Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6449/14.4T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: INJUNÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 12/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.309, 311, 317 CC, 703, 844, 857 CPC
Sumário: 1.- Respeitando a jurisprudência do Tribunal Constitucional (acórdão nº264/2015, de 12.5.2015), relativa à amplitude dos meios de defesa que podem ser apresentados contra a execução da injunção, à qual foi aposta força executiva, reconhece-se que esta forma um título executivo, o que tem especial relevância no juízo sobre a prescrição.

2.- Este novo título executivo ( requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória ) converte o prazo curto de prescrição no prazo ordinário de prescrição ( art.311 nº1 CC).

Decisão Texto Integral:

          Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

O (…), S.A., instaurou execução contra L (…), tendo por base uma injunção com força executiva.

O executado deduziu oposição, alegando, em síntese:

Nada deve ao exequente porque tudo pagou;

O direito deste encontra-se prescrito (art. 317º alínea b) do CC).

Contestou a O (…), alegando, em síntese:

Releva o que consta do título executivo apresentado a execução, a injunção com força executória, na qual o executado teve oportunidade de se defender, mas optou por não o fazer;

Quanto ao pagamento, requer o depoimento de parte do executado e a notificação deste para juntar aos autos a prova do mesmo.

          No saneador, foi proferida decisão a julgar improcedente a oposição e a determinar o prosseguimento da execução.


*

          Inconformado, o executado recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1. A verdadeira questão nos presentes autos e no presente recurso é a de saber se, apesar da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo ter decidido da admissibilidade da oposição deduzida pelo Recorrente, tendo em conta a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, no que respeita às normas do art. 814º, 816º e 857º do CPC., a mesma acabou por, “encapotadamente”, aplicar tais normas cuja inconstitucionalidade reconhece, ao decidir que no presente caso o prazo de prescrição a aplicar é o prazo de 20 anos, atendendo a que o título executivo é uma injunção com fórmula executória.

2. De facto, a Exma. Juiz a quo indeferiu a oposição, decidindo que ao caso em concreto o prazo de prescrição é de 20 anos nos termos do art. 309º do CC, porque o crédito do exequente foi reconhecido por título executivo, no caso, requerimento de injunção com fórmula executória aposta a 21/10/2014.

3. Concluindo que, assim sendo, a partir dessa data (data em foi aposta fórmula executória ao requerimento executivo) vale o prazo de prescrição de 20 anos nos termos do art. 309º do CC.

4. Ora, com tal raciocínio, o Tribunal a quo mais não fez do que limitar os fundamentos da oposição à execução, instaurada com base em requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, impedindo encapotadamente ao Recorrente/Executado de alegar, perante um Juiz, todos e quaisquer fundamentos de oposição que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo declarativo, ainda que tenha optado por, no procedimento de injunção, não se opor à pretensão do requerente.

5. Aplicando interpretando assim as normas do art. 814º, 816º e 857º do CPC., cuja inconstitucionalidade reconhece na própria sentença recorrida.

6. O Executado ora Recorrente não se conforma com tal raciocínio e interpretação, defendendo que no caso em apreço, sendo o Título Executivo uma injunção com fórmula executória (o qual tem um caracter não jurisdicional), o prazo de prescrição que se aplica é aquele que se aplicava à data em que o Executado poderia deduzir oposição à injunção.

7. Não é pelo facto de o título executivo ser uma injunção com fórmula executória que o prazo de prescrição deixou de ser o de dois anos (o que se aplicava antes de ser aposta a referida fórmula executória) e passou a ser o de 20 anos, como se tivéssemos perante uma sentença judicial como título executivo.

8. Assim, o prazo de prescrição a aplicar à divida peticionada é o prazo constante do art.º 317º nº 1 al. b) do CC, ou seja, o prazo de prescrição de dois anos.

9. Ao decidir como decidiu a Meritíssima Juiz do Tribunal, esta limitou-se a contornar o que já havia sido decidido pelo Tribunal Constitucional, entendendo que a partir do momento que se formou título executivo, ainda que o

mesmo seja resultante como supra se disse de um processo tabeliónico, passou a vigorar o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, sendo o prazo prescricional

anterior inócuo a partir do momento em que se formou o título.

10. Ora, ao decidir como decidiu a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, veio limitar de forma abrupta e grosseira os fundamentos para deduzir oposição à execução com base em requerimento injuntivo no qual foi aposta fórmula executória.

11. Assim, a interpretação levada a cabo pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo do art. 311º nº 1 do CC, quando interpretado no sentido de que o prazo prescricional anterior é inteiramente irrelevante e inócuo a partir do momento em que se formou o título, é inconstitucional por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, exatamente nos mesmos moldes e com os mesmos fundamentos que constam do Acórdão do Tribunal Constitucional com Força Obrigatória Geral nº 388/2013 de 24 de Setembro o qual declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma constante do art. 814º, nº 2 do CPC (…) pois tal interpretação do art. 311º, nº1 vem limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base no requerimento de injunção à qual foi aposta fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20º, nº 1, da Constituição – inconstitucionalidade que desde já se alega e requer para os devidos efeitos legais.

12. Na boa verdade dos factos, o Tribunal a quo, ao interpretar o art. 311º, nº 1 do CC da forma como o fez, fez uma interpretação do art. 814º, nº 2 do CPC

inconstitucional (…)

13. Face ao exposto, deverá ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, deve a douta decisão recorrida ser substituída por outra que julgue procedente os embargos deduzidos pelo executado, em virtude da dívida exequenda se encontrar há muito prescrita (art. 317º, nº 1 alínea b) do CC).


*

          A exequente contra-alegou, defendendo a decisão recorrida, dizendo, em síntese, que “o único prazo prescricional que pode ser apreciado é aquele que se inicia após a oposição da fórmula executória no requerimento injuntivo”.

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          Questões a decidir:

          Com a injunção, à qual foi aposta força executiva, o prazo da prescrição é alterado pela previsão do art.311º, nº1, do Código Civil ?

          Consequências da solução dada à questão anterior sobre a oposição.


*

          Foram considerados provados os seguintes factos:

1. Foi dado à execução um requerimento injuntivo ao qual foi aposta força executiva em 21.10.2014, por falta de oposição.

2. A execução deu entrada em 25.11.2014.


*

          Em primeiro lugar, considerando a data da entrada da execução, a esta são aplicáveis as normas do novo Código de Processo Civil.

          No caso, o tribunal recorrido, admitindo respeitar a jurisprudência do Tribunal Constitucional, considerou o seguinte:

“Ponto prévio é o da admissibilidade da presente oposição à execução por embargos, nos termos da jurisprudência do Tribunal Constitucional, quer no que respeita às normas dos pretéritos artigos 814º e 816º do CPC, quer no que respeita ao actual art. 857º, por se entender que tais normas padecem de inconstitucionalidade quando interpretadas no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória (cfr. ac. n.º 388/2013, de 09/07 – DRE, 1ª série, de 24.9.2013 – com força obrigatória geral; n.º 714/2014, de 28.10.2014, n.º 828/2014, de 3.12.2014 e n.º 112/2015, de 11.2.2015, todos disponível no site do tribunal Constitucional).

Quanto à invocada prescrição, temos que a injunção é um título executivo, plenamente válido, por se ter formado após adequada citação e falta de oposição por parte do ali requerido, nos termos do disposto no art. 703º, n.º 1, al. d) e art. 14º do DL 269/98, de 1 de Setembro.

Nessa sequência, o direito de crédito da exequente foi reconhecido por título executivo, formado em 21.10.2014.

A partir dessa data, vale o prazo ordinário de prescrição, de 20 anos, nos termos do art.309º, do Código Civil. O prazo prescricional anterior é inteiramente irrelevante e inócuo a partir do momento em que se formou o título, tal como preceitua a norma do art. 311º, n.º 1, do Código Civil.

Por assim ser e dada a data da entrada da execução – 25.11.2014 – facilmente se

conclui não ter ocorrido a prescrição da obrigação inserta no título executivo, pelo que

improcede o fundamento dos presentes embargos.”

          Devemos observar que a jurisprudência do Tribunal Constitucional está atualizada no acórdão nº264/2015, de 12.5.2015, dotada de força obrigatória geral, ao considerar que a norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, viola o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

          Numa primeira leitura deste acórdão chegaríamos à conclusão de que o executado, não tendo reagido antes à injunção, poderia sempre arguir a prescrição pretensamente ocorrida entre 1.1.2010 e 28.2.2012, datas a apurar conforme a qualificação do contrato e da obrigação (preço, renda ou outro tipo de prestação, o que não está muito claro neste momento processual).

          Porém, apesar da concreta amplitude que concedeu à oposição à injunção, com força executiva, o acórdão do T.C. ainda disse que a notificação a efetuar ao requerido tem o conteúdo legalmente determinado no artigo 13.º do Regime dos

procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Decreto -Lei n.º 269/98, de 1 de setembro — advertência dos efeitos preclusivos verificáveis, na indicação de que, “na falta de pagamento ou de oposição dentro do prazo legal, será aposta fórmula executória ao requerimento, facultando-se ao requerente a possibilidade de intentar acção executiva”.

Esclarece o T.C.:

“Essa notificação apenas não permite ao requerido ignorar que, na falta de oposição, será aposta a fórmula executória no requerimento de injunção, assim se facultando ao requerente da injunção a instauração de uma ação executiva. Perante o teor da notificação, o requerido fica ciente de que está sujeito a sofrer a execução, mas não necessariamente de que o âmbito da defesa contra a pretensão do exequente, se essa hipótese se concretizar, estará limitado pela preclusão dos fundamentos que já pudesse opor -lhe no momento do requerimento de injunção. Para que exista um “processo justo” é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (cf. artigo 235.º, n.º 2, in fine do CPC). E igualmente improcedente se afigura o argumento de que, por esta via, o processo de injunção fica esvaziado de efeito prático, o que vale por dizer que a limitação dos fundamentos de defesa na fase executiva seria necessária para que se atingissem os fins de proteção do credor e, reflexamente, de tutela geral da economia que se visou com o novo mecanismo. Na verdade, esse procedimento permite ao credor obter de forma expedita um título que lhe abre a via da ação executiva e que lhe permite a imediata agressão do património do devedor, sendo a citação deste diferida (cf. artigos 812.º -C alínea b) e 812.º -F, n.º 1, do CPC). Assim, sempre se atinge o objetivo de facultar ao credor um meio expedito de passar à realização coerciva da prestação, mediante uma solução equilibrada entre os interesses concorrentes que não comporta compromisso desnecessário da defesa do executado.”

Esta fundamentação permite concluir que se salvaguardou a formação do título executivo, não podendo, nesse particular, o requerido “ignorar que, na falta de oposição, será aposta a fórmula executória no requerimento de injunção, assim se facultando ao requerente da injunção a instauração de uma ação executiva.”

A formação do título executivo tem decisiva relevância na questão da prescrição.

Sob a epígrafe “Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo” dispõe o artigo 311º, nº1, do Código Civil:

“1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.”

Consideremos que a prescrição é uma sanção para o não exercício do direito, por tempo relevante.

Consideremos que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. (art.323º do Código Civil, doravante CC.)

A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º. (art.326º do CC.)

Neste contexto normativo, para evitar a prescrição, importa o ato judicial que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito.

Ora, a propositura e concretização da injunção deve ser equiparada à notificação judicial da intenção do credor de exercer o direito. Tal notificação, nos termos do art. 13.º, nº2, do Regime aprovado pelo DL n.º 269/98, “interrompe a prescrição nos termos do disposto no art.323º do Código Civil”.

Mais, o devedor é (pelo menos) especialmente alertado de que, na falta de oposição, será formado título executivo.

Este novo título expressa uma clara intenção do credor, para exercer o seu direito, e expressará, já depois do prazo da prescrição original, uma tácita renúncia do devedor àquele prazo (art.302º do CC).

Este novo título, mais do que renovar o prazo da prescrição (art.326º do CC), cria um novo prazo (art.311º do CC). No caso, qualquer deles está ainda em curso, contados desde 21.10.2014.

Sendo assim, improcede a arguida prescrição.

Apesar disso, tendo o executado alegado o pagamento, a oposição não podia ter sido decidida completamente no saneador, devendo o processo seguir para julgamento, no qual se fará a prova requerida sobre aquele facto.

Também, mesmo que se tivesse como possível a prescrição invocada pelo executado (meramente presuntiva), o processo seguiria sempre para julgamento, pois que o exequente requereu o depoimento de parte do executado, a fim de ilidir a presunção do pagamento com a confissão do devedor.


*

Decisão.

Julga-se o recurso parcialmente procedente, revoga-se parcialmente a decisão recorrida e, confirmando a decisão de não prescrição do direito do exequente, ordena-se o prosseguimento da oposição para julgamento.

          Custas pelo vencido a final.

          Coimbra, 2015-12-1

          Fernando Monteiro ( Relator )

Carvalho Martins

Carlos Moreira