Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/12.4GFCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: SENTENÇA PENAL
DEPÓSITO DA SENTENÇA
RREGULARIDADE
INEXISTÊNCIA JURÍDICA DA SENTENÇA
Data do Acordão: 10/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (COVILHÃ – INST. LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: DECLARADA A INEXISTÊNCIA JURÍDICA DA SENTENÇA RECORRIDA
Legislação Nacional: ARTS. 372.º, N.ºS 3 E 5, E 374.º, DO CPP
Sumário: I - O depósito tardio da sentença penal constitui tão só mera irregularidade.

II - Diversamente, a leitura, pelo Juiz, de um mero “apontamento”, tendo a elaboração da sentença e respectivo depósito ocorrido em momento posterior (no caso, cerca de quatro meses), consubstancia inexistência jurídica da referida peça processual.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 16/12.4GFCVL,da Comarca de Castelo Branco, Covilhã – Inst. Local – Secção Criminal – J1, foram pronunciados os arguidos A... , solteiro, engenheiro civil, nascido em 10.02.1952, natural de (...) - Guarda, filho de (...) e de (...) , residente na Rua (...) Guarda e B..., casado, empresário, nascido em 18.05.1965, natural de (...) - Sabugal, filho de (...) e de (...) , residente na (...) Bendada, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado morte p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 277.º, nºs 1 alíneas a) e b) e 2 e 285.º ambos do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença datada de 16-01-2015, depositada em 08-05-2015 ( cfr. fls 614), o tribunal decidiu absolver os arguidos da prática do imputado crime.

3. Inconformado recorreu o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões:

1. Conforme consta dos autos, ocorreu, em 16 de Janeiro de 2015, a leitura da sentença, nasala de audiências deste Tribunal, sem que a mesma tenha sido depositada de imediato, em clara violação do disposto no art. 312°, n.º 5 do C. P. Penal. Isto mesmo resulta da declaração de depósito que se encontra a fls. 564, onde consta assinado pelo Sr. Secretário Judicial que a Sentença só foi depositada em 8.05.2015.

2. Deste modo, e de acordo com Jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente do Ac. RP de 5 de Fevereiro de 2003, Proc. 0242573, Rel. Isabel Pais Martins e na CJ, XXVIII, T. I, pág. 214, no Ac. RL de 12 de Janeiro de 2005, Proc 8439/2004 - 3a, Rel. Mário Morgado, e Ac. RL de 23 de Junho de 2005, Proc. 4544/05-9a, Rel. João Carrola e na CJ, XXX, T. III, pág. 139, tais sentenças são inexistentes e nulas.

3. Assim, verifica-se que o caso dos presentes autos se pode e deve enquadrar na situação supra descrita, correspondendo a uma sentença nula, por ter sido violado o disposto no art. 372°, n.º 5 do C. P. Penal, devendo ser declarada a inexistência da referida sentença, e ser ordenada a repetição do julgamento.

4. No que respeita à sentença absolutória proferida nos autos, e segundo consta da matéria de facto dada como não provada (factos a) a mn)), foi relevante a valoração que o Tribunal “a quo’’’ fez da prova produzida em audiência de julgamento, que consta da respectiva motivação. Segundo consta da sentença que ora se recorre, os factos dados como não provados, segundo a motivação, resultam da sentença ora recorrida, e constam de uma singela página da mesma sentença, a fls. 559 dos autos, o que entra em gritante contradição com a fundamentação da decisão instrutória que decidiu pela pronúncia dos arguidos, e que tem, só de motivação, 21 páginas (de fls. 487 a 508 dos autos).

5. Efectivamente, resulta da motivação da sentença que ora se recorre, que os factos dados como não provados, advém da (e passa-se a citar): « (...) Não se deram como provados os factos vertidos nesta sede, com fundamento nas declarações da testemunha C... que disse que no momento do acidente estavam a desmontar os andaimes para fazer a limpeza; que as pedras tinham acabado de ser retiradas das paredes; depoimento conjugado com o prestado pela testemunha Eng. D... , que foi ao local e verificou que não havia andaimes montados; que as mesas no local se destinavam a suportar os prumos utilizados na cofragem das vigas; e, ainda relatório por si elaborado junto fls. 468, nomeadamente de fotografias de fls. 470 a 473, e conclusões de fls. 460 de onde resulta evidenciado que, naquela concreta obra estavam a ser respeitadas as regras de segurança.». E aqui chegados, a pergunta que se faz é a seguinte: Mas de onde resulta que as regras de segurança estavam a ser respeitadas? Do depoimento da testemunha C... ? Mas como? Tal não é explicado na douta decisão recorrida, nomeadamente no que respeita à motivação da matéria de facto, na medida em que se fica sem perceber em que medida o depoimento da testemunha C... , que segundo essa mesma motivação, referiu que (e passa-se a citar a motivação da douta sentença): “no momento do acidente estavam a desmontar andaimes para fazer a limpeza; que as pedras tinham acabado de ser retiradas das paredes”, de per si, significa que as regras de segurança se encontravam implementadas, e estavam a ser respeitadas.

6. Por outro lado, também se fica sem saber em que medida é que o depoimento do Eng. D... , que, ainda segundo a motivação da douta sentença, (e cita-se): “que foi ao local e verificou que não havia andaimes montados; que as mesas no local se destinavam a suportar os prumos utilizados na cofragem das vigas’’, permite, conjugado com o depoimento da testemunha C... , concluir o Tribunal pelo respeito e implementação das regras de segurança no local onde o acidente e a morte ocorreram. Ou seja, aquilo que se pretende dizer é que, com o devido respeito, o Tribunal “a quo” não efectuou uma análise crítica da prova, de forma a se poder aferir da sua razoabilidade e do fio condutor de raciocínio que permita dar como provados os factos constantes da douta sentença, e no caso concreto que agora nos preocupa, como permite dar como não provados os factos a) a mn).

7. Continuando nesta linha de argumentação, e continuando a analisar a fundamentação, temos que, e passa-se a citar: “não havendo qualquer nexo causal entre uma eventual conduta contra-ordenacional e perigo para a vida ou integridade física dos trabalhadores”. Aqui chegados, impõe-se perguntar, mas esta conclusão decorre de onde? De que factos, testemunhos ou documentos? Não sabemos.

8. Depois, escreve-se: “... e depoimento prestou a testemunha I... que chegou ao local imediatamente após o acidente e disse que o sinistrado tinha ido buscar um balde de pregos que esquecera em cima da porta; que utilizou uma escada extensível e se desequilibrou; a versão foi corroborada pela testemunha C... , que trabalhava no local, que descreveu os factos de forma sentida; tais depoimentos são corroborados pelas fotografias de fls. 7, 33 de onde se colhe que não havia andaimes destinados à circulação os trabalhadores antes a suportar prumos de suporte à cofragem da viga; a existência da escada em alumínio aludida pelas testemunhas colhe-se das fotografias de fls. 392; ” Aqui chegados, mais uma vez, fica-se sem se perceber o que significa, nas palavras do Tribunal “a quo”, que a testemunha C... descreveu os factos de forma sentida. Mas que factos? Igualmente se desconhece.

9. Deste modo se constata que estamos perante um vício de erro notório na apreciação da prova, por insuficiência de fundamentação, na medida em que o Tribunal “a quo” não fez um juízo crítico e minimamente entendível sobre a forma como chegou a dar como não provados a maioria dos factos constantes da decisão instrutória.

10. No que respeita à sentença absolutória proferida nos autos, existe ainda uma outra questão que se prende com a manifesta contradição entre a matéria de facto dada como provada, e a respectiva fundamentação da matéria de facto.

11. Se o tribunal “a quo” deu como provado no ponto 12) da matéria de facto que (e passa-se a citar):

No dia e hora referidos em 11, o sinistrado e demais trabalhadores procediam à desmontagem dos andaimes e limpeza do interior", como pode escrever-se na fundamentação da matéria de facto que “... não havia andaimes destinados à circulação os trabalhadores”? Ficando-se na incerteza sobre se, afinal, existiam andaimes ou não na obra, se os mesmos foram ou não montados.

12. Assim, se o tribunal “a quo” deu como provado no ponto 12) da matéria de facto que (e passa-se a citar): “No dia e hora referidos em 11, o sinistrado e demais trabalhadores procediam à desmontagem dos andaimes e limpeza do interior”, tal entra em flagrante contradição com o que resulta da fundamentação da matéria de facto quando se refere que “... não havia andaimes destinados à circulação os trabalhadores’’, e, quando se refere às declarações da testemunha C... , à qual deu credibilidade (embora tal não se mostre textualmente escrito, mas que se infere da leitura da motivação da matéria de facto), referiu (e passa-se a citar): “ C... que disse que no momento do acidente estavam a desmontar os andaimes para fazer a limpeza”.

13. E, quando se refere às declarações da testemunha C... , à qual deu credibilidade (embora tal não se mostre textualmente escrito, mas que se infere da leitura da motivação da matéria de facto), referiu (e passa-se a citar): “ C... que disse que no momento do acidente estavam a desmontar os andaimes para fazer a limpeza ”, ficando-se na incerteza sobre se, afinal, existiam andaimes ou não na obra, se os mesmos foram ou não montados.

14. Além disso, o Tribunal “a quo”, ao dar como não provado o facto de o trabalhador falecido subiu ao andar superior do andaime existente no interior da edificação, a cerca de 4,5 metros do solo, para pegar no balde que aí se encontrava, (facto vertido na al. c) dos factos não provados), e que se encontrava a subir a uma mesma do andaime, E... desequilibrou-se, facto vertido na al. d) dos factos não provados, foi dado como não provado, e a motivação da sentença refere que (e passa-se a citar): depoimento prestou a testemunha I... que chegou ao local imediatamente após o acidente e disse que o sinistrado tinha ido buscar um balde de pregos que esquecera em cima da porta; que utilizou uma escada extensível e se desequilibrou”, o que entra em frontal contradição com a fundamentação.

15. Existe, assim, um claro vício da sentença recorrida, previsto no art. 412°, n.° 2, al. c) do C. P. Penal, e que respeita à invocada contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão quanto à matéria de facto.

16. Com estas contradições, o Tribunal “a quo”, não contribuiu para a boa administração da Justiça.

17. Ora, não sendo minimamente aceitável nem razoável que os arguidos, pela fundamentação da sentença recorrida, não tenham praticado os factos que se lhes imputam, só pode tomar-se por inaceitável e atentatória da boa administração da Justiça a absolvição dos arguidos nos presentes autos, com base na sentença proferida.

18. Assim, e como também se alega, entende-se que a sentença deve ser declarada inexistente e nula, por ter sido depositada muito para lá dos trinta dias da sua leitura, e ordenada a repetição do julgamento.

19. Por outro lado, e caso assim não se entenda, atendendo aos vícios apontados à sentença, julga-se que deve ser revogada e substituída por outra que considere os arguidos autores materiais da prática dos crimes de que vinham acusados, e que lhe aplique uma pena que considere adequada à gravidade do ilícito e à situação pessoal dos arguidos, anterior e posterior à prática dos factos.

Revogando, pois a douta decisão recorrida, declarando-a nula por ter sido depositada muito para lá do prazo legal, e/ou, caso assim não se considere, por falta de fundamentação e por contradições entre a fundamentação e a decisão da matéria de factos, deverá tal sentença ser revogada na parte considerada e substituindo-a por outra que condene os arguidos em conformidade com o exposto farão, Vossas Excelências, aliás como sempre, a costumada

JUSTIÇA”

4. Por despacho foi o recurso admitido, fixado o respetivo regime de subida e efeito.

5. Ao recurso respondeu o arguido, concluindo:

4. A douta sentença proferida, como melhor adiante se verá, não padece de quaisquer vícios, mormente os que lhe são imputados pelo recorrente, pelo que, consequentemente, não merece qualquer reparo, devendo manter-se nos precisos termos em que foi proferida.

Pelo que,        

5. Pelas várias ordens de razão que melhor adiante passamos a demonstrar, deve o recurso deduzido pelo recorrente ser julgado improcedente.

II. - Da VIOLAÇÃO DO ÓNUS DE CONCLUIR NO RECURSO DEDUZIDO PELO RECORRENTE.

6. Nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 412.° do C. P. Penal, sob a epígrafe “Motivação do recurso e conclusões ”, “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina vela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.”

Sendo que,

7. É pelas conclusões do recurso que se define e delimita o objecto do mesmo (recurso), ou seja, é às conclusões que se circunscreve o campo de intervenção do Tribunal “ad quem” Ora,

8. “A função das conclusões consiste em apontar, sob enumeração, as concretas questões que o recorrente entende que determinam uma solução diferente daquela a que chegou o tribunal recorrido, de forma a garantir que o tribunal de recurso entenda, com clareza e precisão, quais os efectivos fundamentos da discordância.

Sendo esta a finalidade das conclusões, naturalmente que por elas passa o cumprimento quer do dever de lealdade processual para com os demais sujeitos processuais, quer do dever de colaboração com o tribunal de recurso. (...).

A exigência de conclusões não é uma mera formalidade, sem sentido, mas o corolário de uma necessidade de precisão da fundamentação do recurso, tanto mais premente quanto mais ampla ê a faculdade de recorrer - não sendo desejável que o tribunal de recurso se veja na continência de reapreciar, contra a vontade da parte, para além da intenção subjacente ao recurso, só porque ela é duvidosa ou não está suficientemente determinada, face à redacção da peça recursiva.

A este propósito, António Geraldes (In Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2a edição, Almedina) refere que “são triviais as situações em que as conclusões acabam por ser mera reprodução dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese, como se o volume das conclusões fosse sinal da sua qualidade ou como se houvesse necessidade de assegurar, por essa via, a delimitação do objecto do processo e a apreciação pelo tribunal ad quem de todas as questões suscitadas. Aquilo que a experiência permite confirmar e que facilmente se comprova através da leitura de relatórios de acórdãos publicados é que se entranhou na prática judiciária um verdadeiro círculo vicioso. Em face do número de situações em que se mostra deficientemente cumprido o ónus de formulação de conclusões, os tribunais superiores acabam por deixá-las passar em claro, preferindo, por razões de celeridade, avançar para a decisão, fazendo nesta a triagem do que verdadeiramente interessa em face das alegações e da sentença recorrida. Por tais motivos persistem as situações irregulares. Agindo deste modo, os tribunais superiores colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspectos de natureza formal. Contudo, se a forma não se deve confundir com a substância, também não pode, de todo, ser-lhe indiferente. Por outro lado, a falta de cumprimento daquele ónus toma mais difícil a execução da tarefa, correndo-se o risco de algumas questões serem desconsideradas. Por outro, a apresentação de alegações atabalhoadas acaba por constituir, muitas vezes, um sinal claro de falta de fundamento do recurso (Acórdão da Relação de Lisboa de 24-01-2013).

Sucede que,

9.        

no caso dos autos, constata-se que as conclusões do recorrente são longas e extensas,

10.      

padecendo de falta de concisão e de síntese,

11.

sendo uma reprodução, praticamente, “ipsisverbis ” do que disse na motivação.

Efectivamente,

12.

no seu recurso, o recorrente escreveu 7 páginas de motivação e 5 páginas de conclusões, ou seja, as conclusões do recorrente correspondem quase na íntegra ao corpo da motivação, se aten¬dermos ao facto de nas conclusões se encontrarem suprimidas as transcrições dos sumários dos acórdãos vertidos na motivação!

De facto,

13.

a este respeito, refere ainda o Desembargador Doutor João Aveiro Pereira (In, “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”) que, “em boa verdade, o recurso a este expediente de copy paste, para duplicar as alegações como se fosse para concluir, revela um uso abusivo dos meios automáticos de processamento de texto e conduz à inexistência material de conclusões, pois se, sob este título, apenas se derrama sobre papel o teor da parte analítica e argumentativa, o que de facto se oferece ao tribunal de recurso è uma fraude. Por consequência, apesar de aqui ou ali se mudar, cosmeticamente, uma ou outra palavra ou locução, o que realmente permanece, inelutável, é um vazio

conclusivo, mau grado as habituais dezenas de folhas, com frequência metade do total da peça, e um número de artigos ditos de conclusões desnecessariamente a roçar ou a ultrapassar a centena.

Acresce que,

14.      

como também se pode ler no acórdão da Relação de Lisboa de 21.02.2013,

“I - As conclusões da motivação do recurso são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado, devendo ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que serão objecto de decisão;

II - A repetição nas conclusões do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada repetir o que se disse antes na motivação, equivalendo a falta de conclusões à falta de motivação;

III - Não havendo indicação concisa dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações, não há conclusões, pelo que, em conformidade, deve o recurso ser rejeitado. ”

Pelo que,

15.      

mostrando-se violado o disposto art.° 412.°, n.° 1.° do C.P.Penal, deve o recurso deduzido pelo recorrente, a que ora se responde, ser rejeitado e, consequentemente, não ser apreciado.

Acresce que,

III. - Da ALEGADA INEXISTÊNCIA DA SENTENÇA RECORRIDA E DA REQUERIDA REPETIÇÃO DOJULGAMENTO.

16.      

quando assim, não se entenda, sempre as aludidas conclusões terão que ser votadas ao insucesso pelos motivos que melhor passamos a expor. Ora,

17. nas conclusões 1 a 3 e 18 do seu recurso, invoca o recorrente que:

20. Conforme consta dos autos, em 16 de Janeiro de 2015, a leitura da sentença, na sala de audiências deste Tribunal, sem que a mesma tenha sido depositada de imediato em clara violação do disposto no art.° 372.°, n.° 5 do C.P.Penal. Isto mesmo resulta da declaração de depósito que se encontra a fls. 564, onde consta assinado pelo Sr. Secretário Judicial que a sentença só foi depositada em 08.05.2015.

21. Deste modo, e de acordo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente do Ac. RP de 5 de Fevereiro de 2003, Proc. 0242573, Rei. Isabel Pais Martins e na CJ, XXVIII, T. I, pág. 214, no Ac. RL de 12 de Janeiro de 2005, Proc. 8439/2004 - 3a, Rel. E na CJXXX, T. III, pág. 139, tais sentenças são inexistentes e nulas.

22. Assim, verifica-se que o caso dos presentes se pode e deve enquadrar na situação supra descrita, correspondendo a uma sentença nula, por ter sido violado o disposto no art.° 372 °, n.° 5 do C.P.Penal, devendo ser declarada a inexistência da referida sentença e ser ordenada a repetição do julgamento.

18. Assim, e como também se alega, entende-se que a sentença deve ser declarada inexistente e nula, por ter sido depositada muito para lá dos trinta dias da sua leitura, e ordenada a repetição do julgamento.

Sucede que,

18.°

o teor de tais conclusões tem necessariamente que improceder, pois que, e ao invés do pretendido pelo recorrente, o não depósito da sentença na secretaria após a respectiva leitura, conforme previsto no n.° 5, do art.º 372.°, do C.P.Penal, não tem como efeito e declaração de inexistência e a nulidade da sentença e, consequentemente, a repetição do julgamento.

De facto,

19.      

desde logo se refira que a jurisprudência invocada pelo recorrente não têm qualquer analogia com o caso dos presentes autos, pois que naqueles foi determinada a repetição do julgamento por perda de eficácia da prova, o que não se verifica “in casu

De facto,

20.      

para que julgamento da causa pudesse ser repetido, tal como pretende o recorrente, tinha de verificar-se perda de eficácia da prova, o que só é passível de acontecer na fase de produção de prova. Ou seja, apenas ocorre quando se intervala cada sessão de prova por mais de 30 dias. Não quando, como aconteceu “in casu ”, terminada a fase de produção de prova, se entrou na fase de produção da sentença.

Sendo certo que,

até à dedução do recurso, a que ora se responde, o recorrente não suscitou [atempadamente] qualquer irregularidade por o acto público de leitura de sentença não ter observado os requisitos do n.° 3 do art. 372.° do C.P.Penal (art.° 123.° do C.P.Penal) (Acórdão da Relação de Lisboa de 14.12.2011).

De facto,

22.°

no caso dos autos, não se verifica qualquer inexistência da sentença!...

O que se verificou, sim, foi “um atraso no depósito da sentença, em violação do disposto no art.° 372.°, n.°5 do C.P.P., que constitui irregularidade que se encontra sanada pela junção aos autos e depósito da sentença escrita. ” (Acórdão da Relação de Lisboa de 14.12.2011).

Sendo certo que,

23. “mesmo que se entendesse que a sentença era juridicamente inexistente porquanto não foi junta aos autos, ainda assim, com a junção aos autos da sentença escrita, ter-se-ia procedido à renovação do acto nos termos legais, previstos para as nulidades (art. ° 122.º, n.° 1 do C.P.Penal), não existindo qualquer acto afectado que urgisse repetir. ” (Acórdão da Relação de Lisboa de 14.12.2011)

Pelo que,

24. deve improceder o teor das conclusões 1 a 3 e 18 do recurso do recorrente, não devendo ser ordenada a repetição do julgamento.

IV. - Dos Alegados Vícios da Sentença.

25.°

Bem andou a douta sentença recorrida ao absolver os arguidos da prática do crime pelo qual vinham pronunciados, a qual não padece de qualquer vício, mormente os que lhe são imputados pelo recorrente, quais sejam:

a) “erro notório na apreciação da prova por insuficiência de fundamentação ” e

b) “contradição entre a matéria de facto dada como provada e a respectiva fundamentação da matéria de facto. ”

De facto, a douta sentença recorrida é perfeitamente escorreita, clara e perceptível, mostra-se devidamente fundamentada, quer do ponto de vista da enunciação da matéria de facto provada e não provada, quer do ponto de vista da exposição dos motivos de facto e de direito.

Aliás,

27. tanto assim é que, o recorrente não põe em crise um único ponto da matéria de facto dada como provada e/ou como não provada e, muito menos, ousa socorrer-se de um único elemento probatório junto aos autos ou de declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento para tal.

De facto,

28. sem pôr crise um único ponto da matéria de facto [provada ou não provada] ou sem suscitar errada valoração e interpretação de elementos probatórios juntos aos autos, o que o recorrente pretende é ver alterado o sentido absolutório da sentença proferida e ver os arguidos condenados, o que faz, limitando-se a invocar os alegados vícios: por um lado, falta de fundamentação da sentença e, por outro, contradição entre a matéria de facto dada como provada e a respectiva fundamentação da matéria de facto - vícios estes que não existem, como melhor adiante se verá.

De facto,

29.°

com base em tais fundamentos, o recorrente vem pedir no ponto í 9 das suas conclusões que que a sentença proferida “atendendo aos vícios apontados à sentença, julga-se que deve ser revogada e substituída por outra que considere os arguidos autores materiais da prática dos crimes de que vinham acusados e que lhe aplique uma pena que considere adequada à gravidade da ilícito e à situação pessoal dos arguidos, anterior e posterior à prática dos factos. ”,mais referindo, no ponto 17 das suas conclusões que:

“Ora, não sendo minimamente aceitável nem razoável que os arguidos, pela fundamentação da sentença recorrida, não tenham praticado os factos que se lhes imputam, só pode tomar-se por inaceitável e atentatória da boa administração da Justiça a absolvição dos arguidos nos presentes autos, com base na sentença proferida. ”

Sucede que,

30. a alegada falta de fundamentação da sentença e a alegada contradição entre a matéria de facto dada como provada e a respectiva fundamentação não têm como efeito a substituição da presente sentença absolutória por uma sentença condenatória tal como pretendido pelo recorrente. Sendo certo que,

31. se tais vícios se verificassem, o que apenas se admite por mera hipótese académica, a necessária consequência para a sua existência, seria a sua supressão com a prolação de nova sentença.

A. DO ALEGADO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDA¬MENTAÇÃO

32.      

O recorrente conclui no ponto 9 que, relativamente à matéria por ele vertida nos pontos 4 a8das conclusões, a douta sentença recorrida padece de “erro notório na apreciação da prova, por insuficiência de fundamentação, na medida em que o Tribunal “a quo ” não fez um juízo crítico e minimamente atendível sobre a forma como chegou a dar como provados a maioria dos factos constantes da decisão instrutória. ” Sucede que,

33. desde logo, tal conclusão tem que naufragar porquanto:

a) não se verifica qualquer erro notório na apreciação da prova,

b) não se verifica qualquer insuficiência de fundamentação. Sendo certo que,

c) o recorrente não diz quais são em concreto “a maioria dos factos constantes da decisão instrutória ” a que se reporta. Acresce que,

34. ao invés do alegado pelo recorrente, que refere que se verifica “erro notório na apreciação da prova por insuficiência de fundamentação ”, o erro notório na apreciação da prova não se confunde com a insuficiência de fundamentação. De facto,

35. O erro notório na apreciação da prova reconduz-se ao erro de julgamento.

Tal verifica-se quando se dão factos como provados ou como não provados mas, face à prova produzida nos autos, conjugada com as regras da lógica e da experiência comum, se impunha, quanto a eles, diferente decisão.

Trata-se de “um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contraditória (...).

De facto, quando o recorrente entende que a prova foi mal apreciada deve proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, conforme o art. ° 412.º, n.º 3 do C.P.Penal e não agarrar-se ao vício de erro notório. ” (Acórdão da relação de Lisboa de 18.07.2013).

Por seu turno,

36.       na insuficiência de fundamentação da matéria de facto, “critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objecto do processo. ” (Acórdão da relação de Lisboa de 18.07.2013).

De facto,

37.      

a alegação vertida na conclusão 9 é contraditória, desprovida de qualquer razão de ciência e de qualquer fundamentação, pelo que tem que improceder, da mesma forma improcedendo o teor das conclusões 4 a 8. De facto,

38.  no que concerne, em concreto, à matéria vertida na conclusão 5 e 6 surge a seguinte dúvida ao recorrente: “Mas de onde resulta que as regras de segurança estavam a ser respeitadas? ” e

no que concerne à matéria vertida na conclusão 7 surge a seguinte dúvida: de onde decorre a conclusão de que “não havendo qualquer nexo causal entre uma eventual conduta contra-ordenacional e perigo para a vida ou integridade física dos trabalhadores ”?

Sucede que,

39. a resposta a tais questões é simples: resultam da conjugação que a douta sentença recorrida faz dos vários elementos probatórios juntos aos autos, tal como da mesma se pode ler:

“Declarações da testemunha C... que disse que no momento do acidente estavam a desmontar os andaimes para fazer a limpeza; que as pedras tinham acabado de ser retiradas das paredes; depoimento conjugado com o prestado pela testemunha Eng. D... , que foi ao local e verificou que não havia andaimes montados; que as mesas no local se destinavam a suportar os prumos utilizados na cofragem das vigas; e ainda relatório por si elaborado junto fls. 468, nomeadamente fotografias de fls. 470 a 473 e conclusões de fls. 460 de onde resulta evidenciado que, naquela concreta obra estavam a ser respeitadas as regras de segurança; não havendo qualquer nexo causal entre uma eventual conduta contra-ordenacional e perigo para a vida ou integridade física dos trabalhadores; e depoimento prestou a testemunha I... que chegou ao local imediatamente após o acidente e disse que o sinistrado tinha ido buscar um balde de pregos que esquecera em cima da porta; que utilizou uma escada extensível e se desequilibrou; tal versão foi corroborada pela testemunha C... , que trabalhava no local (...); tais depoimentos foram corroborados pelas fotografias de fls. 7, 33 de onde se colhe que não havia andaimes destinados à circulação de trabalhadores, antes a suportar prumos de suporte à cofragem da viga; a existência da escada em alumínio aludida pelas testemunhas, colhe-se das fotografias de fls. 392”

Sendo certo que,

40. da conjugação desses elementos probatórios, a matéria de facto não provada só poderia ter sido dada como tal por oposição à matéria de facto dada como provada.

41. No que concerne à conclusão 8, surge a dúvida ao recorrente o que quer a sentença significar quando refere que a testemunha C... “descreveu os factos de forma sentida ” e que factos foram esses?

Ora,

42. quanto aos factos, o próprio recorrente dá a resposta ao transcrever o excerto vertido nessa mesma conclusão 8: são os factos relatados pela testemunha I... , cuja versão foi pela testemunha C... confirmada: “que o sinistrado tinha ido buscar um balde de pregos que esquecera em cima da porta; que utilizou uma escada extensível e se desequilibrou. ”

Quanto à questão de ter corroborado a versão dos “factos de forma sentida ”, foi essa a valoração que o Tribunal fez da forma como a testemunha falou/prestou o seu depoimento.

Sendo certo que,

43. nem de outra forma era expectável que a testemunha depusesse - que não fosse de forma sentida - ao falar da morte do colega de trabalho!!!

B. DA CONTRADIÇÃO ENTRE FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

44. Reportando-se à matéria vertida nos pontos 10 a 14, das conclusões, refere o recorrente no ponto 15 das mesmas conclusões que: “existe, assim, um claro vício da sentença recorrida, previsto no art. ° 412. °, n. ° 2, al. c) do C. P. Penal e que respeita à invocada contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão quanto à matéria de facto Sucede que,

45. desde logo se refira que a douta sentença recorrida não padece de qualquer contradição.

O recorrente é que vê coisas onde não as há, sendo certo que, para tanto, limita-se a ir buscar parágrafos soltos e desgarrados dos demais fundamentos invocados na sentença recorrida e do respectivo enquadramento. Vejamos.

46. Do ponto 11, 12 e 13 das conclusões do recorrente resulta que existe contradição entre:

a) a matéria vertida no ponto 12) da matéria de facto quando a sentença refere que: “No dia e hora referidos em 11, o sinistrado e demais trabalhadores procediam à desmontagem dos andaimes e limpeza do interior ” e

b) a respectiva fundamentação da matéria de facto quando refere que “não havia andaimes destinados à circulação dos trabalhadores ” e quando se refere às declarações da testemunha C... ao referir que “disse no momento do acidente estavam a desmontar os andaimes para fazer a limpeza. ”,ficando o recorrente “na incerteza sobre se, afinal, existiam andaimes ou não na obra, se os mesmos foram ou não montados".

Sucede que,

47. a douta sentença recorrida não padece de qualquer contradição e, consequentemente, não veicula qualquer incerteza sobre qualquer matéria, mormente sobre se existiam ou não andaimes na obra. De facto,

48. resultou provado na douta sentença recorrida que:

“11. - No dia e hora referidos em 11, o sinistrado e demais trabalhadores procediam à desmontagem dos andaimes e limpeza do interior.

14. - O sinistrado E... esqueceu-se de um balde de pregos na parede sobre a porta, foi

buscar uma escada extensível, de onde caiu (...).

15. - Neste dia, no solo, encontravam-se rochas resultantes da demolição de parte das paredes da obra em reconstrução, encontrando-se a obra em fase de limpeza. ”

Sendo que,

49. também da matéria de facto dada como não provada, mormente dos pontos o), p), r), s) e u), resulta que, no dia e hora do acidente não havia andaimes montados na obra.

Ou seja,

50. conjugada a matéria de facto dada como provada com a matéria de facto dada como não provada, resulta que no momento do acidente em causa nos autos, os trabalhos de reconstrução eram executados ao nível do solo (e não em altura), pois que a obra se encontrava já em fase de limpeza, em que os trabalhadores procediam à retirada, do interior da obra para o exterior, dos elementos de andaime já desmontados. E,

51. tanto não havia andaimes montados no interior do estaleiro (destinados à circulação de trabalhadores), no momento do acidente que, quando o trabalhador E... (infeliz vítima) verificou que se tinha esquecido de um balde de pregos sobre a parede de granito existente do alçado posterior da obra, para o alcançar, teve que ir buscar e encostou na direcção deste uma escada extensível, em alumínio, da qual viria, infelizmente, a cair.

De facto,

52. isso mesmo resulta da fundamentação da sentença, isto é, da conjugação dos vários elementos probatórios que a douta sentença recorrida faz:

a) do depoimento da testemunha C... “que disse que no momento do acidente estavam a desmontar os andaimes para fazer a limpeza; que as pedras tinham acabado de ser retiradas das paredes; ”

b) “depoimento conjugado com o prestado pela testemunha Eng. D... , que foi ao local e verificou que não havia andaimes montados; que as mesas no local se destinavam a suportar os prumos utilizados na cofragem das vigas e

c) Ainda relatório por si elaborado junto fls. 468, nomeadamente fotografias de fls. 470 a 473 e conclusões de fls. 460 de onde resulta evidenciado que, naquela concreta obra estavam a ser respeitadas as regras de segurança (...); ”

d) “e depoimento prestou a testemunha I... que chegou ao local imediatamente após o acidente e disse que o sinistrado tinha ido buscar um balde de pregos que esquecera em cima da porta; que utilizou uma escada extensível e se desequilibrou;

e) Tal versão foi corroborada pela testemunha C... , que trabalhava no local (...) ”;

f) “Tais depoimentos foram corroborados pelas fotografias de fls. 7, 33 de onde se colhe que não havia andaimes destinados à circulação de trabalhadores, antes a suportar prumos de suporte à cofragem da viga;

g) A existência da escada em alumínio aludida pelas testemunhas, colhe-se das fotografias de fls. 392”

Pelo que,

53. Têm que necessariamente improceder as conclusões 11 a 13 do recorrente.

Mais,

54. O recorrente refere também na conclusão 14 como segue: “o Tribunal “a quo”, ao dar como não provado o facto de o trabalhador falecido subiu ao andar superior do andaime existente no interior da edificação, a cerca de 4,5 metros do solo, para pegar no balde que aí se encontrava, (facto vertido na al. c) dos factos não provados), e que se encontrava a subir a uma mesa de andaime, E... desequilibrou-se, facto vertido na al. d) dos factos não provados, foi dado como não provado, e a motivação da sentença refere que (e passa-se a citar): “... depoimento prestou a testemunha I... que chegou ao local imediatamente após o acidente e disse que o sinistrado tinha ido buscar um balde de pregos que esquecera em cima da porta; que utilizou uma escada extensível e se desequilibrou ” o que entra em frontal contradição com a fundamentação. ”

Sucede que,

55. não se vê aqui qualquer contradição!

Efectivamente,

56. bem andou o Tribunal ao dar como não provada a matéria vertida nos pontos c) e d) da matéria de facto dada como não provada, isto é, o Tribunal deu como não provado que “o trabalhador falecido subiu ao andar superior do andaime existente no interior da edificação, a cerca de 4,5 metros do solo, para pegar no balde que aí se encontrava ” e que “se encontrava a subir a uma mesa de andaime, E... desequilibrou-se ”, pois que, de facto, o trabalhador não subiu a qualquer andaime ou elemento de andaime para alcançar o balde de pregos, de facto, a douta sentença recorrida atentou, e bem, no depoimento da testemunha I... , que quanto a esta questão, referiu “que chegou ao local imediatamente após o acidente e disse que o sinistrado tinha ido buscar um balde de pregos que esquecera em cima da porta; que utilizou uma escada extensível e se desequilibrou tem necessariamente que improceder a 14 conclusão. Assim,

58. Por tudo quanto se deixou dito supra nos arts. 44.° a 51° têm que improceder a matéria vertida nas conclusões 10, 15 e 16, com o reparo de que o art.° 412.°, n.° 2 al c), não prevê nenhum vício de sentença respeitante à “contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão quanto à matéria de facto ”, tal como referido na conclusão 15 pelo recorrente, o qual dispõe que, a propósito das conclusões de recurso, “versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.

Nos sobreditos termos, deve o recurso deduzido pelo Ministério Público ser rejeitado e não ser apreciado, quando assim não se entenda, deve o mesmo recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida.”

6. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer acompanhando a posição defendida em 1.ª instância quanto à alegada inexistência da sentença, defendendo, contudo, para o caso de assim não ser considerado, a adequação das penas aplicadas.

7. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do CPP não houve reacção.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

                   De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões, sem prejuízo das questões que oficiosamente importe conhecer ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

Importa assim decidir, se:

- A sentença é inexistente;

- Ocorre vício previsto no art. 412°, n.° 2, al. c) do C. P. Penal, - contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão quanto à matéria de facto.

- Ocorre “vício de erro notório na apreciação da prova, por insuficiência de fundamentação”.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença recorrida [transcrição parcial]:

Produzida a prova e discutida a causa, provou-se que:

“1. L... e o arguido B... celebraram, em Agosto de 2011, um contrato de empreitada.

2. A obra destinava-se à execução de reconstrução e ampliação de uma edificação para arrumos numa edificação existente de rés-do-chão em alvenaria de pedra de granito à vista que servia de arrecadação e se encontrava em estado de ruína sem telhado.

3. A qual se localiza no (...) , na localidade de (...) , freguesia de (...) , concelho de Belmonte, área desta comarca.

4. O arguido A... , engenheiro civil, elaborou o projecto de reconstrução. 5- Este arguido era o responsável pela obra, que supervisionava os trabalhos de execução da obra de acordo com o projecto.

6. O início dos trabalhos de execução da obra ocorreu, em 14 de Fevereiro de 2012.

7-. O arguido B... era o encarregado geral da obra que se deslocava ao local da obra para examinar o desenvolvimento dos trabalhos de execução da mesma e aí se encontrava presente no dia 23 de Fevereiro de 2012.

8. Enquanto encarregado geral da obra, o arguido B... era quem fiscalizava a execução, pelos demais trabalhadores, do plano de trabalhos estabelecido.

9 - Na referida obra, no dia 23 de Fevereiro de 2012, procediam à execução dos trabalhos dois trabalhadores empregados do arguido B... - E... , falecido no acidente, e C... , ambos na categoria profissional de pedreiro.

10 - Todos estes trabalhadores actuavam sob as ordens e instruções do encarregado geral da obra, o arguido B... que era quem estabelecia no terreno o planeamento da execução dos trabalhos, o que também ocorreu do dia 23/02/2012.

11- Para levar a cabo a execução de alguns dos trabalhos de construção da cobertura da habitação em reconstrução, sempre seria necessário os trabalhadores executarem as suas tarefas em andaimes localizados em altura.

12) No dia e hora referidos em 11, o sinistrado e demais trabalhadores procediam à desmontagem dos andaimes e limpeza do interior.

13) O arguido B... estava no exterior da obra e sem visibilidade para o seu interior.

14) O sinistrado E... esqueceu-se de um balde pregos na parede sobre a porta, foi buscar uma escada extensível, de onde caiu, pelas 14, 30 horas, acabando por falecer após diversas manobras de reanimação efectuadas pelo INEM, que o encontrou já em paragem cardiorrespiratória com traumatismo crânio-encefálico com afundamento frontal que lhe causou directamente a morte.

15) Neste dia, no solo, encontravam rochas resultantes da demolição de parte das paredes da obra em reconstrução encontrando-se a obra em fase de limpeza.

16) O arguido A... é tido como bom cidadão e bom profissional;

17) arguido B... está integrado familiar e socialmente;

18) É construtor de edifícios;

*

Factos  não provados:

a) O arguido B... , localizado na parte exterior da obra, ordenou a E... que fosse ao interior da obra buscar um balde de pregos que se encontrava numa mesa superior do andaime.

b) Tal ordem foi cumprida por este trabalhador que foi buscar esse balde colocado no topo do andaime.

c) Este trabalhador, na execução da sua tarefa ordenada pelo arguido B... , subiu ao andar superior do andaime existente no interior da edificação, a cerca de 4,5metros do solo, para pegar no balde que aí se encontrava.

d) De imediato, enquanto se encontrava a subir a uma mesa do andaime, E... desequilibrou -se.

e) Como não tinha qualquer protecção no andaime, nem arnês amarrado, E... caiu desamparado ao chão em cima de pedras que aí se encontravam aglomeradas resultantes da demolição da casa em reconstrução.

f) Assim, o local de trabalho do falecido não se encontrava limpo de obstáculos

e materiais potenciando o risco de queda ao mesmo nível dada a existência de material demolido espalhado por toda a superfície de circulação dos trabalhadores.

g) No interior da casa em reconstrução, encontrava-se um andaime constituído

por: i. peças metálicas de encaixe com altura de 1,5 metros e largura de 1 metro,

ii. travessas tipo escada,

iii. estabilizadores de travamento do andaime cruzados em forma de X para introdução de um espigão com patilha de travamento que o montante do andaime

h) Neste andaime, estavam instaladas pranchas e vigas de madeira que constituíam a plataforma disponível para circulação de trabalhadores complementadas por dois montantes apoiados nas pranchas/vigas para aceder a essa plataforma.

i) Neste dia, no solo, sobre o qual estava o dito andaime, encontrava-se uma enorme quantidade de rochas resultantes da demolição de parte das paredes da obra em reconstrução as quais não tinham sido removidas até ao momento do acidente.

j) Assim, o local de trabalho do falecido não se encontrava limpo de obstáculos e materiais potenciando o risco de queda ao mesmo nível dada a existência de material demolido espalhado por toda a superfície de circulação dos trabalhadores.

I) Neste andaime, estavam instaladas pranchas e vigas de madeira que constituíam a plataforma disponível para circulação de trabalhadores complementadas por dois montantes apoiados nas pranchas/vigas para aceder a essa plataforma.

rn) O início dos trabalhos de execução da referida obra ocorreu, pelo menos, em 02 de Janeiro de 2012.

n) As pranchas/vigas existentes no interior da obra serviam de suporte a prumos de escoramento de uma prancha também apoiada em peças de andaime.

o) Estas peças do andaime foram colocadas nesse local pejos trabalhadores por conta do arguido B... .

p) O topo deste andaime localizava-se a uma altura de cerca de 4 metros e meio. r) Atendendo a que as pranchas e vigas se situavam acima do nível do pavimento em situação de andaime, mostra-se legalmente obrigatória a existência de protecção colectiva que garanta a prevenção do risco de queda em altura.

s) No andaime aí colocado não existiam guarda-corpos, nem passagem interior entre as diversas plataformas, nem tabuas de pé em número suficiente para preencher a totalidade das respectivas plataformas.

u) Na execução dos trabalhos de construção em altura, a cerca de 4 metros e meio do solo, que E... se encontrava a executar nos instantes anteriores à sua queda fatal, era utilizado um andaime no qual não existiam meios de acesso vertical entre os diferentes pisos do mesmo nem passagens interiores entre as diversas plataformas do dito andaime, as quais deveriam existir.

V) Os trabalhadores por conta do arguido B... não dispunham de cintos de segurança (arneses) que os ligassem solidamente a qualquer ponto estável e fixo da referida construção.

x) Ora, no local de trabalho de E... no dia do seu falecimento na sequência de queda aí sofrida, não existia protecção colectiva que garantisse a prevenção do risco de queda em altura. z) Além do mais, o acesso ao andaime era feito através dos montantes nele apoiados,

w) Quando a correta movimentação dos trabalhadores para acesso aos pisos do andaime é efectuada pelo seu interior, ou seja, por escadas e alçapões na própria prancha, o que não se verificava no local onde o falecido se encontrava então a trabalhar no momento da sua queda.

aa) Mesmo que não fosse possível colocar esta estrutura por insuficiência de equipamento, sempre se poderia utilizar uma escada devidamente estabilizada presa ao andaime e travada na sua parte inferior com os montantes a sobressair um metro acima da plataforma (piso) ao qual dava acesso, o que também não existia.

bb) O arguido B... não utilizou medidas de protecção colectiva e individual de forma a garantir a integridade física dos trabalhadores e evitar a sua queda.

cc) A existência de pedras soltas no interior do estaleiro, sem que houvesse remoção imediata das mesmas, contribuiu de forma decisiva para que o acidente de trabalho que vitimou E... fosse fatal, como foi.

dd) A falta de organização e gestão do estaleiro a nível da constituição de sistema de segurança, que não existia no estaleiro onde E... caiu fatalmente,

ee) No dia do acidente verificou-se falta de condições de prevenção e segurança no trabalho, designadamente falta de cumprimento das regras de segurança na montagem das estruturas de andaimes, limpeza do solo de estaleiro e existência de cintos de segurança que ligassem solidamente o trabalhador falecido a um ponto estável e fixo da referida construção, destinadas a prevenir a queda e altura de trabalhadores e a sua morte, que surge na sequencia da inexistência de equipamento de segurança a nível dos andaimes, do próprio trabalhador (cinto de segurança) e da existência de várias pedras de grandes dimensões no solo da obra,

ff) Uma vez que a existência de guarda-corpos, bem como meios de acesso vertical entre os diferentes pisos do andaime, passagens interiores entre as diversas plataformas desta estrutura e cinto de segurança seriam suficientes e adequados a evitar a queda fatal do trabalhador.

gg) E ainda que esta queda se verificasse, se o solo se encontrasse limpo de pedras provenientes da demolição da estrutura em reconstrução, existiam fortes probabilidades da queda não ser fatal.

hh) Ao arguido A... , enquanto autor do projecto e fiscal único da obra em causa, competia elaborar respectivo plano de segurança e saúde no projecto e fiscalizar a sua execução de acordo com o plano aprovado, o que conscientemente não fez.

ii) A este arguido incumbia impedir que a dita obra começasse sem plano de segurança e saúde aprovado o que conscientemente não assegurou.

jj) O arguido B... , entidade executante/subempreiteiro da obra referida, atendendo à exposição de trabalhadores a risco de queda em altura agravados pela utilização de andaimes, deveria ter aplicado plano de segurança e saúde assegurando o seu respeito pelos seus trabalhadores prevendo medidas adequadas a prevenir riscos especiais para a segurança e saúde dos trabalhadores como trabalhos que os expuseram a riscos de queda em altura, o que conscientemente não fez.

II) Este segundo arguido não devia permitir o início da obra sem a aprovação do plano de segurança e saúde devidamente adaptado à obra e sem uma fiscalização efectiva das condições de trabalho numa obra que implicava a realização de trabalhos em altura de 4 metros e meio.

mm) Atentos os especiais conhecimentos técnicos do arguido A... , engenheiro civil, e a experiência do segundo arguido B... no ramo da construção civil há mais de 15 anos como empreiteiro, era-lhes exigível que tivessem previsto o perigo de queda fatal de trabalhadores em altura em andaimes se estes não estivessem devidamente montados com guarda corpos, meios de acesso vertical entre os diferentes pisos, passagens interiores entre as diversas plataformas desta estrutura e cintos de segurança para os trabalhadores.

mm). Pelo que lhes competia exercer uma cuidada e contínua direcção e fiscalização da obra de forma a impor uma correta montagem dos andaimes, estruturas de protecção individual do trabalhador e limpeza do solo da obra onde se montavam os andaimes garantindo a sua segurança.

nn) A consequência da queda fatal de trabalhadores nessas condições era previsível para os arguidos que tinham o especial dever de evitar a criação desse perigo.

00). Os arguidos agiram de forma deliberada, livre e consciente sabendo que as suas condutas lhes eram proibidas e punidas por lei penal como crime.

Motivação:

Os factos atinentes ao autor do projecto, data de início da obra de reconstrução empreiteiro e subempreiteiro o arguido, colhem a sua demonstração nas declarações do arguido A... que disse ter elaborado o projecto, que os trabalhos se iniciaram em 14 de Fevereiro de 2012; que a obra era uma reconstrução de um barracão de rés-do-chão; conjugado com o teor do projecto de onde consta ser dona da obra L... ; autor do projecto, que também elaborou plano e segurança, o arguido A... , empreiteiro o Sr. M... ;

Acidente e óbito - certificação do óbito de fls.4;

Mais declarou o arguido que a sua responsabilidade apenas a conformidade entre a obra e o projecto; que visitava e fiscalizava regularmente a obra; não sendo da sua responsabilidade a adopção o não das medidas de segurança; tais declarações foram corroboradas pela testemunha Eng. J... , delegado da Ordem dos Engenheiros na Guarda, que explicou, de forma clara que a função do arguido A... era apenas a de fiscalizar a execução da obra no sentido de a conformar com o projecto, sendo que a fiscalização é, em regra, mensal; mais depõe sobre a situação pessoal e profissional do arguido A... dizendo ser bom cidadão, bom profissional, não tendo notícia de qualquer queixa contra ele; a testemunha Eng. G... prestou idêntico depoimento sobre as obrigações de fiscalização da obra mais dizendo que a segurança é da responsabilidade do director da obra, não do auto do projecto, e sobre situação pessoal e profissional do arguido A... . Também a testemunha H... , empreiteiro foi claro em afirmar ser o arguido bom profissional e nunca ter tido problemas com projectos;

Sobre os vertidos nos pontos 17 e 18 valorou-se o teor da informação de fls. 102 e depoimento de F... , vizinho, que o conhece bem.

Não se deram como provados os factos vertidos nesta sede, com fundamento nas declarações da testemunha C... que disse que no momento do acidente estavam a desmontar os andaimes para fazer a limpeza; que as pedras tinham acabado de ser retiradas das paredes; depoimento conjugado com o prestado pela testemunha Eng. D... , que foi ao local e verificou que não havia andaimes montados; que as mesas no local se destinavam a suportar os prumos utilizados na cofragem das vigas; e, ainda relatório por si elaborado junto fls. 468, nomeadamente de fotografias de fls. 470 a 473, e conclusões de fls. 460 de onde resulta evidenciado que, naquela concreta obra estavam a ser respeitadas as regras de segurança; não havendo qualquer nexo causal entre uma eventual conduta contra-ordenacional e perigo para a vida ou integridade física dos trabalhadores; e depoimento prestou a testemunha I... que chegou ao local imediatamente após o acidente e disse que o sinistrado tinha ido buscar um balde de pregos que esquecera em cima da porta; que utilizou uma escada extensível e se desequilibrou; al versão foi corroborada pela testemunha C... , que trabalhava no local, que descreveu os factos de forma sentida; tais depoimentos são corroborados pelas fotografias de fls. 7, 33 de onde se colhe que não havia andaimes destinados à circulação os trabalhadores antes a suportar prumos de suporte à cofragem da viga; a existência da escada em alumínio aludida pelas testemunhas colhe-se das fotografias de fls. 392 ;

Face a tais elementos probatórios não se valoraram os depoimentos de testemunha N... , e O... , militar da GNR, que foi chamado ao local do acidente, pelo que se deu como não provada a materialidade vertida nesta sede, sendo que a decisão administrativa nos autos de contra-ordenação não transitou em julgado.”

*

*

3. Apreciação

3.1. A inexistência da sentença

A sentença inexistente é o ato que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria duma sentença - Prof A... dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, pág. 114].

 Nos termos do disposto no art 374º, do CPP:

1 - A sentença começa por um relatório, que contém:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido;

b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;

c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;

d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.

2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:

a) As disposições legais aplicáveis;

b) A decisão condenatória ou absolutória;

c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime;

d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;

e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.

4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.

Por sua vez o artº 372º nº3 a 5 do CPP ao dispor sobre as regras de publicidade da sentença, impõe que a leitura da sentença seja sempre pública e obrigatória. A leitura completa pode ser omitida mas é obrigatória, sob pena de nulidade, a leitura, pelo menos, de uma súmula da fundamentação e, também, do dispositivo.

O que necessariamente significa que a sentença constitui uma peça processual cujos requisitos já têm que estar presentes quando o juiz procede à sua leitura em audiência.

Permite a lei que em certos casos, - mormente quando a sentença é muito extensa, -se não faça a leitura na totalidade ( art 372º, nº 3, do CPP): “ A leitura do relatório pode ser omitida. A leitura da fundamentação ou, se esta for muito extensa, de uma sua súmula, bem como do dispositivo, é obrigatória, sob pena de nulidade.”

O que obviamente a lei não consente é que a sentença não esteja feita.

Até porque logo após a leitura da sentença, o presidente procede ao seu depósito na secretaria. O secretário apõe a data, subscreve a declaração de depósito e entrega cópia aos sujeitos processuais que o solicitem - Artigo 372.º, nº 5, CPP.

Ora, ficando consignado na acta que foi lido um apontamento - que mais não é do que um rascunho, um esboço - não pode presumir-se que foi efectuada a leitura de uma sentença, mas apenas que o juiz se limitou a ler um rascunho do que, posteriormente, virá a fazer ou seja, afirma-se que lê uma “sentença” que, verdadeiramente, não existe.Com a devida consignação em acta.

Diversa seria a leitura por súmula de uma sentença devidamente elaborada, nos termos acima assinalados - omissão da leitura do relatório e leitura de súmula da fundamentação e do dispositivo.

Obviamente que nos referimos ao processo comum, já que as regras relativas à sentença no processo especial sumário têm as suas especificidades - art Artigo 389.º-A - embora no caso do nº 5 pouco divirja do regime regra.

Caso a leitura houvesse sido efectuada por súmula, nos termos acima assinalados, já o depósito tardio constituiria tão só uma irregularidade. E nesta hipótese, encontrar-se-ia sanada, nos moldes apontados pelo arguido na contra-alegação.

Porém, no caso concreto, a questão não se resume ao depósito tardio.

O apontamento que foi lido não obedeceu aos requisitos legais supra indicados por isso que é inexistente a sentença que foi lida “...por apontamento...” e, cujo texto final, foi depositado vários meses depois( neste sentido ac. Rel. Lisboa de 23-06-2005).

Também ac RE de 15.12.2015, em cujo sumário se lê: A falta de leitura de uma sentença existente é um vício claro de nulidade insanável. A leitura de “algo” que não é sentença é um vício de inexistência, quer da sentença, quer da leitura. Não se pode tornar público o que não existe.

De notar que a situação a que os autos se reportam não coincide totalmente com a pressuposta no ac desta Relação de Coimbra de 16 de Março de 2016, em que o recorrente fundamenta “a inexistência da sentença na circunstância de, ao arrepio do disposto nos artigos 372.º, n.º 5 e 373.º, n.º 2 do CPP, não haver sido a mesma depositada em ato seguido ao da sua leitura.”

Inexistindo a sentença, não produz qualquer efeito jurídico, pelo que inexistente é também o vício da leitura do apontamento e consequentemente inválido o posterior “depósito”.

E seguindo a tese vertida no acórdão da Rel de Évora de 15 de Dezembro de 2015, relator Des. João Gomes, “A não ocorrência da leitura constitui omissão sancionada com nulidade, como claramente flui da parte final do mesmo preceito.

O que se entende, já que a leitura da decisão, para além de ser o culminar de um processo público (aliás, mesmo o regime excepcional de exclusão da publicidade não exclui a leitura pública da sentença – artigo 87º, nº 5 do Código de Processo Penal) é o culminar de uma evolução civilizacional do processo penal que nos afasta do processo como sombra, de Kafka, e dos diversos totalitarismos mais ou menos concentracionários.

Aqui a importância do acto decorre da importância civilizacional do acto.

A letra da lei é clara no assacar do vício de nulidade a tal omissão - referido artigo 372º, nº 3 CPP - tornando-o obrigatório sob pena de nulidade.” - sublinhado nosso.

Em face do exposto, fica prejudicada a apreciação das restantes questões objecto do recurso.

III Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto e, consequentemente:

- declaram inexistente a “sentença” e subsequente acto processual consistente na sua leitura, supostamente feita em 16-01-2015, com a necessária anulação do depósito efectuado a 8.05.2015;

- determinam ao Sr. Juiz que elabore a sentença, proceda à sua leitura e ao respectivo depósito nos prazos assinalados pelo legislador.

Notifique. Sem tributação.

Coimbra, 19 de Outubro de 2016

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do C.P.P.).

(Isabel Valongo - relatora)



(Jorge França - adjunto)