquer processo expropriativo pela EP, nem tão pouco a intenção de o vir a iniciar…, não existindo projecto ou estudo aprovado de via que interfira com o prédio em causa, que (apenas) existe um projecto de execução …não aprovado e desactualizado…”.

            Sendo assim, não estamos perante uma situação de aplicação da citada norma do Estatuto das Estradas Nacionais, pelo que também não podemos considerar que os Requerentes possam requerer a pretendida expropriação, já que não estamos perante um caso especial previsto no artº 96º do Código das Expropriações.

            Donde se nos impor a conclusão de que bem andou a 1ª instância ao indeferir a peticionada declaração de expropriação, o que se impõe confirmar.

            Com efeito, escreveu-se nessa referida decisão:

            “Questão precedente à eventual adjudicação da propriedade e posse do prédio em causa à aqui “expropriante” (cfr. art.º 51.º, n.º 5, do Cód. das Expropriações) é a de saber se, no caso (na prática, invulgar, diga-se), estão ou não reunidos os pressupostos para tanto, uma vez que o processo de expropriação foi iniciado pelos putativos expropriados, peticionando, eles mesmos, a expropriação do prédio de que são proprietários, independentemente de declaração de utilidade pública, sendo certo que, consoante já vimos supra, nos termos do art.º 96.º do citado código, o proprietário pode, efectivamente, requerer a expropriação, nos casos em que, em consequência de disposição especial, tem o direito de requerer a expropriação de bens próprios.

O Cód. Civil não oferece uma noção do direito de propriedade, opção legislativa deliberada, atentas as especiais características que reveste esta figura.

Ao invés, enveredou o legislador pelo caminho directo da regulamentação do direito.

Seguindo de perto a lição de Henrique Mesquita, este direito, além das especificidades comuns aos demais direitos reais – poder exclusivo, directo e imediato sobre uma coisa – reveste-se das seguintes características:

a) Indeterminação dos poderes do proprietário – A lei apenas estabelece restrições ou limites, podendo o proprietário, dentro destes, actuar, livremente, sobre o objecto do direito, através de actos materiais ou jurídicos;

b) Elasticidade – O direito de propriedade pode sofrer limitações ou fraccionamentos do seu conteúdo (através da constituição de direitos reais limitados, como, v.g., o usufruto), mas ele “tem a potencialidade para automaticamente retomar a plenitude normal logo que cessem os ónus de natureza real que o comprimam ou reduzam”;

c) Perpetuidade – Este direito não se extingue pelo não uso, mesmo que este seja prolongado, constituindo a inércia do proprietário em relação ao bem um dos modos em que se pode traduzir o seu domínio sobre o mesmo.

Assim, densificando o conteúdo do direito de propriedade, o art.º 1305.º do Cód. Civil dispõe que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições impostas”.

Entre estas limitações compreende-se a expropriação por utilidade pública, cuja, conforme decorre da própria Lei Fundamental, apenas pode efectuar-se mediante o pagamento de justa indemnização – cfr. art.º 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Assim, o legislador ordinário concretizou este direito no art.º 1310.º do Cód. Civil, segundo o qual, “havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados”, como forma de compensar o particular pela cedência forçada dos seus direitos perante o interesse público.

In casu, os requerentes beneficiam, desde logo, da presunção da titularidade do direito derivada do registo (cfr. art.º 7.º do Cód. do Registo Predial), relativamente ao prédio urbano sito em ...

Prescreve o art.º 165.º do Estatuto das Estradas Nacionais (aprovado pela Lei 2037, de 19/08/1949): “A Junta Autónoma de Estradas [organismo antecessor da actual Estradas de Portugal, E.P.] poderá impedir a execução de quaisquer obras na faixa de terreno que, segundo projecto ou anteprojecto superiormente aprovado, deva vir a ser ocupada por um novo troço de estrada nacional ou por uma variante a algum troço de estrada existente.

§ 1.° No caso de o impedimento referido neste artigo durar por mais de três anos, o proprietário da faixa interdita pode exigir indemnização pelos prejuízos directa e necessariamente resultantes de ela ter sido e continuar a estar reservada para expropriação.

§ 2.º Se o impedimento se prolongar por mais de cinco anos, o proprietário pode exigir que a expropriação se realize desde logo”.

Ora, em primeiro lugar, são os próprios AA. que confessam no requerimento inicial que não pretendem proceder a qualquer aproveitamento da casa existente no prédio e que acrescentam que tal aproveitamento não se justifica economicamente atenta a vocação para edificação de habitações do solo em causa (cfr. artigo 4.º do referido articulado).

Em segundo lugar, não concretizam qual a obra que pretendem efectivamente levar a efeito no terreno (não obstante regularmente notificados para tanto).

Em terceiro lugar, não se descobre qualquer concreto projecto aprovado que interfira com o prédio, mas apenas um projecto de execução “EENN 235/333 – Variante Nó da AE/Oliveira do Bairro/Perrães”, não aprovado e desactualizado (cfr. documento n.º 1 junto com a contestação).

Em conclusão, faltam aqueles dois pressupostos essenciais – a pretensão da realização de uma concreta obra e um real e efectivo impedimento por mais de 5 (cinco) anos – para que se proceda à requerida expropriação e subsequentemente a arbitragem se constitua.

Aliás, da própria informação da requerida dirigida à A., com data de 05 de Junho de 2007, consta que “não há registo na EP de qualquer indicação que desde 1991 seja impedida ao requerente a construção no seu prédio”.

Inexistindo, pois, um real, actual e efectivo impedimento a uma concreta construção, não se vislumbra que os requerentes não possam prosseguir com a sua pretensão de edificarem no espaço (naturalmente, com o cumprimento das normas disciplinadoras do ius aedificandi), sendo certo que eventuais entraves concretamente (sublinhe-se) colocados pelas autoridades administrativas envolvidas, deverão ser dirimidos em sede própria”.

Concluindo, impõe-se a confirmação da sentença recorrida, pelo que improcede o presente recurso, o que se decide.


VII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

            Custas pelos Recorrentes.


***
Jaime Carlos Ferreira (Relator)
Jorge Arcanjo
Isaías Pádua